16. Você não precisa de mim para nada.
- Mal acredito que acabou! - eu falei, me jogando no sofá
Eu estava me referindo ao semestre. Férias! Finalmente!
- Mas você ainda tem mais um ano de curso pela frente... Ou você vai deixar o orgulho de lado e admitir logo que odeia o que estuda? - Enzo falou, fechando a porta atrás de si. Ele havia me levado e buscado do trabalho por insistência própria.
- Não me lembre disso logo no meu primeiro dia de férias - foi tudo o que eu disse
- E ainda tem seu trabalho. Por que você não desiste disso logo!? - falou ao se sentar ao meu lado
Eu estiquei minhas pernas em seu colo. Ele mal sabia que desistir não era uma palavra muito recorrente no meu vocabulário.
- Enzo - resmunguei - Por favor, vamos mudar de assunto!
- Tudo bem, não queria te estressar. É que eu vejo você passar o dia todo fazendo algo que não gosta. E ainda chega em casa de noite exausta e com os pés sangrando por causa dos malditos patins. Não me deixa feliz.
- Ei - eu exclamei, tirando minhas sapatilhas com os próprios pés e deixando-as caírem no chão - Eles não estão sangrando. Talvez só um pouco roxos por falta de circulação.
- É sério, Montreal - ele não riu da minha piadinha - Você podia largar tudo isso. Eu te ajudaria financeiramente se precisasse. Você precisa se dedicar ao seu dom.
- "Dom" - ri - Não é tão fácil assim - eu disse vendo-o começar a massagear meu pé e agradeci mentalmente - Eu não tenho nome, arranjar clientes é difícil, não dá para me sustentar com isso. Não dá nem pra comprar os materiais que eu preciso pra começo de conversa.
- Eu disse que te ajudo.
- Enzo, eu não quis seu dinheiro quando você me ofereceu para me indenizar pela história da piscina. Eu sei que muita coisa mudou, mas, não me leve a mal, eu ainda não quero.
Ele suspirou, contrariado.
- Eu tenho meus motivos, Enzo. E, meu Deus, essa massagem está divina! - eu expressei
Ele riu, me falando que havia aprendido com o avô pizzaiolo. "Só que foi para amassar massa de pizza e não pés. Bom saber que tem o mesmo efeito", disse rindo.
- Já revelou as fotos? - sua pergunta foi acompanhada do toque do meu celular
- Ugh! - resmunguei
Eu me levantei, andando até onde tinha deixado a bolsa, descalça, sentindo meus pés doloridos.
Assim que peguei o celular, ele parou de tocar. Droga. Reparei que havia duas mensagens de voz para ouvir e, mesmo sabendo que eu iria pagar por aquilo, resolvi ouvi-las só para que a notificação de mensagens não lidas sumisse do canto da tela. Eu era sistemática com notificações, não descansava até que elas não estivessem mais ali.
Enquanto esperava completar a ligação para o correio de voz, respondi Enzo.
- Ainda falta um rolo para revelar - eu disse e mal reparei que a mensagem de voz já começara
Eu fiquei estática quando assimilei de quem era e sobre o que era a primeira mensagem. Ouvi com atenção e senti meu coração bater mais forte. Não era possível. Minha hora finalmente havia chegado. Disquei o número que havia me ligado na mesma hora, sem nem menos ouvir a segunda mensagem mais recentes, e esperei apreensiva para que atendessem. Demoraram um pouco para atender, me deixando ainda mais nervosa. Quando atenderam, disseram para ligar amanhã, em horário comercial, mas eu não desisti até que alguém pudesse me confirmar a mensagem. Enzo me olhava com curiosidade.
- Então me ligaram daí porque minha vez chegou, certo? Geralmente é assim? Sei que está tarde, mas você não pode confirmar meu nome? Por favor? Sim? Sério? Ok, eu ligo de novo amanhã, mas muito obrigada! Muito muito obrigada mesmo! - confirmei a mensagem que eu ouvira e eu estava deixando toda minha ansiedade se mostrar na minha voz
- Montreal? O que foi? Quem era? - Enzo disse do sofá, provavelmente estranhando eu estar parada feito uma estátua com o celular no ouvido após ter desligado a ligação
Eu caminhei até o sofá de novo, com um olhar perdido, sem saber se eu gritava, chorava ou pulava.
