22. Sem pontuação nenhuma.
É engraçado como nunca reconhecemos um dia perfeito quando acordamos, quando tiramos o pijama e paramos no armário para escolher uma roupa. Geralmente, quando acordamos e pensamos que o dia vai ser ótimo, ele não é. Algo acontece de errado e adeus toda sua grande expectativa. Eu não sabia que este dia iria ser perfeito quando acordei depois de um sono leve e fui lavar o rosto, mas eu soube que havia sido um dia perfeito enquanto tirava a maquiagem na pia do banheiro para poder me deitar novamente.
Acordei cedo e fui ao quarto de Isadora para ver se ela ainda estava dormindo ou não. Encontrei-a acordada, olhando para o teto.
- Bom dia! - eu falei e ela voltou seus olhos a mim - Acordou cedo. Dormiu bem?
- Sim, sempre acordo agora - ela disse e eu presumi que era o horário que ela geralmente acordava no abrigo
- E o que você acha então de comer cereal vendo desenho animado?
Ela concordou com a cabeça, animada.
- Mais tarde vão vir algumas pessoas aqui. Você não precisa falar com ninguém, viu? Se se sentir incomodada, é só dizer, pode ficar no seu quarto se quiser. Você acha que vai ter problema?
- Não - ela balançou a cabeça - Tô acostumada.
- Que bom! Então vamos tomar café da manhã? Depois você pode colocar a roupa nova que você mais gostou, ok?
Ela somente confirmou com a cabeça também. Eu fiquei um pouco mais calma, mas era como se eu ainda pisasse em ovos: como se alguma coisinha errada que eu fizesse agora fosse me tirar dela depois.
Enzo já havia se levantando bem mais cedo e estava na sua antiga casa, na sua antiga cozinha, assando os bolinhos para os convidados de hoje. Eu o vi pela janela enquanto pegava o leite da geladeira e fiquei feliz com todo seu empenho. Eu não teria feito tudo isso sem ele.
Coloquei Isa sentada em cima do balcão e abri o armário em busca de cereais.
- Você prefere cereal de chocolate ou esse colorido?
- Não sei.
- Quer provar pra ver qual é melhor? - ela confirmou com a cabeça
Depois de provar os dois, perguntou se não podia misturá-los. "Por que não?", eu respondi rindo e ligando a TV.
Faltava meia hora para a hora marcada e eu estava respirando forte de tanto nervosismo. Enzo ia e voltava com seus bolinhos e Isa estava sentada em uma almofada vendo desenho, já que tivemos que arrastar o sofá para dar mais espaço à sala. Eu relia e analisava cada texto em cada foto, me afastava para ver se o conjunto estava harmonioso, conferia se não esquecera de nada e checava se as linhas pregadas no teto para segurar as fotos estavam firmes. Eu não queria que nada desse errado.
- Você já conferiu isso quinhentas vezes, está tudo certo. Vai se arrumar, Mon - Enzo falou, me abraçando por trás de surpresa
Ele estava com cheiro de bolo.
Virei meu rosto, encontrando sua bochecha.
- Já leu o seu?
- Não. Eu quero ser o último a ler, não quero ninguém mais nessa sala a não ser nós mesmos.
Eu respirei forte. Eu estava também nervosa em relação a isso.
- Vai se arrumar, eu fico aqui vendo a Isa, quem sabe desligando essa TV e realmente fazendo ela aprender algo.
Eu virei meus olhos com humor. Ele e esse desgosto por televisão!
- Ok, ok. Eu vou colocar uma roupa melhor. Já volto.
Não preciso dizer que me arrumei em tempo recorde – eu não queria que ninguém chegasse antes que eu estivesse lá embaixo com tudo pronto. Acabei me adiantando demais e ficando mais ansiosa ainda para que alguém aparecesse na minha porta da frente já aberta. Aproveitei para conferir tudo de novo, como um ritual para me deixar menos estressada. Meu coração disparou assim que um carro parou bem na frente de casa. Olhei mais atentamente e logo reconheci meu primeiro convidado a chegar e exatamente quatro minutos depois do horário marcado: Sr. Henke.
- Cheguei cedo demais? - ele falou ao se aproximar da porta
- Quatro minutos atrasado! Mas o primeiro a chegar como o dia onde tudo isso aqui começou - eu brinquei, cumprimentando-o
- Uau - ele falou ao ver a estrutura de fotos penduradas que eu e Enzo fizemos especialmente para ocasião
- Olá, Phillip! - Enzo o cumprimentou com intimidade e eu quase esqueci que eles haviam conversado sem eu saber meses atrás
Ao cumprimentá-lo de volta, reparei que os olhos do Sr. Henke foram à criança sentada na sala, vendo televisão. Contudo, ele acabou não comentando por educação.
