Hora 2
Levanto do sofá e me direciono à porta. Não tenho nada a perder se for embora, a não ser... Não! Não posso deixar a mulher nessa casa com ele. Primeiramente ele me pareceu superprotetor com ela, mas então depois ele sai, volta sem ela e diz que eu não posso ver o que ele vai fazer, daí eu simplesmente apago?! Isso é muito estranho. Agora sim ele me parece assustador, e eu não vou deixar aquela garota sozinha aqui com ele, ela me parece muito gentil. Aliás, será que ela está bem?
Olho ao redor da casa tentando encontrar algo diferente ou que explique algumas dúvidas, como: Por que eles moram no meio de uma floresta? E por que têm uma aparência tão exótica? Que perigo será que essa garota passa 24 horas por dia? E acima de tudo: o que ele fez com ela ontem que eu não podia ver?
Eu não sei o que vou conseguir se ficar aqui por mais tempo, e na verdade eu nem sei se vou conseguir ficar aqui por mais tempo, mas preciso ao menos tentar descobrir alguma coisa. Caramba! Quem diria que eu iria me envolver em uma aventura como essa em uma simples trilha? Está mais interessante do que pensei, mas, ao mesmo tempo, bem fora do comum. Eu nunca passei por algo parecido em 22 anos da minha vida!
A casa é bem rústica, e bem pequena também, só tem um quarto e eu ainda não vi o banheiro. Aliás, eu preciso muito ir ao banheiro. Ando pela extensão da casa na esperança de achar alguma porta que leve a um banheiro mas só tem uma porta, que provavelmente é a do quarto, e bom... Eu não vou tentar abrir a porta do quarto que eles estão, não é? Não é lá uma coisa muito conveniente para um jovem tão educado e cheio de classe como eu.
Me direciono à porta da frente, que é de madeira, mas está trancada por 1, 2, 3... 5 cadeados. Nossa! Isso que é perigo! Vou ter que me segurar até um deles acordar.
— O que você está fazendo? — Viro de uma vez ao ouvir a voz de K. Apesar do susto é um alívio ver que ela está intacta.
— Ah, bom dia! Queria ir lá fora. — Respondo.
— Eu até abriria pra você, mas o Z escondeu as chaves. Ele sempre esconde quando vem alguma visita.
— Quer dizer que mesmo morando em um lugar tão escondido vocês costumam receber visitas? — Pergunto curioso.
— Mais ou menos. É que é muito perigoso.
— Desculpa, mas eu ainda não entendi que perigo é esse. Esse lugar parece ser tão calmo!
— Ah! — Ela ri docemente. — O lugar é calmo sim. Até demais.
— Então qual é o problema?
— O Z diz que toda pessoa que aparece por aqui representa um perigo pra nós, mas eu não sei ao certo por que. Todo mundo que aparece de manhã ou de tarde aqui, quando chega a manhã do dia seguinte e eu acordo já não está mais aqui, e quando eu pergunto para o Z o que aconteceu ele diz que a pessoa quis ir embora. Eu não consigo entender, acho que as pessoas têm medo de mim porque nunca se despedem. Por que elas falam para o Z e não pra mim? Eu nunca as trato mal, e ele sempre fica louco daquele jeito. Talvez seja pela minha aparência, não sei...
Mil coisas passam pela minha cabeça. Mil histórias. Mil opiniões. Esse Z é muito estranho, e com o que ela me falou agora me parece que... Bom, se ela sempre é gentil e ele sempre é paranoico, as pessoas deveriam falar com ela e não com ele pra ir embora. E o pior é que ela nunca vê a pessoa indo embora, é como se a pessoa simplesmente sumisse.
Meus próprios pensamentos estão me amedrontando. Eu já sei que ele faz alguma coisa pra apagar as pessoas, já fez 2 vezes comigo. Dói no pescoço e depois já está acordando. Não consigo imaginar o que seja porque não fica dolorido e nem marcado no local. Eu tenho que saber mais sobre ele. Me parece que o único perigo pra essa garota é só ele. E eu vou ajudá-la.
— K, eu não sei por que eles vão embora sem falar com você, mas com certeza não é pela sua aparência. Você é só diferente, mas é linda! Me diz uma coisa: as pessoas que vêm pra cá sempre desmaiam?
Vejo-a abrir a boca para responder, mas ele a interrompe. — O que vocês estão fazendo?
— Estamos conversando. — Falo.
