14. Me desculpa. Feliz aniversário.
- Montreal, posso ter uma palavrinha com você? - Sr. Henke falou assim que acabou a aula e eu já estava saindo
- O que foi, professor? - eu disse, dando meia volta
- Eu sei que você tem hora para entrar no serviço, mas parabéns pelo trabalho.
Ele me pegou de surpresa. Um elogio? Nada de acusações sobre como eu estava errada em ainda estar em sua aula? Ou sobre eu trabalhar como uma mera garçonete?
- É sério? - perguntei desacreditada
- Apesar de ver que você não gosta da minha aula, seus trabalhos sempre foram bons. Só que esse se superou. Você foi a única que realmente me convenceu a visitar a cidade. O modo com o qual você escreveu foi pessoal, casual, sem clichês pré-definidos, algo realmente poético.
Eu sorri, sem graça com tantos elogios.
- Obrigada, professor. Eu só quis fazer algo diferente.
- Você não percebe, né?
- O quê?
- Você não vê as possibilidades que o curso te oferece! Você tem turismo até no nome, Montreal! - ele riu - Mas agora vá servir mesas, sei que tem pouco tempo.
Eu agradeci mais uma vez e, já na porta, ele chamou minha atenção de novo.
- E não pense que eu não sei que foi você quem tirou as fotos do trabalho. Eu não achei em nenhum lugar da internet, e olha que eu procurei em tudo! - ele falou
Eu saí rindo, contente e pensando no que ele disse: quais possibilidades esse curso poderia me oferecer? O que eu não estou enxergando, afinal de contas?
O barulho vindo de uma câmera chamou minha atenção. Eu parei na porta, observando um aluno tirar fotos no estúdio da faculdade. Aquilo me fez sorrir, sem razão. E minha auto-confiança teve seu auge naquele exato momento.
◆
- Entra! - eu gritei, enquanto me deitava no sofá e colocava as pernas para cima
Eu tinha um pacote de pipoca no colo e já estava em minhas roupas de dormir. Liguei a TV e Enzo entrou, se sentando ao meu lado.
- O que tem de bom na TV? - ele perguntou, jogando sua mão dentro do pacote de pipoca e pegando umas para si
- Não faço a menor ideia - eu sorri
Ele ficou silencioso ao meu lado, me vendo trocar de canal a cada três segundos.
- Você vai parar em algum canal ou o botão do controle agarrou? - ele perguntou
- Eu só tô tentando achar alguma coisa para me distrair - falei, ainda rodando os canais
Ele pegou o controle de minha mão e desligou a TV. Antes que eu pudesse contestar, sua boca já estava na minha, com calma, sem movimentos muito rápidos.
- Isso te distraiu? - ele falou ao largar meus lábios
Eu concordei com a cabeça, sem ter aberto meus olhos ainda. Ele deu uma risada curta com a minha reação.
- Eu odeio televisão - ele disse ainda rindo e foi assim que percebi que ele não tinha uma televisão em sua casa, pelo menos não na sala
Eu olhei em seus olhos e, por mais estranho que fosse, eu não consegui desviar meu olhar do seu. Não sei por quanto tempo fiquei olhando-o, analisando cada brilho em sua íris, vendo seus cílios abanarem o ar enquanto ele piscava.
- Você parece feliz - ele comentou, me tirando do transe
Eu abaixei meus olhos, sorrindo, finalmente desviando meu olhar do dele.
- Eu estou feliz - eu afirmei
- Ah, é? Seu dia foi bom? - ele riu
- Melhor agora - sorri - Mas eu recebi um bom elogio de um professor e as gorjetas foram boas.
Eu deitei minha cabeça em seu colo enquanto ele brincava com o meu cabelo.
- E o seu?
- Agora está sendo o ponto alto dele.
Nós ficamos em silêncio mais um pouco até que tomei coragem e perguntei.
- Enzo, você me ajudaria em uma coisa?
- Claro que sim, no quê?
- É um projeto...
- Tem a ver com a pintura branca na parede?
- Talvez... Quem sabe?