- Ah, essa é a Isa! - eu falei, apreensiva, vendo a criança voltar seu rosto a nós ao ouvir seu nome
Ela sorriu, mas não disse nada. Sr. Henke sorriu de volta, dizendo-lhe oi de uma forma que eu não conhecia, mais para avô do que para professor.
Ele logo olhou para nós.
- É o que eu estou pensando?
- Depende, no que você está pensando? - eu ri
- Que vocês são pais agora - ele falou um pouco baixo, sem certeza
- Então pensou certo - falei, tentando buscar certeza na minha fala
- Uau - ele se calou por uns segundos - Eu estou surpreso, mas feliz. Isso quer dizer que você largou seu emprego na lanchonete? Diz que sim?
Eu somente virei os olhos de brincadeira.
- Se você soubesse o quanto eu já tentei fazer ela desistir dessa lanchonete e desses malditos patins, Phillip...
- Ei, pelo menos falem mal de mim pelas minha costas. Eu estou bem aqui! - os dois riram - É melhor eu explicar logo a minha mini exposição ao meu primeiro convidado. Vamos?
O Sr. Henke concordou, deixando a conversa com Enzo para depois. Confesso que, por ser o Sr. Henke, eu não tremi muito ao falar tudo o que tinha preparado na minha mente e mostrar o resultado final. Foi basicamente como apresentar um trabalho na aula dele e, ainda melhor, me fez treinar para falar o mesmo texto aos outros convidados da exposição.
Depois de explicar a ideia em geral e receber algumas expressões interessadas do Sr. Henke, outra pessoa entrou pela porta e eu sorri, cumprimentando-a e repetindo meu texto pronto. Logo, um casal adentrou pela minha porta e, ao repetir o texto para eles com entusiasmo, eu vi que estava finalmente acontecendo; meu projeto finalmente havia saído da minha cabeça e se tornado realidade. Isa não parecia estar muito desconfortável e eu acabei ficando mais tranquila. Enzo ofereceu-lhe um cupcake quando mais duas pessoas adentraram a porta. Uma carregava uma câmera. A menina, jovem, perguntou se era aqui a exposição e eu confirmei. Ela depois se apresentou como jornalista pelo A to Z Mail, um jornal local. Eu imediatamente olhei para Enzo, estava na cara que isso era coisa dele. Ele apenas piscou, dando na cara que fora ele quem havia chamado esse jornal para cobrir minha exposição.
- Você pode conceder uma pequena entrevista para a gente? - a menina perguntou com um bloco na mão
Eu não tive escolha. Disse que sim, sentindo minhas mãos coçarem de insegurança.
- Você pode nos contar um pouco sobre sua exposição?
Respirei fundo e tentei lembrar de tudo o que eu falara para as pessoas que já haviam chegado.
- Bom, esse projeto se chama "Segundas Impressões". Eu tive essa ideia ao perceber o quanto julgamos as pessoas de modo errado simplesmente pela sua imagem e como, quase sempre, quebramos a cara ao conhecê-las mais a fundo. Algumas semanas atrás, convidei algumas pessoas, conhecidos e estranhos a mim, para virem aqui tirar uma foto. Aproveitei e tentei ao máximo conversar um pouco com elas. Foi um exercício mental: jogar fora minha primeira concepção e tentar me focar apenas em algo bom que não notei de primeira.
- Foi uma tarefa difícil ignorar sua primeira impressão?
- Um pouco. Acho que foi mais difícil arranjar uma segunda impressão um pouco mais profunda, um pouco liberta da primeira. Por isso tentei conversar com as pessoas, notei o jeito delas pelas fotos depois, tentando não enxergar o óbvio.
- E você agora expôs as fotos?
- Na verdade, as fotos foram dispostas assim, penduradas pelo teto e não na parede, para que as pessoas pudessem ler minhas segundas impressões escritas no verso da fotografia. Há também canetas penduradas e à disposição para que os visitantes participem da ideia, para que escrevam também suas segundas intenções.
A garota continuava escrevendo, apesar de também estar com o gravador. Seu acompanhante, com a câmera, observava as fotos. Eu respirei fundo mais uma vez, eu não sabia se realmente queria isso exposto à cidade toda, ao estado todo, vagando pela internet para que tivesse críticas. Contudo, contive dentro de mim minha insegurança.
