SEVEN
Boa leitura!
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"Queria sentir essa paz de espírito, queria não ter tanto medo do mundo em que vivia."
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Eram aproximadamente seis horas quando Mi Hi cruzou os portões de sua casa. Abriu lentamente a porta, encontrando seu pai assistindo um canal qualquer sobre notícias e sua mãe secando a louça. Nenhum dos dois havia reparado no seu sumisso e ainda menos no seu retorno, então decidiu subir as escadas para se aprontar para o jantar.
Já dentro do quarto, Mi Hi se permitiu relembrar do dia que havia se passado. Hoje tinha tudo para ser mais um dos piores dias da sua vida, mas uma luz havia surgido no fim do túnel. A luz daquele garoto desconhecido.
Passara o dia inteiro a estudar piano para a apresentação que só ocorreria no início do inverno. Mesmo que já tivesse dominado completamente todas as sequências e tocasse mais que perfeitamente, seus pais a faziam ensaiar e ensaiar até que seus dedos estivessem doloridos e, por vezes, machucados. Hoje em específico havia errado uma passagem, apenas uma pausa mal executada, mas que a fez ouvir de sua mãe que não estava se esforçando o suficiente. Sentiu vontade de chorar, mas se conteve e continuou com os ensaios.
Tudo tinha sempre que ser perfeito, desde os acordes tocados, a harmonia dos sons, a arrumação do seu quarto e até a sua forma de falar e portar. Tudo era milimetricamente ajustado e calculado na sua vida, como se fosse um robozinho programado a ser uma garota exemplar.
Aprendera com o mundo que não deveria sentir. Sentimentos nos tornavam suscetíveis a erros e mágoas, quando não sentimos nos tornamos frios e podemos controlar qualquer situação. Mi gostava de sentir, de ser, mas agora não poderia mais. Ser exigia muito mais do que poderia. Talvez fazer o que os outros desejassem fosse bem mais fácil do que se opor a eles, mas isso não significava que seus problemas sumiriam ou que encontraria a felicidade assim. Infelizmente percebera isso tarde demais e agora era escrava de sua própria negligência.
Já haviam se passado umas três horas desde que começara. Os pequenos dedinhos ardiam tanto pela força quanto pela quantidade de vezes que repetira a música. Mi não queria voltar a encostar no piano aquele dia, mas se forçou a treinar por uma ou duas horas mais.
Cansada de tocar a mesma melodia ela trocou de música, mas esse fora seu pior erro: não tinha dimensão da dificuldade que era, e ter aceitado aprender aquela nova música mesmo ela sendo de um nível mais avançado que o seu foi como um tiro no próprio pé. Inevitavelmente, sempre que chegava na metade ela errava. Aquela era a melodia principal, o ponto mais alto da música e ela não estava conseguindo sua execução da forma certa. Já estava farta de sempre errar na mesma parte, mas continuava a tentar mesmo assim.
— Faça direito, já é a quinta vez que erra a mesma coisa. — brigou consigo mesma. — Se errar assim na apresentação será uma vergonha para seus pais, para todos. Eles esperam a perfeição e você tem que dar.
Outra tentativa e mais um erro se passou. E mais dois, e mais três, e ela não aguentava mais o peso de não conseguir. A cada tentativa seu mundo desabava aos poucos, eram coisas pequenas que a faziam se sentir ainda mais pequena.
Logo sua mãe chegou e começou a acompanhar seu ensaio. Mi Hi ficou ainda mais nervosa com a presença dela e acabou errando ainda na parte inicial da música. Senhora Son suspirou em decepção e se levantou, deixando a filha sozinha na sala. Não precisava falar nada para que Mi Hi entendesse que sua mãe não havia gostado do que ouvira.
Então começou a chorar. Chorava de raiva, de tristeza, de insegurança, de dor. Queria que seus pais se orgulhassem de si mas só os decepcionava. Mesmo que tentasse muito, não conseguia ser a filha que eles precisavam.
Com medo de que sua mãe ouvisse seus soluços fechou o piano e saiu de casa, sem saber ao certo para onde iria. Quando percebeu estava no parque, e não se surpreendeu de ter chegado até lá. Era o único lugar que a trazia um pouco de paz, o único lugar que mesmo tendo várias pessoas, ninguém se importaria e iria a perturbar. Andou um pouco mais rápido, indo até uma área mais afastada, um lugar que poucas pessoas conheciam. E encolhendo-se no seu banco favorito - que ficava ao lado de uma árvore grande e bela - deixou as lágrimas seguirem seu curso pelas suas bochechas até atingirem a blusa e, consequentemente, umidecendo-a.
Se odiava por não conseguir nem ao menos tocar uma música. Se odiava por não poder ser o que os outros esperavam dela. Se odiava por não ser nem o que ela realmente era.
Seu interior se amargurava toda vez que se lembrava da maldita música e de suas mãos não conseguindo executá-la corretamente. Junto a isso vinham muitas outras memórias as quais não queria se lembrar, mas que resolviam aparecer sempre que ficava abalada. Era como um ciclo, onde a cada erro ou decepção Mi se afundava ainda mais, e uma parte de si morria.
Passaria o resto da tarde assim, se alguém não tivesse aparecido do nada em sua frente, aquela voz lhe era familiar... Era o mesmo menino que havia ajudado a poucos dias. E estava acompanhado de um ser peludo e completamente fofo.
