14 - O que as pessoas escondem no coração.
[Madrugada de 05 de Maio para 06 de Maio de 1985]
— Foi há pouco mais de um ano, quer dizer, para mim faz mais tempo que isso.
Celine estava sentada na cama, ao lado de Dandara que a encarava preocupada e com os olhos molhados.
— Estava chovendo e a pista estava molhada. – Ela continuou.
— Eu sinto muito, Celine, de verdade.
— Tudo bem...Eu deveria ter te contado antes, mas para mim ainda é difícil dizer que eles morreram. Às vezes eu até falo sobre eles no presente, meu pai é assim, minha mãe é isso. – Celine confessou soltando uma risada triste. E por um tempo o silêncio se instaurou naquele local.
— Não precisa responder se não quiser, mas porque não voltou no tempo? Você voltou no tempo por mim.
— Eu fiz uma promessa. Quando eu cheguei no local do acidente, eles ainda estavam vivos, e me fizeram prometer que acontecesse o que fosse, eu não voltaria no tempo para os salvar.
— Não se ofenda, é só que você aparenta ser muito rebelde para cumprir uma promessa dessas.
— Está certa. – Celine fez um sorriso triste. – Eu tentei, assim que cheguei em casa, mas, acho que eles já sabiam o que iria acontecer, e colocaram algum tipo de mecanismo nos relógios. Eu não consigo voltar para o passado desde que eu nasci até o dia que eles se foram. Eu posso voltar depois que eles morreram ou antes que eu nascesse, mas eles sabiam que eu não tentaria nada nessa época pois eu poderia impedir a minha própria existência e criar uma avalanche de situações que não deveriam acontecer. Eu tentei mudar isso, tirar esse mecanismo e até mesmo criar uma nova máquina do tempo, mas não consegui e em certo ponto, eu... desisti. Eles deveriam ter um motivo... eu... eu sei lá.
— Então é por isso que você não consegue ver você do passado, criança, novamente. – Dandara constatou ligando os pontos.
— É.
— Ah, Celine, eu me sinto tão mal, me desculpa, eu não queria reacender essas memórias em você. – A voz de Dandara ressoava fraca.
— Eles eram incríveis, sabia? Meu pai não me chamava de princesinha, mas me chamava de pequenina cientista. Minha mãe era meio doida, – Ela riu. – fazia experimentos errados e alguns pequenos desastres, mas ela sempre achava um motivo para rir. Eu os amava tanto. – Ela suspirou. – É doloroso ter uma máquina do tempo e não poder mudar muitas coisas afinal, acho que tudo isso é a merda de uma maldição ou coisa assim, talvez fosse melhor se eu e meus pais não tivéssemos criado isso para começo de conversa.
***
Celine era puxada por Beatrice entre os corredores e lojas do shopping da cidade. Bea mais se portava como uma criança em uma loja de brinquedos, olhando tudo com olhos grandes e brilhantes, como quem vê aquele robôzinho novo, ou aquela barbie nova.
— Pare de me puxar, Beatrice. – Celine mandou, se soltando da garota alta.
— Olhe esse vestido! – A moça exclamou, encarando um manequim com um vestido verde bordado com pedras brilhantes da mesma cor. – É perfeito para você!
— Não, não, não mesmo.
— É sim, olhe, ficaria perfeito.
— É o olho da cara.
— Moça, – Beatrice chamou pela mulher que trabalhava na loja. – Um modelo deste vestido que caiba nela. – Pediu apontando para Celine.
— Já falei que não, Beatrice.
— Considere o seu bônus de promoção.
— O quê? Como assim?
— Não te falaram? Você está promovida.
— Promovida para o quê?
— Para gerente da lanchonete. – Bea respondeu com um sorriso.
— Mas... isso não faz sentido algum, você é a gerente. Quer dizer que você vai embora?
— Não ache que irá se livrar de mim tão fácil, Celine. – Beatrice contou enquanto recolhia o vestido verde que a funcionária da loja havia a entregado. – Ainda continuarei sendo sua chefe. Eu comprei a lanchonete. – Celine levantou as sobrancelhas e abriu a boca.
— Não acredito, e... por quê?
— Porque eu estava entediada e triste e sempre que estou assim eu faço compras para me sentir melhor. – Beatrice brincou soltando uma risada. – É só que, eu preciso fazer alguma coisa com a minha vida ao invés de esperar o príncipe no cavalo branco aparecer. – Ela confessou num suspiro.
— Foi a melhor coisa que já fez para si.
— Espero que sim, e também espero que aceite o trabalho como gerente.
— Não posso, Beatrice. Eu estou muito ocupada ultimamente.
— Pense direito, Celine, não terá que limpar as mesas, pode mandar alguém fazer isso por você. – O comentário de Beatrice fez a loira soltar uma risada.
— Mas por que você está me dando essa promoção? Sempre me diz que eu não sou a melhor garçonete.
