Luto II
Cheryl B. Topaz – Point Of View
Como previsto, assim que retornamos para Seattle, minha esposa entrou em sua bolha onde não parecia haver espaço para mim. Nós dormimos juntas, comemos juntas, mas tudo que conversamos são assuntos cotidianos e curtos.
Toni virou uma pedra de gelo após sair de Los Angeles sem muito contato com sua mãe e irmã, ela estava brava por nenhuma das duas aceitar vir morar conosco. Por vezes, me via tentando compreender o que passava na cabeça da minha mulher, mas claramente não é nada que cogitei porque tudo que penso não chega a uma conclusão que a faça estar sendo tão irredutível.
Os dias foram passando, não queria lhe pressionar para fazê-la desabafar, eu sei o quanto seria ruim para nossa relação se não acabasse bem. No segundo dia após nossa volta, Toni já estava novamente frequentando a academia como se nada tivesse acontecido, focando toda sua dor e tristeza nos treinos.
Me via completamente sem saída, desejando retornar ao trabalho para ocupar minha mente e não pensar em como tudo está tomando um caminho ruim, a maneira que sinto falta da minha esposa e no quanto parece ter esquecido do nosso maior passo até hoje.
A fertilização.
Literalmente penso em nosso futuro bebê vinte e quatro horas, o dia para fazermos o teste estava cada vez mais perto e me senti com medo de tocar no assunto com Toni. E se ela não quisesse saber? Ou me achasse uma idiota porque não estou respeitando seu luto? Claramente iria surtar.
Então o dia em que fez três semanas que implantaram os óvulos fecundados em meu útero chegou. Quando acordei naquela manhã a Toni já não estava mais na cama e eu entendia. Hoje também faz uma semana que seu pai faleceu. O destino é realmente muito cruel com nós, não sabia que maneira chegar até ela pra dizer que é o dia de fazermos o teste, aquele que sempre estive tão ansiosa.
— Bom dia, Debora.
Desejei a mais velha, enlaçando o robe em meu corpo antes de sentar na mesma cadeira de sempre. Encarei a mesa repleta de variedades, mas focando na ausência da minha esposa.
— Bom dia, querida. – sorriu, sentando a minha frente. — Não vai para a escola hoje?
— Não.
Pressionei os lábios, servindo meu café.
— Toni foi para a academia?
— Quando cheguei já havia saído.
Deu de ombros.
— Imaginei.
Balancei minha cabeça em negação, tomando um gole do líquido quente e sentindo minha mente começar a trabalhar para insinuar que Toni não estava mais tão animada com a gravidez.
— Aconteceu alguma coisa?
Debora franziu a testa.
— É só que... – mordi o lábio. — Hoje fazem três semanas da fertilização.
— Oh, dia de fazer o teste?
A mais velha sorriu em animação.
— Sim, mas a Toni nem se lembra. – coloquei a xícara acima da mesa, o meu indicador tocava na alça da mesma. — E hoje faz uma semana que o meu sogro morreu.
— O teste com certeza dará positivo, será uma boa notícia para ela.
— E se não for?
Encarei Debora, a insegurança tomando conta.
— Não sinto nenhuma diferença, se não estiver grávida pode ser somente para Toni afastar-se ainda mais de mim... – não consegui conter as lágrimas que aparecem. — Queria que ela conversasse comigo, se pelo menos me dissesse o que está sentindo...
— Cheryl, não fique assim.
Sua mão tocou a minha em conforto.
— Faz parte do luto, Toni deve estar querendo um pouco de espaço. – aconselhou-me. — Quanto ao teste, não tenho dúvidas que dará positivo e são só três semanas, você realmente não sente nenhuma diferença.
— Acha que chamo ela para fazermos?
Enxuguei as lágrimas que insistiam em cair.
— Claro. – firmou o toque em minha mão. — Seja positiva, vai dar tudo certo.
Assenti, confiando nas palavras da mais velha e no sorriso encorajador que me lançou. Ela tem razão, assim como não tenho certeza que deu certo também não há nenhum sinal que deu errado. Só preciso confiar em mim mesma, na Toni e na Dr. Montgomery. Em todos que disseram que a chance de dar errado é mínima. Mee cuidei, tomei todas as precauções possíveis e não tem porque não estar grávida.
