06. ELA É UMA AMEAÇA
──── ELA É UMA
AMEAÇA... ────
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O TEMPO CONSEGUE SER O maior inimigo que te persegue em vida. Sarah sabia disso devido a alguns momentos embaçados e nebulosos de seu passado. Coisas que ela raramente confiava a alguém. O tempo podia passar rápido demais, devagar demais, confuso demais, injusto demais. As sensações que ele despertava eram ainda piores. Raiva, ansiedade, tristeza, rancor, impaciência, e outros que naquele momento, ela não gostaria de citar.
Naquela instância de tempo onde ela se encontrava, o tempo não poderia estar passando mais devagar.
─ Certo, o que você exatamente quer saber sobre mim? Porque isso não acaba e eu estou começando a pensar que é um castigo. ─ Ela cruza os braços, olhando para Stephen.
─ Precisamos entender a vastidão dos seus poderes, Keeper. ─ Ele responde simplesmente, olhando-a nos olhos.
Ela desvia o olhar sem qualquer ânimo e encara a rua onde estão.
A dimensão espelhada.
Por termos de segurança, era o único modo de analisar as habilidades de Sarah sem prejudicar a realidade em sua volta. Para começar, eles haviam verificado a capacidade dela de invocar elementos. De acordo com palavras que a mulher não procurou compreender, ela tinha, em resumo, a capacidade de criar instrumentos inanimados a partir da própria visualização de um objeto. O que permitiu a dedução de que ela não roubava acidentalmente as coisas de algum lugar sem ter ciência disso.
Enquanto a loira não pareceu dar ouvidos para essa constatação, o mago parecia um tanto decepcionado com isso. Talvez ele tivesse perdido a oportunidade de apontar o dedo pra ela e acusar a mulher de mais alguma coisa.
Convivendo juntos por pouco mais de uma semana, e interagindo apenas quando muito necessário, Sarah deduziu que eles realmente se odiavam, apesar de os motivos não estarem explícitos para a Keeper. Ela o detestava pelo queixo erguido e arrogância característica, mas ele a odiava sem qualquer motivo. Não era como se ela quisesse mudar aquela situação, mas uma parte de si procurava muito descobrir os motivos para Stephen revirar os olhos sempre que a via, como se estivesse sendo obrigado a bancar o babá místico.
Talvez poderia ser até mesmo por isso, mas ela não tinha culpa se ele e Wong optaram por passar por cima do governo americano.
─ Desde quando usufrui da sua magia? ─ O mago dá um passo à frente, a capa vermelha protegendo seu corpo.
─ Desde sempre? ─ Ela responde, questionando-se no processo. ─ Desde os sete anos, eu acho.
─ Que tipo de feitiços fazia?
─ Na época, coisas básicas, como teletransporte. Ah! Eu também fazia um feitiço para me aquecer.
─ Por que faria um feitiço para se aquecer?
Sarah fechou a cara. Provavelmente, Stephen notou, mas não redirecionou a pergunta. Ela respirou fundo.
─ Próxima pergunta.
─ Isso não é uma negociação.
─ Respondo qualquer outra coisa que me perguntar, mas isso não.
─ Por que não? ─ Ele ergue uma única sobrancelha.
─ Porque eu não quero. Próxima pergunta.
Ele revirou os olhos. Aquilo não era nenhuma novidade para ela.
Pelo menos sabia que ele passaria para a próxima pergunta sem persistir no assunto. Stephen nunca procurou ter paciência com ela.
─ Quem lhe ensinou a usar a sua magia?
─ Magnus Hellson. ─ Ela responde rapidamente. E não consegue evitar que um sorriso pequeno apareça em seu rosto. ─ Talvez ele apareça algum dia. E não goste de saber o que estão fazendo com isso.
Stephen ignorou tudo o que falou depois do nome. Parecia distraído e intrigado com a citação.
─ O mago nórdico? Ele é apenas uma lenda.
─ Thor também é. E Loki. Na teoria, não deveriam passar de histórias religiosas dos antigos Vikings. Mas eles existem, e você já viu os dois, certo?
─ Você já?
Ela balançou a cabeça, positivamente.
─ Se já leu sobre Loki e Magnus, então sabe que eles já foram próximos.
