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30. Eu não vou contar para ninguém.


Não tivemos nem tempo de aproveitar mais os chocolates do frigobar ou os canais diferentes da TV do hotel: estávamos exaustos. O sábado foi cheio em Charlotte, parecia que, a cada esquina, havia algo interessante a se ver, uma escultura, um pôster na parede. Isa se divertiu até não conseguir mais ficar de olhos abertos e ser carregada nos braços de Enzo até o quarto. Nós também apagamos, sabendo que na manhã seguinte quilômetros e quilômetros de estrada nos aguardavam.

- O que foi? Você realmente achava que eles iam cobrar pelas coisas do frigobar depois da cena que eu fiz? - Enzo falou, conferindo os papéis do check out

- Estou impressionado, o que mais podemos deixar de pagar se você começar a dar uma de atriz por aí? - ele brincou

- A gente já tá indo embora? - Isa perguntou, com uma expressão um pouco decepcionada

- Infelizmente, meu amor - eu disse com pesar - Mas ainda temos um monte de coisa legal para ver em outros estados!

Ela concordou meio sem querer concordar. Eu sabia a razão dela estar triste por ir embora: no parque cheios de fontes que saíam do chão e crianças correndo de um lado para o outro vendo arco-íris se formarem nas gotas, ela fez um amigo. Enzo e eu conversamos um pouco com os pais dele enquanto sentávamos na grama, como todos os pais ali. Eles eram de uma cidade vizinha, estavam curtindo o fim de semana de verão com seu filho de cinco anos. Nós assistimos as duas crianças brincarem como se fossem amigas de longo tempo, mas sabendo que a amizade era apenas temporária. Mesmo sabendo que a distância era grande demais para as duas crianças brincarem mais, pegamos os contatos deles, talvez mais para Isa não ficar triste do que realmente para contactá-los.

Eu soube na hora quão especial foi o momento para Isa, eu também valorizava amizades inesperadas e naturais.

- Quem sabe a gente não acha mais um parque com fontes em outro estado e aí você brinca mais com outras crianças? - eu sorri

Ela sorriu de volta, esperançosa. Eu apenas esperava que em algum outro lugar ela fizesse mais uma amizade rápida, talvez para que ela não cresça pensando que fazer amizades é complicado demais como eu cresci.


Seguimos a Oeste, voltando para casa, mas por outro caminho. Enzo dirigiu para o Norte e logo estávamos no Tennessee novamente. Eu sabia bem da ansiedade dele para chegar logo em Memphis, então fui olhando o guia turístico e sua anotações.

- Hum... - eu expressei

- O que foi?

- Não sei... você acha que precisamos mesmo ver um elefante, uma roda gigante ou o maior cubo mágico do mundo? Porque... Sei lá. Quem sabe possamos apenas fazer uma parada curta pra comer algo e ir ao banheiro em Knoxville e em Nashville e partir direto pra Memphis para aproveitar mais.

- Sério? Bom, eu não me importo. Nashville é bem legal, na verdade. Podemos parar para uma foto na réplica do Parthenon... Ou quem sabe na estátua do peixe vestido de escoteiro.

- Realmente, não acho que vamos ver nada mais interessante em Nashville que um peixe vestido de escoteiro - eu ri

- Obrigado - ele falou, sem me olhar, prestando atenção na estrada

Ele havia percebido que eu estava querendo chegar em Memphis mais rápido para que ele ficasse feliz e aproveitasse mais da cidade.

- Obrigado nada. Acelera aí, quero chegar em Memphis quando ainda estiver claro - eu brinquei


Fizemos duas paradas: uma rápida em Knoxville e outra um pouco maior em Nashville. Tiramos sim fotos na réplica do Parthenon e uma com a escultura ridícula do peixe escoteiro. Nashville tinha muitas lanchonetes e cafés maravilhosos, então nosso almoço foi praticamente comida de café da manhã novamente. A cidade também tinha uma viva história musical, não é por acaso que foi e é a moradia de muitas lendas da música americana, mas resolvemos deixar o tour musical e cultural para Memphis. No entanto, percebi que Isa estava mais calada, talvez um pouco frustrada por não poder reviver o dia anterior.