Confiança.
O nosso bebê está vindo.
×××
Esperei a Toni voltar para casa, ela demorou, mais do que pensei. Já estava anoitecendo quando ouvi seu barulho vindo da porta da garagem, na companhia do Lion fiquei sentada na sala a aguardando. Um filme qualquer passava na televisão, nem havia prestado atenção já que minha mente parecia focada no resultado do teste que ainda nem fiz.
— Oi, amor.
Levantei para encontra-la no caminho.
Os castanhos cansados e sem o brilho que tanto amo ver, me encararam. Toni estava suada, roupas ainda de treino e podia sentir sua exaustão.
— Oi. – tentou abrir um sorriso, mas não funcionou. — Preciso de um banho.
Suspirou, fugindo de mim como sempre.
— Não, espera.
Toquei em sua mão a segurando.
— Toni, você quer conversar? – insisti, ela desviou nossos olhares. — Amor, por favor.
— Cheryl, só quero descansar, pode ser?
E lá estava suas grosserias novamente.
Respirei fundo.
— Hoje faz três semanas da fertilização.
Soltei de uma vez só, observando sua reação.
A lutadora me encarou, abrindo a boca por alguns segundos e a fechando novamente. Seu olhar focou em qualquer coisa que não fosse eu, massageando as têmporas enquanto negava com a cabeça.
— TeeTee...
— Não posso fazer isso hoje, Cheryl. – voltou a me olhar. — Você espera alguns dias?
— Amor, pode ser uma notícia boa e...
Tentei anima-la como Debora fez comigo.
— E se não for? – interrompeu, me pegando de surpresa. — Não consigo lidar com mais uma perda agora, me dê mais uns dias, por favor.
— Tudo bem.
Sussurrei, sem forças ou argumentos para faze-la mudar de ideia.
— Vou subir, estou muito cansada.
Tudo que recebi foi um beijo na bochecha antes que caminhasse em direção as escadas e fosse rumo ao quarto. Pressionei os lábios, tentando segurar o choro que se acumulava em minha garganta, negando com a cabeça ao perceber que Toni tem quase certeza que não estou grávida.
A mulher mais confiante que conheço, a minha âncora e o meu lado otimista, estava completamente arruinado. Toni parecia descreditada de que a fertilização tenha dado certo e agora, também só conseguia pensar nisso.
“Já sabem se vou ser vovó?”
Quando li a mensagem de Katy em meu celular, não consegui conter as lágrimas, levando a mão a boca para segurar o soluço que queria escapar.
Cai sentada no sofá, chorando como uma criança, sentindo falta dos braços de Toni para me acolherem e das suas palavras que acalmavam meu coração. Não havia nada disso no momento, pelo contrário, a lutadora conseguiu me fazer começar a pensar no pior.
“Nós decidimos esperar mais um pouco para fazer o teste.”
Respondi a minha sogra, inventando uma desculpa e deixando o celular de lado enquanto juntava os joelhos contra o peito, afundando meu rosto por entre eles ao liberar todo meu choro.
Só desejava que uma vez na vida as coisas dessem certo para nós, sem empecilhos ou complicações no meio do caminho. Por que não conseguimos ser totalmente felizes? Sempre, sempre há algo para nos tirar do foco, atrasar nossa alegria.
Um toque ao meu lado fez com que levantasse a cabeça, era Lion com o maior olhar de pidão do mundo, esforçando-se para se enfiar no menor espaço que havia entre meu peito e joelhos. Um sorriso triste se apossou de meus lábios enquanto lhe envolvia em meus braços, apoiei minha cabeça na sua agradecendo mentalmente por Toni ter adotado o labrador.
Toni Topaz – Point Of View
Acordar, levantar, ir para academia treinar e matar tempo lá.
Essa é minha rotina desde que voltei de Seattle, minha maneira de não ficar pensando somente na morte de meu pai e na parcela de culpa que tenho em seu falecimento, infelizmente ainda mantinha essa ideia que me torturava na cabeça.
Após a conversa com Cheryl sobre adiarmos fazer o teste para saber se está grávida ou não dias atrás, reparei em sua mudança. A ruiva que antes tentava aproximações, iniciar diálogos e se esforçava para ficar sempre por perto agora se mantinha afastada. E além de péssima filha, sou uma péssima esposa, percebendo aos poucos o quanto a morte do meu pai tem me prejudicado.
