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Chamadas perdidas

Toni Topaz – Point Of View

Não é novidade que acorde primeiro que minha esposa, muito menos que a ruiva esteja tão agarrada em minha cintura que não consiga sair de seu enlaço para levantar. Me perdi no tempo que fiquei a admirando dormir enquanto lutava comigo mesma para sair da cama, eu não sai, era impossível depois de quatro dias longe.

O seu rosto demonstrava serenidade enquanto tinha os cabelos espalhados no travesseiro, por vezes se remexia me dando esperanças de que iria acordar, mas muito pelo contrário, parecia dormir ainda melhor após longos suspiros.

Minha esposa só acordou quando um som invadiu o quarto, a música alta tocando e a fazendo franzir a testa enquanto abria os olhos. Procurei pelo motivo do barulho e era o celular de Cheryl, cheguei a ver quem ligava lhe entregando o aparelho em mãos.

— Alô. 

O tom da ruiva quase não saiu, os olhos se fecharam novamente e um bocejo foi expressado. Suas pálpebras se pressionaram enquanto os segundos passavam, não conseguia ouvir nada, mas não parecia coisa boa.

Sabrina... O que? – ela arregalou os olhos. — Agora?

Apoiei minha cabeça na mão para encara-la melhor ficando preocupada.

— Mas eu... Sabrina? – afastou o aparelho da orelha encarando a tela agora desligada. — Diabos! 

— O que foi? 

Não aguentei minha curiosidade.

— Sabrina está trazendo a Gracie para passar o dia comigo. – suspirou, jogando a cabeça contra o travesseiro. — Ela só pode estar ficando louca, não tenho preparo nenhum pra cuidar de um bebê. 

Ah, é claro que senti essa indireta. 

— Parece que estão deixando a Barbada no aeroporto e vindo pra cá. – ergueu o corpo na cama não me dando tempo de falar algo. — Vou tomar um banho rápido antes de chegarem. 

— Tudo bem, preparo o café. 

Balancei os ombros, Cheryl nem me olhou antes de adentrar o banheiro e sabia que o dia estava propenso para tudo dar errado. Nem trocamos “bom dia” e preferi fazer minha higiene em outro banheiro para não atrapalhar seu banho.

Não posso julgar seu comportamento, talvez nem tenha feito de propósito, imagino o quão ansiosa deve estar para ficar a primeira vez sozinha com a afilhada e sinceramente também ficaria cheia de inseguranças se minha esposa dissesse que não quer um bebê agora sendo que sempre quis um. Só queria que ela se colocasse em meu lugar também para tentar entender o quanto prezo por nossa relação, um filho logo após uma crise não irá solucionar todos nossos problemas, pior, pode complicar o que estamos tentando manter sólido.

Preparei nosso café, domingo é a folga de Debora e quando tentamos ter o dia apenas para nós. Querendo ou não se tornou nosso dia em família, onde aproveitamos para ficarmos juntas sem mais ninguém. Bom, pelo jeito hoje teríamos a Gracie.

Quando a campainha tocou, caminhei em direção a porta, uma movimentação nas escadas me fez perceber que Cheryl descia as mesmas lentamente, me peguei pensando que a ruiva já deve ter terminado o banho a algum tempo. 

— Bom dia! 

Sabrina sorriu em animação quando abri a porta. Gracie estava em seu colo, olhos abertos atentos na loira que a carregava. A mesma invadiu nossa casa e Nicholas vinha logo atrás com duas bolsas e um bebê conforto. Rapidamente me mexi para ajuda-lo pegando a cadeirinha e trazendo para dentro. 

— Preparada para passar o dia inteiro comigo, madrinha? 

A voz de Sabrina estava fina ao falar com Cheryl. 

— O que vai fazer afinal? 

Cheryl perguntou em curiosidade.

— Transar. – a loira respondeu com rapidez, acabei deixando um riso escapar. — Nem lembro a última vez que fiz isso porque tínhamos uma inquilina em nossa casa.

— É, nós queremos um pouco de privacidade.

Nicholas completou. 

— Agora, pega. – alcançou Gracie para Cheryl que prontamente a acolheu. — O leite dela está na bolsa, tirei do meu peito e é melhor colocar na geladeira. – instruiu a ruiva que a encarava atentamente. — Tem mamadeira, fralda, roupa, chupeta... Tudo nas bolsas. Me liguem somente para emergências, ok? Volto a noite. 

Virou as costas para Cheryl que deixou o olhar cair na afilhada, não tive muito tempo de observa-las já que Sabrina e Nicholas passavam por mim com sorrisos enormes em seus rostos.

— Ei. – chamei a atenção do casal quando parei na porta. — O que seria uma emergência? 

— Vocês vão saber quando for. 

Sabrina deu de ombros, adentrando o carro sem a menor preocupação.

Fechei a porta da casa, soltando um suspiro longo e caminhando até as companheiras de meu dia inteiro. Cheryl dava o indicador para Gracie, a garotinha enrolava os dedos com precisão para segurar.

— Cherry, quer que eu fique com ela?

Perguntei ao estar próxima o suficiente das duas tendo em mente que minha esposa ainda não comeu nada, a ruiva ergueu seu olhar para chegar até o meu e o brilho que estavam em seus castanhos pareciam ter sumido na hora. 

— É, talvez seja melhor. 

Respondeu estendendo a bebê em minha direção.

— Eu não quis... 

— Pegue, preciso tomar café. 

Interrompeu-me, suspirei encaixando minhas mãos abaixo dos braços de Gracie e a segurando contra meu corpo. Cheryl nem me deu tempo de explicar as palavras mal interpretadas, caminhando para a cozinha as pressas. 

Relaxei os ombros, dando passos até o sofá e sentando com a bebê em meu colo. Lion estava em outro sofá apenas observando com curiosidade a garotinha, ele provavelmente não se aproximaria sem um chamado. Quando Gracie abriu a boca percebi que um sono estava perto, acomodei seu corpo em meus braços e encostei as costas contra o sofá enquanto a observava. 