- Isa, por você você acha que fizeram uma escultura de um peixe vestido de escoteiro? - eu perguntei já no carro, tentando instigar um pouco a curiosidade dela

- Não sei - foi tudo o que ela me disse e eu parei o assunto por aí, mudando a música na rádio e puxando outra conversa um pouco retórica

Enzo apenas me olhou, já sabendo a razão de tanto desânimo.


Chegamos em Memphis no final da tarde, mas o sol ainda estava alto. Eu podia ver toda a ansiedade claramente no rosto de Enzo, ele estava tagarelando, sorrindo demais por estar ali. Junto ao meu guia e os mapas, guiei Enzo até nossa primeira parada: Graceland. O lugar já estava fechado, mas já sabíamos que o preço da entrada não era lá muito barato, por isso só tiramos uma foto com a placa da entrada, só para registrarmos.

Nossa próxima parada foi o Lorraine Motel, hoje em dia transformado em museu dos direitos civis. Assim que soltamos do carro, Isa viu o letreiro e o prédio, ainda com cara de hotel e nos perguntou se era ali que iriam dormir. Provavelmente pensou isso pois o estilo do hotel era bem parecido com o primeiro que ficamos no Novo México.

- Não, meu amor - Enzo segurava sua mão - Um bom tempo atrás, aconteceu algo muito importante aqui. Agora virou um museu, não é mais um hotel.

- Que coisa importante aconteceu?

Nós nos olhamos, pensando se deveríamos contar. Só que eu sabia que Isadora não era uma criança que nos conseguiríamos enrolar fácil.

- Nós não vamos mentir para você, a história é bonita, mas não tem bem um final feliz - eu disse

Ela ficou pensativa.

- Como pode ser bonita e ter final triste? - ela não entendeu

- Vamos fazer um trato. Você pensa sobre isso, ok? Você decide se quer que nós contemos ou não. Quando você estiver preparada para um final que não seja um conto de fadas, você nos avisa. Nós nunca iríamos mentir para você - Enzo disse e até eu achei um pouco forte demais, mas entendi

A menina concordou com a cabeça e eu logo mudei o assunto, falando que precisávamos tirar uma foto. Tiramos uma foto na frente do hotel, mas não entramos no museu. Não tínhamos tempo ou dinheiro suficientes.

Nós seguimos para Beale Street, a rua mais famosa de Memphis, logo antes de anoitecer. Dentre tantos neons, músicos nas calçadas, pessoas chamando-nos para um show ao vivo e sotaques de toda parte do mundo, paramos em uma loja de discos. Enzo analisava as capas dos discos uma a uma enquanto eu explicava para Isa o que eram.
"Não tem como isso tocar no carro, tem?", ela perguntou e eu ri de leve, dizendo de brincadeira que não ia caber no buraco do CD.


Ele sorriu para baixo.

- O que foi? - eu o perguntei

Nós estávamos em um dos vários bares de blues da Beale Street, sentados em uma mesa e ouvindo uma banda tocar uma música suave, mas cheia de estilo. Isadora tinha adormecido, então estava deitada no meu colo, com a cabeça em meus ombros.

Enzo não respondeu à minha pergunta. Ele mexeu no seu copo de uísque - impensável não beber uísque em Memphis, ele mesmo disse - mas continuou sorrindo, dessa vez me olhando.

- O que foi? - perguntei de novo, mas a música alta talvez não tenha favorecido o som da minha voz

- É que - eu tive que ler seus lábios - Eu não imaginava um dia estar aqui, em Memphis, na Beale Street, ouvindo música no mesmo bar onde grandes estrelas devem ter tocado. Na verdade, imaginava, mas não pensava que estaria fazendo isso com mais alguém, muito menos uma noiva e uma filha.

Eu li seus lábios com um pouco de dificuldade. Era ainda estranho ele me chamando de noiva, eu logo me imaginava de vestido branco quando ouvia essa palavra. Sorri para ele, tentando aproveitar seu momento de felicidade, gravar seus olhos refletindo os letreiros em neon atrás de mim, tentando respirar no compasso certo e não junto com o saxofone tocando no palco.

Acabamos dormindo já tarde em um hotel simples, mas bem mais simpático e estiloso que o hotel em Charlotte. Acordei em um susto, pensando que estava atrasada para alguma coisa. Não tínhamos hora marcada para nada, mas foi bom eu acordar, afinal, já estava quase na hora do nosso check-out. Colocamos as malas no carro e tomamos café da manhã em uma lanchonete logo na esquina da rua do hotel. O café estava quente e os ovos do jeito que eu gostava, o que me fez começar o dia bem.

