34. Ela está feliz, não está?
- Tudo pronto, Isa? Já colocou seu sapato? - falei, me apressando para procurar a chave do carro e colocar tudo o que eu precisava dentro da bolsa
- Eu não sei colocar - ela falou, do sofá
- Não sabe? - eu perguntei sem pensar
- A história da orelhinha de coelho não funcionou pra você, filha? - Enzo disse, quase me dando um susto ao descer das escadas
Ele ainda estava com sua roupa de dormir e eu não estava achando meus óculos.
- Você pode ajudar a Isa a fazer o nó do cadarço? Eu tô um pouco ocupada.
- Claro - ele me respondeu - Bom dia pra você também.
- Desculpa, eu tenho tanta coisa pra fazer hoje, eu tô ficando maluca! Eu não acho os meus óculos!
Eu respirei fundo por um momento, tentando me concentrar. Ouvi Enzo e Isa rindo baixo do sofá, enquanto ele dava os nós nos tênis dela. Olhei para baixo e lá estava meus óculos de sol: presos no decote da minha blusa.
- Obrigada por me avisarem! - eu bufei - Vamos, Isa, senão eu vou me atrasar pra tudo hoje.
- Não demorem muito escolhendo um vestido, vou ficar curioso - Enzo piscou
- É melhor mesmo não demorarmos, ainda tenho que pagar umas contas e - a campainha tocou
Eu fiquei parada por um momento, buscando explicações.
- Eu não convidei ninguém - Enzo já se defendeu
Ao abri a porta, vi que havia me esquecido que segunda feira era dia do acompanhamento de Isadora. Valerie estava à porta, esperando ser convidada para entrar.
- Cheguei em um mal momento? - ela perguntou quando demorei a cumprimentá-la por pura falta de reação
- Não, não. Não, pode entrar - eu fingi. Era sim um péssimo momento, mas ela não tinha culpa.
Tive que largar a bolsa e me sentar no sofá para conversarmos e Enzo subiu rapidamente para trocar de roupa. Isa contou sobre o fim de semana, sobre termos colado as fotos da viagem em sua parede, escrevendo o nome de cada estado na moldura branca. Depois contou sobre a porta do seu quarto, onde começamos a marcar sua altura, já que nós mesmos não percebíamos a rapidez com a qual ela estava crescendo. Falamos de escolas e nós realmente não tínhamos pensado em matriculá-la em nenhuma, mas provavelmente teríamos que correr atrás disso. Apesar de entender a importância daquela conversa, eu não estava contendo minha ansiedade para que aquilo acabasse logo. Enzo até colocou a mão em meu joelho uma hora para que eu parasse de bater o pé freneticamente.
- Bom, eu preciso ter uma conversa de adulto com seus pais agora, Isinha. Você pode ficar aqui esperando enquanto nós vamos à cozinha? - Valerie perguntou e depois olhou para nós
De repente, o assunto ficou mais interessante e eu esqueci minha ansiedade. Enzo ligou a TV e nós três fomos ao outro cômodo.
- Eu tenho notícias sobre o caso do garoto - ela se referiu a Daniel - Não foi fácil, mas eu e Olga convencemos Margareth que isso só ia causar mais estresse e trauma pra Isa e que mesmo tendo sido algo potencialmente grave, não deveríamos levar isso adiante.
Eu suspirei aliviada.
- Então ela fica com a gente? Nada vai ser relatado sobre o ocorrido? - Enzo perguntou
- Não. Mas é uma exceção. Nada mais do tipo pode acontecer durante esses seis meses de adaptação, senão eu não garanto mais nada. Como andam as coisas com Daniel?
- Fomos até parar na polícia - ela arregalou o olho quando eu falei - Mas ele mesmo confessou que estava inventando acusações. Não o vimos mais, mas estamos atentos a tudo. Não vamos deixar nada de mal acontecer a Isa.
- Ótimo. Qualquer coisa que vocês possam fazer para garantir uma estabilidade nesses meses é importante.
- Falando nisso - Enzo expressou - Você acha que nos casarmos ajudaria o processo?
- Claro, ajudaria. Seria visto com bons olhos para o processo ter um pai e uma mãe no papel e não só na realidade. Vocês estão pensando em se casar?
