O Ladrão Alado
Ele corria o mais rápido que conseguia, mas ouvia os homens que o perseguiam ainda no seu rastro, uns a cavalo e outros a pé com cães que, se ficassem em duas patas, eram quase maiores que ele. Não encontrariam nada com ele, porque já tinha tratado de distribuir os espólios de seu furto, que ele preferia chamar de redistribuição de comida e riqueza. Tinha feito muito por aquele vilarejo e o ouro que furtou desta vez iria garantir vários meses de comida para as famílias que o receberam, caso estas soubessem administrá-lo, mas isso já não era mais problema seu, tinha prometido que iria usar os seus dons para combater as desigualdades e os seus pés leves faziam dele um excelente ladrão. O que ele não esperava era a chuva, que estava muito forte naquele dia e, por sorte, antecipou a distribuição dos espólios, ou até isso seria prejudicado, já que a sua manipulação de vento não funcionava muito bem em dias de chuva forte e as suas asas, que ficavam quase sempre escondidas também não, então teve que fugir por terra e até isso estava prejudicado, pois os seus pés, mesmo leves como eram, deixavam marcas no solo encharcado.
O faro daqueles cães era algo extraordinário e, mesmo com a água tomando conta de tudo, eles ainda se mantinham na sua trilha, poderia ser pelo fato dele não gostar muito de tomar banho, mas ele preferia dar os créditos aos animais. Axis cresceu em um vilarejo na divisa entre os reinos de Ridirean e Fluraichean e, aos dez anos, acordou com um par de asas em suas costas. Eram asas transparentes, Membranosas e rígidas, que respondiam a estímulos como seus outros membros. A sua mãe então lhe contou que não sabia o que eram aquelas asas, e que ele não era filho dela de verdade, pois tinha sido deixado na porta da casa dela ainda bebê, mas lhe disse para manter as asas escondidas, para não ser hostilizado pelas outras pessoas, que poderiam não aceitar que ele era diferente, então, por muitos anos manteve as suas asas escondidas e com dezoito anos, tinha três pares de asas de tamanhos diferentes, que usava escondido treinando seu vôo.
A vila onde vivia era muito humilde e era subordinada de uma cidade vizinha, que cobrava impostos pelo uso das fontes de água, já que tinham controle sobre todas as terras ao redor. A maior parte do que produziam era dado ao lorde governante da cidade, que colocava à venda no mercado, deixando apenas o mínimo para sobreviverem. Revoltado com essa desigualdade, ele começou a saquear os depósitos da cidade e distribuir para as famílias da vila, mas mesmo ajudando, alguns moradores ficaram sabendo que era ele e o expulsaram de lá. A ingratidão das pessoas quase o fez desistir de ajudar, mas a sua mãe o incentivou, dizendo que ele tinha um dom dado pela Deusa, para que pudesse ajudar os mais pobres, por isso, deveria procurar onde precisavam dele e continuar ajudando-os, então era isso o que ele fazia e o Saqueador fantasma, como passou a ser conhecido, já era o fora da lei mais procurado do reino de Ridirean, até aquele momento em que tudo indicava que seria capturado e viraria comida de cachorro.
As suas asas estavam secas, protegidas pela sua capa, mas com o volume de água que caía, não conseguiria voar nem até a copa de uma árvore, então continuou a correr. Enquanto olhava para trás para ver se avistava os soldados que o perseguiam, ele não percebeu a mudança de nível do terreno e sentiu seus pés vacilarem por não tocarem o chão e, não tendo nenhum apoio, caiu pesadamente, se chocando contra as árvores, enquanto rolava morro abaixo. Deitado de costas no chão molhado, ele sentiu o sangue escorrer de sua testa e sentiu vários pontos de dor pelo seu corpo, mostrando que tinha se machucado bastante na queda. Uma flecha que se cravou no chão, a centímetros de sua testa, o fez olhar para o topo do morro, para ver que os soldados o olhavam de lá, enquanto procuravam um jeito de descer, os cachorros também evitavam o terreno escorregadio, mas o arqueiro preparava outra flecha que dificilmente iria errar.