- Você não acha isso um pouco perigoso, deixar as pessoas escreverem suas impressões, seus julgamentos umas às outras? - eu sabia que viriam perguntas assim
- Eu acho que todos estamos sujeitos a isso. E todos nós fazemos isso também. Só que, na hora de falar, ainda mais quando a pessoa se encontra no mesmo ambiente, acabamos pensando duas vezes. E às vezes, pensando duas vezes, abandonamos os nossos preconceitos e reavaliamos a pessoa. Tem uma foto minha pendurada no meio das outras e ela também está sujeita a qualquer crítica. Acho que temos que nos conscientizar que não somos o que os outros pensam da gente, que sempre há uma segunda, uma terceira ou uma quarta impressão de tudo.
Ela concordou com a cabeça.
- E você é fotógrafa há quanto tempo?
- Eu não sou fotógrafa - eu ri de leve - Sou amadora.
- Mas foi nos passado que essas não são suas primeiras fotos a serem expostas.
Eu tive que rir comigo mesma. Enzo...
- Na verdade, recentemente tive uma foto exposta em uma galeria na Carolina do Norte, mas essa aqui é minha primeira vez realmente mostrando meu trabalho em público.
- Interessante. Você pode nos falar um pouco mais sobre o processo?
- Bom, eu mandei vários e-mails convidando pessoas a virem aqui tirar uma foto. Na verdade tirei duas, uma instantânea, que eu as dei de presente, e outra que é a que está sendo exposta. A foto foi revelada, ampliada em formato grande e agora está exposta com minha segundas expressões escritas atrás.
- E você pretende fazer essa instalação outras vezes? Em outros lugares?
Eu parei uns segundos pra pensar. Não tinha passado pela minha mente dar continuação a isso, mas logo formulei uma resposta.
- Se me convidarem, eu ficaria feliz em reproduzir isso com outras pessoas, outras segundas impressões - eu ri de leve - Mas eu quero que esse projeto seja aberto. Eu quero que as pessoas promovam isso em seus bairros, seus trabalhos, suas escolas... Se todo mundo tirar uma foto e se deixar ser julgada sem medo, talvez ficaríamos mais confiantes, talvez pensaríamos duas vezes antes de julgar alguém. Sei que pode não virar um movimento muito grande, mas eu ficaria feliz em ver que há mais pessoas tentando ver o lado bom dos outros e, eventualmente, achando-o.
A menina escreveu mais algumas palavras em seu bloco de notas.
- Acho que temos tudo o que precisávamos. Podemos tirar uma foto?
Eu concordei com a cabeça. O rapaz me posicionou e tirou algumas fotografias enquanto eu tentava não parecer tão sem graça.
Os jornalistas me agradeceram, eu os agradeci também. Tudo o que eu queria era encontrar Enzo para ele me explicar direito essa história de chamar a imprensa, mas mais convidados chegaram e eu fui até eles, repetindo todo meu discurso e tentando ser a pessoa mais simpática possível.
Ainda que ocupada, eu mantinha meu olho em Isadora, que pelo visto cansara da TV e agora estava desenhando algo com giz de cera. Alguns filhos de casais da vizinhança chegaram e estavam assistindo TV, mas nenhum estava interagindo com Isa, talvez por serem mais velhos.
Mais convidados chegaram e eu comecei a achar minha sala pequena demais, comecei a me preocupar sobre a quantidade de bolinhos e suco e biscoitos que haviam na mesa. Para, Montreal. Não surta agora.
Vi Isa levantar-se e falar algo com Enzo, ele a levou até a cozinha, segurando sua mão. Eu estava prestes a segui-los quando Fred e Talita entraram pela porta.
- Montreal! - Talita me cumprimentou - Quer dizer que nossas fotos de casamento foram tiradas por uma artista agora? Elas devem estar valendo uma fortuna!
- Ah, para de brincadeira! Fico feliz por vocês terem vindo, ainda mais morando longe.
- E uma hora de distância é longe por acaso? - Fred riu, também me cumprimentando - Não poderíamos faltar!
- E estou vendo que está sendo um sucesso - Talita se referiu às pessoas andando pela minha sala
- Que nada, acho que todo mundo deve ter vindo porque sentiu esse cheiro de bolo.
- Falando em bolo, cadê o Enzo? Enfiado na cozinha como sempre? - Fred brincou
- Pior que você adivinhou. Vou chamar ele. Podem ficar à vontade, já explico tudo para vocês.
