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6. Família Blackwell

A semana corre sem grandes incidentes. Leio todo o dossiê que Aiden me deu e ficamos nos correspondendo por torpedos e e-mail, por onde mando alguns detalhes sobre minha vida. Acho o processo completamente invasivo, mas não digo nada. Afinal, eu já havia concordado em participar disso. Nós seremos um casal na frente dos pais dele, logo, invasivo um com o outro é o que temos que ser.

Invasivo. Tenho que parar de falar essa palavra, porque a primeira coisa que me vem à cabeça é o nosso beijo e o modo como fui pressionada. Literalmente pressionada. Durante a semana inteira, não falamos nada sobre o que aconteceu. Recuso-me a fazer isso, e ele parece estar imerso em outros pensamentos sempre que nos encontramos na hora do almoço. Pergunto-me se é por causa do iminente reencontro com os pais.

Nos primeiros dias após o beijo, eu sei exatamente como agir. Tudo está programado na minha cabeça, como sempre esteve. Apenas não sei definir o que sinto por dentro. Não quero admitir, mas isso está me assustando. Honestamente, minha semana foi estressante. Minha mente está prestes a explodir como se estivesse entrando em curto-circuito, mas, por fora, continuo sendo a garota racional e lógica que sou com as pessoas. Elas esperam isso de mim. Não quero ser cobrada ou inquirida sobre alguma coisa mais tarde. Não quero dar nada a elas que eu não queira dar. Não quero ficar devendo satisfações a ninguém. Nem mesmo quero que Holly e Beth percebam que há algo errado comigo, então enterro tudo para longe, porque eu tenho tudo sob controle.

Eu. Estou. No. Controle.

Este formigamento nas mãos quando encontro Aiden no intervalo para o almoço é apenas uma reação desregulada do meu corpo que certamente está relacionada ao fato de meu ciclo menstrual estar perto de acontecer.

Claro, porque isso é biologia.

E mesmo a biologia não consegue explicar o que a TPM faz com as mulheres.

Faço as malas escolhendo cuidadosamente cada peça de roupa que vou usar na casa dos pais de Aiden. Sigo a sugestão dele de preparar uma bagagem que não tenha que ser despachada, já que são apenas poucos dias que estarei fora. Um fim de semana inteiro... Isso quer dizer dois dias, sábado e domingo. Mas estamos partindo sexta de manhã, então, dois dias e uma noite. Meu salário não cobre gastos com roupas chiques, mas procuro levar as melhores que tenho. Pedi a Dragon três dias de folga, e agora estou devendo para ele. Prevejo muitas horas extras a serem cumpridas.

— Por que estamos indo para Kingston? Achei que você morasse em Toronto.

Olho para minha passagem, inconformada. Serão mais de dez horas de viagem ao lado dele. Isso é quase metade de um dia, o que significa muito para mim.

— Eu morava. Estudava na Universidade de Toronto antes de conseguir a transferência para Oregon. Mas a casa dos meus pais fica em Kingston.

Wow. Universidade de Toronto. Não consigo evitar encarar Aiden com surpresa.

— Você definitivamente não é qualquer merda. — As palavras soam mais alto do que desejo. Ele se inclina sobre o balcão enquanto estamos fazendo o check-in, sua boca curvada como se estivesse se divertindo com minha espontaneidade. — Desculpe.

Permaneço calada nas próximas horas, censurando-me por ficar engatando conversas com ele como se fôssemos dois bons amigos. Eu realmente não quero saber sobre a vida dele além do que preciso saber. E ele também não precisa saber sobre a minha além do essencial. Será apenas um fim de semana e, então, tudo acabará. Isso é certo.

É assim que será.

Mesmo dentro do avião, assumo minha expressão apática quando sento perto da janela. Olhar através do vidro é um ótimo truque para fingir que você está entretida o suficiente para as pessoas não quererem falar com você.

