26 - Existe um lado ruim e um lado bom disto tudo.
[04 de Junho de 1985]
— Não mexa com isso. – Celine pediu, surpreendendo Dandara.
A garota que estava prestes a colocar o relógio em seu pulso, se virou para trás para ver Celine sentada na cama, olhando para ela.
Dandara suspirou.
— Tenho a impressão de que essa não é a primeira vez que mexo nesse relógio hoje.
— Está certa. Você o pegou e viajou para o futuro porque queria impedir a pandemia.
— E?
— E impediu.
— Então por que não está me deixando fazer isso?! Por que voltou e quer que eu não mexa mais?
— Porque você impediu a pandemia, mas no lugar, uma guerra começou.
Dandara levantou as sobrancelhas e abriu a boca.
— O-o que quer dizer? Por que isso aconteceu? Como?
— Dandara, o tempo é muito mais complexo do que pensa, e em casos assim, com acontecimentos em massa, a ordem dos fatores não altera o produto.
— Celine, fale de maneira leiga, por favor!
— Acontecimentos grandes e desastrosos não são fáceis de impedir, existem diversos fatores que tornam isso difícil. Para resumir, onde existe desastre, existe uma probabilidade muito grande de continuar um desastre, mesmo tendo impedido aquele primeiro.
— Mas... – Dandara andava em círculos pelo quarto, tentando assimilar aquelas informações em sua cabeça. – Não faz sentido... E aquela teoria...Deixa-me lembrar o nome...Aquela do efeito borboleta, teoria do caos.
— A que de uma simples mudança pode trazer grandes consequências.
— Isso! Não era para ser assim? Eu mudei um pequeno detalhe e fez uma pandemia nunca ter acontecido, não era para ter parado por aí?
— Minha mãe tinha esta teoria de que existem grandezas e forças maiores atuando no universo além do espaço e o tempo, e de que nós como viajantes do tempo não exercemos força para mudanças tão significativas. Ela gostava de chamar de força da natureza, e você pode chamar do que acreditar. Essa era a teoria dela, já eu, prefiro pensar que mudanças abrem infinitas portas para outros acontecimentos, como nesse caso, o mundo não teve de se preocupar com uma pandemia e com isso surgiram outras preocupações, discussões, brigas e a porta da guerra se abriu, e se você impedisse isso também, quem sabe o que mais aconteceria? O que eu sei é que onde existe um desastre...
— Existe mais probabilidade de continuar um desastre...Eu entendi! Mas não existiria um jeito de ter mais força ou sei lá, fechar as portas ruins?
— Talvez, com vários viajantes do tempo atuando juntos, o que é totalmente inviável já que isso significaria colocar um poder desses nas mãos de muitas pessoas.
Dandara bateu os pés fortemente no chão, indignada.
— Então qual o sentido?! Qual o sentido de ter uma máquina do tempo?!
Celine pegou Dandara pela mão e a fez se sentar ao seu lado na cama.
Dandara estava visivelmente frustrada. Ela queria impedir, queria fazer do futuro um lugar melhor do que aquele que ela conhecia.
— Por isso que nem sempre gosto de ter uma máquina do tempo. – Celine confessou. – Mas tem um lado bom em poder viajar no tempo.
— E qual é? – Dandara a olhou.
— Eu vou te mostrar.
Celine, ainda de mãos dadas com Dandara, a guiou para fora da casa. Subiu em sua moto e esperou que a outra fizesse o mesmo.
A loira parecia saber exatamente onde ir. A moto corria ligeira e Dandara segurou mais forte a cintura da garota. Estacionaram de frente para uma loja bonita em cores pastéis. Na vitrine, diversas roupas diferentes.
— O que estamos fazendo aqui? – Dandara perguntou, seguindo Celine adentro.
— Esta é uma loja de roupas de várias épocas distintas.
— E para quê? Para onde a gente vai?
— A pergunta certa é para quando a gente vai.
***
[04 de Junho de 1958]
O sol brilhava naquele dia, raiava e iluminava a areia branquinha da praia. As palmeiras dançavam, culpa do vento manso. Apesar de estarem no outono, aquele dia mais parecia como um dia tranquilo de verão.
As pessoas andavam pela orla da praia. Na areia, pessoas tomando banho de sol. Um rapaz, de uns vinte e poucos anos, cantava uma das músicas populares da época enquanto tocava num violão. Era pura Bossa Nova¹.
Entre todas aquelas pessoas, vestidas com vestidos brancos estampados, óculos escuros e chapéus estavam duas garotas, Dandara e Celine.
— Estamos em outra época, então, Dandara, tenha cuidado, não converse com ninguém, não esbarre em ninguém, qualquer coisa pode alterar o futuro e não queremos isso...
Quando Celine terminava de falar, Dandara, distraída com aquelas "novas" coisas, tropeçava em seu próprio pé.
Antes que ela caísse e fizesse uma cena que pudesse ter consequências, Celine a segurou pelo braço, impedindo que caísse.
— Dandara! – Celine a repreendeu.
— Desculpa, desculpa.
As duas continuaram a andar, se afastando de todas aquelas pessoas e encarando o mar da parte mais vazia da praia.
— Tinha razão. – Dandara começou. – Tem um lado bom em viajar no tempo.
Ainda estava desapontada e frustrada, mas ver a vista daquele tempo passado, a fez se acalmar.
— Eu sempre tenho razão. – Dandara elevou uma das sobrancelhas e cruzou os braços. – Estou brincando. – Celine riu.