Assim que eu me virei, com a intenção de ir à cozinha chamar Enzo, ele apareceu na entrada da sala segurando Isadora no colo, que por sua vez estava com um copo de água na mão. Fred e Talita viram a cena com estranhamento.
- Fred! Talita! - Enzo falou com animação, mas também com um pouco de apreensão, colocando Isa no chão
- Ei, cara. Como vai? - Fred perguntou depois que ele e Enzo se cumprimentaram com um aperto de mão nada formal
- Tudo certo, tudo certo - ele estava nervoso
Um breve silêncio se instalou, mas Talita o cortou ao ver que Isadora os assistia com o copo já vazio tampando sua boca.
- E quem é essa coisa fofa? - ela expressou, sorrindo
- Essa é a Isadora - me intrometi - Esse é o Fred e essa é a Talita, Isa. Que tal dizer um oi?
- Oi - ela falou um pouco tímida, se escondendo devagar atrás das pernas de Enzo
Este, por sua vez, passou a mão de leve na cabeça dela. Era visível que ele não sabia o que dizer. E eu que achava que eu nunca o veria assim tão inseguro.
- Ela é...? - Fred perguntou sem completar o que já sabíamos
- Sim, ela mora com a gente. Desde ontem na verdade - Enzo falou
- Uou - Talita e Fred pronunciaram quase na mesma hora
De repente, todos estavam olhando para Isa e ela se sentiu cada vez mais desconfortável. Eu não era de fazer brincadeiras, mas eu quis interromper o momento antes que Isa saísse fugindo.
- E quando vocês vão dar um amiguinho para Isa, ein?
Talita riu, voltando sua atenção a mim.
- Eu mal acostumei a ser casada, você já quer que eu me acostume a ser mãe? - ela riu mais uma vez
Vi mais alguns convidados entrando e tive que me desculpar e sair da conversa. Talita me acompanhou falando que assim não precisaria explicar duas vezes a mesma coisa.
- Eu já devo ter explicado mais de vinte vezes hoje - eu brinquei
Também observei Fred puxar Enzo para a cozinha para conversarem a sós enquanto Isa voltava aos seus desenhos. Fiquei apreensiva. Não queria Enzo inseguro, pelo menos não tão inseguro quanto eu sei que sou. Respirei fundo, coloquei um sorriso no rosto e apresentei aos convidados minha exposição. Era tudo o que eu podia fazer no momento.
Talita disse que as segundas impressões na foto dela eram gentis demais, que as primeiras provavelmente era o que todos achavam: que ela era metida. Eu a desmenti. Fred, ao ver a sua foto, riu das impressões escritas. A maioria dizia que ela parecia ser de bem com a vida, despreocupado. Sr. Henke, que ficou até mais tarde comendo os bolinhos e conversando com os convidados, falou que foi um alívio não ter que ler as primeiras impressões, principalmente se fossem alunos o julgando. Até Daniel apareceu um pouco mais tarde. Confesso que a foto dele foi uma das mais difíceis de se fazer. O que eu deveria escrever? Que minha impressão foi de alguém simpático e prestativo, mas a segunda de alguém egoísta, petulante e orgulhoso? Para não mentir, escrevi "determinado e confiante". Não era mentira, apenas soava como algo bom. Foi o único sobre o qual eu escrevi apenas palavras jogadas. Apesar de ter aparecido, não falou mais que três palavras e foi embora sem comer nada.
Eram mais ou menos duas da tarde quando vi que todos os que participaram do projeto já haviam comparecido. Minha sala estava vazia há mais de vinte minutos, então resolvi fechar a porta e dar a exposição como encerrada. Eu estava exausta. Enzo havia preparado um macarrão para Isa na hora do almoço, mas eu mal comera. Voltei com o sofá e o tapete para a sala enquanto ele lavava a louça e Isa tinha caído no sono em sua cama. Acabei deitando no tapete e olhando para cima, para as fotografias penduradas no teto, tentando acreditar no que havia acontecido.
- Cansada? - Enzo apareceu na entrada da sala, um pano de prato jogado em seu ombro esquerdo
- Morta! - eu suspirei
Ele deitou ao meu lado, olhando para cima também.
- Morta, mas feliz?
- Morta e ainda um pouco incrédula.
- Bom, eu estou morto também, mas orgulhoso de você.
Eu olhei para o lado, encontrando finalmente seu rosto.