Mais um dia e minha rotina era a mesma, mas diferente das outras vezes que chegava na academia, Mackenzie não estava pronta para começarmos o treino. Pelo contrário, suas roupas não eram flexíveis para nossos movimentos, o jeans apertado em suas pernas e o tênis nenhum pouco esportivo, me fizeram franzir a testa.
— Bom dia?
Falei, chegando até o banco mais próximo e deixando minha mochila sobre o mesmo. Nós sempre temos um treino no início da manhã e outro no final da tarde, mas desconfiava de que não teríamos nenhum hoje.
— Bom dia, Topaz.
Mãos enfiadas nos bolsos de trás da sua jeans, pressionando os lábios.
— Quero conversar com você.
— Conversar? Sobre o que?
Fiquei a sua frente.
— Arrumei uma luta treino e fora do UFC, para que possa testar a si mesma antes de voltar definitivamente pro evento.
— Isso é ótimo! – comemorei. — Quando?
— Na verdade, eu cancelei.
Forçou um sorriso.
— O que? Mackenzie, nós estamos bem e...
— Não, Toni. Você não está nada bem.
Revirei os olhos, cruzando os braços.
— Qual o problema?
— O problema é que sua cabeça está fodida, consigo ver isso de longe, nos seus movimentos e nas suas ações. – bufei negando. — É sério, se nós participássemos dessa luta seria pra perder feio.
— Não pode ter certeza disso até porque...
— Acredite... – interrompeu-me, fixando o olhar no meu. — Eu tenho.
Soltei o ar com força, sentando no banco enquanto minha cabeça balançava em negação ao perceber que até mesmo na minha profissão estou sendo inútil. Um silêncio tomou conta do local, Mackenzie sentou ao meu lado, sentia sua presença e a respiração calma muito diferente da minha já que estava quase surtando.
— Precisa superar... A perda.
Sua fala me fez encara-la.
— Tem que aceitar que seu pai morreu, Toni.
— E que porra sabe sobre isso? Você nem ao menos me conhece.
— Não te conheço? Nós estamos treinando a meses, além de uma relação profissional também somos amigas e sei que tem algo errado, desde que voltou não é mais a mesma.
Usou de seu tom firme contra mim.
— Você estava tão animada para ser mãe, chegava aqui sorridente e tão falante de maneira que jamais vi, e agora... – Mackenzie suspirou. — Quando chega aqui sinto toda sua tensão, é como uma nuvem escura.
— Ótimo, sou a ruína da nossa equipe.
Abri um sorriso irônico.
— Não, é a peça mais importante e por isso preciso que volte, Toni. – tocou em meu ombro. — Perdas acontecem, toda hora, só precisa aceitar.
Mordi o lábio, focando o olhar no tatame a minha frente e suspirando. Ninguém realmente entendia minha dor, o meu pai morreu e não estive lá pra ele, pra ajuda-lo ou ao menos tentar. Morando em Seattle não pude acompanha-lo e dar suporte. Agora, minha mãe e irmã simplesmente não aceitam minha ajuda, não querem me ter por perto. Quem sabe até elas me culpam por nossa perda.
— Olha, estou falando como sua amiga e não como treinadora. – Mackenzie voltou a quebrar nosso silêncio. — Já conversou com alguém?
— Não é como se precisasse.
Dei de ombros.
— Claro que precisa, não iremos voltar a treinar até desabafar.
Cruzei meus braços, Mackenzie estava da mesma maneira me encarando como se esperasse por algo. Desviei nossos olhares, ficamos alguns minutos em silêncio até a treinadora forçar a garganta.
— O que foi?
— Sei lá, se quiser dizer alguma coisa estou aqui...
— Está parecendo a Cheryl me pressionando.
Resmunguei.
— Sabia que tinha algo errado com a primeira dama, nunca mais veio aqui. – tocou no queixo fingindo pensar. — Deve estar sendo difícil para ela, as pessoas que estão por perto sofrem junto.
— É, a Cheryl... – falei seu nome recordando a expressão que fez quando pedi para adiar o teste. — Está arrasada, consegui machucar até mesmo ela.
