Hora 10
Lavo o prato e a colher de madeira com a água gelada do grande balde perto do armário da cozinha e um pano encardido para ajudar.
A sopa não estava gostosa, mas o que eu podia fazer? Ficar com fome o resto da noite? Ao menos amanhã poderemos ter a chance de comer algo realmente bom. Até as vermes odeiam aquela sopa! Argh! É uma espécie de água salobra (por vir de um poço) com legumes (como batata, cenoura e beterraba) meio crus e uns vegetais picados. Não tem gosto de nada. É realmente triste comer aquilo!
Assim que termino, os enxugo com outro pano (encardido) e coloco-os na parte do armário em que vi K guardar as louças. Pego o dispositivo que os policiais me deram e o investigo: é quase um celular, mas ao invés de possuir um chip para mensagens e ligações ele possui um dispositivo de localização, como um GPS, e as mensagens que podem ser enviadas são através de um sistema de comunicações oferecido diretamente pela rede da delegacia, que mesmo sendo distante de onde estou acaba cobrindo toda essa área.
Não há músicas, fotos ou vídeos salvos, mas é possível de se fotografar, filmar e gravar nele. Bem útil, considero.
Aproveito que estou na cozinha e começo a abrir os armários e procurar por qualquer informação que me possa ser oferecida, apesar da fraquíssima luz vinda apenas por uma lamparina nesse cômodo, consigo carregá-la através de sua extensão sem deixar que se apague, aliás, ela nem teria mesmo como apagar, já que qualquer entrada de ar disponível na casa está - muito bem - fechada.
Depois de uns minutos revirando as coisas dentro dos armários - e de o sono começar a dar os primeiros sinais - vejo novamente a porcaria da luzinha vermelha piscando.
Droga, Alli! Droga! Como eu pude esquecer que existem câmeras escondidas nessa porcaria dessa casa?!
Bufo baixo e ao encontrar uma bacia funda de plástico finjo que era isso que estava procurando, só para prevenir caso ele venha a verificar o que eu faço depois do momento em que ele fecha a porta do seu quarto. O que eu faço com ela?
Algo convincente... Algo convincente... Algo convincente...
- Ah! - Acabo exclamando com um sorriso. - Já sei!
Deixo a bacia sobre o armário e decido parar com as investigações por hoje. Meus amigos policiais precisarão esperar um bom tempo até conseguir algo útil de mim; preciso ir com calma para não despertar suspeitas no Zion.
Apago a lamparina e vou direto ao sofá. Pensei que fosse dormir rápido. Mas meus pensamentos são mais resistentes que meu sono.
⌛
Acordo com o barulho dos cadeados sendo fechados e vejo Zion andando até a cozinha com algo nas mãos.
Por muitas horas antes de dormir pensei que teria um péssimo sono, mas olha só pra mim: nenhum pesadelo, nenhuma voz, nenhuma mulher, nenhuma mão querendo me matar... Pelo visto me saí bem no sono essa noite.
Valeu, Deus!
Sem delongas me levanto, esfrego os olhos e vou até a cozinha na intenção de passar água no rosto pra despertar totalmente. Alguém falou mais do que devia e vai ter que passar um dia inteiro correndo perigo de vida (do Z e dos animais) na floresta. Sou um gênio, não? Eu não faço a mínima ideia de como se caçar um animal, disse aquilo por impulso. O máximo que já fiz foi treinar tiro ao alvo com espingardas falsas. Espero que adiante alguma coisa.
Mas como diria Wilbur, um amigo meu: "O que nós não fazemos por uma boa refeição, não é?". Rio lembrando dele. Ele não era aquele cara gordo, mas comia como um condenado; ah, e se você sentasse em uma mesa para falar com ele podia se preparar e até levar um livro de gastronomia refinada, porque ele falaria desde ovo frito com farinha até um magret de pato ao perfume de mel e especiarias.
O conheci, por uma coincidência engraçada, na lanchonete da faculdade. Tínhamos alguns amigos em comum e desde então sempre saíamos para bater uma bola ou assistir futebol no apartamento de outros amigos. Ele terminou a faculdade de gastronomia dois anos antes que eu terminasse a minha de economia, foi para a França e nunca mais tivemos contato. O Alan disse que ele começou trabalhando empregado, mas hoje montou seu próprio restaurante e namora uma francesa de dar inveja.
Mas isso não vem ao caso agora.
- Bom dia, dorminhoco. Já é tarde, sabia? - Ouço a voz doce de K me cumprimentar. Já estava com saudade.
- É, parece que ele foi dormir bem tarde mesmo. Andou revirando tudo aqui na cozinha. - Zion fala no mesmo tom monótono de sempre. Definitivamente não é todo dia que ele está amigável. Todas essas alterações no humor... Nossa, parece uma mulher!
E como imaginei, ele realmente olhou as gravações de ontem. Lembro então da desculpa que armei. - Claro, vocês escondem todas as vasilhas! Um sacrifício achar uma grande o suficiente para colocar a minha maravilhosa caça para o almoço de hoje.
- Maravilhosa caça?! - K se manifesta. Nunca imaginei que pudesse estar com tanta saudade assim apenas de ouvir a sua voz. - Vocês vão sair para caçar hoje?
- Aisle disse que traria um leão para o almoço. - Zion diz com um sorriso de lado debochado.
- Está colocando palavras na minha boca. - Falo, também sorrindo, enquanto pego outro pano encardido para enxugar o rosto.