— Mate-o e vamos para casa — um homem que parecia ser o líder deles ordenou de cima de um cavalo, mas antes que o arqueiro pudesse soltar a flecha fatal, uma outra flecha o atingiu bem no olho, fazendo-o cair já sem vida.
— Estamos sendo atacados, homens — o líder gritou, alarmado —, se preparem para a batalha!
O líder sacou a sua espada e se ajeitou em seu cavalo, mas não pode reagir quando um enorme lobo saltou sobre ele, tirando-o de cima de sua montaria e terminando de matá-lo no chão. Axis viu os outros soldados tentando fugir, desesperados, mas ouviu os gritos de dor e desespero, que mostravam que tinham sido pegos também. Ele nunca tinha visto lobos daquele tamanho e sabia que era um alvo fácil para eles também, já que não tinha forças para se levantar dali. O terreno onde estava deitado, estava ficando alagado e ele começou a apostar se morreria comido por um lobo gigante, ou afogado quando a água o cobrisse, o certo era que não havia mais esperanças, certamente tinha quebrado alguns ossos e estava entrando em choque, porque a dor estava sumindo. De olhos fechados, quase inconsciente, sentiu uma sombra cobrir o seu corpo e, abrindo um pouco os olhos, viu um lobo se aproximar, montado por um homem pequeno. Ele pensou estar delirando, mas quando a fera abriu a boca para devorá-lo, fechou os olhos instintivamente e acabou apagando.
Quando abriu os olhos novamente, estava deitado de bruços em uma esteira e não sentia mais dores pelo corpo até que, sem entender onde estava, se ajoelhou e depois levantou-se de uma vez, batendo a cabeça violentamente contra o que parecia ser o teto do lugar e caindo de bruços novamente, sentindo dor no local da pancada. Virando-se com dificuldades de barriga para cima, ele pode ver que, o lugar onde estava, tinha um teto bem baixo, e, olhando ao redor, viu que os móveis eram bem pequenos também, e tinham sido afastados para darem espaço para a esteira de palha que estava usando como cama. Um barulho o fez olhar para a porta do cômodo e uma mulher pequenina o olhou e sorriu.
— Olha só — ela disse, assim que o viu a olhando —, finalmente acordou!
— Parece que a sua cabeça criou um calo e está mais resistente agora — ela disse, se aproximando dele, que se sentou e deixou ela colocar uma bolsa aquecida sobre a sua cabeça, aliviando a dor da pancada. Ela devia ter pouco mais de um metro de altura e um rosto gentil, que o fazia lembrar de sua mãe adotiva.
— Quantas vezes eu bati a cabeça assim? — ele perguntou, pegando um copo com água que ela lhe deu e, bebendo o líquido, percebeu o quanto estava com sede.
— Que eu vi, foram três — ela respondeu, sorrindo —, mas foi até bom, porque seus ossos ainda não tinham se curado totalmente.
— Quanto tempo estou aqui? — ele perguntou, se lembrando do lobo que abriu a boca para lhe devorar — E quem me salvou do lobo?
— Você está aqui há cinco dias — ela respondeu, pegando-o de surpresa —, e quem te salvou, foi o lobo. Na verdade a loba. Layka é a alfa da matilha, ela é a Compairtiche do meu filho Logan, que é o general de nosso exército, mas isso é muita informação para você assimilar de uma só vez.
— Eu preparei o jantar e você precisa comer — ela disse, carinhosamente enquanto puxava uma mesa baixa e colocava perto dele —, nós do povo Bheag, temos o costume de comer conversando, então você poderá me contar a sua história, o que é, de onde vem e porque estava fugindo.
— Mas não se preocupe — ela continuou, enquanto trazia uma panela com um cozido cheiroso, que parecia estar delicioso também, e a colocava sobre a mesa, voltando para pegar os pratos e talheres —, não haverá julgamento algum de minha parte, você não parece ser um jovem ruim, eu só quero lhe conhecer melhor.
— Isto está delicioso! — ele disse, comendo avidamente — Me desculpe pelos modos, eu não como um cozido assim há um bom tempo. O meu nome é Axis, como a senhora se chama?