─ Você nem deveria estar viva nessa época. Por que eu deveria confiar em você?
─ O que eu tenho a perder, Strange? Por que eu deveria mentir sobre a minha família?
─ Família? ─ O homem pareceu debochado, e quando sorriu, Sarah se sentiu ofendida.
─ O Thor me acompanhou crescer. Na época era um idiota arrogante, mas eu ter acesso à magia fez com que ele tivesse algum respeito por mim.
─ Uma criança de sete anos merece respeito?
─ Me diga você. Essa é a sua idade, certo? Ou pelo menos, a idade mental.
─ Isso deveria ser um insulto, Keeper? ─ Ele tenta sorrir, mas estava com o rosto sério antes, como se estivesse mordendo a língua.
Sarah deu o seu melhor sorriso ao perceber que havia irritado o mago.
─ De todo modo ─ Ela deu de ombros, passando a andar e observar a realidade distorcida em fragmentos. A aparência da dimensão espelhada era linda, com tudo soando como espelhos, muito límpido e confuso de aceitar, mas ainda assim, fácil de se encantar. Ela achava que mais ninguém havia percebido isso além dela. ─ Eu andei com alguns nórdicos conforme crescia. Magnus não podia permanecer na Terra, e não queria me deixar totalmente sozinha também.
─ Então você é filha dele? Segundo a descrição, suas habilidades não poderiam ter sido herdadas. Não existiu ninguém da sua espécie em Asgard.
─ Verdade. Sou adotada. ─ Ela diz sem qualquer dor na voz.
Ao contrário do que muitos pensam quando ela explica seu parentesco com Magnus, a adoção não era algo triste. Uma parte sua queria saber sobre os pais biológicos, mas Magnus era seu destino. Um mago descobre uma criança mística. Era um conto, uma história, uma profecia. Nada poderia confortar mais a mulher do que saber que sempre teve o apoio e o incentivo da pessoa certa.
Quando ela olhou para Stephen, ele não parecia desconfortável, buscando por palavras de conforto ou expressões que disfarçassem sua surpresa. Ela quase o respeitou por isso.
─ E Magnus, o feiticeiro asgardiano, te contou como te encontrou?
─ Algo sobre rastro de magia.
─ Como no roubo ao banco.
─ Furto! ─ Ela se exalta. ─ Você foi neurocirurgião e não sabe algo tão simples?
─ Pesquisou sobre mim? ─ Dessa vez, ele parecia desarmado. Não de uma forma fragilizada, e ela deduziu que ele jamais seria capaz disso, mas conseguia enxergar uma mínima curvatura no canto dos lábios finos do mais velho.
Ela o fez sorrir?
─ É o que faço quando obtenho novos inimigos, Stephen.
─ Sou seu inimigo?
─ Amigo que não é.
E então surgiu um silêncio por parte de ambos. Nada incomum quando se tratava dos dois, mas ainda assim, um pouco incômodo. Nem os carros poderiam ser ouvidos de onde eles estavam, e ela virou o rosto.
─ Mais alguma pergunta?
Ele ficou quieto por um tempo. Depois, balançou a cabeça.
─ Me ataque.
─ Como?
─ Precisamos entender como as coisas funcionam, como você funciona. Não vou te machucar, então não precisa hesit...
Stephen sente o peito formigar antes de terminar a frase. Ele demorou um pouco para entender que havia sido atacado. A sua frente, Sarah o encarava com um sorriso no rosto e os olhos amarelos. Suas mãos emanavam um brilho da mesma cor e ela parecia determinada em uma pose típica de ataque.
─ Não sabe o quanto eu esperei por isso.
Ele se recompôs, imaginando que se revisasse os olhos, podia acabar tendo um problema no crânio. Do jeito que Sarah era irritante, ele não duvidaria se acabasse tendo um ataque cardíaco naquele exato momento.
─ Não usou nenhuma palavra.
─ Não é uma lei, Strange. Eu opto por usar a fala na hora de invocar magia, mas não preciso dela para acessar os meus poderes.
─ Por que o faz, então? ─ Ele pede com um gesto para que ela repita o golpe. Quando o faz, o homem consegue abrir um escudo que o impede de voar para longe. Sarah definitivamente era forte, apesar de não parecer convicta disso.
