Hora 1
— Droga! — É só o que consigo dizer. — Droga, droga, droga! — Esse estresse é o preço da desobediência. — Droga de independência! Essa foi a pior ideia que já tive! Fazer uma trilha sozinho! — Resmungo em voz alta no meio desse bando de árvores. Não que eu não goste da natureza (muito pelo contrário) ou que esse lugar dê medo, mas ficar sozinho — e com o celular sem área — no meio de um fim de mundo não é lá uma das melhores sensações.
Fazer trilha é legal, mas ter vindo sozinho, sem mapa ou bússola, sem dúvidas foi a pior escolha que fiz. Continuo andando não na intenção de achar a saída ou qualquer outro caminho, mas algum riacho ou lago com água que eu possa beber. A sede está começando a me incomodar.
Agora que terminei a faculdade que eu só fiz pra não ser vagabundo até que não vejo problema algum em morar num bosque como esse — contando que eu tenha uma flecha ou outro tipo de arma pra conseguir comida, se bem que posso até viver à base de frutas e vegetais. Ser vegetariano nunca me pareceu uma opção tão boa como agora.
Em meio a essas árvores imensas e totalmente verdes eu poderia encontrar ocasionalmente uma casinha abandonada, não é? Começo a rir de mim mesmo com esses pensamentos de mulher. Eu sou muito homem, aliás, tenho 22 anos. Não, eu não tenho namorada (mas não é por falta de opção. Essas mulheres de hoje estão muito oferecidas, nem tem graça. Quero alguém que eu possa ter o orgulho de conquistar). Mas não vamos falar de mulher no meio de um matagal, certo? Certo.
Prossigo sem direção até que me deparo com um cara (de cabelos brancos, só pra diferenciar) correndo contra mim. Ele para de uma vez.
— Aí, o que você está fazendo aqui, nesse mato? — Pergunto bem curioso.
— Na verdade eu quem devo lhe perguntar isso. O que você faz por essas bandas?
— Eu vim fazer uma trilha, mas acabei me perdendo. Sua vez agora.
— Eu vim... Ah, eu nem te conheço! Você está indo pra lá? — Ele aponta para trás de si.
— Estou sem direção. Qualquer destino seguro pra mim tá ótimo.
— Então vem comigo que eu te levo de volta pra estrada daqui. — Ele responde e eu fico sem saber o que fazer. Voltar seria uma ótima opção, mas então eu perderia toda a aventura de me perder em uma floresta, tentar sobreviver e achar o caminho de volta.
— Não quero voltar. Relaxa que depois eu acho o caminho de volta. Mas você ainda não me respondeu o que está fazendo aqui. Eu respondi pra você, está me devendo.
— É um segredo, não posso dizer. Assim como você não pode seguir esse caminho.
— Ué, claro que eu posso! A floresta não é sua!
— Como você tem tanta certeza? — Olho para ele depois de ouvir sua resposta. Esse cara tem problemas. Balanço a cabeça em negativa e o encaro desconfiado. — Pois é, você não tem certeza e não vai continuar nessa trilha.
— Olha, foi mal se a floresta pertence a você, mas eu decido se vou continuar ou não, ok?
— Eu realmente espero que você não esteja me desafiando. Você está?
— Escuta aqui, cara, eu não sei o seu nome nem que tipo de problemas você tem, mas...
— Zê! — Ouço uma voz fina gritar, mas ao olhar para trás simplesmente sinto como se algo pontiagudo estivesse atravessando o meu pescoço.
◆
Abro os olhos e me deparo com um par de olhos... Violeta?! Espera! Esses olhos realmente são violetas?! Deve ser um sonho, né?! Não existem olhos violetas, nem... Cabelos cor-de-rosa?! O que é isso?! Acordei num conto de fadas da Barbie?!
— Oi. — Falo para a garota que está à minha frente. Na verdade, ela não parece ser uma garota pelo corpo, mas esses olhos e cabelos exóticos junto com um rosto geometricamente sem defeitos a fazem parecer uma garotinha de 15 anos. Ela esbanja um sorriso sem mostrar os dentes. — Você é?
— K.
— Ca o quê? — Espero que ela continue a falar seu nome.
— K.
— Ca? Tipo K? Só K? — Ela assente com a cabeça. — Ah, prazer K. — Falo achando engraçado, mas quem sou eu pra zoar o nome de alguém com o nome que eu tenho? — Eu sou o Aisle, mas pode me chamar só de Alli, eu não sei onde minha mãe estava com a cabeça. — Ela ri novamente sem mostrar os dentes e assente. — Então... Onde é que a gente está?
— Na minha casa. — Responde.
— Na verdade a casa é minha, você apenas mora aqui. Eu sou o dono e você vai dar o fora. — Fala aquele mesmo cara maluco que encontrei na floresta, apontando pra mim.
— Você está se sentindo bem? — A mulher pergunta. A K.
— Estou tentando me orientar. Como é que eu vim parar aqui? — Pergunto apenas para ela virar pra mim e eu poder olhar a cor dos seus olhos novamente. Eles são estranhos, mas bem maneiros. Mas eu estou realmente em dúvida a respeito do que aconteceu.
— Você não precisa saber como chegou. Só precisa saber como sair, e essa é fácil porque a porta está bem ali. E se você não for logo eu não ensino o caminho até a estrada.
— Para Z, deixa ele descansar! — Ela diz.
— Quem quer descansar sou eu, e isso eu não vou fazer sabendo que tem um cara estranho na nossa casa colocando você em perigo. E uma coisa que não aceito é colocarem você em perigo.