- Já estávamos pensando antes, mas resolvemos adiantar por causa disso.
- Eu acho ótimo, de verdade. Acho ótimo envolver Isa nisso também, é uma excelente ligação entre vocês.
- E pode deixar que você está convidada! - eu exclamei, fazendo Valerie sorrir - Se você nos dá licença, eu tenho algumas coisas para resolver, eu vou precisar sair.
Não quis dizer a Valerie que estava indo participar com Isa de um reality show de vestidos de noiva, não sei o que ela ia pensar disso. Então, eu me despedi antes mesmo de Valerie sair de casa e puxei Isa da frente da TV sem dizer para onde íamos.
◆
- Aí estão vocês! - a mesma vendedora de sábado disse ass que adentrei a loja
- Ainda dá tempo? - perguntei
- Claro que dá, essas coisas nunca são rápidas, tem que juntar equipamento, iluminação e tudo mais. Estamos quase prontos para começar!
Suspirei aliviada, mas depois fiquei com medo de que pudesse demorar demais. Por causa da minha preocupação, quis ser logo a primeira a começar a gravar. Foi realmente estranho: dar um depoimento, falar quem era meu noivo, explicar por que eu havia trazido uma criança de quatro anos para julgar meu vestido... Mas essa parte foi mais fácil do que eu imaginava. Eu não esperava era ficar tão apreensiva ao provar meu vestido.
- Deixa eu só apertar mais um pouco - a consultora que me acompanhava disse enquanto eu analisava o vestido no espelho
Eu não sabia bem o que achar.
- Pronta para mostrar?
Concordei com a cabeça e andei do camarim ao salão principal carregando a barra do vestido nas mãos. Havia câmeras e pessoas demais, então tentei ao máximo manter minha compostura. Isa abriu a boca quando me viu, gostando. Mas eu não estava gostando muito, principalmente por ser um vestido pesado. Decidi experimentar outro, mas também não gostei muito. O problema deste segundo era o decote: era fundo demais e me deixar desconfortável. Isa gostou de todos e, bem, não era lá uma boa ideia levar uma criança aficionada por princesas para julgar vestidos de noiva. Afinal, ela ia achar todos lindos. Só que Isa era esperta e fofa demais, fazendo todos rirem com seus comentários. "Parece um dos bolinhos do papai", ela disse ao primeiro, jurando que era algum tipo de elogio. "Você parece uma sereia com esse!", ela comentou para o segundo.
De volta ao camarim, eu disse que queria experimentar o vestido que eu havia visto no sábado. Demorei, mas o achei em uma das araras. Eu não sabia se queria experimentar: por um lado eu havia amado ele no cabide, por outro tinha medo dele ficar ruim no meu corpo. A consultora me ajudou com o zíper lateral e, assim que eu me olhei no espelho, vi que era exatamente o tipo de vestido que eu queria.
Andei até o salão principal, animada, esperando que Isa gostasse. Ela abriu a boca em surpresa quando me viu.
- Este é um lindo vestido com decote bateau, costas aparentes, um caimento sereia discreto, em cetim branco - a consultora falou, mais para as câmeras do que para mim
Eu apenas olhava para o espelho, me virando um pouco para analisá-lo melhor. Era lindo e eu não conseguia achar defeito algum. Eu provavelmente precisaria usar uma cinta para não acabar ficando com uma má postura, o que seria um pecado para um vestido tão clássico. Contudo, ele tinha caído muito bem em mim.
- O que acha, filha? - me virei e a consultora ajeitou um pouco a calda dele atrás de mim
- Uau! - ela falou e depois de alguns segundos repetiu - Uau!
- Acho que essa era a reação que a gente esperava!
Todos riram e Isa continuava de boca aberta.
- Você parece com aquelas fotos que a gente viu! - ela falou
Nenhuma referências a princesas dessa vez? Eu estranhei.
- Fotos?
- Sim. Naquele lugar onde minha mão ficou azul!
Eu liguei uma coisa à outra. Ela estava falando da galeria de Charlotte, da exposição de fotos de casamento.
- Eu estou me parecendo como uma das noivas da exposição? - eu perguntei, quase retoricamente - Não estou parecendo uma princesa dessa vez?