Cheryl voltou para a sala, por um momento pensei que ficaria junto com nós, mas tudo que fez foi vasculhar as bolsas rosas até achar o leite que Sabrina falou e uma mamadeira. Ainda bem que minha mulher presta atenção em detalhes porque nem me lembrava que tinha que coloca-lo na geladeira. Como previsto Gracie dormiu e me neguei a retira-la do colo, ligando a televisão no primeiro filme que apareceu. 

Passamos boa parte da manhã ali, eu, ela e Lion. Cheryl resolveu se isolar da maneira que sempre faz quando está chateada e enfrentando os seus demônios. Geralmente não ouso oportuna-lá em dias assim, mas quando Gracie acordou chorando, não havia outra alternativa.

 — Cheryl. 

Chamei a ruiva que estava na cozinha picando algo e provavelmente iniciando o preparo de nosso almoço. A garotinha em meus braços tinha um choro agudo, a balançava colocando a chupeta que achei em sua bolsa na boca, mas não era o suficiente.

Observei os passos calmos da minha mulher pela cozinha, limpando as mãos em um guardanapo até chegar no micro-ondas. Cheryl temos um bebê chorando aqui! Ela abriu o aparelho, retirando de lá a mamadeira com leite. 

Oh

— Aqui. 

Me alcançou após colocar um pingo nas costas da mão para testar a temperatura. 

Desde quando minha esposa tem tanta experiência?

Posicionei o bico da mamadeira sobre os lábios de Gracie após retirar a chupeta. A bebê acalmou seu choro de imediato sugando o leite enquanto continuava a embala-la. Estava tão concentrada nela que não vi Cheryl sair da cozinha voltando com uma fralda de pano e a colocando abaixo do queixo, protegendo o peito da menina caso respingasse algo.

— Uau, você é uma ótima madrinha. 

Elogiei quando a mesma voltou para o preparo do almoço.

— É, parece que só serei isso... Madrinha

Seu tom não era nada satisfeito ao pronunciar a última palavra. Ok, é melhor não mantermos um diálogo por enquanto. Mas estava realmente impressionada com suas habilidades maternas, tive pouco contato com minha irmã mais nova e mal lembro de tudo, Cheryl parece ter acabado de fazer um curso de como ser uma mãe incrível.

— Estou fazendo certo? 

Arrisquei perguntar enquanto dava leves tapinhas nas costas de Gracie para que arrotasse, a mesma estava de pé em meu colo e a mamadeira foi parar em cima do balcão vazia.

— Sim. 

Se limitou a responder após me olhar. 

A garotinha deu leves arrotos se aliviando do recém consumo e assim que a posicionei deitada novamente, adivinha? Os olhos estavam se fechando enquanto abria a boca em um bocejo.

— Menininha, você precisa ficar acordada está me deixando preocupada. 

Toquei em sua bochecha ouvindo um resmungo.

— Ela pode dormir até vinte e duas horas por dia, é normal. 

A resposta de Cheryl veio rápida, quando levantei o olhar para encara-la, a mesma estava concentrada nas panelas fingindo não ver minha presença. Eu sei que principalmente após nossa conversa de ontem, ela está querendo me provar o quanto está preparada para ter um bebê, mas isso não irá me fazer mudar de ideia infelizmente. 

Resolvi sentar em uma cadeira na cozinha, Gracie dormiu e meu novo entretenimento foi observar minha esposa preparando o almoço, desejando que em algum momento percebesse o quanto minha decisão é somente para nosso bem.

— Você tem que troca-la. – Cheryl me informou desligando a boca do fogão. — Antes de comermos.

— Não sei se lembro... 

— Qualquer coisa me chama. 

Balançou os ombros interrompendo-me enquanto abria os armários a procura de pratos. Olhei para Gracie, levantando com a bebê que ainda dormia em meu colo. 

A carreguei para o maior sofá, deitando aquele corpinho sobre o estofado e me certificando que não havia possibilidade de cair. Peguei uma das bolsas e agradeci mentalmente ao escolher a certa. 

Fralda, lenço umedecido, talco e pomada. 

Teria que usar tudo? Em que ordem?

Meu olhar foi a Gracie que continuava em seu sono profundo, soltei o ar relaxando os ombros e sentei em seus pés. Abaixei a calça que usava, dando de cara com os botões firmemente apertados de seu body rosa, me atrapalhei para abri-los sem incomodar a garotinha que se remexeu, mas voltou a dormir. Cheguei a fralda, descolando o adesivo e a tirando com rapidez largando no chão. 

Deveria ter memorizado de que maneira aquela fralda estava em seu corpo porque quando peguei o material seco, não fazia ideia de como coloca-la em Gracie. Tentei uma vez, duas, três... Nada parecia realmente certo.

— Ok, eu faço. 

A voz de Cheryl me fez pular, olhei para trás e a ruiva observava tudo. Não demorei a levantar do sofá dando o lugar para minha esposa que de primeira retirou a fralda molhada de xixi do chão, expulsando Lion que cheirava a mesma. 

Cheryl também não conseguiu de primeira, mas na segunda tentativa foi sucesso na certa. Observei atenta os seus movimentos, fechando o body e vestindo a calça de Gracie novamente tão delicadamente que a menina nem se mexia completamente relaxada em seu sono. 

— Agora coloque no bebê conforto e vamos almoçar. 

Levantou do sofá recolhendo a fralda suja e caminhando para o banheiro mais próximo. Balancei a cabeça, pegando Gracie apenas para coloca-la na cadeirinha, o seu corpo ficava levemente erguido, mas não parecia incomoda-la.

Fiz o caminho para a cozinha a carregando naquele suporte, a posicionei em uma cadeira ao lado da minha e esperei Cheryl para que pudéssemos comer juntas. Em meio a refeição e o silêncio que não me agradava, tentei iniciar uma conversa.