— E não é mesmo. – Beatrice afirmou e Celine revirou os olhos. – Mas você será a melhor gerente, tenho certeza. E então, o que me diz? Lembrando que só te darei esse vestido se aceitar.
— Tudo bem. – E pegou o vestido da mão da – agora – dona da lanchonete, fazendo a própria sorrir enquanto via Celine a caminhar até o vestiário.
***
Celine subiu as escadas do apartamento segurando na mão a sacola com o vestido que Beatrice a havia comprado. Ela indo no shopping com a – não mais – gerente, era algo que iria demorar para acostumar, mas que não havia sido de todo mal, Beatrice não parecia mais tão incômoda quanto Celine havia a julgado antes.
Girou a chave na fechadura e entrou. Era para Dandara estar ali, a jovem futurista havia dito que iria estar no apartamento quando Celine chegasse, mas não estava.
Celine tentou não se preocupar, Dandara deveria estar dando uma volta pela orla da praia, como costumava fazer no futuro.
Beatles roçou sua perna e Celine o apanhou, era a coisa mais linda do mundo todo. Seus olhinhos verdes pareciam brilhar para a dona e Celine o abraçou e o deu carinho.
Ela caminhou até o seu quarto e se jogou na cama, cansada. Tirou os sapatos e ficou ali, a encarar o teto. Pensou em Dandara e a conversa que havia tido mais cedo com ela, pensou em seus pais e respirou fundo, não iria chorar.
Ouviu passos pelo corredor e se sentou na cama, Dandara entrou em seu quarto a cambalear e a rir-se toda. Celine franziu a sobrancelha, sem entender o que acontecia.
— Celininha, a cientista... – Dandara proferiu em voz arrastada.
— Dandara, você está tonta? – Celine perguntou, franzindo ainda mais a sobrancelha.
— Não... – A moça negou tentando ficar séria mais rindo logo em seguida. – Só um pouquinho.
Celine se levantou da cama preocupada e Dandara se aproximou dela, envolvendo suas mãos, num ato repentino, no rosto da loira.
— Você é bonita, Celine.
— Dandara...o-o que você está fazendo? – Por um tempo, nenhuma delas disse nada ou fez nada, até Celine delicadamente retirar as mãos de Dandara de seu rosto. – Onde você estava?
— Eu quero que me conte. – Dandara afirmou, ignorando completamente a pergunta de Celine.
— Contar...contar o quê?
— O que você esconde aqui. – Dandara disse apontando para o seu coração e se aproximando de Celine, que recuou o passo para trás.
— Dandara, não brinca comigo, por favor.
— Você que brinca comigo.
— Eu não.
— Você sim. – Ela afirmou dando mais um passo para frente. – O que você esconde, Celine?
— Quer mesmo que eu te conte?! – Celine aumentou o tom, com os olhos marejados.
— Você não pode guardar tudo para si, diga. O que esconde?
— O que quer que eu te diga?! – Ela exasperou. – Que eu te amo completamente?! – E foi a terceira vez que Celine proferiu aquelas sete letras para Dandara. – Que eu sou apaixonada por você e nunca me senti assim por mais ninguém? E que eu sou muito feliz que está viva na minha frente, mas que eu só gostaria que sentisse o mesmo sobre mim de novo. E que toda vez que me olha eu procuro um resquício de que aí no fundo, talvez você se lembre, mesmo que isso seja impossível.
E então as duas ficaram em silêncio, e tudo que ouviam eram o barulho da respiração ofegante de Celine que, por fim, e cansada, jogou-se na cama novamente.
E Dandara repetiu seu gesto.
— Obrigada por me contar. – Ela disse com voz ainda embriagada. Seus dedos então brincaram, deslizando pela pele clara do braço da loira. O toque inesperado fez os pelos de Celine se arrepiarem e ela fechar os olhos. – Sabe, eu até te beijaria. –Dandara confessou como se não fosse nada demais, e Celine abriu os olhos encarando os olhos grandes de Dandara que mais pareciam duas jabuticabas. E Celine soltou uma risada curta e melancólica. – Se você me contasse todas as coisas que esconde. – Ela completou.
— É pro seu bem. Você não entende, mas eu não quero e não posso te machucar.
— E como eu irei me proteger se não sei o que vai me machucar? – Dandara perguntou, mas Celine nada disse. – Celine, você é que nem aquele x ou y matemático, esqueci o nome...
— Incógnita?
— Isso. In...incó..incógnita. – Ela disse de maneira desajeitada, seu cérebro estava lento. – Você não deveria ser um x, deveria ser um número, um número inteiro e bonito, como o número oito. – Celine riu com seu comentário.
— Sabe, Dandara, eu até te beijaria também, se estivesse sóbria. – E Dandara soltou uma risada curta, e depois de um tempo adormeceu. Celine sorriu ao vê-la dormindo e passou seus dedos entre os cachinhos dos cabelos dela. – Eu te amo. – Ela sussurrou deixando uma lágrima cair. E foi a quarta vez.
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