Ele me olhou desconfiado.
- Ok, tem um pouco a ver sim.
Levantei-me de seu colo e expliquei para ele minha ideia. Ideia esta que estava me perturbando durante boas noites e me martelando durante todo o dia de trabalho.
Ele concordou e ainda teve mais idéias para me ajudar. Eu mal sabia se ia dar algum resultado, mas ele me dava uma segurança tamanha. Eu o amava ao meu lado e amava ter alguém com quem conversar. Sei que fazia no máximo três meses que o conhecia e essa história de nós dois nos beijando e tendo uma intimidade mais romântica começara há poucas semanas, mas eu me sentia muito bem quando estava com ele.
Comecei a notar mais detalhes em Enzo e parecia que a cada dia eu descobria algo novo.
A pequena covinha quando ele sorria de lado era algo que me encantava, mesmo sem ter o menor sentido. Eu gostava quando ele entrelaçava nossos dedos e beijava minha mão com eles assim. Eu ficava vermelha sempre que ele me puxava pela cintura ou colocava uma mecha do meu cabelo atrás de minha orelha. E em especial quando uma vez estávamos na piscina, brincando de tirar fotos com a câmera descartável que ele me dera, e ele beijou meus ombros molhados de leve. Descobri que amava quando ele deixava eu provar a massa de seus famosos bolos, lambendo as pás da batedeira, como uma criança. Gostava quando ele pronunciava meu nome, parecia algo melhor, algo não muito "nome de cidade canadense". Ele me ajudava a parar de me estressar tanto com tudo, ainda mais no fim do semestre. Ele me fez até esquecer que a estação do ano mais odiada por mim, o verão, estava perto de começar.
O fato é que Enzo era extremamente carinhoso comigo. Eu comecei a notar que ele também era extremamente cuidadoso. Enquanto arrumávamos o laboratório, quase caí da escada e ele ficou mais preocupado do que o normal. Não era nada incomum esses meus pequenos tombos, já que eu era super desastrada, mas ele parecia se preocupar demais. Eu refleti sobre aquilo e cheguei à conclusão que ele agia assim por ter perdido Catherine, por não ter ido com ela a todos os exames, por não ter notado que algo estava errado. Ele tinha medo de que me machucasse e isso me deixava um pouco assustada. Tudo bem, eu gostava da atenção e do carinho, mas acidentes acontecem e eu não sei como ele lidaria se um acontecesse comigo.
Mas uma das coisas que sempre me preocupou sobre relacionamentos não parecia acontecer com a gente: a temida rotina. Cada um tinha seu espaço, eu estudava, trabalhava, ele também trabalhava e nos víamos geralmente de noite. Não era algo forçado, não era algo cansativo, não ficávamos entediados juntos pois não estávamos juntos o tempo todo; eu achava isso ótimo.
Ele me surpreendeu uma vez, indo até o restaurante.
- O hambúrguer de sempre, um refri e um beijo, pode ser? - ele falou sem ao menos ver o cardápio
- Seu pedido é uma ordem - eu o beijei de leve
Era tudo simplesmente natural e divertido com ele. Karina passou por mim de patins enquanto eu entregava o pedido de Enzo à cozinha.
- Eu vi aquele beijo. Hoje você vai me contar detalhe por detalhe, ok? - ela me olhou de lado
Eu devo ter ficado vermelha, mas, ao fim do expediente, contei à Karina o que havia acontecido nas últimas semanas. Ela me olhava como se estivesse ouvindo o resumo de uma novela, sem acreditar direito em tudo.
- E o garoto? O que aconteceu com ele? - ela se referiu a Daniel - Ele sabe?
Eu não havia parado para pensar nisso. Na verdade, havia esquecido que Daniel existia, nunca mais tinha o visto. E esperava que continuasse assim.
◆
- Enzo, é sério. A gente pode levar um dos bolos prontos aqui do mercado, deve ter um monte já feito.
Ele parou o carrinho de supermercado e me olhou firme.
- Isso é praticamente uma ofensa, ok, Montreal?
- Eu só não quero que você tenha trabalho.