- O que foi? - perguntou mais uma vez
- Sabe quando você me perguntou por que eu resolvi comprar uma casa tão grande e eu disse que um dia você descobriria?
Ele assentiu com a cabeça.
- Bom... Esse dia chegou.
Eu estava contendo um sorriso na minha boca enquanto ele esperava uma explicação.
- Tudo bem... Então... Por que você resolveu comprar minha casa? - arqueou a sobrancelha, desconfiado
- Tudo começou com uma palavra.
Ele ficou esperando eu falar a palavra, mas sua expressão mudou drasticamente quando eu a falei.
- Câncer.
E de repente parecia que o chão dele tinha desaparecido.
- Câncer? Câncer?! E como você só deixa pra me contar isso agora? - ele gritou, se levantando do sofá
- Meu Deus, você quer realmente que a vizinhança acorde amanhã fofocando e achando que eu vou morrer? Tenta falar mais baixo. Não quero que deixem coroas de flores à minha porta.
Ele olhou para mim sem entender.
- Como você está calma assim? É câncer, não uma gripe qualquer!
- Calma, eu nem te contei a história ainda. Faça o favor de se sentar.
Incrível como uma simples palavra causa tanto medo e desespero.
- Quer dizer que você não está morrendo?
- Pelo amor, Enzo! Você realmente acha que eu ia deixar me envolver por você sabendo que eu iria morrer e sabendo que você tinha perdido Catherine? Eu não sou tão egoísta assim, eu não faria você passar por isso duas vezes.
Ele suspirou, um pouco aliviado.
- Eu tive câncer - continuei - Tive. Ou seja, passado.
- Que tipo de câncer?
- Câncer de ovário. Eu sei, não é muito comum ter esse tipo de câncer aos 19 anos e meio, mas eu tive. Nem os médicos conseguiram me explicar muito bem. Na verdade, minha menstruação nunca foi muito normal, mas eu comecei a ter um fluxo intenso que durava muito tempo. Tinha dias que era impossível sair de casa porque era muito sangue. Minha imunidade ficou baixa, eu tive um princípio de anemia, tudo colaborou, mas não há uma razão específica pro meu caso. Foi uma surpresa até para os médicos.
- Mas você se curou, certo? - ele parecia preocupado
- Bom... Eu nunca fui muito de ir ao ginecologista, ainda mais na idade que eu tinha. Eu achava que não precisava, eu nunca nem tinha tido um namorado. Não sei, na época parecia algo tão adulto e eu me sentia muito criança, apesar de não ser. Eu estava mais concentrada em conseguir estudar, finalmente decidir o que eu queria da vida e entrar em uma boa universidade. Eu tendia a pensar que estava tudo bem com a minha saúde, afinal, eu era jovem. Eu descobri fazendo um exame para ver o que fazer sobre a questão do fluxo intenso, insistência da minha mãe. E já era um pouco tarde. Não é uma coisa que você detecta com facilidade, como câncer de mama que você mesma consegue tocar os nódulos, e também avança com muita rapidez. Então, assim como muitas mulheres retiram a mama por causa de câncer e porque descobriram já tarde e não há muito o que se fazer, eu retirei meus ovários e quase tive que tirar o útero junto de tão avançado o estágio do câncer.
- Você retirou seus ovários aos 19 anos? - ele parecia um pouco assustado
- Perto de completar os 20. Foi necessário. Eram eles ou um câncer que podia se alastrar ainda mais. E o câncer estava acabando comigo. Eu tenho poucas fotos da época porque eu estava muito doente, ainda mais no período da quimioterapia.
Ele piscou os olhos em seguida, um pouco impressionado. Não disse nada.
- Você teve que retirar a língua por causa de um câncer também ou desaprendeu a falar? - brinquei
- Isso não é engraçado, Montreal.
- Já faz seis anos, Enzo. Já aprendi a rir sobre isso.
- Ok, mas, agora, o que isso tudo tem a ver com a casa?