— Cheryl, podemos... 

— Não. – interrompeu-me, a mesma estava de frente para mim. — Desculpa, eu só... Quero ficar em silêncio. 

Não me encarou em nenhum momento para falar, soltei um suspiro concordando com seu pedido, por mais que tudo que quisesse era abraça-la, dizer o quanto a amo e que quero sim que tenhamos um bebê, nem ao menos me deu chance acabando com o seu almoço ali ao levantar junto de seu prato quase cheio.

— Não precisa...

Cheryl nem me ouvia, indo até a cozinha e foi ali que decidi parar de tentar. No momento certo a ruiva me daria abertura para conversarmos, mas teria que esperar essa atitude vir dela.

Cheryl B. Topaz – Point Of View

Ouvir palavras como “não estamos prontas” quando você tem certeza que estão é quase uma morte lenta onde todas as ilusões que criou em sua mente vão se desfazendo aos poucos. 

Estava animada para conhecer o verdadeiro sentimento materno, tanto que até havia esquecido de minha adolescência em Riverdale e do período após o falecimento de meu pai. Aquele onde uma mulher ruiva se dizia ser minha mãe, me cobrando dinheiro e atormentando minha vida como se não tivesse saído de seu corpo. 

Hoje me sentia completamente devastada, por mais que Toni me dissesse que a culpa não é minha, que é cedo e o problema é as responsabilidades que uma criança traz, não acreditava. Só penso que o seu receio é por não ter confiança em mim, não acredita que tenho potencial para lhe ajudar a sermos uma família. 

Antes também não conseguia me imaginar criando um outro ser humano, mas depois da gravidez de Sabrina, o nascimento de Gracie e até mesmo minha convivência com Nathan percebi que poderia sim ser um bom exemplo, ajudar alguém a ser uma pessoa melhor e quem sabe uma mãe que nunca tive. Ontem foi como se Toni me jogasse um balde de água fria, acabando com meus sonhos e planos apenas com algumas palavras. 

Não estamos prontas.

E por acaso precisamos estar? Sabrina precisou? Betty precisou? 

Ela poderia ter inventado uma desculpa melhor. 

No fundo talvez nem queira mais ter filhos, desistiu da ideia assim que nos casamos e adotou Lion para suprir esse seu desejo agora morto. Sinceramente me sinto inútil e péssima, culpada por acabar com o sonho dela apenas por ser eu, dessa maldita família Blossom e filha daquela mulher. Não posso julgar minha esposa, também teria um grande receio de construir uma família com alguém que nunca teve um exemplo verdadeiramente materno.

Por ironia do destino Sabrina resolveu deixar Gracie com nós logo hoje, depois de termos uma pequena discussão sobre filhos. Passei o dia ajudando a Toni, mas nunca realmente me envolvendo com a bebê, a segurança que ganhei ao conviver com minha afilhada e sua mãe se foi como em um passe de mágica e tinha a sensação de que poderia machucar a criança a qualquer momento.

A garotinha acordou no meio da tarde para ser amamentada novamente, preparei o seu leite como da outra vez e Toni a ofereceu. Depois de me certificar que Gracie havia arrotado, subi as escadas e me tranquei na sala de música entrando em conflito com meus pensamentos novamente.

Passei um bom tempo sozinha, dedilhando o piano que me ajudava a acalmar um pouco. Toquei algumas musicas, mas não me atrevi a escrever nada, não queria colocar palavras referentes aquela mulher em alguma composição minha e infelizmente só tinha pensamentos sobre ela. Isso me irritava porque odiava relembrar de minha vida em Riverdale onde me deixava levar por suas chantagens.

Respirei fundo algumas vezes, decidindo ir dar uma olhada em Toni e Gracie, já fazia mais de hora que as deixei na sala após tomar a mamadeira pela segunda vez no dia. Desci as escadas, a televisão estava ligada e Lion completamente atirado em um dos sofás quando meu olhar parou no outro, vi a lutadora deitada com a bebê em seu peito, os braços envolvendo-a como se pudesse cair. 

Me aproximei o suficiente para ver que as duas dormiam, Gracie estava deitada de barriga para baixo sobre a minha esposa e consegui ver perfeitamente uma mancha em sua calça. O seu xixi provavelmente havia passado da fralda.

— Toni. 

Toquei no ombro da morena sacudindo seu corpo levemente. A mesma logo começou a abrir os olhos, o sono leve é uma qualidade sua, algo que não tenho já que quando estou dormindo podem assaltar a casa que não vejo nada. 

— O que foi? 

Juntou as sobrancelhas coçando um olho. 

— Qual a última vez que trocou a Gracie? 

— Você trocou. – falou como se fosse óbvio. — Antes de almoçarmos, lembra? 

— Deveria ter a trocado de novo. 

Falei já me encaminhando para uma das bolsas que Sabrina deixou com nós, abrindo o fecho e procurando por roupas limpas da bebê.

— Ah, não... – olhei para minha esposa que sentava com Gracie, os olhos da garotinha se abrindo com a movimentação. — Minha barriga está molhada. 

— Parabéns, acabou de descobrir que a fralda não dura um dia inteiro.

Forcei um sorriso em sua direção, Toni suspirou.

— Leve ela pra cima e de um banho rápido na banheira. – aconselhei. — Vou levar a roupa para troca-la.

— Ta bom. 

Falou levantando do sofá com Gracie longe de seu corpo como se a bebê estivesse contaminada. Acabei rindo comigo mesma, balançando a cabeça em negação enquanto voltava minha atenção para bolsa.

Lion me ocupou por alguns minutos ao pedir por comida arrastando o seu prato para chamar minha atenção, lhe dei ração e aproveitei para preparar mais uma mamadeira para Gracie imaginando que sairia do banho com fome.