— Eu me chamo Aurora — ela respondeu, servindo-se também —, é coelho com batatas, os ingredientes são da nossa criação e plantação. Vivemos no subterrâneo em regiões montanhosas há séculos e aprendemos a nos defender quando desenvolvemos a ligação mística com os lobos gigantes. Chamamos essa ligação de Compairtiche e acontece quando um Bheag faz dez anos. Ele tem a alma ligada a um jovem lobo e ambos cuidarão um do outro pelo resto de suas vidas. Layka é a mais poderosa dos lobos, por isso é a alfa, ela foi do meu marido e, após ele tombar em batalha, ela se ligou ao meu filho, que tinha perdido o seu lobo na mesma batalha e, após vencerem, assumiu o posto de general. — Apesar de sermos um povo pequeno — ela continuou, vendo que ele prestava atenção mesmo repetindo a refeição várias vezes —, somos ferozes em batalha e temos a força de mais de dez vezes o nosso próprio peso, mas somos um povo de paz, por isso decidimos viver no subsolo.
— Eu fui deixado em uma cesta na porta da casa de uma humana, quando ainda era apenas um bebê — ele começou a contar, sentindo a barriga pesada após comer tanto —, mas quando eu completei dez anos, acordei diferente e ainda não sei o que sou.
— Você está se referindo às suas asas? — ela perguntou e, vendo que ele ficou constrangido, disse: — Não precisa se envergonhar do que você é, querido. Há muito tempo, existiam muitas raças vivendo em Alearth e todas viviam em harmonia, até que veio a corrupção do sacerdote e o mal surgiu sob a forma do ser nefasto que ele se tornou, corrompendo muitas raças que decidiram segui-lo. Das sete raças que representavam os elementos primordiais, seis decidiram deixar Alearth e criar seus próprios reinos, levando consigo as raças inferiores, para viverem por lá, longe do mal de Dolghur. Alguns membros dessas raças permaneceram por aqui, na esperança de continuarem em harmonia com os humanos, mas, mesmo com a queda de Dolghur na grande guerra da Aliança, os humanos não sabem coexistir em harmonia com nenhuma outra raça, nem com a natureza ou com os animais.
— Como os humanos não conhecem essas histórias — ele perguntou, admirado com o que acabou de ouvir.
— A memória humana é seletiva e com o passar dos tempos, as histórias viram lendas e caem no esquecimento — ela respondeu, mas existem seres como nós, que conhecem e preservam a memória das coisas. Você é um Fada, suas asas e os seus poderes de vento, provam isso.
— Como a senhora sabe dos meus poderes? — ele perguntou, assustado.
— Você conjurou rajadas de vento enquanto dormia — ela respondeu rindo — os móveis estavam afastados de você quando acordou, e não fui eu quem os afastou.
— Um fada — ele repetiu, pensativo — foi bem difícil crescer sem saber quem eu era, mas agora que descobri, não sei o que fazer com isso.
— Desde que seja algo bom, querido — Aurora disse, levantando-se e recolhendo os pratos e a panela —, não importa o que seja.
— Eu não sou um jovem bom. Eles estavam me perseguindo porque sou um ladrão — ele disse, deixando o semblante cair, com medo dela o expulsar dali após ele assumir —, desde que dominei os meus poderes e aprimorei o meu vôo, eu comecei a roubar dos senhores abastados e dividir entre os pobres, mas desta última vez, algo deu errado na fuga.
— Roubar é muito feio — ela disse, chegando da porta —, mas você não parece ficar com nada do que rouba para você. Há uma nobreza muito grande em suas ações. É um grande paradoxo moral, roubar para redistribuir as riquezas, cometer crimes com intenções nobres. Você é um bom rapaz, e deve continuar lutando contra injustiças, mas não deve mais roubar.
— Mas agora, você precisa voltar a descansar — ela disse, com um sorriso — estamos no início da noite e amanhã eu o apresentarei para os outros e você estará livre para seguir o seu caminho.
— Muito obrigado por tudo! — ele agradeceu, com um sorriso e a viu saindo do quarto. Ele estava bem alimentado e seguro, então se deitou e se permitiu relaxar.
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