Eu suspirei, pensando se deveria contar ou não. Mas, enfim, já que comecei a história, era melhor continuá-la até o fim.
- Eu fiquei até os 22 anos, por aí, ainda me tratando e vendo o que estava por vir, de consulta à consulta, fazendo exames para ver se o câncer não atingiria todo o útero. Não é uma coisa da qual você se recupera muito fácil. Mas eu tinha sobrevivido e eu precisava fazer algo. Foi aí que essa vitalidade toda me atingiu e eu quis visitar o mundo todo antes de morrer. Essas coisas de gente que reconhece o valor da vida porque passou por uma enfermidade, sabe?
- Foi daí que você tirou a ideia de fazer turismo?
- Sim, ilusão minha. Eu estudei muito e me esforcei muito para ganhar a bolsa na universidade. Minhas notas boas no colégio ajudaram, mas eu corri atrás de recomendação e um financiador. Meus pais fizeram uma poupança para mim para financiar um estudo superior, mas eu não quis usar, ainda mais porque eles tinham pago muita coisa à parte do plano de saúde por causa da minha enfermidade. Então, eu me mudei para o Arizona, comecei a faculdade e me decepcionei com ela, consegui um emprego qualquer para sustentar o meu hobby, o que foi fácil porque eu já tinha experiência, e fiquei pensando sobre o que eu havia vencido.
- Tá, é muita informação ao mesmo tempo, mas onde entra a casa?
- Entra assim que eu decidi me inscrever no sistema de adoção.
- Adoção? - ele arregalou os olhos
- Sim. Sem ovários, sem filhos. E eu nunca parei para pensar em quanto eu queria ser mãe até ser impossibilitada de ser. Então, sem pensar duas vezes, me inscrevi no programa de adoção.
- Mas você ainda tem um útero, não é como se não tivesse mais nenhuma chance de ser mãe - argumentou
- Mas... Usar o óvulo de outra mulher? Não seria um filho meu. E eu achei egoísta querer gerar um filho não exatamente biológico dentro de mim enquanto têm crianças já nascidas precisando de uma mãe.
Enzo consentiu com a cabeça. Talvez era algo difícil de se digerir assim, de uma hora para outra.
- Bom, continuei com o trabalho para poder mostrar que eu tenho condições de sustentar uma criança, modestamente, sem muito luxo, mas ainda sim posso. Continuei com os estudos por causa da bolsa e da possibilidade de um emprego melhor no futuro, e decidi comprar uma casa grande com o dinheiro da poupança, onde a criança teria espaço para crescer e brincar. Meu outro apartamento era muito apertado, eu não queria que fosse um motivo para me descartarem, além de todos os outros que já existem. E hoje eu finalmente fui chamada. A lista é grande e demora, mas eu consegui! Pelo menos eu acho que foi por isso que me ligaram, não tem outra razão! Eu mal acredito! Agora provavelmente eles têm uma criança para que eu conheça melhor.
Eu mal continha um sorriso no rosto. Eu estava tremendamente feliz. Fiquei esperando ele também sorrir, ou me chamar de maluca, mas ele continuou parado sem reação, apenas pensando, com suas mãos sustentando o queixo.
- Então... Quer dizer que você vai ter um filho?
- Eu vou adotar um filho - eu disse, me levantando para ir à cozinha pegar um copo d'água - Mas é basicamente isso.
Ele me seguiu até a cozinha e parou à porta dela. Eu estava com medo de sua reação, eu não queria encará-lo. Talvez foi por isso que levantei e fui à cozinha, sem olhá-lo nos olhos. Eu estava pronta para ouvir mais perguntas, talvez contestações. Ou quem sabe ele me cobraria por não ter contado algo tão grande antes, mas sua reação me aliviou.
- E por acaso eles visitam sua casa para ver as condições que você tem pra criar a criança?
- Provavelmente vão visitar de novo já que eu me mudei - eu disse, já bebendo a água - Por quê?
- É melhor você começar a arrumar isso aqui melhor então. Essa cozinha está caótica!
Eu rolei os olhos e ri, soltando a respiração que eu havia prendido.
