Tentando
Narração Lucas
“Pensei ter encontrado um caminho. Pensei ter encontrado um jeito, mas isso nunca vai embora. Acho que vou ter que permanecer assim agora.” Penso enquanto vou andando devagar para a escola.
Cheguei em uma fase da minha vida que pouca coisa me importa. Tudo que me era precioso foi tomado. Tentei substituir isso por coisas novas, mas certas coisas nunca poderão ser substituídas.
Tento ocupar o meu tempo com coisas boas como trabalho voluntários e tals. Essa é a forma que eu achei para me redimir de todas as merdas que eu já fiz.
Não sei ao certo quando a minha vida começou a desandar. Mas sei que as coisas foderam de vez quando a entidade entrou na minha vida. Na minha e na dos meus amigos.
Todo mundo lidou com aquilo de uma forma diferente. De longe o Dominique foi o que mais sofreu. Ele abriu mão do grande amor dele, dos sonhos, entre outras coisas.
Sempre vivi no piloto automático, deixo a vida me levar para onde ela quiser. Desde que me tornei livre da entidade não há ninguém que me governe, muito menos uma lei para me guiar. Eu estou exatamente a onde quero estar.
Chego na escola uns dez minutos antes de tocar o sinal para o início das aulas. Vou andando em direção a minha classe. As pessoas me encaram, sei que elas sentem medo de mim. Eu também teria. Continuo andando até passar por duas pessoas.
— Esse daí que é um dos bruxos que saíram da cadeia? — perguntou uma garota para o garoto que fazia companhia a ela. Ela falou baixo, mas eu consegui ouvir. Decido entrar brincar um pouco.
— Sou eu sim. — falo para a garota fazendo ela e o seu acompanhante levarem um susto. Eles provavelmente são do primeiro ano, a julgar pelo tamanho deles. A garota virou um fantasma de tão branca que ficou e o garoto me olhava com os olhos arregalados.
— Você é mesmo um bruxo? — pergunta o garoto para mim.
— Sou sim, inclusive eu vejo algo no seu futuro. — falo estreitando a minha vista para ele e dando um passo para próximo dele. Ele também ficou branco. Eu prendi o riso para não acabar com a minha brincadeira.
— O q-que v-você ver no futuro dele? — perguntou a garota gaguejando.
— Eu vejo ele em uma rua escura e deserta. Vejo uma pessoa, não consigo identificar ela. Vejo ele sendo arrastado para o mato. Eu escuto os gritos dele. — falo colocando as mãos no meu ouvido para implementar a encenação. — Vejo ele sendo estripado e morto. Vejo o cara desconhecido, jogando os órgãos dele em uma fogueira — As pernas do garoto começaram a tremer ele tentava falar algo, mas ele só abria a boca e depois a fechava. Acredito que ele não conseguia formular uma resposta.
— Antônio, vamos sair daqui. — falou a garota puxando o outro. Fiquei observando eles irem embora pelos corredores.
Comecei a rir que nem um idiota no corredor. Algumas pessoas me encaravam totalmente alheias com o que aconteceu.
— Isso foi maldade. — falou Jhonny aparecendo do nada.
— Ah, você viu? — perguntei ele enquanto coçava o minha nuca totalmente sem graça.
— Eu vi tudo sim. Estava alí no canto apenas observando. Você não vai para o céu. — falou ele com um sorriso no rosto. Eu apenas retribuí o sorriso.
Fomos andando juntos até o corredor do terceiro ano. Logo nos separamos, pois, não somos da mesma turma. A aula foi entediante. Me sentei no mesmo lugar de sempre. No canto, perto da janela. Passei a aula toda olhando para o lado de fora, aliás.
Estava tudo meio merda, até aquilo voltar, aquele sentimento que eu não consigo nomear. Motivo para sentir aquilo? Nem eu ao certo sei dizer. Apenas sei que sinto isso todos os dias.
Sinto que os meus olhos estão começando a encherem de água. Minha respiração fica ofegante. Quero muito sair dali. Quando estou prestes a sair correndo dali, o sinal toca, anunciando o recreio. Me levanto rápido e vou correndo para um lugar na qual eu ficasse sozinho.
Acho um local atrás da quadra, sento lá e finalmente deixo as minhas lágrimas caírem. Elas caem em excesso. Os meus soluços se tornam mais alto do que eu pensei que sairiam. Coloco as minhas mãos em meu rosto, tento parar de chorar, mas simplesmente não consigo.
“O que há de errado comigo?” penso enquanto desabo em lágrimas. Já tiveram a sensação que tudo conspira para te machucar? Já se sentiram como um saco de plástico, que voa com o vento, querendo desesperadamente recomeçar? Bom, eu sinto isso todos os dias e isso é bem ruim.