- Eles simplesmente não tocam uma música ruim nessa cidade, né? - Enzo brincou, se referindo à música ambiente da lanchonete tocando Willie Nelson

Ele estava tão bem com a vida que eu não quis dizer nenhuma palavra para não estragar o momento. Ao invés disso, tirei uma foto dele um pouco envergonhado, sorrindo, provavelmente com os olhos fechados, tentando desviar da lente. Eu mal podia esperar para relevar todos esses filmes.


Aproveitamos mais o ar de Memphis e toda sua história por mais algumas horas, mas sabíamos que teríamos que pegar a estrada antes que anoitecesse. Isa estava um pouco chateada pois não achamos nenhuma praça com fontes de água e crianças brincando, por mais que não reclamasse diretamente.

Fomos andando em direção à ponte mais famosa de Memphis para conseguirmos uma posição boa para uma foto. Entramos em um parque e os olhos de Isa brilharam quando ela avistou uma fonte. Era um dia de calor, mas não tinham mais que cinco crianças brincando n'água. Eu deixei com que ela se molhasse mesmo sem termos uma muda de roupa por perto, não consegui dizer não a essa pequena felicidade. Quando Isa já estava molhada e cansada de tanto correr, avisamos com pesar que teríamos que ir embora. Ela não reclamou, parece que se deu por contente por ter encontrado o parque. Nós nos despedimos do rio Mississipi vendo suas águas calmas antes de voltarmos ao asfalto áspero da rodovia.

Dessa vez, fizemos o caminho inverso. Ao invés de continuarmos pelo norte, fomos pelo sul, assim não repetiríamos a mesma rota da viagem de ida. Passamos novamente pelo Arkansas, mas não havia tempo de passar na casa dos meus pais de novo. Nosso dinheiro estava curto e nós só queríamos chegar logo em casa. Quando o sol já estava ficando laranja à nossa frente e eu procurava uma rádio boa, Isadora, com sua voz serena, perguntou algo que quase não ouvimos.

- O que foi, Isa? - perguntei, me virando num sorriso

- A história. Eu quero saber a história daquele hotel que não é mais hotel - ela disse, quase como se estivesse contando um segredo

- Ok - Enzo disse ao volante, olhando-a pelo retrovisor - Vamos contar. Você pode perguntar qualquer coisa. Se quiser que a gente pare também pode pedir - ele falou, tentando não assustá-la muito

- É uma história bonita, Isa - eu me intrometi - Mas é uma história que precisou acontecer pra mudar o mundo.

- Eu estou pronta - ela falou, já ansiosa

Eu e Enzo contamos a história com cuidado, nos revezando, criando metáforas. Nós transformamos Mather Luther King Jr. em um rei que havia sido roubado de seu trono muitos anos atrás. Transformamos as marchas civis em um ato respeitoso dele e de toda sua cidade para conquistarem seu espaço de novo. Explicamos a ela a razão pela qual ele foi retirado de seu trono sem especificar muito, dizendo que era porque ele e seu povo eram diferentes, tinham a pele e os traços diferentes do resto. Explicamos que nem todo mundo via além dessas diferenças, afinal, todos eram iguais por dentro. Contamos a ela que ele tinha um sonho, um sonho de justiça e igualdade pro país.

Ela ficou calada durante a história, sem perguntas, talvez pensando demais em cada detalhe. Afinal, a história não era um de seus cotidianos contos de fadas.

Eu contei, com cuidado, que, por mais que ele tenha consertado muita coisa, sua história fora interrompida naquele hotel. Enzo disse que nem todo mundo se comoveu com a causa do rei, que muitos não achavam que ele era digno de seu lugar, de igualdade. Que uma pessoa com o coração ruim um dia decidiu acabar com a sua história lá naquele hotel de Memphis. Eu, inserindo mais uma metáfora, falei que depois disso, muita coisa no mundo mudou, mas o rei continuou torcendo e lutando por tudo do céu.

Depois da história acabar, sem termos feito muito drama ou mesmo sem termos dado nenhum detalhe violento, ela entendeu. Ficou calada, pensando. Nós respeitamos seu silêncio, não era fácil de entender, mas eu sabia que ela era esperta, sabia que ela não teria muitas perguntas. Na realidade, ela fez apenas uma pergunta.