Subi as escadas, deixei as roupas, fralda, talco e utensílios necessários da bebê em cima da cama. Caminhei para o banheiro e me surpreendi com a cena bem a minha frente.

A banheira estava quase cheia e branca de espuma, Toni permanecia sentada dentro da mesma junto de Gracie. Minha esposa tinha o pescoço apoiado na ponta, a bebê deitada em seu colo com quase todo corpo dentro da água faltando somente a cabeça. Minha afilhada estava bem acordada levando a mão até os lábios da lutadora que os remexia de propósito. 

— O banho era somente na Gracie. 

Falei chamando a atenção da morena que me olhou. 

— Eu também estava precisando.

Balançou os ombros em inocência, acabei sorrindo com a cena enquanto negava.

— Meu Deus, a sua madrinha acabou de sorrir. – Toni falou com Gracie ao ergue-la para ficar de pé. — Ah, se ela soubesse o quanto fica mais linda ainda sorrindo, porra... 

— Sem palavrões perto da minha afilhada. – interrompi em repreensão, a morena encolheu os ombros. — Agora só mais uns minutos e chega de banho. 

— Mas está tão gostoso. – lamentou ao fazer beicinho. — Podia se juntar a nós. 

Revirei os olhos. 

— Vou buscar uma toalha pra tira-la da água.

Ignorei seu pedido ouvindo um suspiro da lutadora enquanto saía do banheiro. Não queria trata-la dessa maneira, juro, mas é meu jeito de lidar com uma rejeição, melhor, de lidar com uma mentira porque era bem mais fácil minha esposa apenas dizer que não consegue ver em mim um exemplo materno, simples... Só precisava ser sincera.

Voltei para o banheiro com uma toalha em mãos, Toni lamentou ter que ficar na banheira sozinha quando enrolei Gracie no tecido a levando para o quarto onde estavam suas roupas. Minhas habilidades em cuidar da garotinha vieram depois de muito observar sua mãe e ler tantos artigos na internet que posso me denominar uma pediatra... Brincadeira, mas sempre quis estar atenta para poder ajudar Sabrina no que fosse preciso.

Após a bebê estar vestida e cheirando a talco, sentei no colchão com ela em meu colo. Lhe ofereci a mamadeira e aceitou prontamente, sugando o líquido como se não tivesse se alimentado a muito tempo. Reparei em todos seus detalhes, suspirando ao pensar que nunca terei um bebê realmente meu, que graças aquela maldita que um dia chamei de mãe, a Toni não irá querer um filho comigo. 

— Cherry?! 

Minha esposa me chamou e por puro reflexo levantei o olhar, algumas lágrimas escorriam por minhas bochechas e não conseguia enxuga-las por estar com as duas mãos ocupadas. Foquei em Gracie novamente, a mesma continuava mamando.

— Cheryl, vamos... 

A campainha tocou interrompendo sua fala. 

— Melhor eu ir atender. 

Falei levantando da cama, Toni estava somente com uma toalha enrolada em seu corpo por ter acabado de sair da banheira. Não dei tempo para que falasse mais alguma coisa, caminhando para o andar debaixo. 

Parei no trajeto, Gracie havia acabado de mamar e deixei a mamadeira no primeiro suporte que vi. Ajeitei a garotinha em pé no meu colo e passei a mão livre no rosto para acabar com as lágrimas, abri a porta de casa vendo Nicholas e Sabrina. 

— Oh, meu Deus. – meu amigo foi logo tirando Gracie dos meus braços. — O papai morreu de saudades. 

— Ela acabou de mamar. 

O alertei para que não sacudisse muito a garotinha. 

— Achei que viriam só a noite. 

— O Nicholas quase surtou de saudade da Gracie. – Sabrina negava enquanto adentrava a casa. — E você? Estava chorando? 

Franziu a testa ao me analisar.

— Não. 

Respondi rapidamente passando as mãos no rosto.

— O que a Toni fez? 

Cruzou os braços parando a minha frente, Nicholas já estava na sala junto com a filha matando a saudade. Suspirei, Sabrina não sossegaria até que contasse.

— A gente conversou sobre filhos e não acabou bem. 

Balancei os ombros. 

— Percebi que não estavam concordando ontem. 

— É, mais ou menos isso. – pressionei os lábios. — Enfim, já aceitei que nunca teremos filhos. 

— O que? – arregalou os olhos. — É tão grave assim? 

— Hey, vocês voltaram! 

O tom animado de Toni ao descer as escadas fez com que levantasse o olhar para ver um sorriso em seu rosto. Minha esposa encarou minha amiga, quando olhei para Sabrina sua expressão estava fechada. A loira adora comprar minhas brigas e principalmente agir como uma protetora, não posso negar que amo esse seu lado.

— Nós vamos para a cozinha fazer um lanche. – ela anunciou em um tom alto suficiente para que nossos parceiros ouvissem. — E você me contar tudo que aconteceu. 

Sussurrou ao entrelaçar o braço no meu e nos guiar para a cozinha. 

A desculpa de fazermos um lanche era tudo fachada, Sabrina sentou em um dos bancos perto do balcão e pediu para que explicasse toda minha discussão com Toni. Lhe contei todos detalhes, inclusive a parte do “não estamos prontaas e a loira ouvia atentamente.

— E então, nós dormimos...

Encerrei os detalhes de ontem a noite.

— Ok. – Sabrina respirou. — Agora onde diabos a Toni disse que nunca terão filhos? 

Seu tom era confuso e quase repreensivo.

— Você não entende. – neguei com a cabeça, apoiando os braços no balcão e a encarando de frente. — É tudo uma desculpa, ela simplesmente não quer filhos comigo porque sabe que não tenho nenhum tipo de estrutura materna.

— Da onde você tirou isso? 

Sabrina juntou as sobrancelhas. 