- Eu não tenho tempo e nem uma cozinha toda moderna que nem você - eu ri - Mas prometo que agora sem ter aulas eu vou arrumar melhor, seu paranóico.
- Podemos voltar para sala antes que eu comece a lavar aquela louça acumulada ali?
Eu gargalhei, deixando o copo na pia, voltando para a sala. Enzo era sistemático e organizado demais, bem diferente de mim. Meu nome do meio seria bagunça se eu de fato tivesse um nome do meio.
- Quer dizer que você não está um pouco assustado com o fato de eu adotar uma criança?
Eu tinha que perguntar aquilo. Afinal, eu tinha duas possibilidades: ou ele ainda queria ser pai ou a morte de Catherine e seu bebê tinham o feito se traumatizar com a ideia.
- É muita informação ao mesmo tempo. É como se você tivesse me dito que está grávida e o bebê nasce amanhã. Eu estou... Surpreso... Tentando processar as coisas...
- Enzo, não é porque estamos juntos que eu vou te dar metade da responsabilidade de criar uma criança. A ideia foi minha e foi antes de te conhecer e eu - ele me interrompeu antes que eu pudesse continuar
Colocou a mão em meu rosto e falou olhando nos meus olhos.
- Tudo bem se eu quiser ter alguma responsabilidade sobre essa criança? Porque, bem, eu quero. Eu realmente quero.
E assim a primeira opção da minha dúvida foi confirmada. O desejo que ele tinha de ser pai era tão grande quanto a minha de ser mãe.
- Eu acho que toda criança merece um pai que a faça doces e bolos e a deixe lamber as pás da batedeira - eu sorri
- E você ainda se achava "menininha" demais... - ele disse, quase pensando alto, e me abraçou, fazendo com que minha cabeça encontrasse seu peito
Eu abri um sorriso. Eu mal podia esperar para conhecer a criança.
◆
Durante toda noite, Enzo me ouviu tagarelar. Eu precisava de algo para me distrair, algo que gastasse toda minha excitação e animação em relação à novidade. Obviamente, ele tinha algumas perguntas a mais para me fazer, mas acabei me excedendo nas histórias. Apesar da boa reação que ele teve, eu não conseguia imaginar o que se passava por sua mente enquanto ele me ouvia, enquanto somente fazia silêncio.
- Eu ainda não consigo acreditar que você teve que passar por isso aos 19 anos! - ele expressou
- Pois é, eu queria entrar na faculdade, estava tentando ser aceita e, no meio de tanto estresse, me veio essa notícia. Eu já trabalhava como garçonete nessa época para juntar mais dinheiro à poupança dos meus pais.
- Ah, então sua habilidade com os pedidos já vem de longa data - ele brincou - Mas, me diz uma coisa, nessa época você já fotografava ou foi algo que surgiu depois da doença?
- Meu avô me deu uma câmera quando eu tinha treze anos. Ele era engenheiro, mas fotógrafo nas horas vagas. Eu lembro de ir em seu laboratório e assistí-lo a revelar os filmes.
- E desde então é um segredo? Sua fotos não eram boas e você achou que não deveria mostrar isso pro mundo?
- Não... É que... É uma história boba. Bom, na escola tinha um dia de talentos e cada um poderia levar algo que fazia e sentia orgulho de fazer. Eu escolhi as fotos que eu mais gostava das que eu tinha tirado com minha câmera e revelado com meu avô e as levei junto com os filmes. Só que... - eu respirei mais fundo, eu odiava lembrar desse dia
- Deixa eu adivinhar - Enzo me interrompeu - Alguém criticou suas fotos, obviamente por pura inveja, e você acreditou na opinião irrelevante dele?
- É... Basicamente. Foi uma turminha da minha sala que sempre implicava comigo. Eu sempre ficava na minha, mas não adiantava.
- É claro que não! É o que esse tipo de gente quer! Te provocar até sua paciência acabar e eles terem mais uma razão de rir de você por ter explodido. Por que você acreditou na opinião deles? Por que acredita até hoje?
- Eu não sei, Enzo! Eu só queria ter amigos, eu só queria que gostassem de mim, que parassem de me chamar de cidades do mundo que não eram o meu nome!