Ele me encara com o cenho trancado. — Estão conversando sobre o quê?
— Sobre esse lugar. Ele é muito calmo, não é? — Respondo antes que K fale algo que ele não deve saber.
— É. É muito calmo. Por isso você tem que ir logo embora. Aproveite enquanto está claro.
— Espera, Z. Ele é a primeira pessoa que decide ficar aqui, deixe-o ficar mais um pouco. — K fala com a mesma voz doce de sempre.
— Falei pra ele que poderia ir embora logo pela manhã. — Ele responde.
— Mas não temos nada a perder. Nunca alguém quis ficar. O que há de tão mal nisso?
Ele olha para ela sem reação e depois vira pra mim. — Você quer ficar?
Eu realmente não esperava por essa pergunta. Pensei que ele fosse me expulsar ou sumir comigo agora mesmo.
— Quero sim. — Respondo, mesmo estando ciente de que corro riscos. — Estou de férias. — Alli irônico? Confere.
— Estamos no inverno. Pode ficar até a neve chegar. Quando começar a nevar você tem que ir embora ou vai ficar preso aqui. — Ele fala. Não sei quanto tempo custará até a neve chegar, mas nevando é o pior momento pra eu sair, e isso eu não entendo muito bem. Porém vou ficar tempo o suficiente para descobrir algo sobre ele. — K, você fica aqui, ok? Você vem comigo. — Fala apontando pra mim com a ponta do queixo.
Me esfrio por dentro, não sei pra onde ele quer me levar nem o que vai fazer comigo. Talvez ele faça o que K insinuou que ele sempre faz com as pessoas. Bom, vou descobrir agora, só espero que não seja a morte.
Ele tira as chaves do bolso e abre os cadeados. E eu espero nervosamente em meu lugar. K acena para nós e então saímos da pequena casa.
— Pra onde estamos indo? — Pergunto sem esperar o segundo passo da caminhada.
— Colher frutas frescas. — Será que essa é a mesma coisa que ele diz às outras pessoas antes de sumirem?
— Ah tá. É muito longe?
— Não pra quem se perdeu a ponto de chegar até a minha casa.
— Então eu fui o único, não é? — Tento fazer uma introdução pra chegar no ponto que quero.
— Na verdade não. É moda as pessoas fazerem trilhas pra cá e se perderem? Sempre falam a mesma coisa.
— Você diz como se fosse frequente pessoas se perderem por aqui. — Continuo na tentativa.
— Você está indo muito longe falando essas coisas. Aonde quer chegar? — Pergunta ao parar de andar e virar pra mim.
— Só fiquei curioso, porque esse lugar é lindo, calmo... Bem diferente do que costumamos ver na cidade. — Digo a primeira desculpa que vem à minha mente.
— Não gosto de pessoas curiosas. Você quer saber demais!
— Ahn... Desculpa, só...
— Vamos pegar as frutas. Pega aí um saco. — Diz me oferecendo um dos dois sacos que trazia no bolso da calça folgada.
Talvez eu deva ir com mais calma. Vamos lá, Aisle: primeiro conquiste a confiança dele!
◆
Quando chegamos às árvores frutíferas começamos a colher as frutas falando de coisas absolutamente fúteis, como qual nossa fruta favorita, o período do ano que ela é mais encontrada, o solo específico para cada uma delas e outros temas interrelacionados. O fato é que eu tentei puxar qualquer assunto mais banal pra compensar a minha "ousadia" em falar sobre a intimidade deles. Z não me tratou tão mal enquanto conversávamos assuntos mais normais, por isso deduzi que já tenho um pontinho com ele. Espero que eu me mantenha assim até que ele comece a me tratar bem, mas pra isso eu preciso mostrar que ele pode confiar em mim sem se preocupar.
— Não passam animais por aqui? — Começo logo a puxar outro assunto leve enquanto voltamos com dois sacos consideravelmente cheios de frutas.
— Fora esquilos e coelhos? — Pergunta.
— Sim.
— Não. Por isso temos que nos contentar com muitas frutas e verduras.
— Mas por que vocês não comem os esquilos e coelhos?
— São muito rápidos. Quase nunca consigo capturar um.
— Não é ruim comer frutas e verduras todo dia?
— No começo é enjoativo, mas depois você se acostuma.
— No começo?! — Tento ir um pouco mais a fundo. — Vocês moram aqui faz tempo?
— Escuta, quantos anos você tem? — Acho que ele desconfiou de algo. Percebeu que novamente estou tentando me aprofundar. Droga!