- Mon, eu quero fazer um bolo para você. Um realmente bom. Me diz qual o problema nisso? É seu aniversário!
Ele agora tinha essa mania de me chamar de "Mon". Não que que reclamasse, pelo contrário. Mas era golpe baixo, eu não tinha mais argumentos porque ficava sem graça toda vez que ele me chamava assim. Nunca tive apelidos, pelo menos não um que eu gostasse de ouvir, então, vê-lo me chamar tão carinhosamente e de um jeito único me deixava balançada. Tive sorte por ele não ter completado com um "chéri". Me chamar de mon chéri, como ele tinha feito uma vez, iria ser o golpe mais baixo de todos.
- Ok - eu desisti - Mas eu vou te ajudar. E esse vai ser meu presente. Nada de comprar mais coisas!
- Eu não posso te prometer isso. Agora me ajuda a escolher os confeitos.
Rolei os olhos. Encarei a prateleira do supermercado, vendo dezenas de confeitos coloridos. Corações, estrelinhas, florzinhas. Seria muito infantil querer todos eles no meu bolo?
- Eu sei que você quer levar os coloridos. Pode pegar o que quiser - ele riu, me olhando
Coloquei todos os que queria no carrinho, de bolinhas douradas a florzinhas coloridas. Meu bolo ia ser um carro alegórico, mas eu não resisti.
- Qual vela podemos levar pra combinar com esse bolo? Meninas Super-Poderosas? Barbie? My Little Pony? - ele brincou, eu apenas soquei seu braço de leve - 1 e 2, né? Não é 12 anos que você está fazendo?
- Você para de brincadeira senão eu vou e compro um bolo pronto. O mais estranho que tiver, com o glacê mais falso possível e cobertura de gelatina vermelha.
- Você não jogaria tão baixo - ele franziu a testa
- Não posso prometer isso - levantei minha sobrancelha
Ele arregalou os olhos e abriu a boca em protesto. Eu apenas peguei uma vela com o número dois e outra com o sete. Olhei-as juntas em minhas mãos. 27 anos.
- Eu estou ficando velha - eu disse para mim mesma
- Se você está ficando velha, imagina eu.
Foi como um estalo na minha cabeça. Eu nunca soube quantos anos Enzo tinha. Talvez sempre assumi certa idade e nunca perguntei.
- Espera, quantos anos você tem?
- Está de brincadeira, né? - Enzo disse, andando com o carrinho pelo corredor e pegando outros ingredientes
- Não. Eu nunca te perguntei - falei ao alcançá-lo
- 43.
- Quarenta e três?! - eu repeti um pouco forte demais
- Sim, espero que não seja um problema.
Eu tive que alcançar o carrinho novamente pois fiquei parada em choque.
- Quarenta e três? Você?
- Eu sei, estou conservado. Deve ser o cloro da piscina - ele riu - Quantos anos você achou que eu tinha?
- Sei lá, trinta e oito! Não quarenta e três! Céus.
Devo ter encarado seu corpo sem acreditar, porque ele teve que me chamar atenção.
- Montreal, eu não acredito que você acreditou que eu tenho quarenta e três. Cristo, estou tão acabado assim? - ele disse em uma risada
- Então... Você não tem quarenta e três?
- Não - ele riu - Mas estou decepcionado. Como você acreditou tão fácil?
Devo ter suspirado em alívio naquele momento.
- Ainda não acredito nisso.
Ele continuou andando com o carrinho e eu tive que alcançar.
- Então você tem trinta e oito?
Ele somente balançou a cabeça.
- Nossa, eu realmente achava que eu estava melhor.
- Trinta e cinco?
- Trinta e dois, Montreal. Trinta e dois - ele falou pausadamente, me olhando com um sorriso - Mas eu achava que eu podia passar por 25, estava enganado.
- Não é pra tanto.
- Você me deu trinta e oito! Eu nem deveria estar falando com você depois dessa - ele riu
- Eu fiquei preocupada! Quarenta e três, Enzo? Você teria idade de ser meu pai!
- Não sou do tipo que teria uma filha aos 16.