- Como era a pele dele?

Foi a vez de eu e Enzo ficarmos calados, nos entreolharmos.

- Vocês disseram que ele tinha a pele diferente. Eu tenho a pele diferente de vocês - ela continuou - Alguma pessoa com coração ruim vai me tirar de vocês?

Sua voz quebrou e eu instantaneamente me virei, tentando alcançar sua pequena mão na cadeirinha.

- Oh, meu amor - eu disse, vendo minha voz também ficar fraca - A história aconteceu há alguns anos, o mundo realmente mudou por causa desse rei, mas eu não posso te prometer que não há mais pessoas ruins, pessoas que vão tentar nos separar por causa disso. Mas o que eu posso te prometer, de coração, é que eu e seu pai vamos estar aqui para te proteger, para te amar. Ok? Sempre.

Eu estava tão perdida nos seus olhinhos transbordando de água que quase não reparei que Enzo havia parado o carro no acostamento. Ele também se virou, olhando para a pequena.

- Você pode nos contar tudo, qualquer coisa que alguém te disser que te machuque. A gente vai sempre estar do seu lado - ele completou

- E quanto a nossas peles serem diferentes, imagina que chatisse seria se tudo fosse igual. Olha aqui.

Enzo e eu estendemos nosso braço junto ao dela, vendo a diferença de tonalidades. Enzo era mais moreno do que eu, que raramente pegava sol. Isa era bem mais escura, sua pele tinha uma cor linda de sol, de verão.

- Você gosta de leite não, é? E leite com achocolatado? E chocolate quente não é bom também? Que graça teria se só tivesse leite no mundo? Ou leite com achocolatado? Onde ficaria o chocolate quente derretido? - eu disse

Qualquer um que ouvisse essas palavras sem contexto não ia entender, mas para nós, com nossos braços estendidos entre os bancos, encostados uns aos outros, entendemos perfeitamente. Eu não pude deixar de tirar uma foto de nossas peles juntas, formando um degradê do qual eu nunca iria cansar.


Decidimos não parar em nenhum hotel, apenas nos revezar na direção durante a noite. Queríamos chegar logo em casa e parecia que dirigir de noite era mais agradável, afinal, o sol do verão nos fazia gastar muito ar condicionado e consequentemente gasolina. À noite, as janelas abertas e o vento invadindo nossos rostos era mil vezes mais agradável.

Nós paramos em alguns lugares pelo caminho, até mesmo gastamos um pouco de tempo achando um restaurante em Dallas, no Texas. Isa estava visivelmente cansada da viagem e sua animação para tirar fotos tinha se esgotado, então não insisti, por mais que eu quisesse fotografá-la em várias atrações turísticas inusitadas. Acabei me convencendo que fotos instantâneas à noite não ficariam muito boas, então deixei pra lá.


- Seu olho está quase fechando, deixa que eu dirijo - falei, quase em um bocejo

A estrada estava vazia, silenciosa. A escuridão só não era maior por causa das luzes do painel do carro. Estávamos quase na fronteira com o México, perto de El Paso.

Enzo decidiu parar em um restaurante 24h, mas não saímos do carro. Ficamos parados no estacionamento bem na frente do restaurante e tentamos dormir um pouco em meio à luz do letreiro do estabelecimento. Não consegui dormir muito bem, mas, só por poder fechar minhas pálpebras pesadas, já fiquei contente. Depois de uma meia hora tentando recompor as energias, resolvi pedir um café forte no restaurante e continuar dirigindo no lugar de Enzo. Estávamos ansiosos demais para chegar e finalmente descansar, talvez por isso estivéssemos calados demais, sem muito o que dizer que não fosse um "tá chegando?".

Foi um alívio cruzar a fronteira com o Arizona e ainda outro alívio ver que os quilômetros até Phoenix iam diminuindo nas placas. Isso porque, depois que a noite passou, o nascer do sol à nossa frente deu um pouco mais de ânimo à viagem. Até paramos para comer waffles e tiramos mais algumas fotos. Os rostos de uma noite mal dormida eram óbvios, mas eu tinha certeza que nos nos lembraríamos dessa viagem com carinho no futuro.