Sinto uma mão em meu ombro, levanto o meus rosto e vejo o Dominique. Pelo o seu olhar percebo a preocupação. Eu tento falar algo, mas os soluços não deixam. Ele senta do meu lado e fica ali comigo, enquanto eu choro.
As vezes, tudo que eu quero, é estar morto. Não sei o por quê de eu ainda insistir na vida. Posso apenas dizer frases feitas de facebook sobre isso, mas a verdade, é que eu realmente não sei.
Depois de um tempo, eu finalmente consegui parar de chorar. Dominique ficou ali do meu lado. Conheço ele o suficiente para saber que ele não conseguiu formular alguma palavra de consolo, mas tudo bem, ele está aqui comigo e isso é o suficiente.
— Eu só queria estar morto. — falo tentando forçar um sorriso.
— Não fala isso, cara. Eu não sou bom com palavras de auto ajuda, mas saiba que eu sempre estarei aqui, para o que você precisar. — depois de Falar isso Dominique me abraça, eu retribuo de imediato o abraço. Eu estava precisando e muito de um abraço. — Tudo irá ficar bem.
Após um tempo, saímos daquele abraço. Vou no banheiro lavar o rosto. Depois disso, sigo para a minha sala. As aulas se passam arrastadas de tão chatas e massivas. Quando a aula acabou eu não falei com ninguém, fui direto para ONG na qual eu faço trabalho voluntário. Lá eles tratam animais abandonados e depois eles ficam disponíveis para a adoção.
Faço trabalho lá desde que eu sai do reformatório. Eu gosto de animais, então lá para mim é um alívio enorme. Confesso que prefiro os animais que os humanos, mas quem não prefere? Nada contra humanos, claro.
Chego e comprimento a todos. As pessoas de lá são bem legais. Eles fazem aquilo tudo por amor. Hoje em dia isso é muito raro. Vou para o banheiro e coloco o uniforme da ONG. Após terminar de me trocar, eu vou ver os cachorros, no caminho, eu encontro com a Annie.
— Você veio para cá e nem me avisou. — falou ela fazendo bico e uma cara ressentida. — Poderíamos ter vindo juntos.
— Foi mal. Estava com pressa. — falo rindo para ela.
Annie, assim como eu foi uma das marionetes de Andras. Ela também faz trabalho voluntário aqui. Nós meio que fazemos isso para nos redimir de todos os animais que matamos em rituais.
— Vamos logo, Lucas. Temos muito trabalho a fazer. — fala ela me puxando pelo braço. Chegamos no local que iríamos ficar hoje, na ala dos filhotes. — Precisamos limpar aqui e dar o almoço deles. Uma cachorra de rua foi resgatada, aliás. Ela tinha acabado de ter filhotes. A Sabrina me ligou ontem me contando. Mais tarde vamos lá ver ela e os filhotes. — fala ela toda animada e eu apenas confirmo com a cabeça.
Em poucos minutos nós tínhamos limpado tudo. Na hora de dar a comida foi um pouco complicado. Os filhotes são muito esfomeados. Eles comiam os deles e queria roubar o dos outros. Eu ri e muito com aquela cena.
Pequenas coisas como essa deixam os meus dias melhores. Ficar aqui me faz muito bem. Annie me puxa e me leva para a ala médica. Ela me conta que a cachorra e os seus filhotes estão lá sob observação.
Chegando lá, ela me leva a onde eles estavam. Foi uma cena bem linda de se ver. A mãe deitada e os seus filhotes mamando. Annie chega perto para fazer carinho, mas a cachorra se assusta, provavelmente pensou que a Annie iria bater nela. Isso destruiu o meu coração.
A cachorra tinha uma cara de cansaço. Bom, cuidar de quatro filhotes recém nascido deve ser bastante cansativo mesmo.
— Pelo visto vocês gostaram da cachorra. — disse Sabrina aparecendo de repente. Ela era uma das pessoas responsáveis pela ONG. Aparentava ter uns vinte e poucos anos. No geral, ela é bem simpática
— Gostamos sim, Sabrina. Eu e o Lucas viemos ver a cachorra e os seus filhotes. Eles tem nomes? — perguntou Annie totalmente interessada em saber. Fiquei ali apenas ouvindo as duas conversando. Os cachorros não tinham nome.
Após uns minutos de conversa decidimos voltar com os nossos afazeres. Em pouco tempo terminamos tudo. Tomo um banho lá mesmo e troco de roupa. Estou indo embora quando eu passo pela ala dos felinos.