Isa balançou a cabeça. Era exatamente isso que eu queria: parecer uma noiva. Eu olhei para o espelho mais uma vez. Dizem que quando você encontra o vestido certo, você sabe na hora. Eu sou indecisa demais, por isso nunca acreditei que iria acontecer comigo... Mas aconteceu. Aquele vestido era o certo e eu não precisava mais procurar por nenhum outro.
Eu já estava um pouco emocionada antes de colocarem um véu em minha cabeça, que, mesmo sobre meu cabelo desarrumado, fez com que eu ficasse ainda mais confiante em relação ao vestido.
- Então, você achou o vestido perfeito? - a consultora perguntou a frase chave do reality show
- Sim, esse é o vestido perfeito!
Ouvi palmas, talvez fosse algo que a equipe do programa faz mesmo para conseguir mais emoção. Isa se levantou para ver meu vestido de perto. Eu mal podia esperar para vesti-lo no dia certo.
◆
- E aí? Achou o vestido? - foi a primeira coisa que Enzo disse ao atender minha ligação
- Se você está achando que eu vou te dar alguma pista de como ele é, pode ir perdendo as esperanças - eu ri, com o celular entre meu rosto e ombro, abrindo a porta do carro e ajudando Isa a se sentar na cadeirinha
- Droga! - ele brincou - O que aconteceu então já que eu não posso saber do vestido?
- Aconteceu que demorou mais do que eu previa e eu queria saber se tem como você buscar Isa aqui e pagar as contas que eu tinha que pagar. Não vai dar tempo de levar ela pra casa.
- Sem problemas, mas eu devo demorar um pouco. Até o bolo da encomenda terminar de assar e eu chegar até aí deve dar uns 20 minutos ou mais.
Eu suspirei, pensando no que fazer.
- Eu acho que não tem problema você levar a Isa junto para a entrevista. É bem melhor do que chegar atrasada - Enzo comentou
Eu tive que concordar. Eu não iria arriscar perder essa chance e, se eles tiverem algum problema com a Isa, vão ter um problema comigo, afinal, eu não vou deixar minha filha de lado por causa de um estágio.
Pedi para Isa se comportar, o que foi algo até desnecessário: ela sempre se comportava. Contudo, acho que meu nervosismo achou que ela ia aprontar ou ficar entediada e atrapalhar, o que era pura bobagem.
Meu coração batia enquanto eu esperava Tom, o amigo do Sr. Henke e dono da agência de turismo onde eu me encontrava, aparecer. Folheei algumas revistas com Isa: revistas de viagem. Ela parou em uma página com fotos de castelos na Alemanha e eu comecei a ler e explicá-las para a pequena.
- Temos uma contadora de histórias aqui então? - uma voz desconhecida surgiu no ambiente e eu levei um leve susto
Tentei me explicar, mas não tinha o que falar, então apenas me apresentei, estendendo a mão. O homem tinha cabelos brancos e um rosto simpático.
- Montreal, o Sr. Henke deve ter falado de mim
- Falou sim e muito bem! - ele apertou minha mão - E quem é essa menininha?
Isa me olhou, buscando uma resposta.
- Minha filha. Espero que não tenha problemas, não tive tempo de levá-la para casa, não queria te deixar esperando.
- Imagina! - ele foi educado - Tenho alguns mapas e livros que podem interessá-la enquanto nós conversamos, mas infelizmente nenhum brinquedo.
- Não tem problema nenhum, ela gosta de livros - eu sorri
- Tem desenho e foto? Eu não sei ler - Isadora disse, como se estivesse com vergonha
- Ah, então eu tenho algo que você vai gostar! - ele sorriu
Nós o acompanhamos até uma sala aos fundos, onde conversaríamos. Antes de eu me sentar, ele se esticou e pegou um livro grande em uma prateleira.
- Esse livro é um pouco antigo, mas é incrível. Tem mapas e fotos de todos os lugares do mundo, com informações de fauna, pessoas, cultura e outros. É do tempo que não se dava pra procurar essas coisas no Google - ele brincou, tirando a poeira de cima da capa
Eu fiquei mais calma com esse começo. Não parecia que eu estava em uma entrevista, visto que Tom era simpático e prestativo com Isadora.