- Eu quero beijar o chão dessa casa! Que saudade! - eu exclamei enquanto entrava carregando uma mala

- Olha só, nem parece a mesma que ia vendê-la por causa de uma piscina - ele falou, com Isa ainda dormindo em seu colo

- Eu estou cansada e mal dormi. Não me faça ficar brava.

- Sem problema, eu aprendi minha lição quando nos conhecemos.

Enzo deixou escapar a risadinha de lado que eu ora detestava, ora adorava.

- Deixa eu colocar a Isa na cama dela, vai fazer algo de útil e ver se chegou alguma conta ou se está tudo ainda em ordem, vai.

- Sim, senhora - ele riu

Subi os degraus da escada com cuidado, vendo que o andar de cima continuava como o deixamos: uma bagunça. Tirei as sandálias de Isa com cuidado e deixei com que ela finalmente dormisse em sua cama. Ao descer as escadas de novo para carregar mais algumas malas, encontrei Enzo no balcão da cozinha, vendo as cartas que haviam chegado.

- Alguma coisa interessante? - eu disse, desconcentrando-o

- Não, só contas mesmo - ele falou, mas acabou bocejando

- Deixa as malas aqui, vamos dormir nem que seja por algumas horas. Mal posso esperar para rever minha cama.

Ele sorriu, trouxe minha cabeça ao seu peito e se eu, nos momentos seguintes, não o puxasse escada a cima para o quarto, provavelmente teria adormecido ali mesmo em seus braços.


Fechamos a janela e fingimos que o fim da tarde já era noite. Eu apaguei, finalmente dormindo onde eu estava acostumada. Depois de algumas boas horas, senti Isa vir até nossa cama, procurando-nos, mas ainda com sono. Ela acabou ficando entre nós e dormiu novamente. Só acordei de novo quando Enzo deu um pulo da cama.

- O que foi? - eu disse com o coração acelerado

- Isa - ele falou, eu percebi nessa hora que ela não estava mais em nossa cama

Ele se levantou da cama rapidamente e eu fui atrás, só pra ver que Isa estava no corredor. Ela também se assustou. Foi algo estranho, ficamos sem saber o que dizer.

- A gente já vai acordar? Não está cedo? - ela perguntou

- Na verdade acordamos porque você não estava mais na nossa cama. O que foi? - eu falei

- Precisei fazer xixi.

Eu soltei um suspiro aliviado. Enzo parece que não se convenceu.

- Volta a dormir, Isa. Vamos acordar mais tarde hoje para descansar bem. Depois podemos passar o dia na piscina, ok? - Enzo finalmente se pronunciou

Isadora foi para sua própria cama e quando nós voltamos ao quarto, fechei a porta e falei baixo.

- O que foi que aconteceu para tanto desespero? - indaguei

- Eu achei que tinha ouvido a porta lá de baixo bater e depois ouvi essa madeira barulhenta da escada. Quando percebi que Isa não estava na cama mais, pensei que ela tinha saído, talvez se encontrado com esse amigo imaginário.

Eu respirei mais aliviada depois disso, achei que ele tinha ouvido algo mais sério.

- Ok, talvez você estava sonhando com isso e acabou ouvindo Isa indo ao banheiro. Vamos voltar a dormir.

Eu deitei na cama novamente, mas Enzo continuou parado.

- Não seja paranóico, Enzo. Está tudo certo, vem dormir.

Ele voltou a se deitar, mas eu sentia que ele não ia conseguir mais dormir pensando no que tinha acontecido.


Se não fosse o calor, eu tenho certeza que passaríamos o dia deitados na cama, fazendo absolutamente nada. Infelizmente, chegou uma hora em que os lençóis pareciam quentes demais e tivemos que nos levantar. Isa parecia ainda estar dormindo, então descemos as escadas para preparar um café da manhã - quase na hora do almoço - e assim acordá-la.

- Enzo, você vai querer café ou prefere suco? - eu perguntei, mas não tive resposta

Ele estava sentado no sofá, concentrado nas instruções de instalação da babá-eletrônica que havia comprado antes mesmo de viajarmos.

- Enzo? - falei um pouco mais alto

- Pode ser - ele falou sem tirar os olhos das instruções

- Pode ser? - eu ri, balançando a cabeça

Levei um copo de suco até o sofá, onde me sentei ao seu lado.