— Ela não tem coragem de me dizer e fica camuflando, a Toni não quer me machucar por isso inventou esse “não estamos prontas” sendo que a única que nunca estará preparada sou eu. – expliquei, Sabrina continuava a me encarar como se fosse um absurdo. — Será que só eu vejo isso?

— Sim. – afirmou com rapidez. — Porque você enlouqueceu.

— O que?

— Cheryl, por que simplesmente não prestou atenção no que a Toni disse? Mulher, precisa parar de me dar trabalho. – levantou o corpo indo até a geladeira e abrindo a mesma. — Ela só quer que a relação de vocês esteja estável e que estejam prontas para ter um bebê, é tão simples.

Pegou uma jarra com água, servindo o líquido em um copo.

— Nós estamos estáveis. 

Sabrina riu. 

— Odeio o quanto você é oito ou oitenta porque a no máximo três meses atrás, te encontrei na escola, aos prantos e dizendo que achava que tinha perdido a Toni pra sempre. – relembrou o dia após aquela tempestade. — A sua mulher está certíssima em querer esperar um pouco, isso não quer dizer que você é o problema. 

— Mas e se eu for? 

Relaxei os ombros. 

Sabrina suspirou, deixando o copo acima do balcão após beber a água e fazendo a volta no mesmo para ficar a minha frente. Suas mãos tocaram em meus braços, deslizando para cima e para baixo.

— Isso tudo é sobre aquela pessoa? 

— A Toni sabe que ela nunca me deu amor de mãe e...

— Não importa. – interrompeu-me. — Deus, Cheryl, não pode deixar essa mulher te assombrar pro resto da vida. Você pode sim ser uma ótima mãe, foda-se o seu passado e aquela bruxa. – ela riu ao falar, sorri de canto. — E tenho certeza absoluta que a Toni sabe que será a melhor mãe que poderia escolher para os filhos dela, vocês só precisam dialogar, lembra? 

Assenti.

— Ela pelo menos sabe que esse teu passado te atormenta tanto? 

— Eu só... – puxei o ar. — Não gosto de falar sobre a... Penelope.

Quase engasguei para pronunciar aquele nome.

— Conversa com a Toni. – aconselhou-me. — Imagino que deve estar surtando com o seu jeitinho de lidar com a tristeza, eu sei como você a tortura e precisa parar com isso também, ela é sua mulher e não estarei sempre disponível para te mostrar o óbvio.

— Poxa, você nunca falou assim comigo.

O meu tom era quase manhoso.

— Porque você me prometeu que não daria mais trabalho então, por favor, para de me fazer odiar a Toni por alguns segundos e depois me sentir culpada. – não aguentei deixando uma risada escapar. — É sério! A matei com o olhar lá na entrada, agora que sei de tudo quero matar você. 

— Tudo bem, me desculpa. – levantei as mãos em rendimento. — É que a minha mente é muito traiçoeira e as vezes faz tanto sentido... 

— Argh! Você ainda está com a ideia de que a culpa é sua, não é? – encolhi os ombros. — Quer saber? Vou até a sala, pegar o Nicholas e vamos embora, converse com a sua mulher, Marjorie! 

Usou de seu tom autoritário no final. Suspirei, não tendo tempo de segura-la antes que saísse pela cozinha indo até a sala e tudo que fiz foi a seguir. 

— Nicholas, vamos embora. – a loira falava enquanto recolhia as coisas de Gracie espalhadas pelo sofá. — Elas precisam ficar sozinhas. 

— Achei que iríamos jantar aqui. 

Meu amigo ficou confuso.

— Hoje não. – Sabrina deu de ombros, colocando as bolsas nos ombros e pegando o bebê conforto em mãos. — Você fica ai sentada. – ergueu a mão para Toni que iria acompanha-los até a porta, a lutadora sentou no sofá sem entender nada. — E converse com a sua mulher. 

— Posso saber o que está acontecendo? 

Nicholas franziu a testa. 

— Só vamos. 

Sabrina respondeu o chamando para ir até a porta, Nicholas seguiu a namorada e fiz o mesmo para me despedir de meus amigos. Enquanto Scratch ia até o carro, a loira parou na frente da porta me encarando.

— Pare de esconder as coisas da Toni, ok? Ou vocês vão viver sempre tendo problemas para resolver. 

Assenti. 

— E obrigada por ficar com a Gracie, salvou minha vida sexual. 

Nós rimos.

Sabrina se despediu, acenando em minha direção antes de adentrar o carro. Esperei o veículo partir, soltando o ar para entrar em casa e enfrentar mais uma conversa com minha esposa. Mas minha amiga tem razão, tenho que parar de esconder, camuflar os meus sentimentos e conflitos internos, Toni merece saber de todos eles.

Meus passos até o sofá foram lentos, desde o momento que a loira disse para minha mulher ficar sentada, ela ficou, posso ter um momento para achar isso adorável? A lutadora se demonstra a maior durona do mundo, mas é só alguém que ela tenha muito respeito se aproximar e sua pose decai na hora. 

— Hey. 

Sentei ao lado da morena, os castanhos receosos chegaram aos meus.

— Podemos conversar? 

— Claro, Cherry. 

Respirei fundo, mordendo o lábio em ansiedade.

— Toni, só quero que seja sincera comigo. – pedi, relaxando os ombros. — Eu sei que o motivo de não ter um bebê comigo é porque nunca tive uma mãe de verdade e quero deixar claro que entendo, eu também teria receio em ter uma criança com alguém que não tem nenhuma ideia de como é o sentimento materno. 

Desabafei o que tanto passava por minha mente e mesmo com as palavras de Sabrina negando que possa ser verdade, só conseguia pensar que Penelope Blossom ainda arruinara muita coisa em minha vida. 

— Cheryl... O que? – Toni franziu a testa. — Amor, não. 

Sua mão tocou a minha.

— Não precisa mentir, eu sei que...

— Cherry. – ela gemeu o apelido em lamentação. — Por favor, isso nunca passou pela minha cabeça. 

