Hora 17
Corro até ela com a mão direita segurando a camisa cheia de frutas e puxo seu braço com a mão esquerda.
- Por que eu te deixo sem jeito? - Pergunto sério ao lhe encarar, mas ela desvia o olhar e se desprende de mim.
- Porque você fica falando esse tipo de coisa. - Responde em tom baixo.
- Que tipo de coisa?
- Essas coisas. Você repara em tudo e sempre fala, me deixa constrangida. Eu não gosto disso. - Fala depois de voltar a andar. - E fica me olhando, me encarando, me...
- Tudo bem, não vou mais fazer isso. - Corto-a e vejo-a paralisar e voltar seu olhar para mim. - O que foi?! Apenas disse a verdade; não vou mais te... Deixar constrangida. - Concluo, mas ela continua me encarando sem dizer uma palavra. - Qual é?! - Pergunto já me estressando, mas quando vejo que não vou mesmo obter respostas bufo e continuo andando. - Vamos.
Ela demora um pouco, mas logo me acompanha.
Ficamos em silêncio durante longos minutos na caverna.
- Está frio! - Ela fala. Sorrio de lado e reviro os olhos. Eu estou pensando o mesmo que ela está pensando?!
Hm... Alguém quer ser aquecida!
- Você está sorrindo de novo! - Ela fala com um olhar triste. A encaro momentaneamente. Eu realmente não entendo as mulheres. Elas deixam totalmente subtendido e querem que a gente não perceba! Depois se fazem de bobas, como se não soubessem que nós entendemos perfeitamente o que queriam dizer. Por isso eu sou direto: para não fazer mais enrolações que elas.
- Argh! - Reviro os olhos novamente. - Se incomoda até quando eu rio?!
- Não, mas se está rindo do nada é porque eu devo ter feito alguma coisa. - Fala.
Olho para ela e sorrio novamente. - Você é engraçada!
Nein está sentada no chão, então apoia o braço direito sobre o joelho e leva uma das mãos à bochecha. - Sério, por que você está rindo? - Pergunta.
- Dá pra abaixar essas pernas? - Pergunto virando o rosto. Ela está me provocando!
Ela faz uma careta e ajeita as pernas. - É só não olhar. - Diz ríspida.
- Se eu não olhar vou ficar cego. - Digo sorrindo.
Ando na direção da camisa com as frutas e a desocupo, está realmente muito frio, e tudo piora quando estou sem camisa.
- Tão engraçado, você! - Nein fala com os olhos semicerrados em minha direção.
- Eu sei. Pega. - Digo, jogando minha camisa para ela.
Nein segura a camisa e me encara. - Por que está me dando? - Ela pergunta; a encaro um pouco pensando em como respondê-la, mas sua face está tão calma e doce que decido não ser ignorante.
Sento ao seu lado. - Não disse que está com frio? - Falo, deixando-a me olhar sem dizer uma palavra.
- Eu apenas comentei, não... Não precisa me dar sua camisa, eu... Nossa, desculpe! Não, é sério, veste. Sei que está com muito mais frio do que eu. - Ela fala estendendo a camisa de volta para mim, então pego-a, mas logo coloco por cima de seus braços e puxo Nein para o meu abraço.
Senti saudade disso.
Inicialmente ela fica sem jeito e meio tensa, mas depois de uns segundos acaba relaxando e descansando sua mão sobre meu peito.
- Nunca pensei que um dia fosse ficar assim com um estranho! - Exclama.
- Um estranho?! - Falo em tom baixo. - É assim que se refere a mim?
- Na minha cabeça, conheço você há dois dias. Contando com hoje.
- É, na minha também. - Rio. - Mas acho que já se passaram mais. Passamos tanto tempo dormindo...
- É... - Diz. - E você cuidou tão bem de mim...
Quando ela diz isso acabo mordendo o lábio inferior, não quero que ela perceba que estou sorrindo feliz ao vê-la se aproximar propositalmente. Mas não posso dizer a ela a verdade: que está querendo se aproximar, ou vou deixa-la constrangida. Reviro os olhos e sorrio. Mulheres...
Passamos um longo período em silêncio e minha mente automaticamente volta a pensar na K, no Z e em todas aquelas pessoas presas. Preciso elaborar um plano, assim como preciso da ajuda de Nein, e esse é o momento ideal.
- Está acordada? - Falo baixo, mas em meio a tanto silêncio minha voz sai como um grito.
- Aham. - Ela fala com a voz já rouca e balança a cabeça. Acho que é o frio.
Nein está tão encolhida que parece uma bolinha impregnada em meu corpo. Não queria ter que entrar em um assunto tão sério agora, só queria ficar junto dela dessa forma, segurando-a e protegendo-a sem dizer nenhuma palavra, apenas aqui.
- Preciso dizer uma coisa. - Falo. - Tenho que voltar à casa do Zion. - Assim que digo isso ela se afasta de mim de uma vez, empurrando levemente meu peito com suas mãos.
- O quê?! - Pergunta assustada com suas sobrancelhas franzidas e lábios entreabertos. Acho que ela não esperava por isso. Mas esse é o meu objetivo, e foi por isso que voltei para Hairwels.