Enquanto a menina folheava o livro perto de um globo, nós conversamos sobre o estágio. Contei que o Sr. Henke havia me falado muito bem dele e que eu ainda estava um pouco perdida nessa faculdade. Já ele me disse que o Sr. Henke havia falado bem de mim e havia lhe mostrado um de meus trabalhos: aquele que fiz no casamento de Fred. A agência tinha um site com dicas de viagem que não estava sendo atualizado há um bom tempo por falta de tempo, ele disse. E eu seria a pessoa a atualizar e fazer o site crescer nas redes sociais criando conteúdo próprio e interessante sobre viagens. Não era um estágio muito fácil: eu precisaria estudar muito e buscar inspiração para escrever sobre lugares e culturas que eu não conhecia de perto.
- Mas não fique preocupada. Não precisa escrever sobre a China, sobre a Ilha de Páscoa! Apesar de importantes, nós preferimos dar atenção ao turismo local aqui, por isso seu trabalho me chamou a atenção.
- Ufa, confesso que fiquei aliviada agora. Não vou precisar comprar passagens de avião para esse estágio - eu brinquei
- Ah, falando em transporte, visto que você trabalha e tem uma filha pequena, não precisa ser um estágio presencial, pelo menos não 100%.
- Como assim?
- Você pode atualizar o blog de casa, escrever, me mandar por e-mail... Podemos nos encontrar apenas uma vez por semana para revisar.
- Uau. Seria ótimo. Mas a faculdade permitiria?
- Tudo o que você precisa apresentar é um relatório e um documento meu afirmando que você estagiou aqui. Acho que dá certo.
Eu sorri, era simplesmente perfeito... O que até me fez ficar um pouco desconfiada. Será que o Sr. Henke pediu para esse amigo arranjar algum serviço pra mim em sua agência só pra me ajudar? Era bom demais para ser verdade.
Quando me levantei, Isa estava girando o globo e apontando para algum lugar aleatório, vendo onde seu dedo caía.
- Planejando sua próxima viagem? - perguntei de brincadeira
- Você sabe onde a gente está? - Tom perguntou
Ele apontou para o mapa, bem em cima de Phoenix. Isa logo colocou o dedo em cima.
- Em baixo fica o México, e em cima o Canadá.
Ela cerrou os olhos, fazendo força para entender.
- Mamãe! - ela exclamou, com o dedo no globo - Você!
Eu estranhei e olhei mais perto o que ele tentava me mostrar.
Seu pequeno dedo indicado estava bem em cima da cidade de Montreal.
- Mas essa cidade já existia muito antes de mim - eu sorri - O vovô e a vovó me deram esse nome porque se conheceram lá.
- Ah, que bom saber disso! Estava curioso mas não queria te incomodar! - Tom disse, me fazendo rir
Eu olhei para Isa de novo, que continuava com o dedo em cima do Canadá. Eu estava sorrindo que nem uma boba, até perceber...
- Espera, Isa. Você acabou de ler meu nome?
Ela me olhou, sem saber o que falar.
- Eu li? - sua voz estava em duvida
- Ninguém nem falou sobre Montreal aqui e você olhou e soube que era meu nome. Eu diria que você leu... - eu brinquei, mas eu estava orgulhosa
- Daqui a pouco é ela quem vai estar contando histórias pra você - Tom brincou comigo, mas meu coração estava bobo, emocionado
◆
- E aí, como foi?
Enzo me cumprimentou com um beijo no rosto antes de levar Isa ao ar e segurá-la em seu colo. A menina se apoiou em seus ombros, abraçando-o e eu sorri.
- Foi muito melhor do que eu imaginava. Eu vou poder fazer o trabalho em casa e ficar mais tempo com essa coisinha - apertei as bochechas de Isa, que riu, virando o rosto - E sabe quem leu sua primeira palavra?
- Não! Quem? - Enzo exagerou sua surpresa - Não me diga que foi a coisinha aqui.
Isa riu, concordando com a cabeça.
- O que ela leu?
- O nome de uma cidade no globo.... No Canadá - dei a dica
- Qual o nome da cidade que você leu, Isa?