Fiz as contas em minha cabeça. Tínhamos cinco anos de diferença. Não era tanto assim. Entretanto, me lembrei de Daniel meses atrás. Eu falando que sete anos de diferença era maluquice. Olha eu agora.
- Mon, vamos? Ainda tenho que passar em mais alguns lugares - Enzo falou e eu alcancei seu carrinho de novo, já que tinha ficado parada, pensando
Ele parou em um outro lugar para buscar os ovos. Disse que só confiava na qualidade dos ovos daquela granja específica e não dava para comprar no supermercado. Eu fiquei dentro do carro, esperando que ele voltasse. De um momento para outro, tudo tinha mudado. E se eu não tivesse decidido comprar aquela casa? E se eu tivesse desistido dela assim que soube da piscina? Eu nunca ia saber o que era me sentir tão leve assim?
Enzo abriu a porta, interrompendo meus pensamentos. Pediu para que eu segurasse os ovos para que não quebrassem e os coloquei em meu colo.
- Tudo bem? - ele percebeu que eu estava distante
- Tudo... Eu só estava pensando nessa coisa de aniversário.
- Essa coisa de aniversário?
- É. É como comemorar mais um ano de sobrevivência. Algo como "parabéns, toma aqui um bolo e uns presentes por você ter sobrevivido mais um ano".
Ele me encarou, rindo.
- Eu sei, eu às vezes penso coisas estranhas.
- E quem não pensa? Fico feliz porque você se sente confortável comigo a ponto de falá-las em voz alta.
Eu acabei rindo, concordando.
- Sabe que eu falei pro Daniel que nossa diferença de idade era muito grande? Sete anos. Mas olha a gente com cinco anos de diferença.
- Sério? Não é a mesma coisa.
- Como assim?
- Montreal, há uma grande diferença entre, por exemplo, 15 anos e 20 anos, não muita entre 27 e 32. Muito menos entre 45 e 50 anos... Nem tudo é número. E, nesse caso, o moleque era bem mais imaturo que 19 anos. Daria uma grande diferença.
- Faz sentido. Falando nisso, nunca mais o vi.
- Que bom, não?
Eu encarei Enzo.
- O que foi? Ele não gosta de mim e sinceramente eu não tenho nenhuma razão pra gostar dele também. Mas vamos mudar de assunto! É seu aniversário e eu tenho um bolo pra fazer.
Enzo continuou dirigindo. Eu não disse mais nada.
◆
- Juro. É assustador. Você sabe quantos artistas morreram aos 27? Talvez esse seja meu último ano viva! - eu disse mais alto para que Enzo, da cozinha, escutasse
- Montreal, para de ficar paranóica com essas bobagens - ele disse
Eu peguei meu notebook no colo e me levantei, indo até a porta da sua cozinha.
- Sério, olha isso. Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, Kurt Coubain, Basquiat, Amy Winehouse! - falei, apontando para a tela
Ele, com um pano de prato no ombro, me olhou segurando uma risada.
- Bom, sorte sua que você não é música e nem vive uma vida de drogas e rock 'n' roll. Ainda vai ter muitos anos pela frente.
Eu parei por um minuto. Fiz as contas. 32 menos 4. Dava 28. Se Catherine tivesse um ano a menos que Enzo, ela tinha 27 quando morreu e eu me culparia até o fim por estar pesquisando sobre isso.
- Catherine tinha a mesma idade que você?
Ele parou ao ouvir minha pergunta e se virou.
- Não. Ela era um ano e meio mais velha. Por quê?
Sua sobrancelha se arqueou.
- Só curiosidade - eu falei em alívio. Ela deveria ter 29.
- Isso é sobre nossa diferença de idades? Porque eu realmente te acho bem madura para 27 anos.
- Jura?
- Sim. Você é independente, trabalhadora, decidida. Só precisa de um pouco de auto-confiança, mas vamos trabalhar nisso - ele sorriu
- Obrigada por estar fazendo isso por mim. Meus aniversários geralmente são chatos, ainda mais sem meus pais.