- Enzo... Sobre o que você e o Fred conversaram? Se não quiser me falar, sem problema. É que eu vi que ele ficou um pouco desconfiado e te puxou pra conversar.
- Ele ficou preocupado. Falou que era um passo muito grande, que eu deveria pensar melhor, que tudo tinha acontecido rápido demais.
- E isso te desanimou?
- Eu achei que ia, sabe? Mas na hora, explicando meus motivos, só me deu mais confiança. Uma hora ele falou que isso ia mudar toda minha vida e eu só consegui pensar que era isso mesmo que eu queria, algo que mudasse completamente minha vida, se é que eu posso chamar de vida, nesses quatro últimos anos.
- E ele?
- Acho que ele entendeu no fim. Ele viu que minha vida era pra ser assim, sabe? Que, se nada tivesse acontecido com Catherine, eu estaria casado e com uma filha ou um filho dessa idade. Eu só tive a sorte de conseguir realmente viver isso depois do que aconteceu.
- E eu tive a sorte de ter você do meu lado também.
- Com tanta sorte, nós deveríamos apostar na loteria um dia desses - ele riu, me beijando de leve - Mas, agora, posso matar minha curiosidade lendo a minha foto?
- Você realmente quis ser o último, né? - eu ri - Bom, eu também não li o que escreveram na minha.
Eu me levantei, procurando minha foto dentre as outras. Enzo também procurou pela sua. Quando a achei, virei e olhei para o verso: uma confusão de palavras e letras diferentes. Amigável. Tímida. Gentil. Talentosa, mas insegura – esse eu sabia que havia sido o Sr. Henke, afinal, era a mesma letra com a qual ele escreve na lousa em sala de aula. Agradável. Capaz. Simpática. Confiante – juro que ri quando li esse adjetivo. Dedicada. Meus olhos rolaram para a parte debaixo da foto, vendo uma letra que havia escrito mais que simples adjetivos jogados. Eu tomei um belo golpe de ar para meus pulmões e comecei a ler.
"Uma pessoa decidida, forte, corajosa, independente. Essas na verdade foram minhas primeiras impressões também, acabei acertando. Minha segunda impressão é que toda essa dureza era uma máscara para esconder alguém criativo, vulnerável, cheio de paixão. Alguém que só precisava de um empurrãozinho pra mostrar ao mundo que é incrível. E talvez eu fui lento demais para perceber, mas lá pela décima impressão, vi que era exatamente a pessoa que eu procurava."
As últimas palavras eu li com dificuldade. Ele foi diminuindo o tamanho das letras para que tudo isso coubesse no finalzinho do papel. Cheguei a foto mais perto do meu olho e identifiquei um ponto final que mais parecia um coração. Na verdade, três pontos em forma de coração exprimidos no cantinho do papel.
Eu me virei, prestes a abraçá-lo com força, mas vi que ele ainda estava concentrado em sua foto, lendo atentamente. Cheguei um pouco mais perto, encostando minha cabeça na lateral de seu braço.
- Sério. Competente. Forte. Não tão bom assim em vídeo-game quanto ele dizia ser - Enzo riu - Esse provavelmente foi o Fred. Reservado. Direto. Discreto.
- Concorda com tudo? - eu perguntei
- Mais ou menos. Mas acho que a única pessoa que acertou foi essa aqui de cima. Quem será, ein? - ele brincou, eu afundei meu rosto em seu braço
Meu peito pulou, meu coração passou a bater mais rápido quando ele começou a ler o que eu havia escrito.
- "Fechado. Cuidadoso. Protetor. Alguém que pensava muito antes de dizer algo. Alguém que carregava dentro de si uma dor inimaginável. Alguém que tentava esconder seu passado se afastando de tudo e todos. Minhas segundas impressões não foram tão boas quanto às terceiras, quartas, quintas... Só depois eu descobri que ele tinha o maior coração do mundo e que um dia eu poderia perder a chance de ser feliz se acreditasse nas minhas primeiras impressões."
- Eu tive que me conter pra não escrever muito e não deixar espaço para as outras pessoas - brinquei
Ele continuou concentrado no que eu havia escrito. Ele estava observando exatamente o meu coração-final.
- Você não fez reticências dessa vez.
- Sei que fui eu quem pedi pra que você não fizesse o coração como ponto final, mas é bobagem. Eu estava com medo de você querer reviver o passado.
- É realmente bobagem - ele me olhou - Porque eu mal posso esperar pelo futuro. Pelo futuro sem pontuação nenhuma.
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