Aproximou o corpo do meu, a mão livre tirando uma mecha de meu cabelo para trás da orelha. 

— Juro pra você que em hipótese alguma pensei algo parecido com que está me falando, a única coisa que desejo é mais tempo para termos certeza. – seu polegar acariciou minha bochecha. — Quero tanto um filho com você, amor.

Abriu um pequeno sorriso.

— Não acha que talvez... Eu vá ser uma péssima mãe? 

— Impossível. – negou. — Olha como cuidou da Gracie hoje, você é tão boa nisso, toda cuidadosa e calculista.

— Realmente? 

Toni rolou os olhos, firmando as duas mãos em meu rosto.

— Cheryl Marjorie Topaz, você será com toda certeza do mundo a melhor mãe que poderia escolher para meus filhos e eu te amo tanto que me dói quando não vê a pessoa maravilhosa que é, o meu maior desejo é que você se visse com meus olhos.

— Toni... 

Murmurei ao sentir as lágrimas. 

— Acredita em mim, só quero que estejamos prontas, está bem? – assenti. — Isso não tem nada haver com seu passado, Cherry. 

Seus lábios quentes entraram em contato com minha testas antes de me puxar para seus braços, deitei a cabeça em seu peito ficando em meio a suas pernas enquanto a mesma afagava meus cabelos. 

— Aliás não tinha ideia que ainda pensa na sua... Mãe. 

— Não quero pensar, sempre tento bloquear qualquer lembrança, mas... Assim que comecei a ideia de ter um filho, ela apareceu em minha mente como um carma. 

— Você não é ela, amor. É muito melhor, sabe disso.

Beijou o topo de minha cabeça enquanto acariciava minhas costas.

— Nós combinamos de conversar e falar o que estamos sentindo... 

— Eu sei. – levantei o rosto para encara-la. — Fui tão estúpida hoje, nem ao menos te dei bom dia, falei com você e... – engoli o choro que tentava me parar. — Foi a última vez, eu prometo...

— Cherry, está tudo bem.

Distribuiu beijos por minhas lágrimas. 

Soltei o ar.

— Tem razão, não estamos preparadas. – pressionei os lábios. — Agi de forma infantil e preferi ficar brava em vez de aproveitar o dia com você e a Gracie. 

— Amor, continuo com o mesmo pensamento, mas precisa parar de colocar a culpa somente em si mesma. – seus castanhos fixaram nos meus passando total sinceridade. — Também não estou preparada, eu nem consegui trocar uma fralda... 

Nós rimos. 

— É sério, quero tanto quanto você. 

— Eu amo você, Tee, me desculpa por... 

Seus lábios se chocaram contra os meus. 

— Já esqueci. – balançou os ombros. — Teremos outros dias com a sua afilhada pra aproveitar muito.

— Verdade.

Concordei, descansando a cabeça sobre seu peito novamente. Toni me acolheu em seus braços, deslizando a mão por meu cabelo em uma carícia que me fazia suspirar e acalmar o choro. Me senti uma idiota por deixar sempre esses malditos sentimentos ruins tomarem conta de mim, umas vozes insinuarem coisas em minha cabeça que geralmente não é nada do que está acontecendo, preciso para-las e acreditar na única voz realmente sincera: A da minha esposa.

Não tivemos coragem ou disposição para sair do sofá, a única coisa que fizemos foi nos acomodar melhor e dar play em um filme qualquer, só queríamos ficar juntas e era o que bastava. Em meio ao nosso pequeno aconchego, meu celular começou a apitar em várias mensagens e quando o peguei, vi o nome de Sabrina brilhando em inúmeras mensagens. 

“Ficou tudo bem?”

“Vocês conversaram?”

“Me mande uma resposta!”

“Aposto que estão transando...”

Acabei rindo com a última que havia mandado, em poucos segundos o aparelho apitou novamente, mas não li a próxima mensagem que Sabrina enviou, apenas pressionei o botão para deixar o celular no silencioso e voltei para os braços da minha mulher. No fundo, minha melhor amiga sabe que as coisas com Toni sempre acabam bem.

No fim, nossa noite acabou com pizza e muitos beijos, mas surpreendentemente sem sexo. Estou com saudade da minha esposa, é claro, porém a carência falou mais alto que o tesão. Quando deitei ao seu lado em nossa cama, já passava da uma da manhã. 

— Nem me disse como foi em Los Angeles. 

Comentei ao deitar a cabeça sobre seu braço o fazendo de travesseiro.

— Foi bom, a Marina conseguiu alguns treinadores e irei procura-los nas próximas semanas. – suspirou. — Espero dessa vez achar alguém realmente confiável. 

— Você vai, Tee. – beijei seus lábios. — Tenho certeza. 

Abri um sorriso e ela retribuiu dando lugar a um bocejo.

— Preciso ver se meu celular vai despertar. – virei levemente para alcançar o aparelho no bidê ao lado da cama, caindo o olhar para a tela. — Coloquei no silencioso por causa da Sabrina e...

Me calei, erguendo o corpo ao sentar na cama e juntando as sobrancelhas. Haviam outras mensagens de Sabrina nas minhas notificações, mas o que me surpreendeu foi o nome de outra melhor amiga minha. 

Duas chamadas perdidas de Veronica. 

Duas. Chamadas. Perdidas.

DA. VERONICA. 

O meu coração bateu mais rápido e forte no peito, uma angustia se apossando de mim enquanto encarava aquelas notificações que chegaram a mais de uma hora. Veronica nunca me ligou tão tarde da noite. 

— Cherry, tudo bem? 

Toni sentou ao meu lado. 

— A Veronica me ligou. – ergui o olhar para os castanhos. — Ligou duas vezes e não atendi. 

Minha fala saiu afobada, minha esposa tocou em meus braços.

— Amor, calma. – tentou me tranquilizar. — Ela deve ter ligado e você não atendeu, tentou de novo e desistiu, isso acontece. 