- Obrigada nada, me ajuda a colocar essa cobertura aqui - ele brincou e me entregou a espátula, me beijando no rosto em seguida
Eu respirei fundo. Um pouco menos paranóica, um pouco menos preocupada com tudo. Mais feliz.
- Eu pelo menos posso lamber as pás da batedeira né?
Isso o fez soltar uma risada leve.
- É seu aniversário. Não tem como negar esse pedido.
◆
- Tem certeza que eles não vão se importar? - Enzo perguntou um pouco apreensivo
- Bom, não sei. Nunca fiz antes. Mas acho que não vai ter problema - eu falei, mexendo no computador e tentando fazer uma chamada aos meus pais
Enzo estava atrás da tela e, na webcam, só aparecia eu e o bolo em minha sala. Meus pais atenderam, mas a chamada inicial era somente de áudio. Atendi e Enzo não fez um pio. Eu apenas o olhava, um pouco nervosa também. Eles me parabenizaram pelo aniversário e fizeram milhares de desejos, como todos os pais fazem. Eu queria estar sendo um pouco mais simpática, mas a apreensão não deixou.
- Mãe, tem algum botão na tela com o desenho de uma filmadora? - eu perguntei um tempo depois
- Deixa eu ver.
Esperei um momento.
- Acho que é esse, não? - ela disse ao meu pai e logo surgiu uma tela com um ícone de carregamento
Em segundos, os vi em vídeo e eles acenaram.
- Estão me vendo? - eu perguntei
- Sim! Está na sua casa? Eu gostei da parede! - minha mãe falou
- Sim! Quer que eu mostre o resto da casa para vocês enquanto vocês não vêm me visitar?
- E dá para você andar com a câmera? - meu pai perguntou
- Sim, é meu notebook.
Enzo sorriu e ficou na cozinha, calado, enquanto eu subia as escadas. Mostrei o interior da minha casa rapidamente para os dois e voltei à sala, ficando do lado do bolo.
- Você comprou esse bolo? Ou fez? - minha mãe perguntou
- Na verdade... Bom - eu disse, olhando para Enzo - Foi um presente do meu vizinho.
- Sério? Que legal da parte dele!
Eu o chamei para perto. Enzo hesitou, mas chegou um pouco mais perto da câmera.
- Vem cá - eu disse até Enzo aparecer na tela - Esse é meu vizinho, Enzo.
Ele acenou para a câmera, meus pais o cumprimentaram. Eu fiquei nervosa, mas decidi falar tudo de uma vez.
- Então... Ele não é só meu vizinho...
Vi minha mãe levantar uma sobrancelha.
- Você tem um namorado! - não foi uma pergunta, foi uma afirmação de minha mãe. Ela pareceu ficar um pouco feliz demais. Meu pai apenas o encarou.
- É... A gente tá junto... Namorando. É, é isso - falei com vergonha e Enzo alcançou meu ombro, sorrindo e me acalmando
- Vamos comprar uma passagem agora! Eu preciso ver essa sua casa, essa sua vida nova! Conhecer meu genro!
Eu quis me esconder. Meu pai foi mais racional, talvez foi o ciúme.
- Prazer. Enzo, né? É estranho conhecer as pessoas assim por um computador. Vamos te visitar em breve, minha filha.
- Prazer em conhecê-los também. Quando vocês visitarem, farei um bolo especial também.
- Ah, Enzo é confeiteiro.
- E ainda cozinha? Rapaz! - minha mãe expressou
- Vamos deixar vocês comemorarem o aniversário em paz. Parabéns, filha. Te amamos!
- Amo vocês também.
Minha mãe parecia não querer desligar, mas meu pai puxou um tchau. Eu mesma queria que acabasse logo. Era estranho falar disso com eles assim. Quando a ligação acabou, eu escondi meu rosto entre minhas pernas.
- Desculpa, isso foi vergonhoso - eu disse ainda com meu rosto escondido
- Ei, não foi. Foi bom finalmente falar com seus pais - Enzo sorriu - Está com fome?