— Quer me contar?
Encarei os azuis de Mackenzie, a mesma erguia as sobrancelhas.
— Chegou o dia de fazermos o teste pra saber se está grávida e pedi mais alguns dias porque não estava preparada. – neguei. — Só não conseguiria suportar mais uma perda e pensando agora... – juntei as sobrancelhas. — Tenho sido uma péssima esposa, talvez também seja culpa minha se não tiver dado certo.
— Também? Do que mais sente culpa?
— O meu pai... – suspirei, confessando. — Não estive lá pra ele, poderia ter evitado de...
— Toni, claro que não. – Mackenzie interrompeu-me. — Caralho, seu pai teve um ataque cardíaco, o que acha que poderia fazer?
— Ter obrigado a ir ao médico.
Respondi como se fosse óbvio.
— Estar por perto, antes de me casar morava em Los Angeles e poderia...
— Poderia o que? Abrir mão da Cheryl, amor da sua vida e no final, seu pai provavelmente morreria sabendo que foi infeliz. – abri a boca surpresa com suas palavras. — Qual é, Topaz? Você não é mais criança e sabe que nada disso é culpa sua, de ninguém, fatalidades acontecem e sou aquele tipo de pessoa que acredita que quando a hora chega não há como evitar.
— Mas é que...
— É que pelo visto você está sendo uma idiota, a sua mulher pode estar grávida, já imaginou? Como acha que Cheryl está se sentindo ao ouvir que pode ser a culpada de ter outra perda nesse momento? Aquela ruiva deve estar surtando.
— Acha que não estou?
— Claro que sim, mas Toni presta atenção... – tocou em meu ombro novamente, firmando o toque e aproximando o rosto do meu. — O seu pai morreu, mas não é o fim do mundo, a culpa não é sua e muito menos da sua mãe, sua irmã... Todos estão sofrendo, porém devem estar seguindo em frente ao contrário de você.
Desferiu as palavras sem rodeios ou sensibilidades, uma lufada de ar saiu por entre meus lábios. Me peguei pensando como está a cabeça da Cheryl, da minha mãe, da Samantha... E se eu só piorei a situação pra elas? Não queria isso, quero voltar a ser a segurança e proteção das três.
— Talvez esse seja o momento que você corre pra casa e pede desculpas pra todo mundo.
A voz de Mackenzie me tirou dos devaneios.
Encarei seus olhos azuis.
— É, isso.
Concordei, ainda atordoada.
×××
Os conselhos de Mackenzie me abriram os olhos, precisava me desculpar não somente com Cheryl, mas com minha mãe e Samantha, claramente fui uma babaca como a mais nova me intitulou. Todas nós estamos passando por um momento difícil e aparentemente só compliquei isso para as três.
Estacionei minha moto na garagem, retirei o capacete e com uma sacola de farmácia em mãos, adentrei a casa. Caminhei para a cozinha, a procura de Cheryl que poderia estar se alimentando, mas apenas encontrei a Debora.
— Bom dia.
Desejei chamando a atenção da mais velha.
— Olha só quem apareceu. – franziu a testa surpresa com minha presença. — Aconteceu alguma coisa?
O seu olhar caiu para a pequena sacola.
— Dia de saber se vamos ser mamães. – ergui a mesma em seu campo de visão. — Viu a Cheryl?
— Lá em cima. – indicou com a cabeça. — Aliás...
Segurou-me antes que fizesse o caminho.
— Sua esposa anda chateada, deveria dar um pouquinho mais de atenção a ela, sei que sua perda é difícil, mas...
— Eu sei, Debora, não se preocupe.
Pressionei os lábios em um sorriso.
— Então vai lá, ela nem desceu para tomar café ainda.
— Ok, mas primeiro preciso... – caminhei pela cozinha a procura de nossas águas mineiras. — Disso.
Peguei uma das garrafas de um litro, acho que seria o suficiente para Cheeyl beber e conseguir fazer xixi nos testes. Debora incentivou-me com um sorriso e polegares para cima, caminhei em direção as escadas mentalizando todas palavras positivas para minha esposa estar grávida.
Assim que adentrei o quarto ouvi o barulho do chuveiro em nosso banheiro, encostei a porta com cuidado enquanto percebia Lion deitado na cama. Abri um sorriso para o labrador, largando a sacola e água na cama enquanto lhe acariciava o pelo.
