Parte 3
Giovanna
Aquelas perguntas todas de Miguel me deixaram meio pirada. Eu tive uma serie de sonhos esquisitos relacionados a ele. Em um deles Miguel tentava morder meu pescoço, no outro ele atravessava paredes, no outro ele brilhava no sol e no ultimo deles ele era um serial killer.
Eu acordei assustada todas as vezes, mas quando eu olhava pra Miguel dormindo profundamente, não conseguia ficar com medo. Ao invés disso eu ria da minha mente sem noção enquanto me enroscava ainda mais em seus braços.
Não é o sol que me acorda no dia seguinte, mas a falta do que agarrar. Quando abro meus olhos, Miguel não está mais ao meu lado, apesar do sol estar refletindo lá fora. Com uma olhada rápida para o relógio e calendário, constato que são onze horas. E que é dia 24 de dezembro.
─ Miguel? – eu grito.
─ Quê? – ele responde próximo, apesar de não estar a minha vista.
─ Onde está você?
─ Não era pra você ter acordado agora – ele reclama, colocando só a cabeça pra fora, debaixo da cama.
─ Ah, meu Deus! – eu grito de susto. – O que você está fazendo aí embaixo?
─ Nada – ele resolve sair.
─ Parecia alguma coisa – eu me penduro na cama querendo enxergar alguma coisa lá em baixo.
─ Não é nada, Gio. Se você descobrir agora, vai perder toda a graça.
Eu sorrio, tentando esconder minha frustração.
─ Quando vou poder ver?
─ Hoje à noite – ele responde pulando pra cima da cama novamente.
─ Onde nós vamos passar o Natal? – eu pergunto me jogando sobre suas pernas.
─ Não sei, onde você quer passar o Natal? – ele responde entediado.
─ Por que esse tom Miguel? Parece até que você não gosta do Natal – eu rio, mas ele fica sério. Muito serio. – Espera. Você não gosta?
─ Alguns natais atrás uma coisa ruim aconteceu comigo e depois disso eu tenho de admitir que não sou mais exatamente fã dessa data.
─ O que aconteceu?
─ Precisamos ir – ele levanta de novo, e eu caio sobre a cama.
─ Pra piscina, já? – eu digo rolando na cama.
─ Precisamos ir Giovanna, vamos logo! – ele diz olhando perturbado para o relógio.
─ Não dá pra você esperar uns 10 minutos? Acabei de acordar...
─ Te encontro lá, então – ele diz correndo para fora do quarto, mas volta instantes depois. – Nada de fuxicar embaixo da minha cama.
─ Prometo – eu bato continência enquanto ele voa pra fora.
Simplesmente desisto de entendê-lo.
--
Miguel
Não é justo que eu prive Giovanna das festividades natalinas do hotel só porque eu tenho trauma da data. Mas não é em todo natal que você ganha um presentinho especial como esse meu.
De qualquer forma, a verdade é que eu não estou nem um pouco à vontade do lado dessa árvore gigante cheia de bolas, comendo essa ceia. Tudo que eu quero é empurrar a mesa pra longe e, num grito, sair correndo. Porém, Giovanna está linda com aqueles olhos verdes brilhando e um sorriso que ocupa quase seu rosto todo.
─ O peru está muito gostoso, você devia provar – ela opina, enquanto eu empurro minha comida de um lado pro outro.
─ É mesmo?
Em resposta ela me estende um pedaço do tal peru enfiado em seu garfo. Acho que depois de quase um mês dormindo ao lado dela eu não deveria achar esse gesto estranho. Mas ,inexplicavelmente, meu pulso acelera quando eu pego com uma dentada e ela ri colocando a mão livre na frente da boca, fazendo o decote de seu vestido azul subir e descer.
Deus.
─ Já falou com seus pais? – eu pergunto tentando me concentrar em alguma coisa além dela e além da data de hoje.
─ Já. Minha mãe estava chorando de saudade e meu pai reclamando deu passar mais um natal fora de casa – eu reviro os olhos. – Mas sabe, depois que eles se separaram, eu não consigo mais passar o natal em casa. Vou passar o Natal com quem? O dia 24 com um e o dia 25 com outro? Não.
Eu ainda tento usar alguns argumentos para defender que isso é melhor que nada, ou melhor do que passar comigo, mas ela só me corta com novos nãos.
─ E sua mãe, como está?
─ Bem, como sempre – eu respondo empurrando meu arroz pra dentro. – O namorado novo dela estava lá em casa, e ela parecia tão feliz com isso que nem sei se sentirá minha falta.
─ Miguel! – ela me reprime, com aqueles olhos esbugalhados, esticando sua mão para tocar a minha. – Lógico que ela vai sentir sua falta.