- O quê? Eles te chamavam de Washington, Londres, Paris? Montreal, não percebe o quão infantis e imaturas essas crianças eram?
- Não, Enzo... É que... Era a primeira vez que eu tinha orgulho de algo, a primeira vez que eu me abria, me expunha assim para todos e eu tinha medo e esse medo virou uma punhalada nas costas, fora exatamente como eu imaginava que ia ser, só que doeu ainda mais e, droga, eu não devia estar chorando.
Ele fez com que eu me aconchegasse mais a ele no sofá, passando seu braço pelos meus ombros.
- Você acha que eu também não tive que enfrentar críticas? Quanta gente não me julgou por ser confeiteiro, por ser homem e querer trabalhar na cozinha? Eu até fiz Engenharia Civil para que não me julgassem. Mas adivinha: eu não era feliz.
Eu respirei fundo.
- Eu... Eu só tinha medo de ouvir críticas de novo porque significava muito pra mim.
- Eu sei... Eu sei. A gente sempre se esquece do elogio, mas nunca da crítica. Eu tenho orgulho de você por não ter desistido, sabe? Você pode ter trancado esse segredo a sete chaves, mas você não parou de tirar fotos, não parou de melhorar, de evoluir. E você tinha que ver você no sábado tirando foto de estranhos! Você não parava de sorrir.
- Às vezes eu esqueço que você sempre sabe o que falar.
- Falando assim até parece que eu sou um poço de sabedoria - ele riu
- Mas... É. Você passou por tanta coisa, é bom ver que você pegou as experiências e aprendeu com elas.
- Você de novo com isso. Montreal, você também já passou por muita coisa, não vê? Você sobreviveu um câncer, você trabalha desde adolescente, você estuda pra caramba e consegue o que quer... E em breve você vai ter uma exposição e vai ser mãe!
Eu o encarei. Eu não havia pensado por este lado, eu nunca havia me aberto a alguém para que esse alguém me conhecesse a esse ponto. Passei minhas mãos pelo seu rosto, beijando-o de leve.
- Como está quente aqui - ele disse, eu arqueei a sobrancelha
- Isso foi uma cantada?
- Também - ele riu - Mas poderíamos continuar essa conversa na piscina, o que você acha?
- Ok, deixa só eu colocar meu biquíni...
Ele me parou assim que tentei levantar.
- É mais divertido pular na água de roupa - ele me olhou de um jeito que eu mal acreditei e começou a rir
- Ok. Desafio aceito. Mas eu não posso molhar meu uniforme porque senão ele não seca amanhã.
- Eu não tenho nenhuma opinião contra você ficar só de roupa íntima. Sabia que é ainda mais divertido pular na piscina sem roupa alguma?
Eu bati levemente em seu braço. Céus, meu rosto doía com tantos sorrisos seguidos.
◆
Ele foi o primeiro a pular com tudo na piscina. Eu tirei meu uniforme aos poucos, tentando lembrar se eu tinha vestido uma roupa íntima decente. Isto é, que não estivesse rasgada ou manchada de água sanitária, o que era comum pra mim. Estas eram sempre as mais confortáveis.
Enzo estava apoiado com os cotovelos na borda da piscina, me olhando enquanto seu cabelo molhado escorria pelo rosto. Eu peguei um pouco de distância e corri, me jogando na piscina com velocidade, levantando muita água. Ele estava certo, era muito melhor não nadar de biquíni, ainda mais em uma noite de verão tão quente.
- Belo pulo! - ele comentou - Ainda bem que eu não vendi a piscina inteira, imagina não poder vir aqui nesse calor infernal?
- Como se eu fosse te proibir de entrar aqui né, Enzo? - eu ri, jogando um pouco de água em seu rosto
- Talvez você proibisse. Ainda lembro de você pisando forte com sua máscara de dormir de gatinho toda brava falando para eu sair da sua piscina.
- Você deu todos os motivos para que eu agisse daquele jeito, só pra constar.
Ele riu.
- E agora eu lembrei de algo e estou me sentindo um idiota.
- Do quê?
- Das minhas brincadeiras falando que você estava na TPM. Depois de tudo o que você passou, ainda ter que me aguentar fazendo piadinhas com algo tão sério para você? Como você não me deu uns tapas?