— Você tem cuidado dela, não é? – conversei com ele que tinha as orelhas apontas prestando atenção. — É um ótimo garoto, Lion.
Sorri, acariciando o topo de sua cabeça.
Nós ficamos alguns minutos juntos, lhe dava carinho enquanto o labrador parecia amar ter minha atenção novamente. O barulho da porta destrancando me fez ficar ereta, encarando de frente a ruiva que saía enrolada em um roupão.
— Deus!
Cheryl levou a mão ao peito, assustada com minha presença.
— Oi, Cherry. – levantei para ir até ela. — Desculpa, não queria te assustar.
— Tudo bem. – suspirou, desviando de meu corpo para ir até a cama. — Achei que estaria na academia.
— É, resolvi... – cocei a nuca, percebendo sua relutância comigo. — Resolvi que hoje é o dia.
Me aproximei, a ruiva estava tão concentrada em passar creme sem suas pernas que não reparou no que havia em cima do colchão. Vi que as sobrancelhas dela se unirem em confusão.
— Dia do que?
— Fazer o teste, Cheryl.
O frasco de creme caiu da sua mão.
Os castanhos vieram até os meus.
— Hoje? – abaixou-se para pegar novamente seu hidratante. — Tem certeza?
— Claro que sim. – tentei lhe passar confiança. — Já vai fazer quase um mês, sei que demorei e tenho sido uma idiota, mas... A notícia será boa.
— Não parecia ter certeza disso a uma semana.
Havia mágoa e rispidez em sua voz.
— Cherry. – toquei em sua mão assim que ficou de frente para mim, terminada sua hidratação. — Me desculpa, de verdade.
— E se der negativo?
— Não vai dar, amor.
Pronunciei as palavras com firmeza, animando não só a ela como a mim mesma. No fundo não havia certeza de nada, mas não acredito que a vida seria tão cruel a ponto de algo tão certo dar errado.
— É melhor saber logo, seja bom ou ruim.
Cheryl balançou os ombros.
Ela não estava confiante.
— Vem cá.
A puxei para sentarmos lado a lado na cama.
Peguei a garrafa com água e lhe alcancei.
— Não vou tomar no bico.
Resmungou.
— Vou pegar um...
— Não, esquece. – parou-me. — Não quero que saía daqui.
O tom da minha esposa era melancólico, seus castanhos estavam cheios de insegurança e suspirei ao perceber o quanto machuquei a ruiva nesses dias, ela não merecia, não na parte mais importante de nossa vida.
— Cherry, eu sinto muito...
Murmurei arrependida por todas minhas grosseiras.
— Está tudo bem.
Tranquilizou-me, levando o bico da garrafa até os lábios e bebendo um grande gole. Com a maior relutância e delicadeza do mundo, parecendo uma criança medrosa, puxei Cheryl para meu colo e não posso explicar a alegria que senti quando não recuou de meu carinho.
— Você não precisava ter comprado os testes. – comentou após beber mais um gole de água. — Tem uns vinte na gaveta do closet.
Soltei um riso, a ruiva é mesmo exagerada.
— Deveria ter cogitado a possibilidade de você ter feito um estoque. – minha mão deslizou por sua coxa, acariciando a pele por dentro do roupão. — A gente devia ter feito nas três semanas, fui uma idiota.
— É, você foi.
Concordou, soltei o ar.
Deitei minha cabeça em seu ombro, ficando entre ele e o vão do pescoço da minha esposa. Eu sei que me desculpar inúmeras vezes não iria adiantar em nada, o melhor é demonstrar que não vou mais machuca-la, que voltarei com os carinhos e com a atenção que amo dar a ela.
— Acha mesmo que vai dar certo?
Sua voz tirou-me dos devaneios.
Levantei o olhar para encara-la.
— Tenho certeza, amor.
Confirmei mais uma vez, Cheryl balançou a cabeça quebrando nosso contato visual. Continuei com minhas carícias em sua coxa, por vezes distribuindo alguns beijos em seu pescoço e a vendo arrepiar com os toques. Os minutos passaram, Lion nos observava de perto e a ruiva anunciou que sua bexiga estava cheia.