- Não muita, mas eu quero comer logo seu bolo - falei e Enzo estendeu a mão, me levantando e me levando até à cozinha
Foi um aniversário incomum. Um jantar regado a vinho branco e músicas lentas. Obviamente, a parte mais incomum foi ter Enzo junto a mim. Eu não achava que me acostumaria tão fácil à sua presença.
Ele acendeu as velas do bolo e me olhou, começando a cantar "feliz aniversário". Somente cantou uma vez os versos, um pouco retraído.
- Faça um pedido...
Ele sorriu. Enquanto eu fechava meus olhos e me preparava para assoprar as velas, pensei em pedir para que meus futuros planos dessem certo. Mas mudei de ideia. Pedi para que a felicidade que eu estava sentindo no meu peito no momento não acabasse;
que ela só aumentasse.
Cortei o bolo e entreguei o primeiro pedaço a Enzo. Devo ter comido três pedaços grandes e Enzo deve ter se cansado de todos meus elogios.
Ele foi usar o lavabo – meu antigo laboratório – e eu aproveitei para colocar os pratos de bolo dentro da pia. Enquanto eu os lavava, seu corpo se aproximou das minhas costas.
- Eu disse que não podia prometer que o presente ia ser só o bolo - ele disse ao meu ouvido, me dando um susto
Eu larguei a esponja na mesma hora e me virei. Ele segurava uma caixa azul com uma fita entre nossos corpos.
- Enzo! Eu disse que não precisava.
- E eu disse que precisava.
Demorei um pouco para achar o pano de prato, mas, assim que sequei minhas mãos, abri o presente ali mesmo no balcão da cozinha.
Dentro da caixa havia um livro grande e pesado, mais alguns rolos de filme e uma tira de couro para minha câmera. Primeiro, analisei o livro. Li o título. "Guia de Fotografia de Paisagem".
- É um livro antigo. Encontrei no sebo. Espero que você goste. As páginas devem estar um pouco amareladas, mas nele têm grandes dicas de fotógrafos, em várias partes do mundo. Achei interessante ao unir um pouco fotografia com turismo. E, ah, como é um livro antigo, é tudo sobre fotografia de filme.
- Uau. Eu amei, Enzo - falei, folheando-o - Obrigada.
- Ah, comprei alguns filmes também, de algumas marcas diferentes para você testar. E espero que a tira sirva. Mandei gravar seu nome nela. Espero que use no seu grande projeto, para te dar sorte.
Retirei a tira de couro marrom claro da caixa, vendo meu nome em letras grandes estampado em baixo relevo bem na área do pescoço.
- Isso é mais do que eu pedi - eu sorri, beijando-o de leve - Não sei nem te agradecer.
- Bom, ainda tem um item.
Enzo retirou um papel do fundo da caixa. Eu o peguei em minhas mãos, mas não entendi muito bem o que estava impresso.
- Isto é um e-mail que eu imprimi. Um e-mail para mim... Do organizador de uma exposição de fotografia artística que vai ter na Carolina do Norte. E... Bom... Eu talvez tenha pedido para Fred escanear e me mandar a foto que você tirou do vestido da noiva dele e eu talvez tenha enviado para que ela entrasse na exposição. E esse é o e-mail confirmando que sua foto foi escolhida.
Eu estava boquiaberta. Segurava o papel sem acreditar. Devo ter dado um pulo de felicidade e agarrei o pescoço de Enzo, ainda pulando.
- Eles escolheram minha foto? É sério? Enzo!
- Eu te disse que seu trabalho não deveria ficar guardado em um laboratório.
Eu o abracei com força. Tive vontade de dizer três palavras que estavam claras em minha mente, mas fechei meus lábios, pressionando-os, não deixando as palavras escaparem.
Não sabia se deveria falá-las. Não porque eu tivesse completa dúvida sobre o sentimento, mas eu não sabia se era recíproco. Eu não queria ouvir que ele amara Catherine e o sentimento comigo não era exatamente o mesmo. Eu só diria as três palavras se elas um dia fossem resposta às dele.
