Capítulo 7 - Em casa
Rio de Janeiro, RJ
20h36m
Felipe estava parado debaixo do chuveiro de olhos fechados e com uma touca de banho. A água fria caindo em seus ombros negros. Seu celular em cima da pia tocando musica no volume máximo. O menino pensava se realmente queria o que lhe fora proposto. Antes achara graça naquilo, mas agora tinha que tomar uma decisão que talvez afetasse o resto de sua vida. Lembrou então que já havia aceitado, porém sempre dá pra simplesmente não ir. Os amigos com os quais ele saía sabiam muito bem disso.
Desligou o chuveiro e foi para frente do espelho, tirando a touca e arrumando o Black Power. Estava perfeito. Agora se sentia ainda mais flexível do que antes. Aquele processo estranho realmente mexera com seu corpo. E ele adorava o próprio corpo. Adorava a frase "Há mais razão em teu corpo do que em tua maior sabedoria", não que já tivesse lido Nietzsche.
Desligou a música e saiu do banheiro já usando pijama. Sua avó estava no único quarto da casa.
- Eita! Não vai sair hoje não? - perguntou a senhora em voz alta.
O neto apenas sorriu. Passou-lhe pela cabeça o fato de que só iria ver a família de tempos em tempos. Foi até a mãe na cozinha, onde ela fazia o jantar.
- O que tem pra hoje? - perguntou abraçando-a.
- Sopa. - disse a mãe retribuindo o abraço.
E assim ficaram por um tempo.
Sua casa era minúscula, abafada e quente. Não possuía janelas, pois era grudada nas casas vizinhas. O ar só podia entrar pela porta da frente na cozinha ou pela janelinha do banheiro nos fundos. O quarto entre os dois cômodos era onde Felipe dormia com a avó, a mãe e o irmão mais novo.
- Eu tenho que te contar uma coisa mãe. - disse, e conseguiu sentir o coração da mãe acelerando.
Então Felipe contou a história do emprego dos sonhos em São Paulo e disse que teria que ir já no dia seguinte. A avó, ao ouvir aquilo, levantou e foi para a cozinha ajudar a filha a interrogar o neto. Questionavam sobre a segurança, quem pagaria a viagem e várias outras dúvidas importantes ou não. Passaram mais de uma hora fazendo perguntas, um falando mais alto que o outro. Quem passasse em frente à casa poderia pensar que estavam brigando. Mas no fim, para a surpresa de Felipe, ainda que com lágrimas nos olhos, a mãe e a avó permitiram que ele fosse. Acharam que o menino merecia uma vida melhor que aquela e que se era o seu sonho ele poderia ir.
Felipe agradeceu abraçando as duas e voltou para o quarto onde o irmãozinho de oito anos dormia. Ao deitar ao seu lado percebeu que ele estava acordado e chorando baixinho.
- Tu vai embora, irmão?
Felipe explicou, mas o irmão não quis entender. Chorava cada vez mais alto. O carioca sentiu uma queimação no peito, como se algo quisesse sair lá de dentro. Só pôde abraçá-lo sem dizer nada e esperar ele parar. Mas até lá estava chorando também.
Depois de muito choro estavam todos jantando, cada um com seu prato de sopa. Não era o mais adequado para aquele calor, mas era o que tinha.
Sua mãe sempre chamava sua atenção por ele checar o celular enquanto jantava. Pedira o número dos seus três novos amigos antes de se despedir e criara um grupo para conversarem.
Há muito tempo descobrira que é mais fácil conhecer as pessoas de forma mais íntima conversando à distância. Descobrira que Tatiana também tinha um irmão mais novo e que ele era a pessoa que ela mais gostava no mundo; que Raí nunca fora pra escola; que Magno usava óculos escuros por causa da morte da mãe ou algo assim; e que os quatro tinham mais em comum do que imaginara. Todos dormiam muito tarde, por exemplo.
Raí contava que a mãe aceitara bem a mentira, porém tinha uma tia em São Paulo que a mãe recrutara para vigiá-lo. Usava frases curtas e diretas, isso quando falava.
Magno ainda não contara para o pai. Disse que tinha dificuldade de falar com ele. O tanto que o mineiro não falava pessoalmente falava online. Felipe descobrira que o amigo conseguia até ser engraçado.
Tatiana dissera que ia tirar um cochilo ao meio-dia e desde então não falara mais.
-X-
No dia seguinte Felipe recebeu uma mensagem dizendo a hora em que seria buscado. Já havia feito a mala. Uma pequena mala de mão como recomendado. Esperava o carro em frente à casa com a família comovida. Havia mentido que chamara um Uber e inventara uma desculpa para não o acompanharem até o aeroporto. A cada mentira parecia que perdia um pedacinho de si.
Quando o carro chegou deu mais um longo abraço e um beijo em cada um e partiu chorando.
Não esqueça de deixar uma estrelinha se gostou! ^^
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