- Toma aqui o seu pode ser - eu brinquei

- Obrigado - ele sorriu rapidamente - Sei que não estou sendo muito comunicativo agora, mas eu preciso acertar isso até hoje de noite.

- Precisa? - eu quis mais explicações

Ele finalmente largou a caixa e me olhou.

- Em nenhum momento da nossa viagem ela acordou antes da gente, Mon. Em nenhum momento ela precisou fazer xixi e depois voltou a dormir. Agora ela chega aqui e logo na primeira manhã já acorda antes das oito?

- A gente foi dormir cedo ontem, talvez ela tenha ficado mesmo com vontade de fazer xixi.

- Eu só acredito vendo, e é por isso que eu preciso ver se isso vai se repetir amanhã. Eu comprei essa babá eletrônica porque tem uma câmera, eu não quero que minhas suspeitas se confirmem, mas preciso ter certeza que é só uma paranoia da minha cabeça, ok?

- Tudo bem, eu entendo - eu apoiei minha cabeça em seu ombro - Mas deixa isso pra lá agora e vem tomar café? Eu vou acordar a Isa.

- Ah, antes de você ir, ontem chegou uma carta para você, da sua faculdade. Eu abri sem querer, força do hábito. Não te disse nada porque não queria que você ficasse preocupada e não dormisse.

- O que foi? - eu logo me preocupei

Ele procurou a carta perto da TV e me entregou. Eu a li com meu coração palpitando, logo achando que eu tinha perdido minha bolsa. Fui me acalmando quando percebi que era só uma notificação para dizer que a média ia subir, ou seja, eu teria que ir ainda melhor em todas as matérias.

- Isso não é bom, mas eu achei que ia ser algo bem pior, então tô mais tranquila - eu disse

- Isso quer dizer que você vai precisar se dedicar ainda mais à faculdade que detesta, não é? - Enzo falou com desânimo

- O problema é que nesses últimos semestres eu quase não tenho matérias, mas sou obrigada a fazer um estágio. Se não fosse essa carta dizendo que eu preciso de notas com a média mais alta e uma boa avaliação no estágio, eu mal ia me lembrar disso.

- Espera, isso quer dizer que você vai ter que ir à faculdade, fazer um estágio e ainda trabalhar em meio período na lanchonete?

- Eu também não estou feliz com isso, mas vai ter que ser assim.

- Seu dia não tem 48 horas, Mon.

- O que você quer que eu faça? Eu não posso simplesmente desistir da faculdade e perder minha bolsa integral, eu não posso não fazer o estágio e eu não posso ser desempregada durante um processo de adoção! - eu acabei me exaltando

- Vocês estão brigando? - a voz de Isa me deu um susto

Ela estava bem no topo da escada, ouvindo tudo.

- Não, meu amor. Não estávamos - eu respirei fundo, me levantando - Vamos tomar café-da-manhã?

Ela desceu as escadas devagar enquanto eu limpava uma lágrima de pura frustração que descia pelo meu rosto.

Não falamos mais sobre o assunto. Enzo teve uma encomenda de bolo, Isa quis ir à piscina. Eu não estava com muita vontade de pegar sol, então me tranquei no meu quarto escuro e comecei o processo para revelar um dos filmes da viagem. Quase errei toda a quantidade de química e o tempo necessário pois minha mente estava atordoada. Eu estava em um dilema. Realmente não teria como fazer tudo isso e mesmo se desse tempo, quando eu teria tempo de ser mãe? De estar presente na vida de Isadora? Eu respirei fundo, mas o cheiro das emissões químicas me fez tossir.


Decidi tomar um pouco de ar fresco e quem sabe resolver a discussão com Enzo, então desci as escadas. Quando eu cheguei ao último degrau, vi que Enzo não estava na piscina, provavelmente tinha ido à cozinha da outra casa. Estranhei quando não vi Isa. Só quando me aproximei, vi que a pequena estava dentro d'água, sem bóia, tentando ao máximo não beber água.

Soltei um grito e corri pelo caminho mais rápido entre a sala e o jardim. Enzo, provavelmente quando ouviu meu grito, também saiu em disparada. Ele foi mais rápido: se jogou na piscina ainda com as luvas de proteção na mão e segurou-a fora d'água.
Eu logo a coloquei na beira da piscina. Meu coração se quebrava a cada tosse dela, talvez pensando no pior. O nosso desespero foi maior que a gravidade do problema, ela apenas tossiu um pouco da água que havia bebido e recuperou o fôlego. Contudo, começou a chorar quando viu nossa preocupação. Eu a segurei em meus braços, me molhando inteira, só que Enzo parecia consternado, com um arrependimento e uma culpa evidentes em seus olhos.