— Tenho 22, e você? — Respondo como se nada tivesse acontecido.
— Melhor não saber! — Fala dando uma risada de canto de boca. Mais um ponto. Yes!
— Ok, vou tentar adivinhar. Dezenove?! — Ele começa a rir mais ainda. Mais um ponto pro Alli. Yá! Comemoro mentalmente. O simples fato de ele gargalhar perto de mim já me avisa que estou conquistando-o aos poucos. Mas também percebo que o fato de ele ter gargalhado representa que sua idade está longe do que a minha alternativa disse. — Hum... Vinte e três? — Balança a cabeça negativamente. Então imagino que mais que isso ele não possa ter. Sua aparência é muito jovem. — Dezesseis, então.
— Com certeza eu não tenho dezesseis. Nessa idade eu terminei o Ensino Médio.
Um: ele deu uma informação que eu não pedi, ou seja, eu realmente estou indo bem em conquistar a confiança dele. Dois: se ele terminou o ensino médio com dezesseis anos; riu quando eu disse que tinha dezenove; e não tem vinte três; ele deve ser mais velho que isso (inclusive, tenho que perguntar o que ele faz pra manter essa aparência tão jovem).
— É adiantado? — Pergunto, como se estivesse interessado em saber de sua vida escolar.
— Dois anos. — Fala como se fosse uma grande conquista. E na verdade é mesmo.
— Nossa! Já fez faculdade?
— Tenho diploma de mestrado. — Nossa! Agora, sim, eu me interessei. Quantos anos ele tem? Cinquenta?! A K é filha dele?! Ok, avancei um pouco. É só que ele parece muito jovem pra ter feito... Sei lá, cerca de dez anos de curso superior.
— Wow! — É só o que consigo falar. — Qual o curso?
Ele então dá uma pequena parada e me olha sério. — Já chega de perguntas por hoje. Você é o quê? Agente da CIA?!
Vamos numerar novamente. Um: ele cortou minhas perguntas; mas dois: ele fez uma piadinha. Isso não é tão mal como deveria ser.
— Não, não! Relaxa! Sou só um economista. Me formei há dois meses. — Falo orgulhoso.
— Ah, é um filhote ainda. Já parou por aí? — Pergunta com sarcasmo na voz.
— Estou esperando ser chamado por uma empresa privada onde deixei meu currículo. Depois verei meu horário e decidirei se farei ou não uma pós-graduação. — Ele assente com a cabeça e coloca o saco no chão enquanto abre os cadeados. Nem tinha percebido que já chegamos. — Você a deixa trancada?! — Pergunto espantado, lembrando que K está dentro da casa, presa.
— Isso não é da sua conta! — Opa! Falei demais! Mas Aisle não se deixa por vencido. Vou sim conseguir conquistá-lo a ponto de o fazer responder normalmente a perguntas como essas.
— Oi. Vocês demoraram! — K aparece na sala.
— Hoje a colheita até que foi boa. Mas vamos precisar ir mais longe pela tarde. Quando a neve cair já era, e se não tivermos alimento vou ter que ir até a cidade buscar, ou seja, fora de cogitação.
Outra coisa me intriga. Por que está fora de cogitação ir à cidade? O que há de ruim nisso? Mais perguntas para a lista, e eu vou conseguir as respostas.
Z leva os sacos com as frutas para o pequeno compartimento depois da sala de jantar e novamente eu fico sozinho na sala. Pra quem estava desconfiado, deixar uma visita sozinha na sala não é muito conveniente, não é? Será que isso é um tipo de voto de confiança?
É, talvez eu esteja um pouquinho paranoico, mas é que tudo isso que aconteceu desde ontem é tão estranho que me deixa muito curioso, talvez até alucinado.
Sigo em direção ao que penso ser a cozinha. Estou certo.
— Precisam de alguma ajuda? — Pergunto ao adentrar.
— Sim. Que você fique quieto no sofá. Sem bagunçar, sem perguntar. Vai ajudar bastante.
— Não tem mais nada pra fazer? — Insisto.
Ele para de tirar as coisas do saco e colocar em um armário suspenso na parede e me encara. — Procura uma frutinha roxa com a raiz azul. Vou precisar pra colocar na comida.
Fico uns segundos associando se ele realmente quer que eu saia sozinho para procurar uma tal fruta pra colocar no almoço, mas também sei que pra ele seria ótimo se eu me perdesse. Por isso vou procurar essa fruta e trazê-la pra ele, assim ele confiará em mim e verá que não sou um idiota que não nsabe de nada.