O toque gelado dela sobre minha mão acalorada me faz sentir uma espécie de choque e tudo que eu consigo pensar é:
Que porra é essa?
Tudo bem, ela está linda. Ela é linda. Mas onde eu estou com a cabeça? Fábio está certo, merda. Eu não tenho condições físicas para ficar apaixonado por alguém. O problema é:
E se eu já estiver?
O salão se torna insuportavelmente quente. Tão quente que eu chego a pensar se eu não vou começar a derreter a qualquer momento, mesmo sabendo que isso não é possível. Tem alguma coisa espetando meu coração. Minha mão toca o presente dela (que Fabio comprou e mandou pra mim depois de muuuuuuuuuuitas reclamações) em baixo da minha cadeira enquanto cenas do ultimo mês passam na minha cabeça.
A primeira vez que a vi, a primeira vez que a beijei. O sorriso tímido dela na primeira vez que lhe arranquei a blusa, o sorriso mais envergonhado ainda na manhã seguinte da primeira noite. Aqueles cabelos todos confusos quando ela acaba de acordar. Seus olhos verdes flamejando, procurando entender o que se passa na minha cabeça nas minhas corridas para dentro da água e na minha única sumida sem explicação. O lampejo de dor que passa em seu rosto quando ela pensa que eu tenho outra e o alivio quando ela descobre que eu não tenho. E que eu também não sou um serial killer. Giovanna.
─ O que foi?
─ O que foi o quê? – eu dou um pulo na cadeira.
─ Você me chamou – ela ri, meio confusa.
─ Ah, chamei, não foi? – eu rio também, mais confuso ainda. – Hum, eu queria saber se, saber se, você não quer ir dar uma volta lá fora.
- Claro, Miguel. Eu adoraria.
~~~~~~~~
Giovanna
Verdade seja dita, ele estava esquisito.
Aliás, acho que ele nunca foi totalmente normal pra início de conversa. Desde nossas primeiras conversas, eu vi que atrás daqueles olhos lindos tinha alguma coisa... Alguma coisa que até hoje eu não sei o que é. Quando nós dois paramos no parapeito do varandão do salão, olhando a imensidão negra pontuada por estrelas e pela lua cheia, eu fico constrangida, pensando que talvez ele possa ouvir meu coração, de tão rápido que ele está batendo. O silêncio é quase total. – exceto pelos pratos batendo lá dentro, uns grilos cantando na mata próxima e provavelmente meu coração. Silêncio sempre foi uma coisa normal entre nós dois.
“Você não fala muito, não é mesmo?” Eu me lembrei de ter dito.
“E qual é o problema disso?”.
“Nenhum, é bom. Os homens de poucas palavras são os melhores”. Eu respondi.
“É o que você acha?”.
“É o que Shakespeare acha, mas eu concordo”.
─ No que você está pensando? – ele fura meu balãozinho do pensamento.
─ Hm, nada demais – eu disfarço. – Está meio frio aqui.
O que era verdade. Apesar do sol escaldante que faz durante o dia, a temperatura baixa consideravelmente durante a noite. Em um segundo de novo devaneio, o casaco dele já está jogado sobre meus ombros.
─ Não precisa, você vai ficar com frio – eu faço menção em tirar.
─ Não, não vou – ele me garante, arrumando o casaco em mim.
─ Está uma hum, bonita noite – eu gaguejo.
─ Não é verdade? – ele diz com um sorriso, ainda contemplando o luar.
Um novo momento de silêncio aparece, me incomodando. Outras cenas de nós dois vem a minha cabeça e eu sinto uma pontada ao pensar que em alguns dias isso tudo chegará ao fim.
“Você gosta dessa musica?” ele perguntou certo dia, enquanto eu ouvia uma musica chamada Who loves the sun? que eu nem lembrava mais onde tinha conhecido e muito menos quem cantava.
“Gosto, por quê?”.
“Tem uma letra legal. Já ouviu Reverse this curse?”.
“É da mesma banda?” eu perguntei.
“Não. Mas é legal também. Gosto de música”. Ele confessou.
“Prefiro livros”. Eu retruquei.
Eu seguro mais firme a sacolinha em minha mão.
─ Ei pai, falta menos de minuto pra meia noite! Vem pra perto da árvore! – um garotinho grita da porta e um senhor joga o cigarro pela varanda de qualquer forma, correndo pra dentro.
A princípio, nenhum de nós se mexe. Num movimento rápido, Miguel gira o corpo para olhar a árvore e encosta-se ao beiral. Num movimento lento, eu faço o mesmo.
