21 - Década de oitenta.
[18 de Maio de 1985]
Dandara havia arrumado uma bicicleta. Ela não era lá essas coisas, era de segunda mão e sua pintura estava desgastada, mas como os freios e os pedais estavam em bom estado, Dandara estava bem.
Pedalava pelas ruas, se acostumando ao barulho de pássaros e carros. Não tinha destino certo, e às vezes, ela preferia que fosse assim.
Quando viu o letreiro charmoso da lanchonete, ela parou. Beatrice estava do lado de fora, cumprimentando os fregueses que começavam a surgir e Dandara deduziu que, pelo dia, Celine estivesse de folga. Dandara não queria ver a jovem cientista ainda, então não sentiu problema ao sair da bicicleta e se direcionar a entrada do estabelecimento.
— Dandara! – Beatrice a cumprimentou com sua voz fina.
— Ei, Beatrice. Achei que não ficasse muito aqui na loja depois de ter se tornado a dona.
— Não venho sempre, mas, às vezes sinto saudades do tempo em que eu era uma mera garçonete desse lugar. Olha, – Beatrice puxou Dandara para dentro da loja. – Não está muito melhor agora? – Beatrice perguntou encarando os arredores.
— Está a mesma coisa...
— Quero dizer... Não fiz tantas alterações, mas, o ar não está melhor?
— Muito melhor. – Dandara fez uma cara risonha.
— Vamos, quer um café? – Beatrice perguntou passando para o outro lado do balcão.
— Aceito um.
— Celine me disse que você não está mais hospedada na casa dela. – Beatrice comentou enquanto preparava o café.
— Não estou.
— Vocês brigaram?! – Beatrice perguntou num tom dramático e Dandara soltou uma risada breve.
— Havíamos brigado sim, mas não estamos brigando mais.
— Ah...bom, deve ser realmente complicado viver no mesmo teto que a Celine. Não diga a ela que eu disse isso. – Dandara soltou mais uma risada.
— Não direi.
— Aqui, seu café.
Dandara continuou ali, sentada perto do balcão, tomando de seu café e conversando com Beatrice por um tempo. Foi bom, porque Beatrice era uma garota dos anos oitenta, que agia e falava como uma garota dos anos oitenta, e assim, Dandara sentia como se aprendesse mais sobre aquela época que ela só conhecia antes pelas histórias de suas vizinhas e pelos filmes que passavam à tarde.
Depois, saiu da lanchonete e pedalou. Dessa vez, sabia aonde gostaria de ir.
Parou próxima ao centro da cidade. Entrou naquele lugar, ah, era tão bonito, Dandara pensava.
— Presumo que não tenha vindo aqui para fazer uma certa identidade. – Uma voz falou com ela, e Dandara se virou, vendo João.
— Ah, não, não. – Ela disse ainda olhando a decoração da danceteria vazia. – Ainda não começou?
— Não. Hoje começa mais tarde.
Dandara se virou para ele.
— Desculpe por aquilo. Ter saído daquele jeito.
— Você não deve satisfações a mim.
— Mesmo assim eu...
— Vem, antes de começar eu te preparo uma bebida. O que acha? – Ele sugeriu caminhando até o que parecia uma espécie de bar.
— Eu não bebo álcool.
— Um refrigerante, então? – Ele sugeriu com um sorriso e ela assentiu.
Dandara o viu caminhar até o outro lado do balcão e fez um meio sorriso por ser a segunda vez que aquilo ocorria no dia.
Dandara o olhou pegar o refrigerante. João era alto, magricelo, tinha cabelos pretos lisos penteados para o lado direito. Usava uma jaqueta escura e calças jeans claras. Tinha uma aparência confiante e ao mesmo tempo modesta. Dandara o conseguia imaginar atrás daquele balcão ouvindo as mais diversas pessoas e o julgava ser daquele tipo, um ouvinte.
— Achei que você trabalhasse lá atrás. – Ela apontou para a portinha que havia entrado no outro dia.
— Eu faço os dois. A parte legal e a parte mais ilegal também. – Ele deu uma piscadela.
— Você só faz as identidades falsas ou faz outras coisas também? – Dandara perguntou em tom baixo, com curiosidade.
— Por quê? Você está me imaginando vendendo drogas ou coisa do tipo? – Ele perguntou soltando uma risada. – Eu só faço as identidades e alguns outros documentos e só. E eu não faço para qualquer um, então deveria se sentir privilegiada.