Nós caminhamos juntas para o banheiro, combinando de fazer três testes para ter certeza que realmente deu certo, mesmo que ele tenha 99% de eficácia, o 1% ainda poderia existir. Assim que adentramos o cômodo, Cheryl me fez virar de costas enquanto sentava no vaso. Cruzei os braços, ouvindo o barulho de seu xixi e não segurando a risada a cada vez que tinha que para-lo para pegar outro teste.
— Me casei com uma criança.
Resmungou.
— Ei!
A repreendi.
Um silêncio se fez presente até que Cheryl dissesse que já havia feito, lá estavam os testes acima da pia, virados para baixo – o que claramente foi obra da ruiva. A mesma ergueu seu corpo para sentar no mármore, balançando os pés no ar enquanto os encarava. Nós tínhamos que esperar alguns minutos.
— Será que já podemos agora?
Perguntei sentindo a ansiedade tomar conta.
— Toni. – encarei os castanhos. — Se não der certo...
Seu tom falhou, as lágrimas chegaram com tanta força que mal conseguiu continuar, desviando nossos olhares enquanto as liberava molhando as bochechas rosadas.
— Amor. – me posicionei em meio as suas pernas. — Cherry, fica calma.
Pedi, deslizando o polegar por sua pele, enxugando as lágrimas.
— É que pode dar tudo errado e...
Coloquei meus lábios sobre os seus, sentindo um gosto salgado enquanto lhe acariciava a bochecha. Cheryl suspirou, nem lembro a última vez que tivemos um contato como esse.
— Confia em mim, ok? – sussurrei ficando a centímetros de seu rosto. — Se não for dessa vez, nós iremos tentar de novo, sem problemas.
Assentiu, fungando enquanto tentava acalmar o choro.
Respirei fundo, pedindo a qualquer fé existente que mande duas listras para aqueles testes, porque não sei como minha esposa irá reagir se não estiver grávida, pior, não tenho estrutura para ser o seu apoio emocional.
— Posso?
Pedi permissão a ela para virar o primeiro teste.
— Só não sai de perto de mim.
Um dos seus braços enroscou em meu pescoço.
— Claro... – peguei o primeiro, ainda sem ver o resultado. — Lá vamos nós...
Virei a chamada caneta, sentindo meu coração acelerar feito louco ao fixar o olhar naquela parte branca que agora tinha dois riscos vermelhos indicando o positivo.
— Cherry...
Murmurei seu apelido, pegando os outros dois testes sem nem ao menos perguntar se estava pronta. Em todos tinham os dois risquinhos, vermelhos vivos indicando que a fertilização deu certo, que seremos mães e finalmente iniciaremos nossa família.
— Puta merda! Você está grávida.
Olhei para Cheryl que só sabia chorar.
— Amor, nós vamos mães... Vamos ter um bebê!
A emoção estava tomando conta de minha voz enquanto comemorava, lágrimas preencheram meus olhos e tudo que consegui fazer foi abraçar minha mulher. Um choro agudo saiu por entre meus lábios, soluços que indicavam felicidade, alívio, emoção... Tanta coisa.
Não havia conseguido realmente me libertar e aceitar a dor de perder meu pai, mas acho que foi naquele momento. Quando abracei a barriga de Cheryl, colocando meu rosto sobre seu colo e senti o carinho em meus cabelos. Ela não precisou falar nada para que eu chorasse como uma garotinha, cheia de medos e insegurança. Realmente havia perdido meu pai, mas acabará de ganhar um filho ou filha, e não consigo explicar o quanto isso preenche meu coração.
— TeeTee.
Cheryl ergueu meu rosto para encara-la.
— Caralho, eu fui uma idiota... – não conseguia segurar o choro. — Fiquei uma semana sendo uma babaca e você grávida aturando minhas ignorâncias, grosserias...
— Amor, está tudo bem.
— Não, nem mereço você, Cherry...
Balancei a cabeça em negação.
— Já conversamos sobre isso, você é a única a me merecer e sabe disso. – beijou minhas lágrimas, um sorriso crescendo em seus lábios. — E agora seremos mamães.
Cheryl comemorou, colocando os lábios sobre os meus.