◆
Sigo o caminho de volta lembrando das árvores e flores pelas quais passei, mas, na verdade, essa não foi a minha dificuldade. Minha dificuldade foi encontrar essa porcaria de fruta. Não faço noção de quanto tempo passei procurando-a, e nem de quantos arranhões eu já tenho nas pernas e braços. Eu procurei em plantas rasteiras, árvores, arbustos, mas o máximo que eu achava era uma planta verde ou uma raiz amarelada. Droga!
Chego desapontado comigo mesmo por não ser capaz nem ao menos de achar uma mísera frutinha, e fora o fato de eu não ter um ponto a mais com o Z, estou mais sujo do que os mendigos que vivem na rua.
Abro a porta da frente e me deparo com ambos terminando de comer a sopa que havia em seus pratos. Caramba, o que custava ter me esperado?
— Pelo visto você não precisou da fruta rosa com raiz azul. — Falo ironicamente ao olhar para os pratos deles.
— Fruta o quê?! — K pergunta.
— Rosa com raiz azul. — Z responde tentando segurar um sorriso. Mas não entendo a graça.
K começa a rir depois que ele responde e Z gargalha. Fico com cara de uma criança quando não entende as piadas contadas na mesa por adultas.
— Estão rindo de quê? — Pergunto ainda sério.
— Não existe fruta com raiz, Alli! — K fala docemente entre sorrisos.
Eu até que queria estar fora de mim ou ter algum espelho por perto pra ver como está a minha cara agora. Fala sério! Eu não acredito que ele me enganou. Como eu não lembrei que frutas não possuem raiz? Argh!
Começo a rir, fingindo que o fato de ter sido enganado e agora estar todo sujo e arranhado fosse uma coisa que me fizesse achar graça.
Ouço minha barriga roncar e então lembro que ainda não comi nada hoje. Sento em uma das duas cadeiras livres.
— Não sobrou almoço?! — Pergunto depois que eles param de sorrir.
— Opa! Pensei que você comeria as frutas com raiz azul e comi o resto. — Z fala com sarcasmo na voz, levanta da cadeira e se direciona ao quarto.
Tento aceitar o fato de que estou morrendo de fome, com raiva e machucado e ainda vou ter que preparar alguma coisa pra comer.
— Posso usar a cozinha? — Pergunto me virando na direção de K.
Ela balança a cabeça em negativa e solta um sorriso leve. — Eu guardei pra você. — Então ela vai até lá e volta com um prato cheio de sopa. Já falei que não sou muito chegado a sopa, mas com a fome que estou agora ela me parece a melhor comida do mundo.
— Obrigado! — Agradeço enquanto ela transfere o prato das suas para as minhas mãos. — Ele é sempre desse jeito? — Me refiro ao Z.
— Acha que ele está te tratando mal?!
— Bom... Não, mas...
— Ele está sendo educado com você, Alli. Não o deixe com raiva de verdade.
— Não. Relaxa, não vou... Eu vou ganhar a confiança dele. — Falo firme assim que engulo a colherada de sopa.
— Pra quê você quer ganhar a confiança dele? — Ela pergunta com uma sobrancelha levantada.
— Ah, eu... — Eu acho que falei demais. — Eu me sinto bem quando as pessoas confiam em mim. Você não?!
— Eu nunca... Eu nunca convivi com mais ninguém a não ser o Z. — Fala olhando para o meu prato de sopa. Eu até perguntaria se ela quer, mas fora o fato de que estou com muita, muita fome, acho que ela não está interessada na minha sopa, apenas olhou para um lugar chamado nada que ocasionalmente está perto do meu prato. Mas vamos ao que realmente interessa. Como assim ela nunca conviveu com mais ninguém? Se ela já é uma adulta (ou, pelo menos, parece) deveria ter morado com outras pessoas e em outro lugar antes. Será que ela nasceu aqui? Mas e se ela nasceu aqui, então quer dizer que é filha do Z? E a mãe dela? O Z é realmente velho, então?! Meu Deus! Para, Alli, para! Você vai ficar louco! Lou. Co.
Eu preciso muito conquistar a confiança do Z, tenho que descobrir mais sobre eles. E com ou sem neve, só vou embora quando souber que droga de pessoas esses dois são. Nunca conheci alguém tão estranho como eles.
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