- Não posso ficar com você aqui e deixar todas aquelas pessoas presas, Nein. Não vou fazer isso! - Digo.
- Mas você não pode ir sozinho! O que pensa que é?! Um super herói?! - Ela balança a cabeça. Pelo visto não gostou nada da ideia. - Você não pode fazer isso, Zion pode até te matar!
- E o que quer que eu faça?! Que eu chame os policiais para eles fazerem tudo no meu lugar?! - Ergo a voz.
- É. - Fala também mais alto; sua respiração está ofegante.
- Se eu falar com eles, vão levar você e todas as outras pessoas para serem estudadas; e vocês não vão ser livres; vão apenas deixar de serem prisioneiros do Z para serem prisioneiros de outras pessoas. Não vou deixar que façam com todos os outros o que estavam fazendo com você, Nein. Não vou!
Ela leva as mãos ao rosto e fica um tempo sem dizer nada.
- Não sei o que vamos fazer, Alli. Não sei como te ajudar e nem tenho como falar com mais ninguém, e... Bom, eu sei que pode parecer estranho, mas eu... Eu tenho muito medo do Z!
A encaro. - Não é estranho, é absolutamente normal. Mas nós precisamos fazer algo: um plano... Sei lá! Você conhece muito mais daquela casa do que eu e pode me ajudar dizendo onde fica cada coisa, ou alguma passagem secreta, senha ou código. Não sei, me ajuda só no plano e eu vou sozinho.
- Mas você não pode ir sozinho, é muito perigoso! - Ela está mesmo implorando?! Por que está tão preocupada assim com um "estranho"?
- Há riscos que nós precisamos correr. Imagina se você não tivesse fugido quando Z saiu?! Eu não conheceria você, não saberia quem é realmente o Z, e muito menos que existem tantos prisioneiros naquele subsolo; eu continuaria mais alguns dias naquela casa e talvez depois ele me prendesse também, aí sim, não teria como eu ajudar ninguém. Mas agora eu estou livre, Nein; você está livre; e sabe como é ruim estar presa. Pense na sua mãe e nas outras pessoas, elas também precisam sair de lá. E apenas nós temos tudo em nossas mãos para livrá-los. - Concluo.
- Eu sei, Alli, também penso na minha mãe e nos outros; mas do que adiantaria irmos para salvá-los e acabar sendo presos também?! Se isso acontecer, vamos apenas agravar a situação.
- Se isso acontecer. Se. - Enfatizo. - Precisamos tentar. - Fico uns segundos em silêncio. - Se você estivesse presa agora tenho certeza que iria querer que alguém aparecesse para te salvar.
- Iria. - Ela olha para baixo. - Mas não estou presa, estou com você. E tenho muitos medos: tenho medo de que elaboremos um plano mal feito; tenho medo que Zion esteja nos procurando agora; tenho medo que ele nos prenda quando chegarmos lá; tenho medo de ser morta por ele; mas acima de tudo eu tenho medo... Tenho medo de perder você!
Sinto meu peito arder.
Respiro bem fundo.
Não acredito que escutei isso!
- Não vai me perder. - Digo olhando em seus olhos. - Também não vai morrer, e não vamos ser presos. Tenha fé! Deus não disse que está conosco?! Não podemos duvidar, Nein. Depois de tudo que Ele já fez por mim eu seria um idiota se não acreditasse que Ele é capaz de fazer qualquer coisa para nos ajudar. Não te culpo, eu era pior que você; mas no dia em que você conhecê-lo de verdade vai entender o que estou sentindo; vai finalmente saber o que quer dizer confiar em nEle: você não duvida, apenas concorda.
Depois que digo isso ela não responde mais nada. A puxo de volta para mim e nos aquecemos, o clima está cada vez mais gelado.
Acabo por apoiar meu rosto sobre sua cabeça e fechar os olhos. A posição em que estamos está confortável para nós dois dormirmos, mas minha mente ainda vaga por vários pensamentos antes de adormecer.
⌛
Algo pesa em minha perna esquerda e acabo me incomodando. Tento abrir os olhos, mas alguma coisa também pesa sobre o meu rosto.
Tento mexer meu corpo, mas mal consigo senti-lo, e acabo mexendo apenas o polegar da minha mão direita.
- Alli, está me ouvindo? - Uma voz sussurra ao meu lado. Bom seria se eu conseguisse responder. - Estou tão preocupada com você! Depois da cirurgia piorou tanto... Estou com saudade de ouvir sua voz, com saudade do seu abraço, das suas piadas, das suas danças... Lá em casa tudo é vazio sem você! - Ela diz e ouço-a fungar. - Não vai me deixar sozinha, né?! Eu não posso ficar sozinha, amor, não consigo! Já orei tanto, mas é como se não adiantasse... Não sei qual é a vontade de Deus! - Mais fungadas. - Não sei se está me ouvindo agora, mas você precisa lutar; os médicos te deram só mais sete horas de vida. O que eu vou fazer se tiver você por apenas mais sete horas?! Eu não vou aguentar, Alli, você sabe muito bem disso. Liberte tudo que está preso aí dentro, liberte sua vida, fale com Deus, tenho certeza que Ele está aí. E volte para nós, meu amor, volte para nós!
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