Suspirei em meio ao contato, estalando o olhar alguns segundos depois ao ouvir a barriga da minha esposa roncar. Ela riu, enquanto tudo que passava pela minha cabeça é que agora tem um bebê para alimentar.
— Você precisa comer.
— Sim, só... Toni!
Gritou comigo assim que a peguei no colo. Cheryl agarrou-se ao meu corpo e a carreguei para fora do banheiro, deitando a mesma na cama. A ruiva bufou como uma criança enquanto Lion estava atento com nossas ações esperando para atacar.
— Vou trazer seu café.
— Nem pensar. – levantou, gemi de insatisfação. — Quero contar pra Debora.
— Cheryl...
— Estou grávida, não invalidada, Antoniette.
Interrompeu-me, saindo do quarto antes que pudesse impedi-la.
Abri um sorriso, ouvi-la dizer “estou grávida” é algo tão simples, mas que fez meu coração disparar. Sei o quanto minha esposa planejou e ansiou por isso, finalmente estar acontecendo é quase surreal.
Segui a ruiva para o segundo andar, sem se importar de estar vestindo apenas um roupão, colocou o maior sorriso no rosto para dizer a mais velha que está esperando um bebê. Debora nos parabenizou, abraços, muitos sorrisos e beijos trocados até que obriguei minha esposa a sentar para comer.
Sentamos lado a lado, o sorriso no rosto de Cheryl me deixava mais aliviada após tanto acontecimentos, a observei tagarelar com Debora sobre todos os cuidados que deve tomar, o quanto pesquisou sobre gravidez e os riscos. Eu estava a encarando, mas não prestava atenção em nada do que era dito, só conseguia pensar que aquela mulher ao meu lado, se lambuzando em panquecas com cobertura doce, é a mãe do meu futuro filho.
×××
O silêncio no quarto era tão bom e aconchegante, não lembrava da última vez que fiquei deitada na cama com minha esposa, apenas aproveitando de sua presença, sentindo seu cheiro e trocando carinhos.
Nós passamos a manhã grudadas e após o almoço, me vi aqui com as pernas enroscadas nas dela, braços envolta de seu corpo enquanto a mesma acariciava meus cabelos em um cafuné. Ainda estávamos assimilando que realmente seremos mães, que tem um bebê crescendo na barriga de Cheryl e será apenas nosso.
— Então... – a ruiva quebrou nosso silêncio. — O que te trouxe de volta?
Encarei os castanhos curiosos, provavelmente estranhando minha mudança repentina, o fato de retornar a lhe dar a atenção que merece.
— Tive uma conversa com a Mackenzie.
Dei de ombros, os dedos tocando na cintura de Cheryl por debaixo do moletom – meu, que usava. Talvez desde que voltamos de Los Angeles, tenho a visto com minhas roupas.
— Aquela ogra? Desabafou logo com ela?
Havia uma pontinha de ciúmes em seu tom.
— Cheryl...
— Toni, pedi tanto para que conversasse comigo. – murmurou beirando a manha. — É claro que fico incomodada de querer se abrir com outra mulher.
— Amor, é a minha treinadora. – justifiquei, subindo minha mão para seu rosto. — Aliás, me fez ver o quanto machuquei você, minha mãe e a Sam.
Cheryl suspirou.
— Foi legal da parte dela, mas não significa que gosto daquela ogra ou algo do tipo.
Resmungou, acabei rindo.
— Bem, ela disse que estou liberada o resto da semana pra poder me reconciliar com você.
Os olhos da ruiva brilharam.
— Sempre soube que no fundo Mackenzie tinha um lado bom.
— Oh, então eliminamos o apelido?
— Só na semana que está liberada de treinos, vou dar um jeito de escapar da escola também. – sorriu em animação. — Assim poderemos aproveitar muito nossos dias.
Selou nossos lábios em comemoração, sorri contra sua boca, mas Cheryl não demorou a interromper o contato, fiz um beicinho onde a mesma depositou um selinho.
— Acho que temos uma ligação pra fazer. – tocou em minha clavícula, desenhando a mesma com a ponta dos dedos. — Minha sogra ficaria muito feliz em receber a notícia que vai ser avó.
Soltei o ar.
— Tem razão.
— Mais ainda se você contar.
Sugeriu.
— Cherry...