— Vou me lembrar disso. – Dandara afirmou rindo. – João, há quanto tempo conhece a Celine? – Ela perguntou depois de um tempo, mudando de assunto.
— Há uns anos. Ela é uma boa pessoa.
— Vocês são amigos?
— Não sei se ela me considera um amigo, mas eu a considero uma amiga. E vocês, são amigas?
— Eu não sei dizer. Estava hospedada na casa dela.
— Você vem de longe então?
— Sim, de bem longe.
— E você está gostando daqui?
— É legal, confesso. Bem diferente do que eu tinha antes.
— Fico feliz que goste daqui. Eu moro aqui desde meus dois anos quando mainha veio para cá trabalhar, então considero esse lugar minha cidade.
Um grupo de pessoas entrou na danceteria.
— Veja, o movimento está começando. – João apontou.
***
— Alô.
Era a voz de Daniel na outra linha. Celine esboçou um meio sorriso, ajeitando aquele velho telefone.
— Ei, Celine, você está aí ou deu tilt?
Então Celine soltou uma risada.
— O que foi? Do que está rindo, sua engraçadinha?
— É só que já havia me esquecido dessa expressão.
— Ah é? E não usam mais essa expressão no futuro?
— Em 2021, essa expressão está substituída por bugou.
Foi a vez de Daniel soltar uma risada.
— Da onde tiraram isso?
— Veio de uma expressão inglesa pelo que eu me lembro.
— O futuro parece promissor. – Ele disse entre risadas. – Mas prefiro não saber muito sobre ele, estou feliz vivendo meu presente.
— Isso é bom. – Ela afirmou.
— E como você está? Notícias da Dandara?
— Beatrice disse que ela passou na lanchonete hoje mais cedo. Acho que ela está bem. E se ela está bem, eu também estou.
— Você sabe que não é bem assim que as coisas funcionam.
— Eu estou bem. – Celine reafirmou, e do outro lado, Dan cerrava suas sobrancelhas. – Tenho algo para te mostrar. – Ela mudou de assunto. – É uma nova invenção.
— Faz tempo que não fazia novas invenções. O que é essa? – Ele perguntou animado.
— Te mostro amanhã quando passar aí.
— Não me deixe ansioso, Line! – Ele a repreendeu e ela sorriu.
— Tenho que desligar. Te vejo amanhã.
***
Daniel abriu a porta de seu pequeno apartamento, e Celine entrou.
— Vai me mostrar sua invenção? – Ele perguntou visivelmente curioso e animado.
— Sim. – Ela abriu a bolsa. – Eu chamo isso de "o arco-íris de Dan". – E tirou o objeto da bolsa.
— Um batom? – Dan juntou as sobrancelhas.
— Não um simples batom. – Celine mostrou. Toda vez que ela girava um pequeno mecanismo do objeto, o batom mudava de cor. De azul para vermelho, de vermelho para amarelo, e assim por diante. – Ele tem sete cores.
— Que coisa mais linda!
— E não acaba por aqui. Se você apertar nesse botão rosa, o batom se fecha e se torna um spray de pimenta.
— Que incrível, Line! E ainda com um spray de pimenta, eu só tinha ouvido falar disso nos Estados Unidos. Eu preciso de um desses!
— Pois é seu. – Celine estendeu sua mão com o objeto.
— Sério?
— Aham.
— Obrigado, Line. – Ele disse se sentando e passando o batom, na cor verde, em sua boca. Celine ficava encantada vendo que ele passava o batom sem olhar no espelho e não se borrava.
Celine se sentou no sofá também.
— Agora, me diga, Line, sem mudar de assunto, como se sente?
— Estou bem, já te disse.
— Não está tão bem assim, eu te conheço.
Celine suspirou.
— É só que fico pensando que a Dandara a qualquer momento pode ir embora. – Celine confessou. – Eu fiz tudo errado. Eu não consegui fazê-la se apaixonar por mim de novo. Da primeira vez tinha sido tão fácil, tão espontâneo, tão reciproco. Mas eu fiz tudo errado dessa vez.
— Não pense assim. Escute, se for para ser, será.
— Não sei se acredito nessas coisas de destino.
— Deveria. E também, você não sabe se ela não está apaixonada por você. Talvez esteja, mas talvez, ela precise entender a vida dela antes de qualquer coisa.
✨✨✨
Oie! Nesse capítulo conhecemos um pouco mais do João. O que vocês acham dele?
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