Uma gata me chamou a atenção ela era linda e tinha um pêlo cinza. Ela estava amamentando os seus filhotes. Um dos filhotes me chamou bastante atenção. Ele era bem gordinho, gordinho até demais para um filhote de gato. Ele tinha os pelos da cor da mãe. Bem bonito ele. Parece um bolinho.
— Gostou do gato? — disse Annie aparecendo do meu lado — Que tal você adotar um dos filhotes?
— Eu até adotaria o gordinho ali — falei apontando para o filhote. — mas eu não posso. Quem sabe no futuro…..
Me despeço de Annie e vou embora para a minha casa. Voltar para o meu grande vazio. Olho para o céu, ele está bem nublado. Hoje vai ter chuva, eu gosto de chuva, aliás.
Olho para o meu relógio ele marca cinco horas da tarde. “O tempo passou rápido “ penso enquanto vou andando para a casa. Passo eu em um parquinho e vejo algumas crianças brincando com os seus pais.
Crianças, elas são tão inocentes. Vivem em um mundo de pura fantasia. Queria voltar a ser criança. Sem problemas, responsabilidades e sem o peso na consciência.
Chego em casa, chamo os meus pais, mas eles não estão em casa. Eles devem ainda estar no trabalho. Geralmente, eles chegam apenas as oita da noite. Nem sei o por quê de e eu ter chamado por eles.
Subo as escadas e vou para o meu quarto. Vou direto para a minha cama e deito nela. Fico lá, deitado na minha cama me fingindo de morto. Acredite em mim, eu quero estar.
Me levanto da cama para tirar a roupa da escola. Assim que eu ia tirar a roupa eu vejo que a minha janela está aberta. Vou ir até lá fechar. Quando chego na janela eu vejo o Matheus.
Eu e ele somos vizinhos e a Janela do quarto dele fica de frente a minha. Matheus é um garoto legal. Ele tem autismo, mas isso não me incomoda. Conheço várias pessoas que se incomoda com a presença dele, não vejo o porquê disso.
— Oi, Matheus. Tudo bem com você? — pergunto para ele com um sorriso no rosto.
— O-oi, Lucas. — ele me responde envergonhado. Ele é uma pessoa legal. Estudamos juntos na mesma escola, aliás. — Estou... bem sim, o-obrigado.
— Não tem de quê. Até. — me despeço dele e decidi trocar de roupa no banheiro. Depois de trocar de roupa eu volto a deitar na cama.
Fico olhando por longos minutos o meu ventilador de teto. Ele gira e gira. Como cavalos em um carrossel. “ E se eu pegasse uma corda e me enforcasse?” penso enquanto olho para o ventilador.
Me levanto da cama e vou até o meu guarda roupa. Pego uma corda já com o nó feito que eu tinha deixado lá. Fico segurando a corda. “Eu só quero que isso pare” penso enquanto olho para a corda. Os meus olhos começaram a marejar.
Eu fecho o meu guarda roupa e começo a olhar o meu reflexo no espelho. Fico olhando para o lixo que eu sou. Eu já superei tantas coisas. Eu não aguento mais passar para um novo aprendizado.
“Eu já passei por tantas merda. Venci tantos problemas. Eu sou forte. Sei que sou forte. Não deixarei mais os problemas me abalarem. Eu vou viver. Vou encontrar alguém legal e vou amar ele ou ela. Eu vou ser feliz.” penso enquanto eu estufo o meu peito com ar.
Devo aproveitar esses segundos de auto confiança e largar a corda. Quando estou prestes a guarda eu escuto a campainha. Largo a corda na minha cama e vou atender. Assim que eu abro a porta eu vejo o Jhonny me olhando com o seu sorriso meigo de sempre.
— Oi? — falo sorrindo para ele.
— Oi, Lucas. Eu soube que você ficou mal e eu vim aqui te ver. Não estou incomodando, estou? — ele me perguntou. Percebi a mágoa em sua voz.
— Não, não está. Vem, entra, fica a vontade. — falo abrindo mais a porta e dando passagem para ele. Ele entra e em seguida fecho a porta. Nós vamos até a minha sala e sentamos no sofá. Um silêncio um tanto constrangedor fica entre nós. Até que ele o quebra.
— Dominique me contou o que aconteceu. Eu e ele estamos bastante preocupados.
— Ah, sim. Sobre aquilo… Eu vou ficar bem. — falei todo sem graça e tentando disfarçar a minha vergonha. — E aquilo já passou.
— Até a sua vontade de estar morto? — ele me perguntou com a sobrancelhas arqueadas. Percebi um leve interesse na parte dele nessa parte. Acho que ele se preocupa comigo e não me quer ver morto. Jhonny é uma boa pessoa, eu gosto dele.