— Amor, precisa fazer as pazes com sua mãe.
— Eu sei, eu sei.
Concordei, relaxando os ombros.
Cheryl se moveu na cama, pegando o celular que estava em cima do bidê e apontando em minha direção. Ignorei o aparelho, levantando da cama apenas para pegar nosso notebook e voltar, sentando contra a cabeceira. A ruiva sorriu ao perceber minha ideia.
Felizmente as ligações por chamada de vídeo sempre são com Samantha, então quando apertei o botão para inicia-la, não demorei a ter uma resposta já que a garota está sempre conectada.
— Cheryl! – ela sorriu largo. — E Toni.
O seu tom desanimou ao pronunciar meu nome.
— Hey, Sam. Pode chamar a Katy?
Cheryl pediu, acho que estava travada demais para falar com minha irmã pré-adolescente que aparentemente me odeia. Samantha concordou com o pedido, desaparecendo por alguns minutos e retornando com nossa mãe.
— Olá, meninas. Como estão?
— Bem. – a ruiva ainda era a única a falar. — Toni quer contar uma coisa.
A mão de Cheryl que estava sobre meu ombro apertou o mesmo, troquei um olhar com minha esposa antes de encarar a dupla sentada lado a lado com expectativas transbordando em seus rostos.
— Nós... – mordi o lábio, puxando o ar. — Estamos grávidas!
Falei junto de um sorriso, soltando o ar que prendi.
Vi o exato momento que minha mãe abriu um enorme sorriso, lágrimas instantaneamente começaram a cair de seus olhos e senti a emoção me invadir novamente.
— Serei avó!
Comemorou.
— Meus parabéns, vocês merecem e essa notícia veio na hora certa, um bebê é luz para a vida e relação do casal. Serão ótimas mamães, meninas.
Agora não havia mais como evitar as lágrimas, Cheryl ao meu lado também chorava enquanto Samantha resmungava sobre ser uma notícia boa e não ter motivo para chorar.
— Sei que fui uma babaca com vocês. – iniciei usando da palavra que Samantha me denominou. — E quero pedir desculpas, não era minha intenção machuca-las, amo vocês de verdade.
— Nós sabemos, não é, Sam?
A mais nova balançou a cabeça em positivo.
— E sobre o assunto de ir para Seattle, talvez realmente aconteça porque só nós duas pode ser difícil, mas enfim... Agora mais ainda quero ficar perto do meu neto.
— Mãe, posso ajudar vocês a viverem em Los Angeles. – voltei a falar, senti o olhar surpreso de Cheryl em mim. — Só quero que venham para Seattle se for desejo das duas, iria amar ter suas companhias aqui, mas irei entender se permanecerem ai.
— Acho que a decisão está com a Samantha.
Minha mãe olhou para a garota que arqueou as sobrancelhas, todas as atenções foram parar em Sam que ficou sem palavras, tentando racionar enquanto intercalava o olhar entre o notebook e nossa mãe.
— Talvez a minha irmã não seja tão babaca assim... – encolheu os ombros. — E até o final do ano prefira ela do que meus amigos.
Cheryl riu da sua maneira de falar.
— Samantha, sei muito bem que quer presentes, já vou avisando que não aceito chantagens.
— Mas eu aceito. – a ruiva respondeu ao meu lado. — E uso o cartão de crédito dela, pode pedir o que quiser.
— Cheryl!
A repreendi, enquanto todas as outras riam.
Queria poder congelar aquele momento onde esquecemos da nossa perda e nos concentramos no que acabamos de ganhar, a família iria aumentar, e como disse minha mãe um bebê é luz.
Claro que se meu pai estivesse ali, recebendo a notícia e comemorando junto com nós seria ainda mais incrível, mas não me sentia triste... Talvez já sentia saudade. De alguma forma, sei que o seu Antônio em qualquer lugar que esteja está muito feliz que estamos continuamos com a família Topaz, que virá mais um herdeiro ou herdeira de seu sobrenome.
Me sentia agradecida por continuar seu legado que não é nada mais do que nos amarmos, sermos uma família e nós apoiarmos, independente de qualquer coisa.
[ Olá.
Então... Vem um bebê ai, será?
O próximo capitulo é o maior da fic e terá muitas emoções.
🤗 ]
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