- Montreal! - ela falou, ainda com um pouco de dificuldade para pronunciar a letra R
- Isso é incrível. Hoje vamos ler mais algumas palavras no livro antes de dormir, ok? Vamos aumentar esse vocabulário.
- Vocabolo o que?
Nós dois rimos.
- Exatamente! - comentei
Enzo a colocou no chão enquanto decidimos que não ia fazer diferença correr para chegar ao trabalho, eu já estava atrasada mesmo. E se eles estiveram se virando sem mim durante duas semanas, podiam esperar mais uma hora.
Isa corria na nossa frente, diminuindo o passo quando eu mandava ela ficar por perto e não chegar perto da rua. Eu não tinha mais tanto medo dela fugir.
- Não acredito que perdi ela lendo! - Enzo comentou
- Na verdade, ela reconheceu a forma meu nome, não leu realmente. Não sei como, ela não viu meu nome assim escrito tantas vezes, viu?
Enzo balançou a cabeça.
- Para de se diminuir. Ela pode ter me chamado de pai primeiro, mas a primeira palavra que ela leu vai ser sempre seu nome.
Tais palavras soaram bem aos meus ouvidos enquanto Isa andava à nossa frente com o cabelo em um rabinho pulando pra cima e pra baixo. Eu realmente não acreditava que eu teria que interromper esse dia para servir mesas.
◆
- Você chegou atrasada e o mala não reclamou? Se isso aqui fosse um Burger King, eu te declararia rainha nesse exato momento! - foi a primeira coisa que Karina disse quando me viu entrar pelos fundos
A primeira pessoa a me ver foi o gerente, que para minha surpresa e seu desgosto, continuava lá. Ele apenas balançou a cabeça, me julgando, mas não fez um pio.
- Mesmo que tivesse falado alguma coisa, nada iria estragar o meu dia! - eu comentei enquanto abotoava o uniforme, arrumando o avental depois
- Vi que as férias foram boas. Você vai me contar tudo porque eu não vi uma foto sequer nas suas redes sociais, o que significa que foi ótima.
Eu ia falar que ainda precisava revelar as fotos que tirei, mas lembrei que Karina não sabia de nada sobre meu hobby.
- Foi ótima porque não teve nenhuma foto? - indaguei
- Claro, foi tão boa que você nem teve tempo de pensar em postar foto e nos matar de inveja aqui no restaurante - ela riu
- Karina! Mesa 5! - Mateo gritou da cozinha e ela virou os olhos
- Quando o movimento ficar mais tranquilo eu quero saber de tudo! - ela me cobrou
Eu ajeitei meu cabelo em um rabo de cavalo pensando se ia mesmo falar sobre tudo o que acontecera. Eu às vezes achava que compartilhar minha felicidade com os outros era bobagem, mas ao mesmo tempo ter alguém interessado na minha vida era estranho e acolhedor ao mesmo tempo.
- Vocês passaram a noite inteira dirigindo? Eu não tenho essa paciência! - a garçonete que me cobriu nas férias comentou
Eu nem sei como a conversa que era para ser entre eu e Karina acabou sendo um interrogatório do restaurante todo a mim, mas lá estava eu, falando da minha viagem para conhecidos e até desconhecidos.
- Foi tranquilo, a gente se revezou, mas foi só uma noite. A gente dormiu em alguns hotéis e na casa dos meus pais.
- E ela não deu trabalho? Crianças pequenas muito tempo dentro de um carro para mim são um pesadelo! - Mateo perguntou
- Às vezes eu acho que eu adotei uma alienígena do jeito que falam sobre crianças pequenas - eu ri - Ela é tão tranquila.
- Ainda mais para uma criança de quatro anos, é a pior fase!
- Mas o que você foi fazer em Charlotte? O que tem de tão legal lá pra cruzar o país dirigindo?
Eu não havia contado sobre o motivo ainda.
- Eu fui ver uma exposição de fotos em uma galeria, mas o importante mesmo foi a viagem.