- Você é muito especial para mim, ok? - ele falou ainda no abraço - É como se você fosse a única que conseguiu me acordar de um coma de quatro anos.
Eu desfiz o abraço para ver seu sorriso. Ele me beijou, eu o beijei de volta. E o beijo, que começou como algo simples, se tornou algo mais complexo, mais desesperado. Vi-me sentada no balcão da cozinha; ele em pé à minha frente. Seu quadril sendo abraçado pelas minhas pernas. Sua mão direita passava pelo meu pescoço, pela minha mandíbula, segurando meu rosto. Sua mão esquerda insistia em subir e descer pela minha perna direita, envolta em seu corpo. Cada vez que subia, subia um pouco mais alto. Eu não sabia muito bem o que fazer com minhas mãos. Ora estavam em seu cabelo, ora em sua nuca, passando de leve por dentro da gola de sua camisa.
Parei o beijo assim que sua mão esquerda, ao subir novamente pela minha perna, subiu por dentro do meu vestido. Assim que parei o beijo, sua boca se colou à minha bochecha, mordendo-a.
- Eu sei que você conhece essa casa muito bem, mas não quer subir as escadas essa noite? - eu falei baixo, com minha boca perto demais de seu ouvido
Seus lábios pararam de beijar meu pescoço na mesma hora.
- Certeza? - seu rosto ficou de novo de frente ao meu, mas seus olhos encaravam minha boca
Confirmei levemente com a cabeça. Suas mãos agarraram cada uma um lado de minha cintura e ele me ajudou a descer do balcão em um pulo.
Andamos a passos lentos; subimos as escadas um degrau por vez. Suas mãos na minha cintura, seu corpo me acompanhando e o meu guiando-o pelo caminho que ele já conhecia. Abri a porta de meu quarto e ele pareceu analisar brevemente as paredes, vendo as fotos que eu havia colado e alguns quadros. Ainda estava um pouco vazio, eu ainda precisava decorar mais, porém nunca lembrava. Não estava nervosa, ao contrário do que eu já havia imaginado. Nem me dei ao trabalho de acender a luz, então, ao fechar a porta, me vi imersa em uma escuridão, mas seus braços sabiam exatamente onde meu corpo estava, já que ele acabou com o espaço entre nossos quadris.
Não demorou para que estivéssemos deitados em minha cama, assim como não demorou para a barra de meu vestido subir até minha cintura e todos os botões da camisa de Enzo se desabotoarem. Minha mão contornava seu peito à medida que seus dedos iam e voltavam pelas minhas coxas. Os nossos lábios não beijavam só lábios, selavam com um beijo qualquer pele exposta que encontrassem.
Seus joelhos estavam cada um de um lado de meu corpo e ele sustentava seu tronco acima do meu com os braços. Enzo me beijou de um jeito diferente, apenas puxando rapidamente meus lábios para cima, repetidas vezes. Minha mão sentia seu peito ofegante e eu não tinha dúvidas: eu o queria muito mais do que eu imaginara um dia desejar alguém.
Só que o desejo encontrou uma interrupção. Enzo estava com a boca em meu ouvido, prestes a falar algo ou apenas respirar mais forte, quando seu corpo simplesmente parou de responder ao meu. Ele se sustentou um pouco mais distante. Eu não entendi, eu não conseguia definir a expressão em seu rosto devido à escuridão.
- Eu achei que eu estava preparado - ele disse um pouco baixo, com o peito ainda ofegante - Eu achei que eu ia ser mais forte.
O que eu responderia àquilo? Apenas fiquei calada, tentando fazer suas frases tomarem sentido.
Ele se levantou, deixando a cama. Beijou minha testa, já suada.
- Me desculpa. Feliz aniversário.
Eu assisti à sua saída pela porta, a luz do corredor me fazendo notar que ele carregava sua camisa nas mãos. Ao fechar a porta novamente, eu me vi perdida em meio a lençóis bagunçados, um vestido amarrotado, suor escorrendo pelo meu pescoço. Vi-me perdida em meio a uma escuridão e um silêncio só não tão perturbadores quanto meus pensamentos.
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