Hora 5
A primeira coisa que vejo é uma cama pequena sustentada por uns ferros no canto do quarto oposto à porta. Há um pano pendurado desde o colchão até o chão que me impede de constatar o que há diante dele que brilha tão forte dessa forma. Não perco muito meu tempo olhando para isso porque Z me mataria se eu tentasse entrar debaixo do pano.
Viro meu rosto e na mesma parede da porta está encostada uma cama de casal e K está nela. Meu coração acelera quando vejo que ela está totalmente imóvel, inconsciente. O quê?
Há poucos minutos ela estava falando com ele; não poderia ter dormido tão rápido.
Olho para Z com um misto de desconfiança, medo e susto ao mesmo tempo. Ela não pode ter simplesmente dormido assim, tão rápido. A única solução para essa dúvida é ele tê-la deixado inconsciente.
Então como num piscar de olhos eu me lembro das duas vezes em que Z já fez isso comigo; é rápido, causa uma dor rápida e passageira — instantânea — e dura muitas horas. Quando a pessoa acorda não lembra de mais nada enquanto sem consciência.
Por que ele me deixou entrar aqui mesmo com todas essas "provas"? Com essa luz azul estranha, um ambiente notavelmente secreto e uma "sonolência instantânea" da K? Quero saber que desculpa ele vai me dar.
— Ela está dormindo? — Pergunto me virando em sua direção novamente.
Ele me olha uns segundos, depois olha para ela e respira fundo. — Sim.
— Como assim? Tão rápido?
— Tão rápido?! — Ele repete.
— É, há alguns minutos ela estava plenamente acordada falando com você.
— Ah, é que ela dorme rápido mesmo. Muito sonolenta.
— Mas então ela está nos escutando né? Não pode ser que já esteja com a mente apagada. — Me refiro ao sono profundo, quando a pessoa pode gritar no seu ouvido e você não ouve.
Ok, exageros à parte.
— Não, não está. — Ele franze a testa. — Ou pelo menos eu acho. Espera. — Ele fala e anda até ficar ao seu lado. — K? — Tempo. — K?! Está me ouvindo? — Mais um tempo. — É, parece que não. — Então ele me olha como se tivesse vencido uma luta.
— É, ela é realmente sonolenta. — Me rendo. — Não entendo como pode ter dormido tão rápido. Não mesmo. — Demoro um tempo até que lembro o que ele me disse há poucos instantes. — Ei, você não disse que ela tinha um problema?
— Ah, o problema... Bom... Ela... É... Ela tem uma... Doença aí que a deixa sem forças e... Ah, e essa doença é que, ahn... Bem, por causa disso eu tenho tanto cuidado com ela, entende? Bom, é isso mesmo.
Franzo minhas sobrancelhas. Essa história está muito mal contada!
— É mesmo?! — Desafio. — E que doença tão séria é essa que você nem ao menos sabe o nome?
— É um nome muito complicado, difícil de lembrar.
Sinto que há mentira no ar. — E como você sabe que a doença é séria se nunca a levou ao médico?
— Escuta aqui, quem você acha que é pra chegar aqui e ficar fazendo esse tipo de perguntas que atingem a nossa intimidade? Você nem nos conhece para falar assim do nosso passado. — Ela briga, mas sem a intensidade das outras vezes.
Engraçado, agora eu não me preocupo tanto em falar besteira, afastá-lo das minhas expectativas ou de perder sua confiança; só sei que se estiver fazendo algum mal a ela eu vou descobrir nem que custe minha saúde. Tenho certeza que ele fez algo contra ela agora mesmo, quando estiveram a sós no quarto, mas pra dizer a verdade eu não faço a mínima ideia do que possa ter sido.
— Ela me disse que você nunca a deixou sair daqui. — Falo convicto.
— E você acredita? A K passou mesmo muito tempo sozinha, e por mais que sempre tenha tido a minha atenção ela fica toda jogada quando chega alguma pessoa perdida por aqui, como se eu não fosse suficiente. Ela pode contar quantas mentiras quiser pra te fazer ficar mais tempo ao lado dela, Aisle. — Ele diz me fazendo vacilar um pouco. Mas não vou ceder.
— É mesmo?! Porque eu confio mais nela do que em você.
— Pois se desconfia tanto assim de mim a ponto de me fazer um interrogatório a cada hora, por que não vai embora? — Pergunta.
— Acha que eu já não teria ido embora se estivesse sozinho nessa casa com um louco como você? Quem me preocupa é ela.
— Sabe o que eu acho, Aisle? — Ele pergunta depois de uns segundos. — Que você está sendo muito ousado dentro no meu território. Sabe com quem está falando? Sabe com o que está brincando? Eu não quero fazer nada a você porque gostei do seu caráter, da atitude e da força de vontade que tem. Se não fosse isso já teria dado um basta em toda essa palhaçada. Você está se intrometendo demais.
Gelo.
Não, não o estado físico da água; o estado de degradação mental que essa conversa está me causando. Minha consciência me diz que estou me envolvendo demais e que isso vai sobrar pra mim. Se não houvesse uma garota indefesa envolvida nisso tudo sem dúvidas eu já teria ido embora há muito tempo. Agora é como se eu estivesse entrado em um labirinto; mas parece que quanto mais eu tendo achar a saída, mais perdido fico.
Tudo que eu preciso é um guia que me mostre a saída pra tudo isso, a solução pra todo esse pesadelo. Eu quero muito salvá-la; mas antes disso preciso salvar a mim mesmo. E pra ser sincero eu não faço noção de como fazer isso.
— Está querendo me colocar medo ou mudar de assunto sem que eu perceba? — Pergunto.
— Nenhum dos dois, mas se te coloquei medo já é muito bom porque assim você para de encher o saco.
— Sabe, você tem razão. — Falo já calmo, fazendo-o mudar de expressão.
— O quê? — Ele pergunta incrédulo.
— Você tem razão, concordo com você. Estou mesmo me intrometendo demais na vida de vocês. Mas se é assim por que você está me dando tanta atenção? Por que responde as minhas perguntas e fica com raiva quando consigo atingir exatamente seu ponto fraco, ou melhor, seu segredo? E por que mente pra mim? Por que não some logo comigo, já que é isso que tanto quer? — Pergunto com uma ousadia tão forte quanto o meu medo.
Ele me encara por um período, mas solta um sorrido de lado, me fazendo gelar ainda mais. Acho que estou soando frio. Onde estão meus pais com o FBI agora?! — É por isso que eu gosto de você. Você tem coragem, força, garra, determinação e corre atrás do que quer. Como eu queria que todos os... — Ele arregala um pouco os olhos e até eu mesmo percebo que falou algo que não deveria, mas ainda assim não consigo entender. Aliás, nessa confusão toda a pergunta é: o quê que eu consigo entender? — Escuta, faz uns dois dias que você não banha e nem troca de roupa, não é? Vamos, vou te levar até um pequeno riacho próximo daqui e depois resolvemos o que vamos resolver dessa conversa.
Depois que ele fala isso minha cabeça muda realmente de foco, mesmo não devendo. Fazem mesmo uns dois dias que estou sujo, fedendo e machucado. Preciso me limpar.
— Iai, não quer ir? — Ele pergunta.
— Quero. — Respondo receoso, mas antes de caminhar até a porta me aproximo da cama para ver a K mais perto e confirmar se realmente está tudo bem.
Me abaixo ao seu lado e olho um pouco pra ela, que está normal e com um semblante calmo, como se estivesse mesmo dormindo. A não ser por um detalhe: ela não está respirando.
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