A resposta não convenceu muito, mas outras perguntas surgiram. "Qual foi a melhor cidade? O que você comeu de diferente? Como é trabalhar enquanto seu namorado cuida da casa?" e todas essas perguntas meio invasivas porém um pouco inocentes foram indagadas. Com paciência, eu tentava explicar sem revelar muito, eu não era de me abrir, ainda mais com colegas de trabalho. Quando eu estava falando que Enzo ficava em casa porque ele trabalhava em casa, o gerente chegou à área dos funcionários. Eu parei de responder. Todos pararam de falar e voltaram ao trabalho, isto é, voltaram a fingir que estavam trabalhando pois não havia nenhum cliente: já eram três horas da tarde.
- Depois a gente conversa mais - Karina disse, mas eu a puxei para uma conversa mais reservada
- Eu não queria comentar com todo mundo, mas Enzo eu vamos nos casar em breve e você está convidada, ok? - falei baixo, mas ela só faltou gritar
- Ai, eu não acredito! Eu adoro casamentos! Já achou o vestido? Qual a flor do buquê? Já escreveu os votos?! - ela disse dando pulinhos
- Shiu! Depois a gente conversa mais - eu sorri
Era bom conversar com alguém sobre isso tudo. E também era bom para eu ver que eu podia contar com o apoio de quem eu sempre deixei de lado por pura insegurança.
◆
- Mãaaaaaae! - Isa disse antes de abraçar minhas pernas
Eu ainda estava na porta, com a mão na maçaneta. Era como se ela estivesse pronta para me surpreender assim que eu entrasse.
- Oi, meu amor - eu passei a mão pelo seu cabelo - Como foi seu dia?
- Eu vi desenho, comi massa de bolo e brinquei de esconde-esconde com o papai - ela falou animada, ainda agarrada à minha perna enquanto eu entrava
- Brincou de esconde esconde? - eu olhei para Enzo - Vocês brincando e eu trabalhando? Eu queria ter brincado também!
- Alguém tem que trabalhar nessa casa - Enzo riu
- E o papai ficou me perguntando do vestido mas eu não disse nada, prometo!
Arqueei a minha sobrancelha de brincadeira.
- Quer dizer que o papai tentou tirar informações de você? Pois fez muito bem, viu? Ele só vai saber no dia do casamento!
- Eu até ofereci um pedaço dos bolos da encomenda e mesmo assim ela não quis me falar nem como era o tecido - Enzo riu
- Muito bem, Isa! Nada de aceitar chantagens.
- Chanta-o quê?
Ele estava com essa mania de completar as palavras que não conhecia com um "o quê?". Era tão fofo e inocente que eu quase esquecia de explicar o significado.
- Quando alguém te oferece algo em troca para que você fale ou faça algo que prometeu não fazer - eu pisquei, ela pensou um pouco até entender
- Isa, que tal brincarmos agora de esconde esconde? Você vai se esconder lá em cima e nós vamos ver se te encontramos, ok?
Ela correu escada acima, fazendo meu coração pular de preocupação.
- Como foi seu dia de trabalho?
- Não tão divertido quanto o seu - eu sorri - Foi bem cansativo, na verdade.
Enzo veio até mim e encostou minha cabeça em seu ombro.
- Você precisa descansar. Seu dia foi longo.
- Mas foi bom - eu falei com os olhos já fechados de tanto cansaço
- Pelo menos fazendo meio período você volta mais cedo. Assim dá tempo de lavar o cabelo.
Eu saí do abraço, o encarando.
- O que foi? Está com cheiro de gordura.
Virei os olhos, cheirando meu cabelo. Ele tinha razão. Eu mal podia esperar por um banho e uma cama.
- Eu tô escondida! Contaram até 100? - Isa gritou do andar de cima, nos fazendo rir
- 98, 99, 100! Lá vamos nós! - eu gritei, mas nós não nos movemos
- Ela provavelmente está atrás da porta do banheiro. Ela achou que eu não estava vendo enquanto eu fingia procurar ela no quarto - Enzo comentou
- Ela está feliz, não está? - eu perguntei, quase retoricamente
- Tudo graças a você.
Minhas pernas não estavam mais aguentando andar, mas essa resposta foi o que me deu forças para subir as escadas e andar pelo andar de cima fingindo não ver o olho de Isa nos observando pela fresta da porta do banheiro.
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