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Capítulo Um

Acordei com a luz do Solário batendo em meu rosto. Eu ouvi uma leve batida na porta e resmunguei um pouco antes de responder.
-Entre!-Eu digo, com a voz ainda meio sonolenta.
Martha entrou com uma cara preocupada. Percebi que ela andara chorando, já que seus olhos estavam inchados, com grandes e escuras olheiras. Sentei-me depressa, acordando completamente. Martha nunca estava triste, o que poderia ter acontecido?
-Martha, o que houve? Clover está bem?-Perguntei, preocupada.
-Não se preocupe. Clover está bem...fisicamente pelo menos.-disse ela, com a voz embargada pelo choro. Ela não me olhava nos olhos e seus cabelos avermelhados estavam emaranhados, provando que ela não havia acordado fazia muito tempo.
-Se não é isso o que é?-Digo mudando de roupa.
-O pegaram, Carrie, ele se foi.-Diz Martha chorando copiosamente.
Sabíamos que ele ia ser pego. Sendo político, os SpikeWaters já estavam na mira e eu sabia que meu pai não iria aceitar ficar do lado do inimigo.
-Tem certeza?-pergunto, tentando manter alguma esperança de que tudo aquilo não passasse de uma brincadeira ou um de engano.
-Ele não está em seu espaço privado. Ele também não está no Escrivinhatório.-disse ela.-Além disso, seu roupário estava vazio e a mala não está debaixo do leito.
-Procurem em todos os lugares, não podemos descansar até...-Eu comecei a falar, determinada, antes de ser interrompida por Martha em meio a soluços.
-Não adiantará. Já temos certeza. Uma e-letter está na mesa da sala de jantar endereçada a você.-Ela falou, agora mais calma. Corri para a sala de jantar, onde uma e-letter flutuava em tons mortos de azul.
Abri o holograma com um toque, era ele, olhando para mim com ar de urgência, falando clara e rapidamente:

Carrie,
Você já é grande o suficiente para entender o que está acontecendo.
Esta guerra não é o que se imagina. Eles não são o que pensamos.
Carrie, pense bem, eles não descobriram nada, nem a si mesmos! A mídia está vangloriando-os. E acredito que esteja sendo controlada.
Eles foram feitos em laboratórios e nem existem fêmeas suficientes! Eles precisam de nós!
Não matarão a todos e, sinceramente, vendo o que fizeram, isso pode ser considerado como boa notícia.
Mas agora tenho que lhe falar, eles estão me caçando. E virão atrás de você, a minha primogênita. Talvez no momento em que você estiver lendo isso eu estarei em uma câmara de gás qualquer. Morto.
Há uma carta no meu Escrivinhatório. Lembra-se das cartas que nós escrevíamos de brincadeira? Esse meio de comunicação foi extinto há muito tempo... Meu avô nem era nascido!
Lá tem o que você deve fazer.
Até breve,

Papai.

-Martha! Clover!-eu gritei, guardando a e-letter e enxugando as lágrimas que teimavam a sair.
Meus irmãos apareceram. Martha era a do meio, de olhos castanhos e cabelos cor de cobre. Ela havia puxado a minha mãe. Já Clover o menor tinha sete anos, ele era loiro e tinha profundos olhos verdes como meu pai.
-Papai deixou cartas. Está no Escrivinhatório. Venham.-Corri pelo Andador, acompanhada pelo meu casal de pestinhas favorito.
Cheguei no Escrivinhatório e abri o cofre que existia atrás de um quadro. Acertei na mosca digital.
Três envelopes amarelados e espessos, era o que existia lá. Entreguei cada carta para cada um. Sentei em uma das poltronas de design antigo do espaço e pus-me a ler a carta endereçada a mim.

Carrie,

Você estar lendo isso, significa que aconteceu o que eu temia. Eles chegaram e eu não resisti.
Preste atenção nessas palavras Carrie, o mundo está prestes a cair. Mas tem algo que você pode fazer a respeito. Voltar no tempo. Sei que você deve estar pensando "como?" ou "por que eu?"
Bem, a resposta para a primeira pergunta eu já tenho. Você não irá voltar a uma determinada época. Mas a sua voz vai.
Como você já bem sabe, sou além de político, cientista, e criei um gravador capaz de mandar mensagens para o futuro e passado.
Conheço algumas pessoas que irão ajudar. Eles são irmãos. Seus nomes são Theo e Sarah. Martha e Clover ficarão com a mãe desses dois, seu nome é Elizia. Ela cuidará bem deles.
Um aviso, você deve fugir agora. Há mochilas e dinheiro neste mesmo cofre em que encontrou a carta, atrás de uma parede falsa. Nas mochilas tem suprimentos que talvez possam ser necessários, também tem o endereço dos dois irmãos que eu te falei.
A mala de vocês está na dispensa. A caixa pequena do cofre é o gravador em questão e dinheiro que está no envelope você já deve ter visto. É isso. Lembre-se, mesmo que não sendo fisicamente, eu sempre estarei com você. Eu te amo.

Boa sorte,

Papai.

Me encostei na cadeira, ela ainda tinha o cheiro dele. Guardaria esta carta pra sempre.
-Carrie. Devemos ir. Nossas cartas explicaram tudo. Devemos partir agora.-Falou Martha, parecendo mais alarmada que antes. Eu sempre me impressionei com a maturidade de minha irmã do meio, afinal, ela tinha apenas onze anos de idade.
Me levantei da cadeira e peguei a mala que Martha havia tirado do armário. Eu peguei a caixa de vidro negro no cofre, as mochilas preparadas por Papai, o dinheiro e meu Zinfynet no meu espaço privado.
Depois de colocar as minhas botas e jaqueta, olho para casa uma última vez... Não iria mais vê-la por um bom tempo. Clover e Martha já estavam prontos ao meu lado.
Me virei e abri a porta da frente e olhei para a rua vazia.
-Prontos?-perguntei, olhando para os meus irmãos e lhes dando um sorriso fraco.
-Pronta.-disse Martha, tentando soar confiante, mesmo que eu soubesse que ela devia estar aterrorizada.
-Pronto.-Diz Clover, com a voz trêmula. Me senti mal por ter que fazer com que uma criança passe por aquilo. Não parecia nenhum pouco justo com ele.
-Então vamos.-eu disse, respirando fundo, sentindo a determinação penetrar nas minhas veias, me encorajando a dar o primeiro passo para fora de meu lar.
Coloquei o pé na rua, sabendo que daquele momento em diante não havia mais como prever qual seria o meu destino.

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