Meu, só existem panos encardidos nessa casa?!
- É, mas acho que o leão vai ter que esperar para o jantar. A não ser que você faça o milagre de conseguir matar um animal em... Menos de duas horas. - K.
- Menos de duas horas?! - Pergunto assustado.
- Isso aí. Quis dar uma de bela adormecida hoje e se ferrou! - Advinha de quem é essa fala?
- Afinal, que horas são? - Pergunto.
- Exatamente dez e vinte e três da manhã. - K diz com os olhos fixos na parede. Uma interrogação surge como uma lâmpada acesa na escuridão.
- Como você sabe?! Não tem nenhum relógio aqui. - Falo. Percebo Z me encarar.
- Bom, estamos indo agora, ou realmente vamos jantar nosso almoço. - Zion diz e me empurra em direção à porta dos fundos. - E sem café da manhã mesmo! Pra aprender a ser homem trabalhador que acorda quatro horas da manhã pra achar presa fácil. - Ele completa, e enquanto sou empurrado para fora de casa anoto mentalmente a segunda característica não humana de K: ela sabe as horas exatas sem precisar de relógio.
A segunda?! Ainda preciso dizer?! Não foi óbvia a sua voz robótica quando saiu do quarto para falar com o Zion, no dia em que morri?!
Z fecha a porta, gritando para que K não se esqueça de trancar novamente os cadeados, e eu não perco tempo.
- Como ela sabia das horas?
- Ela não sabia. Fez uma estimativa. Porque acordamos há horas e por causa do sol. Quem não sabe dizer a hora olhando para o sol?! - Faz uma pergunta retórica "óbvia".
- Ninguém. - Falo em tom alto e com firmeza. - Ninguém sabe, Z.
- Errado. - Me interrompe calmamente. - Ninguém que mora na cidade sabe. Nós, que vivemos aqui há um bom tempo, conseguimos ver facilmente.
- Pode ser, mas ela estava dentro de casa, e a cozinha é escura. Não tinha como saber do sol.
- Ela tinha acabado de entrar, Aisle. E pare de fazer perguntas, está me enchendo. - Ele fala sério enquanto pega uma bolsa de couro verde escuro enorme com uma espingarda dentro; estava escondida entre as árvores próximas à sua casa.
- De qualquer forma, ela não fez nenhuma estimativa. Falou com toda a certeza que tinha, percebi na sua voz. E ela disse "são exatamente", não tinha mesmo como ser uma estimativa. - Continuo falando, até que ele aponta a espingarda pra mim.
- Já disse pra parar de me encher. Ou não precisarei me preocupar com caça durante um bom tempo. - Ele fala, depois fica em silêncio e volta a andar. Entendi exatamente o que ele quis dizer: ou você cala a boca ou eu calo, assim que te matar. Mas ok, vamos levar em consideração que eu realmente não o dei nenhuma trégua.
Vai com calma, Alli. Com calma.
- Tudo bem, vou parar, mas que fique bem claro que achei isso muito estranho. - Concluo. - Uma pergunta: aqui não têm animais ferozes, né?
- Animais ferozes? - Ele repete a pergunta.
- Sim. Nós não estamos correndo perigo de vida, não é? - Não entendam errado, eu sou corajoso. É só que...
- Eu não estou, mas não diria o mesmo de você. - Zion diz e então perco a paciência.
- Eu já entendi que você está disposto a me matar a qualquer momento, Z, eu já sei disso. E mesmo assim continuo aqui. Caramba, você não entende? Eu não vou embora, vou ficar aqui. - Falo determinado e em bom tom. - E agora eu vou caçar. - Digo enquanto tiro de suas mãos a espingarda.
- Ok, Alli, eu já percebi a sua determinação, não sou idiota. - Ele ri calmamente. Odeio quando faz isso, é como se tivesse autoridade total sobre mim e não se importasse com nada que eu digo a ele. - E também já disse que é isso que me agrada em você. Apenas tome cuidado. - Ele me encara por uns segundos. - E vamos ver o que você é capaz de levar para nosso almoço.
Então continuamos a andar vagarosamente e sem dar mais nenhuma palavra, para não espantar os animais.
Mesmo com toda a adrenalina de primeiro dia de caçada não estou bem revestido e, portanto, com muito frio. Diria até que devem estar fazendo uns 10 ou 5 graus, mesmo com todo esse sol.
Só espero mesmo que eu consiga caçar alguma coisa, mesmo que seja um esquilo, só pra não passar o resto do dia ouvindo as zombarias do Z - e pra comer carne, claro.
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Oi, oi amores, tudo bem?
Como vocês viram, hoje não é dia de postagem, entao, tecnicamente, estou postando capítulo 1 dia antecipado !! Hahaha eeeeh, comemorem kkk Tá, parei.
Enfim, combinei com vocês que todo domingo eu atualizo minhas obras (com excessão de Apaixonada por Sonhos, que é poesia), entretanto amanhã é o dia das mães *--* Own ❤
Isso quer dizer que não, amanhã não atualizarei 24 horas, porque eu não terei tempo de postar e vocês não terão tempo de ler. Por isso saiu hoje.
Já escrevi demais, agora é com vocês. O que estão achando da estória? Qual será a verdadeira identidade da K e do Zion?
Comentem aí e não esqueçam de clicar na estrelinha pra votar ;)
Beijos,
- SophiieM
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