Aquele menino tinha uma aura tão alegre, parecia tão feliz, como ele conseguia ser assim o tempo todo?
Demorou a acreditar que o mesmo queria a ajudar, e demorou mais ainda a entender seu ponto de vista. Um adolescente que ainda gosta de brincar? Isso não fazia sentido. Qualquer outro menino de sua idade estaria preocupado em jogar videogames, sair com amigos para beber escondido ou quebrar o coração de meninas indefesas. Mas não ele. Ele tinha uma visão de mundo diferente da sua, parecia ser mais sensível e divertido, e era tão convicto em suas palavras que não dava para discordar de seus argumentos.
Por culpa daquele garoto teve uma das tardes mais incríveis de sua vida. Depois de tanto tempo havia sorrido, e fora tão natural, tão simples, tão sincera... Não se lembrava quando fora a última vez que tenha se divertido tanto, talvez em uma infância remota antes de conhecer o que o mundo havia de ruim a oferecer. Não se recordava de ter sido realmente feliz. Queria poder se sentir assim novamente, e o mais rápido possível.
Só se lembrou de onde estava quando o relógio da sua estante anunciou que já era seis e meia. Tinha meia hora pra tomar um banho e se arrumar até as sete, o horário do jantar. E assim o fez, prendendo seu cabelo em um rabo de cavalo e se vestindo com uma saia azul e blusa branca.
— Demorou. — senhor Son se pronunciou quando viu a filha descendo as escadas.
— Perdão, abeoji. — Mi não ousou levantar a cabeça, sabia que estava errada. Não deveria ter ficado tanto tempo mergulhada em pensamentos.
— Que isso não se repita. Venha jantar.
Não ouve troca de palavras durante a refeição. Cada presente na mesa preferiu ficar preso em seu próprio mundo em vez de tentar uma socialização. Mi Hi já havia se acostumado com isso, seus pais nunca trocavam mais do que três frases em sua frente e nunca perguntavam pelo seu dia, a não ser sobre atividades e exames escolares. Sentia que não conhecia seus progenitores da mesma forma que eles não sabiam nada sobre ela, mas não ousava lhes dirigir a palavra.
— Como está a preparação para o recital de inverno? — seu pai perguntou assim que terminaram o jantar.
— Está indo bem. — respondeu calmamente. Tinha medo de que ele soubesse que não estava tão bem assim.
— Mi Hi errou uma das pausas. E não executou bem a nova partitura. — a mãe da menina ignorou completamente seu olhar de socorro.
— Como?
— Foi um descuido de minha parte, abeoji. — acabou falando mais baixo. Seu pai a olhou repreensivo.
— Sabe que não deve se distrair. Pare de cometer erros, não pago as aulas de piano para que possa errar.
— Sim, abeoji. Com licença.
Mi Hi se levantou e voltou para o seu quarto. Sentou-se na cama e pegou uma de suas pelúcias, a abraçando fortemente. Não queria chorar novamente, mas não conseguia parar de visualizar o olhar destrutivo de sua mãe e o desapontado de seu pai. E junto a eles também vieram outros e mais outros, fazendo com que a garota se desesperasse e se debruçasse na sua janela buscando por ar.
Ficou por ali observando as estrelas. De alguma forma, elas pareciam a entender e a acalmavam também. Talvez em algum lugar uma menina igual a ela estivesse pensando o mesmo, ou talvez o menino desconhecido estivesse agora fazendo o mesmo, e fosse por isso que não se sentia sozinha agora.
Havia uma confusão enorme em seu peito. Leu em algum lugar que os seres humanos não eram perfeitos, mas então porque lhe cobravam a perfeição? O que ela estava fazendo no mundo, afinal? Com qual propósito vivia, se não para ser uma pessoa perfeita?
Mi Hi prendeu o oxigênio em seus pulmões e o soltou com força. Era uma sensação estranha, como se faltasse algo dentro de si, mas também como se esse algo não estivesse do lado de fora. Era como se seu subconsciente estivesse pedindo para que Mi Hi procurasse em si, se redescobrisse como um ser humano. Voltasse à vida.
Voltou para sua cama e novamente abraçou seu urso rosa. Por algum motivo esse abraço a lembrou do abraço que o menino desconhecido lhe deu, e todos os seus pensamentos se voltaram ao garoto com quem passou a tarde. Ele a fizera pensar em como ainda existia uma menina diferente em si, uma menina alegre e espontânea, a fizera pensar em como ainda havia esperança de sorrir de verdade. Aquele menino despertou um sentimento diferente naquele pequeno coração, Mi sentia medo do que poderia ser, mas também se sentia segura e acolhida. Talvez estivesse aprendendo a confiar novamente.
"Eu ainda consigo ser amiga de alguém? Ainda posso ter amigos?", se perguntava. Não obteve uma resposta momentânea, mas queria que esta fosse sim.
Desejava que pudesse confiar, não apenas nele, mas nas pessoas. Queria sentir essa paz de espírito, queria não ter tanto medo do mundo em que vivia.
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Olá! Como vocês estão?
Já sorriram hoje?
O capítulo foi mais compridinho dessa vez :) acho que eu tinha muitas coisas para por pra fora... Mas não se assustem, está tudo bem comigo e com minhas inspirações também!
*Abeoji significa pai, usado mais formalmente.
Alguém ansioso para a continuação? Nossas crianças vão interagir bem mais daqui pra frente :)
Nos vemos em breve!!!
Beijos de açúcar no coração! 😘😘
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