─ É desafiador. E é divertido. Gosto de expandir as coisas.
─ Não é possível que seja tão triste a ponto de dificultar sua prática mística com isso.
─ Confunde as pessoas. ─ Ela assume, jogando uma esfera cintilante em sua direção. O que parecia uma pequena bola amarela logo se assemelhou à uma réplica de um meteoro. Era ardente e brilhante demais, mesmo que pequena. Stephen desviou dela. ─ Quando tentam processar o que falei, acabam se desprotegendo. A ignorância alheia é uma benção para mim.
─ Então é uma questão de estratégia... ─ Ele sussurra para si mesmo, e Sarah não parece se importar em ouvir o que havia dito. Ela lança outra esfera, e outra, e outra, sem parecer se cansar.
Ela não precisava recarregar, ele pensou, ficando ligeiramente curioso.
Em um momento de devaneio, ele se lembrou de uma conversa com Wong.
Eles estavam no Sanctum, identificando a anomalia que havia atingido alguns pontos místicos ao redor do mundo. Wong se virou para ele com aqueles olhos silenciosos e disse que eles poderiam estar descobrindo uma raridade. Que aquilo poderia auxiliar na proteção das barreiras místicas e assim, evitar catástrofes multiversais.
Stephen se precipitou em desafiar Sarah Keeper, a mimada que obtinha aquelas habilidades. Ela parecia fraca e Wong parecia fascinado com algo que não existia.
Agora que via Sarah, com as íris magicamente amareladas, com as palmas das mãos brilhando em dourado e a todo vapor, ele percebeu que estava errado. Ela não parecia nem cansada. E estava fazendo aquilo apenas para se divertir.
Não, roubar os bancos era divertido. Aquilo deveria envolver algo a mais. Talvez alguma emoção.
Ele levantou a mão, como se pedisse para ela parar. Infelizmente, ela já havia lançado outra esfera em sua direção, a bola dourada certeira em seu rosto.
Ele levantou as mãos e conjurou sua magia. Podia sentir ela sendo invocada, entrando em seu corpo como um empurrão de uma ventania. Fixou os pés no chão e mirou os símbolos alaranjados na esfera.
No segundo seguinte, eram borboletas azuis.
Os olhos de Sarah se acalmaram. Tornaram-se azuis novamente enquanto encarava cada inseto que voava próximo dela. Parecia fascinada. Distraída, ele pensou, mas não vulnerável. Podia perceber isso na postura dela. Ela parecia o tipo de pessoa que sempre aguardava pelo pior.
─ Você me odeia? ─ Ele perguntou, e ela deixou que uma borboleta pousasse em seu dedo antes de encarar ele. Depois, ela evaporou, mas a mulher não deu qualquer importância para isso.
─ Como?
─ O modo como estava agindo, como usava sua magia. Tinha algo regendo sua mente?
Ela parou para pensar.
─ É uma pegadinha? Tem alguma resposta correta?
─ Apenas a verdadeira, Keeper.
─ Eu não gosto de você. ─ Ela disse com franqueza, e aquilo não o incomodou. ─ Mas faço isso porque você não gosta de mim. Estou apenas dançando conforme a dança.
─ Eu não tenho qualquer sentimento negativo por você, Sarah. ─ Ele disse, erguendo uma sobrancelha.
Ela pareceu surpresa, levando as mãos até atrás das costas e ajeitando a postura.
─ Não tenho qualquer sentimento por você. Positivos ou negativos. Você é nossa detenta, e nada mais.
Stephen poderia estar sendo cruel, mas uma parte sua não se arrependia disso. Ele tinha suas próprias pendências, e não podia desperdiçar tempo em um jogo de ego com alguém como Sarah. Ele sabia que ela conseguia ser manipuladora, se necessário, e não iria cair naquilo.
Podia ser tão forte e resistente quanto Wong, e ele sabia que era. Precisava ser. Pois ele nunca poderia esquecer o que seu colega e amigo revelou no dia em que captaram a essência de Sarah, pouco antes de irem buscar por ela.
"A magia de um Homo magi é hereditária e, a cada geração que se passa, ainda mais perigosa. Sarah pode salvar o nosso mundo ou destruir ele. Então precisamos controlá-la, Stephen. Ela é uma ameaça."
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