— Ah. Então, eu não tenho nada a dizer sobre isso, me desculpe.
— Sem problemas, Lucas. — Senti um leve incômodo quando ele pronunciou o meu nome. Não sei explicar ao certo o por quê disso.
— Então, está ficando meio tarde e eu…
— Já entendi. Os seus pais estão chegando. Então, tenho que ser rápido. — falou Jhonny me interrompendo. Eu não entendo o que ele quis dizer com aquilo.
— Ser rápido com o quê? — assim que eu pergunto ele começa a rir. Eu fico bastante incomodado com a risada dele, beirando ao medo.
— Já ouviu a expressão “ O lobo vestido de ovelha “ ? — ele me pergunta enquanto se levantava do sofá.
— Quem nunca ouviu essa expressão?
— Pôs bem. A caçada começou e meio que você é o primeiro. — eu fico parado olhando para ele sem entender nada. Ele percebe a confusão que estava a minha mente e volta a rir. — Você sempre foi tão lerdo, Lucas. Sempre confiando nas pessoas erradas. Esse é o seu maior erro. O erro que o levará para o túmulo. — ele falou olhando para a minha cara, enquanto mantinha um sorriso no rosto. Nessa hora vários flashbacks vem na minha cabeça.
“ Eu já ouvi isso antes. Não, não pode ser” penso enquanto olho para o Jhonny. Não ele não é o Jhonny. Não pode ser o Jhonny.
— Você…. Você.. — tento falar algo, mas o meu corpo está totalmente paralisado.
— Eu mesmo. — falou Jhonny enquanto os seus olhos ficavam totalmente negros. Ele é o novo receptáculo de Andras.
Eu me levanto do sofá e saio correndo em direção a porta, mas uma força me joga em direção a parede. Bato o meu rosto com tudo lá. Minha cara e o meu corpo doem. Sinto novamente a força me levar para perto dele. Ele me segura pela gola da minha blusa.
— Vamos para o seu quarto? — ele me pergunta com um tom malicioso e me arrasta para o meu quarto. Ele sobe as escadas sem largar a minha blusa. Eu tento lutar, mas uma força me segura e eu não consigo me mexer. Chegando em meu quarto ele me larga no chão. Ele começa a olhar em volta, como se tivesse procurando algo para me matar. Até que o seu olhar para na minha cama e eu só consigo pensar o quanto eu estava ferrado. Ele sorri antes de falar. — parece que se eu não chegasse você ia partir desse mundo sozinho. Não se preocupe, eu irei te ajudar.
— Não, espera. Eu não quero morrer.
— Ué, mas você não falou ao Dominique que queria estar morto? Não precisa agradecer agora. Me agradeça no inferno. — ele vai até a corda e a pega. Vejo ele subindo em cima da minha cama e amarrando a corda no ventilador de teto.
Um milhão de pensamentos ecoam na minha cabeça. “Vou morrer logo agora? Quando eu decidi lutar pela a minha vida. Será que tudo o que eu fiz foi em vão?” penso enquanto estou paralisado sem poder me mexer, olhando para o Jhonny. Bom, ele não é o Jhonny. Andras usa a pureza dele como um disfarce, um perfeito disfarce.
Sinto ele me pegar no colo.
— Últimas palavras, Lucas?
— Você caíra, Andras. Não hoje, mas você irá cair.
— Que pena que você não viverá para ver isso. — após ele dizer isso ele me solta, mas eu não caio no chão. Eu fico levitando no ar. Sinto o meu corpo subir em direção a corda. Ele coloca a corda no meu pescoço. E eu sinto a força que me fazia levitar sair e eu ir em direção ao chão, mas a corda estava presa no meu pescoço.
Eu estava sendo enforcado pela corda que eu pensara em usar tantas vezes. Conforme eu mais me debatia, mais a corda me enforcava. Sentia todo o ar saindo dos meus pulmões. Eu me debatia com todas as minhas forças. Tentava gritar, mas a voz não queria sair.
Sentia o meu rosto esquentar e uma pressão se instalava por tal lugar. Olhei para Andras e ele ria para mim com um sorriso sádico, enquanto os seus olhos estavam totalmente negros. Os meus olhos foram se fechando aos poucos. O rosto dele foi a última coisa que eu vi, até os meus olhos se fecharem de vez e a vida sair do meu corpo…..
Narração Lucas Off
Jhonny observou o corpo imóvel de Lucas por alguns minutos. Ele mantinha um sorriso sádico no rosto. Após cansar de olhar para o corpo imóvel de Lucas e sai da casa e vai em direção a sua, como se nada tivesse acontecido.
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N/a: Voltei, galera. Vejo vocês em breve ❤
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