— Você está um charme com esse vestido. – A futurista soltou de repente e Celine a olhou, feliz e surpresa. Celine ficou a olhando por um tempo.
— Eu te amo, Dandara.
Dandara a encarou.
— Eu...
Mas não concluiu sua frase porque Celine começou a andar pela praia, e ela apressou seus passos para alcança-la.
A loira não a disse, mas não queria que Dandara se sentisse obrigada a responder aquelas sete letras de volta para ela. Celine a amava e não sentia necessidade de esconder aquilo, mas não queria forçar nada, havia aprendido que Dandara tinha o tempo dela.
Olharam a cidade enquanto saiam da praia. O movimento de carros era pouco e as ruas ainda eram de pedrinhas naquela cidade litorânea. Muitas coisas estavam diferentes do que tornariam a ser em 85, e mais ainda do que seriam em 2021. A casa de praia, por exemplo, estava sendo construída naquele ano.
Celine parou abruptamente num dos bairros mais tranquilos da região. Ela se aproximou de uma casa simples de grades amarelinhas. Dandara seguiu o olhar da loira, e no fundo do quintal da casa havia uma garota de cerca de treze anos. Quando a viu, Dandara soube de quem se tratava.
— O que ela está fazendo? – Ela perguntou curiosa enquanto a via mexer com algumas bugigangas.
— Desmontando uma tevê. – Celine respondeu. – Minha mãe gostava de desmontar coisas para que visse como elas funcionavam. Pelo que ela me disse, essa é a segunda que ela desmontou, havia feito o mesmo com outra anos antes e ganhado um belo castigo, mas era teimosa. Vai ganhar um castigo maior daqui a pouco.
— Você se parece com ela.
— Obrigada.
— Podemos ver o seu pai também?
Celine sorriu pela animação de Dandara.
Ela anuiu a cabeça e começou a andar.
Yuri morava em um casarão grande e bonito azul, de janelas para a rua, em outro bairro. Do outro lado da rua já dava para ver o garotinho de doze anos, em seu quarto. Dandara sentiu pena ao vê-lo chorando, encolhido.
— O que houve? – Ela perguntou.
— Não é como se eu soubesse responder tudo, Dandara. Nunca havia visitado esta data antes.
— Ah, é.
— Mas provavelmente é por causa do pai dele. Meu avô nunca foi bom com meu pai, ele mal dava atenção para a família. Meu pai tinha muitos ressentimentos com ele.
— Infelizmente para muitos a família não é lugar de amparo. Sei disso muito bem.
— Sabe, – Celine olhou aquele garotinho que um dia viria a ser seu pai. – Esta é a primeira vez que o vejo chorar. Ele nunca chorou na minha frente durante aqueles dezessete anos.
As duas ficaram em silêncio por um tempo.
— Vamos. – A loira chamou, começando a andar. – Tem um lugar que quero ir.
Dandara sorriu e a acompanhou, lado a lado. Sorriu ainda mais ao ver que haviam parado de andar naquele mesmo parque municipal que Celine havia a levado em um dos primeiros dias nos anos oitenta. Dandara não havia entendido a cesta que Celine carregava até aquele momento. Ela tirou de lá um pano branco e cobriu a grama, onde as duas se sentaram.
Haviam muitas árvores cheias de frutas. Celine se levantou e apanhou maçãs, laranjas e acerolas. Na cesta haviam alguns doces, que ao invés dos pirulitos que a loira amava, ou os guarda-chuvas de chocolate, eram suspiros, pés de moleque e outros doces dos anos cinquenta.
Também havia um livro dentro daquela cesta. Depois que Celine se sentou novamente, Dandara apanhou o livro e deitou sua cabeça sobre as coxas de Celine, as fazendo de travesseiro. Leu alguns poemas daquele livro, queria aproveitar daquele momento. Mordiscou uma maçã e fechou o livro. Levantou o olhar, vendo Celine acariciando seu cabelo.
— Você está bem? – Ela perguntou. – Não conversamos muito sobre o que aconteceu ontem.
— Vou ficar bem.
— Eu estive pensando...Você, você... – Dandara hesitava. – já pensou em...
— Em tentar impedir a morte deles de novo? – Dandara anuiu.
— Eu sei que disse que você devesse desprender, porque parece que é o que eles gostariam, mas os ver assim hoje, crianças, me faz desejar que eles vivessem mais do que viveram. E agora que soubemos que estiveram no futuro, talvez...
— Eu entendo, Dandara. E estaria mentindo se dissesse que não pensei nisso. Mas eu já desisti há um tempo. Porque enquanto eles estiveram vivos, eu os desobedeci muitas vezes, e me arrependi todas elas. Não quero fazer isso de novo, talvez eu nunca saiba o motivo, mas eu sei que eles tiveram um muito bom, então confiarei neles.
Dandara fechou os olhos. E por alguns minutos as duas ficaram daquele jeito.
— Eu também. – Dandara disse.
— O quê?
— Eu também te amo.
✨✨✨
SUMÁRIO
1. Bossa Nova: Movimento popular da música brasileira que surgiu no final da década de 50 e depois deu nome ao estilo musical mais simplista, composto principalmente por voz e violão, influenciado pelo samba e pelo jazz norte americano.
✨✨✨
Oii gente!! Como estão?
Dandara conhecendo também outras épocas além dos anos 80. O que acharam?
Um grande beijo e nos vemos na próxima
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