- Vontade não faltou - ri de leve - Mas como você ia saber, Enzo? Quantas mulheres de 26 anos não menstruam mais porque não têm mais ovário?
- Ah, sei lá. Eu me sinto um idiota toda vez que lembro dessas coisas que eu fiz com você. Tudo para você desistir dessa casa como os outros. Agora eu não sei mais ver essa casa sem você junto.
- Na verdade sou eu quem não consigo mais me ver sem essa casa, sem essa piscina. Sem a casa ao lado também.
Envolvi meus braços em seu pescoço e suas mãos foram na minha cintura.
- Seu vizinho também?
- Quem sabe... - ri, nossas bocas estavam próximas - O que eu faria sem você, ein, Enzo? Nem limpar a piscina eu limparia.
Ele riu.
- Sabe o que você faria sem mim? Você provavelmente estaria trabalhando duro todo o dia como você trabalha, estaria estudando apesar de não gostar do que estuda, você continuaria tirando fotos incríveis, talvez até as penduraria na parede de casa ao invés de guardá-las no lavabo - ele falou baixo - Sem mim você ainda seria uma sobrevivente a um câncer e você ainda estaria prestes a ser a melhor mãe da história. Você não precisa de mim para nada, Montreal. Você é incrível por si própria.
Meus lábios se coçaram para beijá-lo, mas ele continuou falando de um modo baixo. Parecia que eu havia derretido junto à água da piscina.
- Mas sabe o que eu estaria fazendo sem você? Provavelmente me afogando em sofrimento, memórias, em mágoa, em culpa, assim como fiz esses últimos quatro anos. Eu tenho completa certeza de que você era o que faltava na minha vida. Minha nova alma gêmea.
- Nova alma gêmea, é?
- Sim, apareceu no tempo certo. Pensa bem... E se tivéssemos nos conhecido quando eu ainda era solteiro? Você estaria se recuperando de um câncer e entrando na lista de espera do sistema de adoção. Eu era ingênuo, não sabia nada de sofrimento na época, eu não ia saber lidar com alguém tão forte como você. Eu provavelmente teria medo, me afastaria. Mas, agora? Você me faz sentir que eu ainda tenho muito da vida pra conhecer e experimentar.
Não o deixei tagarelar mais. Minha boca acabou com a distância curta entre nós. Eu sentia meu corpo ferver debaixo d'água. Ele havia dito coisas que eu nunca esperava ouvir da boca de nenhum homem, simplesmente porque eu achava que era impossível achar alguém que me aceitaria, que concordaria com meus planos. E, sinceramente, eu não estava disposta a mudar esse meu plano de adotar uma criança por homem nenhum na Terra. Eu estava feliz, puramente feliz e toda a felicidade se transcrevia nos sorrisos intercalados ao nosso beijo, à sua mão em meu corpo, minhas pernas envoltas às suas. Às vezes seus dedos passavam pelo fecho traseiro do meu sutiã, às vezes faziam a lateral de minha calcinha se embolar, mas Enzo não dava continuidade às ações. Eu entendia a razão e tentava dar espaço, mas era óbvio que eu ficava um pouco frustrada quando sentia os movimentos ficarem cada vez mais leves, os gestos acalorados ficarem amenos. Seu corpo ficou um pouco mais distante do meu e eu me convenci que não havia motivo para que eu ficasse frustrada logo em um dia tão esplêndido. Enquanto olhávamos as estrelas, deitados na borda da piscina, eu só conseguia pensar nessa criança e como eu adoraria ver Enzo com ela, quem sabe a ensinando a fazer bolo. Eu não queria que minhas esperanças fossem tão grandes porque nada era cem por cento certo, mas era inevitável não idealizar o que eu sempre idealizei. Eu mal acreditava que tudo estava acontecendo, eu mal acreditava que havia encontrado alguém que me achava sua alma gêmea, que fosse tudo o que eu sempre quis e nunca achei que iria encontrar.
- O céu está lindo hoje - Enzo comentou, me desligando de meus pensamentos
- O mundo inteiro está - eu acabei deixando escapar
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