─ E já é Natal de novo! – ele suspira. - Desculpe por não estar curtindo isso com você – ele dá um sorriso triste.
─ O que aconteceu no Natal, Miguel? – eu giro novamente, até ficar de cara pra ele.
─ Você não vai querer saber.
─ Você já me disse isso, mas não é verdade. Eu quero saber – eu respondo num sussurro.
─ Por quê? – ele se desencosta um pouco.
A pergunta me atinge como uma flecha. Por que, Giovanna, por que você se importa? E eu descubro, assustada, que a resposta está iminente em todos os lugares. Em seu sorrisinho torto, em seus olhos obscuros e confusos, no jeito dele arrumar o cabelo, nas besteiras que ele fala, nas suas risadas, no seu andar, no seu falar, no jeito de beijar, na maneira como ele fica quando está sonolento, nos seus jeans surrados e até nos seus segredos. Talvez fosse precipitado, mas meu coração, badalando como o relógio, que mostrava ser meia-noite, tomou conta de cada músculo de meu corpo e, antes que eu pudesse dar conta, as três palavras mágicas já tinham escapulido da minha boca.
─ Porque eu te amo.
--
Miguel
Quando a ultima palavra saiu de sua boca, o relógio deu o último badalo.
─ Feliz Natal – ela ainda sussurra, tão baixo quanto disse as três palavras que fizeram alguma coisa pinicar ainda mais meu peito.
No momento seguinte, tudo fica meio preto. De início, eu pensei que era uma falta de luz repentina causada por um curto vindo daquela árvore enorme, que estava agora totalmente acesa. Mas quando eu ouvi Giovanna gritar meu nome num tom de desespero e chamar ajuda, eu entendi que tinha alguma coisa errada. Num toque desesperado ao meu rosto e aos meus olhos, eu descubro que não estou derretendo. O que está acontecendo então?
Meu corpo é escorado e no momento seguinte eu estou deitado em algum canto.
─ Eu não sei o que ele tem – a voz dela sai grunhindo, como a de quem está segurando um choro forte.
─ Giovanna – eu chamo ainda na escuridão.
─ Miguel? – seu cheiro de banho indica que ela está por perto.
─ Eu também.
─ Você também o quê? – sua mão aveludada toca meu rosto.
─ Também te amo.
Outra coisa estranha acontece quando eu confesso essas palavras. Há uma contração involuntária em meu corpo, que me faz esticar todo. Alguns “meu Deus, chamem um médico” são ouvidos, mas Giovanna só consegue chamar-me entre soluços. Então, da mesma forma rápida que as coisas escureceram, tudo volta a ser visível aos meus olhos.
Há um circulo de pessoas em volta de mim. Estou deitado no chão e Giovanna está ajoelhada ao meu lado, toda molhada por lágrimas. Num salto, eu me ponho de pé. Sinto como se nada tivesse acontecido. Aliás, me sinto ainda melhor do que antes das coisas acontecerem.
Giovanna se lança violentamente contra mim e por pouco nós dois não caímos varanda abaixo.
─ O que aconteceu? – ela pergunta assustada.
─ Não sei – eu murmuro em resposta, apertando-a ainda mais em um abraço.
O círculo de pessoas curiosas volta a seus afazeres, coisas como abraços e troca de presentes. Meu estômago não embrulha e eu não tenho vontade de correr feito um maluco.
─ Seu presente – ela diz ainda visivelmente aflita, me estendendo uma sacola. – Eu espero que você goste, deu um pouco de trabalho.
─ Eu não sabia que eu ia ganhar um presente – eu consigo sorrir, enquanto puxo o conteúdo da sacola pra fora.
Uma caixinha cd reluz na minha mão, mesmo com pouca luz.
"'A paixão aumenta em função dos obstáculos que se opõe.'
Seus segredos só pioraram a história, no fim das contas.
Feliz Natal, Miguel!
Com carinho, Giovanna.”
─ Shakespere? – eu pergunto.
Tudo que ela faz é sorrir em resposta.
Isso é o que está escrito na capa. Nada além disso e um cd prata com outras coisas escritas. De relance eu leio: reverse this curse e who loves the sun?, além de nomes como is this love? e I wanna be with you. Eu rio quando vejo também summer jam.
─ Eu que gravei – ela conta, orgulhosa, balançando o vestido.
Sem soltar o cd, eu a puxo pra mais perto de novo.
─ O que foi? – ela pergunta num dos meus sorrisos tímidos preferidos.
─ Feliz Natal! – eu ainda digo (sem me sentir nem um pouco enjoado) antes de a beijar novamente.
Dessa vez, com um agravante: amor declarado.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro