06 - Muito tempo atrás no futuro.
[Manhã de 25 de Abril de 1985]
As mãos finas abriram a tigela de pirulitos tirando um de morango. Tirou o plástico e enfiou o doce na boca. Ajustou o relógio no pulso e calçou seus sapatos. Colocou os fios do cabelo para detrás da orelha.
— Data... – Ela falou em voz alta. – Eu preciso de uma data. Dez anos no futuro? Pouco... Cem anos no futuro? Muito. Meu número favorito? 3.6, um ímpar, um par, seis é o dobro de três e três do seis é a data de aniversário da minha mãe. A data perfeita, trinta e seis anos no futuro.
Clicou no relógio azul e logo um holograma apareceu com um espaço em branco para que ela digitasse a data. Vinte e cinco de Janeiro, ela definitivamente preferia o primeiro mês do ano do que Abril. Ano: 2021.
Se estava pronta? Nem um pouco, isso era perceptível pela sua hesitação em clicar no botão amarelo do dispositivo, mas sempre havia tido curiosidade de ver o futuro, seus pais já haviam ido alguns anos adiante daquele que ela havia digitado, mas nunca a contaram uma sequer palavra sobre, já ela, nunca havia viajado sequer um segundo no futuro e agora seria a hora.
Sem mais delongas clicou no botão.
A descarga de energia passou pelo seu corpo assim como das outras vezes e uma dor latente passou por sua cabeça, mas Celine já havia se acostumado com aquilo.
De repente estava no beco da rua nove, o exato local que havia digitado próximo a data em seu relógio. Estava vazio como já havia imaginado e torceu para que suas roupas já não estivessem ultrajadas demais para que caminhasse pelas ruas sem muito olhares sobre si.
Havia pensado em vários costumes possíveis que pudessem estar em moda trinta e seis anos no futuro, mas ver as pessoas com uma máscara tampando narizes e bocas assim que saiu do beco, não era bem a imagem que estava esperando.
25 de Abril de 1985, ela digitou e uma nova descarga percorreu seu corpo. Estava trinta e seis anos no passado novamente, ou o que seria o presente para ela. Pegou uma máscara que tinha guardada no laboratório e colocou a mesma data futurista novamente no relógio. Uma terceira descarga de energia.
Pronto, lá estava ela de novo, agora com uma máscara simples no rosto. Se aquilo era moda ou necessidade ela ainda não sabia, mas esperava descobrir.
Celine saiu do beco e seus olhos brilharam ao ver como a cidade estava diferente, altos prédios cheios de vidros estavam por toda a região, os carros que passavam pareciam mais elegantes e as pessoas também pareciam diferentes.
Se distraiu observando as construções bonitas e modernas, que não percebeu que havia alguém em sua frente e andou adiante, esbarrando inevitavelmente na pessoa que andava, também um pouco distraída.
— Ei!
— Me desculpa. – Celine pediu. – Acho que me distraí.
— Tudo bem, eu também estava distraída. – A moça respondeu e Celine a observou, mesmo que grande parte de seu rosto estivesse tampado. Ela então olhou para trás dos ombros da viajante, fazendo seus médios e cacheados cabelos balançarem. – Velhas fofoqueiras. – Murmurou.
— O quê? – Celine perguntou desentendida.
— Não, eu não estava falando de você, é só... – Ela parou. – Ah, deixa pra lá.
— Bom... – Celine começou não sabendo ao certo se deveria ou não perguntar, mas fez mesmo assim. – Onde eu acho computadores por aqui?
— Computadores? – A garota soltou uma risada fraca e por um segundo Celine pensou que provavelmente estava falando algo imbecil para a época. – Existe uma lan house na esquina.
Seja lá o que lan house significasse, Celine fez um meio sorriso e agradeceu com um aceno de cabeça. Caminhou normalmente pela calçada, feliz por não ver nenhum olhar torto cair sobre si. Virou a esquina como indicado e lá estava o estabelecimento. Assim que deu uma checada pela porta aberta percebeu que era um lugar onde pessoas usavam computadores, não aqueles enormes e quadrados que estava acostumada, era diferente.
Antes de entrar uma placa dizia "máscara obrigatória, use álcool em gel". Celine não sabia qual o motivo de tudo aquilo, mas obedeceu e passou o álcool sobre suas mãos. Adentrou o local e sentou-se em uma cadeira com um computador já ligado.
O sistema do aparelho era totalmente diferente do que estava acostumada, mas com um pouco de esforço e tempo, ela conseguiu entender ao menos o básico daquilo. Pesquisou por horas e leu grandes textos e por mais que estivesse acostuma a digitar, era bem mais lenta que os outros jovens ao seu lado.
Descobriu que o mundo estava numa pandemia, que a tecnologia fazia parte da vida de cada um e que devido as circunstâncias, muitas pessoas estudavam através daquele aparelho que estava usando. Algumas coisas a deixaram triste, saber que muitos artistas e cientistas que admirava haviam falecido, ou que muitos desastres haviam acontecido, já outras a deixaram com esperança, como as várias bandeiras com as cores do arco-íris por toda a internet, e a liberdade de expressão que por um bom tempo havia sido retirada de Celine e sua família e o povo que havia vivido a época dela.
Quando se deu por satisfeita se levantou. O homem, que parecia o dono do estabelecimento se dirigiu a ela:
— São sete reais. – Ele disse.
"Reais? Espera, o quê?"
Foi preciso apenas mais uma descarga de energia e algumas horas no passado, quer dizer, o passado de 2021. Celine virou a esquina como indicado e lá estava o estabelecimento, só que dessa vez apenas passou reto por ele.
***
A casa da praia estava fechada e parecia vazia, esperava que realmente não estivesse ninguém ali, pois precisava de algum lugar para ficar. Pegou a chave da casa que estava em seu bolso e a colocou na fechadura, rezando para que não tivessem mudado. A chave se encaixou e abriu a porta e Celine sorriu.
Estranhamente e surpreendentemente, a casa parecia a mesma que já conhecia. Alguns móveis haviam sido substituídos por mais modernos, como a geladeira e a televisão, mas os quadros floridos ainda estavam pendurados na parede, o telescópio ainda estava encostado no armário e o tapete no chão da sala era o mesmo que seus pais haviam "comprado" em uma de suas viagens pela Europa.
Até o laboratório e o seu quarto pareciam o mesmo, exceto que esse parecia mais organizado. Desceu as escadas e retornou à sala, ligou a televisão e se assustou pelo tamanho da qualidade daquele aparelho, era como ver alguém pessoalmente.
Ela então pensou que talvez pudesse ainda estar viva naquela época, e se ela fosse ela, teria deixado alguma pista por aí. Procurou por notas na geladeira, entre os livros, no laboratório, mas nada que ela achasse realmente estar a dizendo alguma coisa. Voltou a sentar-se no sofá e folhear as revistas na mesa de centro, todas tropicais e sorriu ao pensar que talvez fosse uma boa ideia ver o mar naquela noite.
Apagou as luzes da casa e saiu de lá com um sorriso, estava feliz e fazia muito tempo que não se sentia assim. A noite já havia caído sobre a cidade e o barulho das ondas era como uma melodia doce, o céu estava estrelado e a areia da praia era fofa para seus pés descalços.
A escuridão da noite a causava uma sensação boa, como se a abraçasse de certa forma e ela gostava daquilo, Celine gostava de coisas escuras, noites, rock and roll e pinturas de esqueletos, por outro lado, gostava de algodão doce, coisas coloridas e o azul do mar.
Seus cabelos bagunçavam devido ao vento sorrateiro, mas ela mal se importava. A praia estava praticamente vazia, exceto por alguém que estava sobre a areia, encarando o mar.
— Ei! Oi! – Ouviu alguém gritar, parecia estar chamando por ela. A pessoa que estava sentada balançava os braços e Celine se aproximou. Demorou para reconhecer, mas era a garota que havia esbarrado antes. Ela estava com uma máscara diferente e seus olhos castanhos dourados estavam agora acompanhados de um par de óculos redondos. – A garota estranha da lan house!
— A garota das velhas fofoqueiras! – Celine brincou e a garota soltou uma risada envergonhada.
— Eu te estenderia a mão, mas você sabe. – Ela disse e Celine assentiu, sentando-se na areia ao lado dela, porém a um metro e meio de distância. – Eu sou a Dandara, aliás.
— Celine.
— Prazer, Celine, se bem que não gosto muito desse nome.
— Um motivo em especial, senhorita? – Celine brincou arqueando uma das sobrancelhas.
— Não que seu nome seja feio, apenas tenho a mania de falar o que penso.
— Posso testar? – Celine perguntou e viu a garota manear com a cabeça. – Então eu penso que você é um pouco mesquinha.
— Viu?! – Ela exclamou rindo. – Você é das minhas. – Celine riu. – Então, Celine, está de passagem por aqui?
— Pode se dizer assim.
— Uh! Mistério, gostei. – Ela riu. – E você está hospedada onde? Porque tenho que dizer que o Hotel Sanches não é lá grande coisa não.
— Na verdade, eu estou naquela casa ali. – Celine apontou para a casa de praia.
— Nossa, não vejo alguém entrar naquele lugar há anos. É da sua família?
— É sim.
— E você é de onde?
— Eu morei aqui alguns anos atrás. – Trinta e seis anos atrás para ser sincera.
— Ah é? Então quem sabe a gente já não tenha se cruzado por aí antes?
— É, quem sabe. – Celine respondeu, mesmo sabendo que aquilo não tinha acontecido.
— Foi legal te conhecer, Celine, mas já está ficando tarde e eu tenho que cuidar da coroa. – Dandara revirou os olhos.
— Também foi legal te conhecer.
Dandara sorriu, mesmo que Celine não pudesse ver através da máscara, e se levantou.
— Sabe, – Celine começou fazendo Dandara parar. – Talvez eu passe na praia amanhã.
— Bom, talvez eu passe na praia amanhã também, e, nunca se sabe, eu posso bater no portão daquela casa precisando de uma xícara de açúcar qualquer dia desses. – Dandara disse apontando com o olhar para a casa de Celine.
— Até mais, Dandara.
— Até mais, Celine.
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