— Assim que vi o nome dela, o meu coração se apertou, Toni. – confessei trabalhando a minha mente para não esconder nada da morena. — Só pode ter acontecido alguma coisa, ela nunca me ligou nesse horário e... 

— Cherry. 

Toni me interrompeu, um tom mais alto.

— Pense positivo, pode não ser nada e só queria te ligar pra saber como está. 

— Ou que tomou um tiro, explodiu uma bomba.

Minha esposa riu bem na minha cara como se estivesse falando absurdos, revirei os olhos e cruzei os braços irritada com seu deboche.

— Desculpa, amor. – cessou o riso ao tossir. — Olha, tenho certeza que Veronica Lodge está bem e que talvez a ligação seja pra dizer que está voltando, já imaginou? – arqueei as sobrancelhas em surpresa com a possibilidade de Toni. — Viu? É tudo perspectiva. 

— É melhor minha melhor amiga aparecer na nossa porta amanhã.

Ameacei, a lutadora riu concordando. 

— Tudo bem, agora... Vamos dormir? Estou cansada.

— Vamos, Tee. 

Dei uma última olhada no celular, focando naquelas chamadas perdidas e ajustando meu despertador, coloquei em minha mente que nunca mais irei deixar o aparelho no silencioso. Não até Veronica estar de volta. 

Posicionei o celular no bidê e me arrastei para os braços de Toni, tentei pensar com o otimismo da minha esposa, que Veronica ligou para dizer a data em que irá retornar e não algum desconhecido anunciando seu óbito. Então, quando fechei os olhos, desejei:

Veronica Lodge aparecerá inteira na porta de nossa casa.

Veronica Lodge – Point Of View

Quando a voz mecânica da operadora de celular me confirmou que minha melhor amiga não atenderia minha chamada soltei um suspiro, os meus ombros caíram em desanimo e o meu olhar correu pelo local.

O lugar onde estávamos era completamente seguro, um pequeno hospital longe de todos os conflitos de guerra, onde os soltados e civis feridos vinham em caminhões, carros, tanques... A cada momento poderia chegar novas pessoas para tratamento medico além das outras que já temos internadas. 

O movimento de pessoas é grande, vários desconhecidos falando línguas diferentes e com costumes que nunca vi. Crianças, jovens, idosos, não havia idade pra ser morto ou atingido na guerra. É surreal quantos já vi morrerem em apenas alguns meses, sendo que não presenciei nem a metade quando trabalhei anos em Seattle.

É, o meu psicológico está meio abalado. A experiência de estar sempre em alerta e pronta para qualquer coisa que aconteça é adrenalina pura, algo que nunca conseguirei ter em outro lugar, mas os momentos de sofrimento, desespero, tristeza, esses desejava esquecer. Você vê as pessoas implorando para não morrerem ou implorando para deixa-las morrer porque não tem mais nada, nem família, nem casa, nem amigos, essa é com certeza a pior situação para um médico, ajudar quem não quer viver.

Disquei o número de Cheryl novamente, meu pé batia nervosamente contra o chão e um pressentimento muito ruim que não havia nas outras vezes se apossava de meu peito. Me preocupava com a ruiva, principalmente após me informar que estava tendo problemas com a Toni. Nunca irei julgar a lutadora, sei o quanto aquela mulher que chama de esposa é difícil de lidar e a admiro por ama-la de uma maneira que nenhuma faria, elas são feitas uma para a outra, só que havia um receio das bobagens que minha melhor amiga poderia fazer se houvesse um fim no casamento. 

— Lodge, vinte minutos.

A voz do meu capitão médico soou fazendo com que levantasse o olhar, com o celular ainda na orelha implorava para que Cheryl atendesse minha chamada apenas para saber se está bem.

— Sim, senhor. 

Levantei, assentindo. 

Ele fez sinal com a cabeça e se retirou, meus olhos se fecharam quando a assistente eletrônica voltou a falar em meu ouvido confirmando pela segunda vez que a ruiva não atenderia. Respirei profundamente e encarei a tela do aparelho, uma foto de Cheryl estava junto do “Bombshell”. 

Está tudo bem. 

Pensei desejando isso. 

— Está tudo bem.

Falei comigo mesma balançando a cabeça em positivo e caminhando pelo corredor. Encontrei nosso alojamento, havia uma cama – como se eu tivesse tranquilidade para dormir, e um minúsculo armário para cada um. Desliguei meu aparelho celular e o joguei para dentro daquela porta quadrada, chaveando antes de ir. 

A farda em meu corpo não é muito confortável, mas ajudava na segurança, principalmente hoje. Minha ligação tinha um motivo além de preocupação, estamos mudando de local e indo para onde tudo realmente acontece, inclusive a guerra. A calmaria acabou, é hora de conhecer a verdadeira adrenalina. Palavras de nosso capitão.

O comboio que nos levava para a outra base balançava mais do que o normal, mesmo estando de capacete conseguia sentir o sol queimar em minha pele e a areia do deserto tentar me cegar. Quente, sufocante, quase insuportável. É assim que descrevo o clima desse lugar, simplesmente inabitável. Haviam pelo menos mais umas dez pessoas comigo naquele veículo, todos enfermeiros e médicos, nervosos com a primeira locomoção de nossa missão.

Não foi difícil saber que estávamos chegando, o barulho de explosivos nos avisava que era hora de conflito, mesmo com o som distante um arrepio percorreu minha espinha e todos naquele comboio se entreolharam, cada um temendo por sua vida. 

O capitão estava certo: Hora de conhecer a verdadeira adrenalina. O local onde paramos não tinha nada de estruturas ou mantimentos como antes. A tenda que quase não se segurava no chão deixava por vezes a areia entrar, mal chegamos e já tínhamos luvas nas mãos, óbitos anunciados e sangue, muito sangue. Os soldados e civis pareciam desesperados e havia todo tipo de ferimentos. Membros amputados, balas em qualquer lugar do corpo que imaginar e machucados que nem sabiam como conseguiram. 