— Eu não estou em perigo. E para de julgar o cara, você nem o conhece.
— E é por não conhecer que não vou confiar nele. — Ele diz me encarando.
— Deixa só eu falar com ele, tá? — Ela pede.
— Pode falar, mas eu vou ficar bem aqui ouvindo. — Ele fala e se aproxima.
— Então... — Ela vira pra mim parecendo chateada e eu aproveito para reparar bem em seus olhos novamente. Eu realmente não sabia que alguém poderia ter olhos dessa cor. Aliás, nem sei o nome: talvez roxo, lilás, sei lá... — Você veio de onde? E por quê?
— Ok. — Respiro fundo. — Eu venho da cidade. Vim fazer uma trilha, mas acabei me perdendo e achei ele no meio do caminho. A gente conversou e depois eu não lembro de nada.
— E eu nem sei por que, né... — Fala olhando séria para o homem de cabelo branco. Apesar disso, ele não parece nem um pouco um idoso.
— Se já esqueceu K, você está em perigo 24 horas por dia e eu parei de viver pra te proteger, pra te ver viva. E eu não vou ter peninha de caras coitadinhos que se perdem na floresta. Eu nem sei por que aceitei sua opinião ridícula de trazer ele pra cá. Se alguma coisa acontecer... — Ela o abraça de uma vez, o calando imediatamente. Fico sem saber o que fazer no sofá e ainda mais curioso com relação à mulher depois do que ele disse.
Ela sussurra algo pra ele e vice-versa, então o vejo segurar seu rosto e dizer alguma coisa. Penso que vão se beijar, mas eles não fazem isso. Até que iria embora agora mesmo, mas além de, com certeza, eu não ser nenhum perigo, estou morrendo de fome.
— É... Eu não quero atrapalhar, mas será que vocês podem me dar alguma coisa pra comer? Eu tô com muita fome. — O cara me olha sério e segura a mão da mulher. — Por favor, confiem em mim, não vou fazer mal algum pra nenhum de vocês. — Apelo.
Eles se encaram e depois ele vem até mim. — Escuta aqui. Está ficando escuro e você vai se perder mais ainda se sair agora. Pode comer e dormir aqui hoje, mas se fizer alguma coisa contra ela você tá ferrado, entendeu? — Assinto com a cabeça. No começo não, mas agora estou começando a ficar com medo dele. Um jeito sério, mas ao mesmo tempo, perigoso e ameaçador. Óbvio que eu sou muito corajoso, forte, esperto e ágil, e não é exatamente um medo, com todas as letras, é só um susto, algo passageiro.
◆
A janta é sopa de verduras. Eu não gosto, mas estou com fome e comendo sem pagar. Não tenho direito algum de reclamar.
Fico muito sem jeito. O cara maluco não para de me encarar um segundo, e eu temo o encarar de volta, afinal, estou na casa dele. Sabe-se lá o que ele esconde por aqui.
Termino a sopa e pergunto onde posso dormir. Ele me diz que é no sofá e eu logo me direciono pra lá. K vem me trazer um cobertor, e ocasionalmente toco sua mão. Me assusto com a temperatura da pele dela. Está muito, muito baixa. Ela está absolutamente gelada, como se estivesse com a mão dentro de uma bacia com gelo há 20 minutos sem parar. Sem pensar seguro forte em sua mão e ela me olha assustada.
— Você tá muito fria. Está tudo bem?
O cara chega de uma vez me empurrando contra o sofá. — Disse pra não mexer com ela.
— Foi mal! Só fiquei preocupado, ela está muito gelada.
Ele puxa a gola da minha camisa a ponto de tapar a passagem de ar pela minha garganta. Tem muita força? Confere. — Isso não diz respeito a você. Não toca nela. Ouviu? — Assinto com a cabeça porque não consigo falar.
— Solta ele, Z. — Ouço K falar, então ele me solta. Solto de uma vez todo o ar que ficou preso e tento estabilizar minha respiração, pensando no quanto esse maluco é doido e no quanto eu devo estar vermelho. Eu não fiz nada a ela, apenas me preocupei por estar tão fria. Não é como se eu fosse agarrá-la aqui mesmo.
Vejo-o segurar firme em seu braço, e depois que me manda não sair do lugar, sai da casa com ela, mas volta depois de uns 3 minutos. Sem ela.
— Ei cara! — O tal Z fala se aproximando de mim. Ele voltou sem ela. Ele é ameaçador. Será o que fez com ela? — Foi mal de novo, mas você não pode ver isso. — O olho sem entender, então ele põe a mão no meu pescoço novamente e eu sinto aquela mesma dor que senti a horas atrás na floresta.
◆
Abro os olhos e percebo que não estou sonhando. Eu estou na casa deles. Mas o sol transpassa pelas pequenas brechas das janelas de madeira, deixando a casa muito mais feliz que ontem. Estou sozinho e tudo está em silêncio. Preciso arrumar uma forma de sair. Eu realmente estou assustado. Talvez eu não viva até a noite, afinal, eu nem sei o que esse Z fez com a mulher.
Ontem ele não me deu tempo de pensar, apenas fez alguma coisa no meu pescoço que me deixou apagado a noite inteira. O que eu não poderia ver? E o que deu nele pra me pedir "desculpas"? Uma coisa é certa: ele é muito estranho e esconde algum segredo. Talvez o meu perigo aqui seja grande, mas talvez o dela seja maior ainda; e eu não vou deixá-la sozinha aqui com esse cara antes de descobrir que mal ele pode nos causar.
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