- Como você pôde deixar ela assim, sozinha, na beira da piscina? - talvez minha voz tenha saído forte demais

Nós estávamos na cozinha, discutindo, andando de um lado para o outro, sem saber direito o que aconteceu, sem saber direito o que fazer.

- Foi por um segundo! Ela estava com as boias, fora da piscina, na sombra, brincando! Como eu poderia adivinhar que ela iria tirar as boias e se jogar na água?
- Porque isso não se adivinha! Se evita, Enzo! E se eu não tivesse saído do laboratório justo na hora? Quando você ia notar? Quando ela já estivesse no fundo da piscina?!

Seu rosto era de dor, mas eu não estava com muita pena. Meus olhos deviam estar vermelhos, tão vermelhos quanto os lábios de Enzo que ele insistia em morder. Talvez os mordia para lhe causar dor pelo seu descuido anterior, uma forma de se auto-punir.

- Você sabe o que ia acontecer se eu não tivesse visto, não sabe?! - eu me exaltei novamente, talvez descontando outras dores em cima do seu ombro

Ele parou com as duas mãos no balcão da cozinha.

- Eu sei, Montreal. Eu sei que iríamos perdê-la. Eu sei como é perder um filho, eu sei como é perder algo precioso por um simples descuido. E eu sei o quão amargo é o arrependimento, quão amargo é não poder voltar no tempo e mudar tudo. Não precisa me forçar a sentir isso, eu sei exatamente como é essa dor.

Tudo isso foi dito entre os dentes, com os olhos fechados. Eu fiquei calada, vendo a dor o consumir e peguei um pouco da culpa para mim. Quem era eu para culpá-lo desse jeito? Poderia ter acontecido comigo também, eu poderia ter me distraído, pensado que estava tudo certo e parado de olhar por alguns segundos.

- Desculpa. Eu não devia jogar a culpa toda para cima de você. Foi um acidente. Eu devia estar agradecendo por não ter acontecido nada ao invés de estar aqui pensando no que deveria ter sido evitado.

Ele continuou na mesma posição. Pulsos cerrados, olhos fechados, respiração forte.
Ouvi uma outra respiração vinda do andar de cima, alguém segurando um choro. Logo me levantei e Enzo também prestou atenção nos sons. Enquanto a gente discutia, tinha uma criança no andar de cima que também tinha sofrido com tudo isso e tudo o que fizemos foi manda-la se deitar e começamos a discutir.

Subimos as escadas com um pouco de pressa e encontramos Isa em um canto da cama, com os joelhos cobrindo seu rosto, em prantos.

- Por favor, não me batam. Por favor, não me batam. Eu não vou fazer isso de novo. Eu não vou contar pra ninguém, eu não vou contar pra ninguém - ela repetia essas palavras sem nos olhar

Se meu coração não tinha quebrado a última parte intacta dele, naquele momento ela despedaçou-se. Sentamos um de cada lado dela. Com cuidado, levantei seu rosto e tentei confortar olhos vermelhos aterrorizados.

- Nós não vamos bater em você. Nós nunca vamos bater em você. A gente só ficou preocupado, o que você fez foi muito perigoso - tentei usar minha voz mais confortante possível

- Está tudo bem agora e nós não te culpamos - Enzo disse - Desculpa por termos gritado lá embaixo. A gente só quer entender porque você não obedeceu a gente quando falamos que você precisava sempre usar a boia. Por que você pulou na piscina assim, Isa? Ainda mais quando não estávamos lá?

Eu fiquei um pouco com raiva de Enzo por estar fazendo essas perguntas para ela no momento ao invés de confortá-la. Mas a raiva logo foi substituída pelo medo quando ela nos respondeu.

- Eu achei que podia. Troy disse que eu podia, que eu ia aprender a nadar assim. Desculpa, desculpa.

Eu a levei ao meu peito, onde ela chorou mais. Contudo, eu e Enzo nos olhamos e estávamos quase sem expressão, ficamos gelados por dentro com a pequena revelação.

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