Foi a semana mais agitada que já tive em minha vida, se antes não comia ou dormia direito, agora realmente não fazia isso. O tempo de descanso é quase nulo porque quando menos espera tem mais feridos e mais cirurgias para fazer com poucos utensílios. Fora os barulhos de tiros e bombas que começavam do nada. 

E bom, quando pensei que finalmente teria uma pausa por ser notificada de que haviam varias pessoas feridas em um local em meio a guerra, fui uma das escolhidas para ir. Partiríamos de manhã, outros dois médicos e cinco soldados para nos dar cobertura. Não dormi de ansiedade. 

Quando levantamos para sair o silêncio era como uma paz, os pacientes que tínhamos na tenda dormiam por conta dos remédios e quase desejei ser um deles por alguns segundos, somente para ficar deitada e conseguir ter uma noite inteira de sono. Mais uma vez me encontrei sentada em um comboio, mas diferente da estrada deserta e de areia, essa era em meio a cidade. 

Os soldados nos orientavam para manter cabeças baixas, mas com um pouco de visão que tinha conseguia ver o estrago de uma guerra, prédios destruídos e casas demolidas, escombros por todo o caminho que percorríamos, não podia negar que havia um medo enorme ao estarmos ali. O veículo parou, descemos com rapidez e adentramos uma escola com o teto quase todo descoberto e alguns lugares faltando paredes. 

Caminhamos por entre salas até chegar onde estavam os feridos, soldados e civis pedindo por ajuda, alguns sem conseguirem se mexer e outros mais recuperados até mesmo auxiliando os debilitados. Nós nos concentramos em fazer o que conseguíramos, carregávamos o máximo de medicamos e material. 

Gemidos de dor eram ouvidos constantemente, tive que tirar uma bala de um braço, amputar um dedo e costurar um corte enorme em uma perna. Sem anestesia nenhuma, apenas um pano na boca para morder e gritar o quanto quisesse. Controlamos a situação, mas teríamos que esperar outro veículo chegar para levarmos todos. Havia um soldado em comunicação com o capitão. 

Aconteceu tudo tão rápido que ainda não tenho ideia de como iniciou, mas em um momento estava olhando o meu paciente enquanto ouvia o soldado falar no rádio e em outro estava caída no chão, minha cabeça doía e uma dor insuportável se apossava de meu braço esquerdo. Demorei a raciocinar, os meus olhos piscaram lentamente, havia tanto barulho que não identificava o que era. 

Tiros.

Bombas.

Falação.

— Precisamos sair, vamos. 

Um dos soldados falou, levantei minha cabeça apenas para ver um pedaço de concreto caído ao meu lado e foi quando percebi o porque a dor no braço, ele com certeza estava quebrado. 

— Lodge, você está bem? 

Assenti, mas não fazia ideia de quem havia perguntado.

— Vem, precisamos ir. 

Concordei novamente, me arrastando com sua ajuda para levantar e quando olhei pra trás vi o enorme buraco na parede, os soldados que estavam com nós apontando as armas para o lado de fora e quando meu olhar caiu a procura dos outros, haviam pelo menos dois mortos apenas pelos escombros. 

— Olha pra frente, estamos saindo daqui. 

O soltado que me ajudava orientou, colocando meu braço direito sobre seus ombros porque o esquerdo estava imóvel. A gente andou para a saída. 

Um, dois, três, quatro passos. 

— Tem dois deles vindo! 

Uma voz ao longe alertou.

Mais uma vez, foi rápido demais para conseguir entrar em detalhes, mas os tiros se aproximaram e em poucos segundos estavam sendo disparados em nossa direção. Faltava tão pouco para sairmos que não acreditei quando uma bala me atingiu no ombro esquerdo, uma queimação tão forte que só seria sustentada de pé pelo soldado que me ajudava, mas ele me soltou. 

Cai no chão, tentei manter os olhos abertos, mas só conseguia ver os vultos, o soldado agora também atirava. A minha visão ficou embaçada, uma sensação de estar em câmera lenta e que a qualquer momento iria apagar.

— Lodge, fica acordada! 

Escutei ao fundo, mas não era fácil obedecer.

Os meus olhos se fecharam por alguns segundos e um filme passou por minha cabeça, desde meu divórcio até o momento que entrei para o médico sem fronteiras. Apesar de ter muito sofrimentos houve momentos incríveis, fiz adultos e crianças sorrirem. Crianças... Eles são realmente o nosso ponto de paz em meio ao caos, sempre vendo a positividade além de tudo, fazendo perguntas curiosas e indelicadas. É tanta sinceridade e verdade vindo delas que deseja que não cresçam nunca. 

— Lodge, respira e não apaga. 

Fácil pedir, difícil fazer. 

A dor em meu lado esquerdo não era mais conversável, sentia que nem havia mais lado esquerdo e que esse com certeza seria o meu fim. O zumbido tão longe me incomodava, o suor escorrendo pelo lado de meu rosto e a respiração ofegante, eu quase conseguia ver a mim mesma morrendo em um local de guerra. Merda, a Cheryl vai destruir minha lápide! Acabei rindo, ou imaginava que estava rindo, não tinha certeza de mais nada. 

Talvez de uma coisa. 

Eu amo a Betty Cooper. 

Ah, eu realmente amo essa mulher com todo meu ser e daria tudo para conseguir voltar para seus braços, beija-la na boca e declarar todo meu amor. Dizer que nunca mais vamos nos separar e que é hora de começarmos uma família, que minha experiência aqui me deu a certeza de que é ela quem quero pra vida toda. Sempre foi ela. E a antes de apagar por completo, só desejei poder ver Betty uma última vez.

[ Eu acho que não tivemos nomes o suficiente na petição.... ]

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