Depois de uma hora de voo com Aiden ao meu lado lendo um monte de papéis que puxou de uma pasta de papelão pardo, meu traseiro está doendo por ficar tanto tempo sentada ereta na poltrona. Não me mexo, nem falo. Apenas continuo olhando pela janela, querendo que a viagem acabe de uma vez por todas. Não que eu tenha medo de avião, meu medo está personificado na pessoa que está sentada logo ao lado. Ele me acariciou. Intimamente. E eu deixei. Eu deixei. Como isso foi acontecer? Não devia ter acontecido. Era para ser só um beijo. Um beijo técnico, como aqueles que aparecem nos filmes. Se tivesse acontecido anos atrás, eu teria gritado de horror e batido no homem que tivesse tentado fazer isso comigo.

Mas Aiden... Não consigo sustentar o olhar dele quando penso nas coisas que aconteceram no quarto. Eu o toquei. Toquei sua pele, e ela é macia e morna, suas costas são resistentes e sólidas. Quem Aiden pensa que é para me deixar nesse estado de confusão? Só quero que essa maldita menstruação desça de uma vez por todas e me libere da TPM.

Não estou bem.

Enxugo a testa com as costas da mão e constato que estou suando. Por que diabos estou suando? Meu estômago revira. Canadá. Estou cruzando o país para chegar em terras inimigas. Eu já sabia disso, mas é longe de tudo o que conheço. E ainda estou nas mãos dele, que pensa que sou uma stripper. A sensação de vulnerabilidade é desagradável por alguns instantes, fazendo com que meu estômago se revolte mais uma vez.

Engulo a saliva, sentindo-me nauseada.

Oh, minha nossa, acho que vou...

— Quantos anos você tem?

Quase dou um pulo da cadeira por ouvir o alvo de meus pensamentos finalmente falando comigo. Sua voz é forte e ecoa em meus ouvidos por longos segundos, em vários timbres e vibrações. Os pelos de minha nuca se eriçam sem que eu possa controlar. Não sei por que isso está acontecendo de novo. Eu contei, já é a segunda vez, e só posso concluir que tem alguma coisa errada comigo.

Muito errada.

— Você esqueceu de registrar para mim — ele acrescenta enquanto folheia os papéis da pasta como se estivesse à procura de alguma coisa.

Silêncio. É só o que há de mim para ele. Tenho um vislumbre de que o que está impresso nas mãos dele são as informações dos e-mails e torpedos que temos trocado durante a semana inteira. Não quero conversas. Apenas o necessário. Apenas o essencial. Conversas levam a laços emocionais. Laços emocionais levam a fortes sentimentos. Fortes sentimentos levam a idiotices. Não quero nada disso. Minha vida ia muito bem antes de conhecê-lo.

— 23 anos — respondo de forma breve.

Sou a Rainha do Gelo e ele é o tatuado da moto. É a primeira vez que acontece de eu fazer questão de mostrar para alguém por que sou merecedora do apelido. Ninguém nunca disse que sou boa coisa, afinal.

— Você tem 23 e eu, 25. Isso é bom. É uma diferença de idade aprovável, então não precisaremos mentir.

— Aprovável? Aprovável para quem?

Tenho o cotovelo pousado sobre o braço da poltrona, a palma apoiando um dos lados de minha mandíbula. Sou o tédio em pessoa enquanto olho com ressaca para o céu e as nuvens.

— Para os meus pais.

Reviro os olhos, de propósito.

— Certo.

— Qual é a minha cor favorita? — pergunta de repente.

— Rosa, você adora rosa. Mas não é qualquer tipo de rosa. É um rosa forte e reluzente, entre o rosa-claro e o escuro. Melhor dizendo, acho que é um rosa-choque...

Sinceramente, estou rindo por dentro. Obviamente sei que ele não tem uma cor favorita porque li o dossiê, mas ele precisa ver que sou chata para parar de querer iniciar diálogos comigo.

— Você não está levando isso a sério. — Sua voz soa como uma repreensão paternal. Eu me viro, mas não totalmente. Olho-o apenas de relance como se estivesse com preguiça de abandonar o apoio da poltrona. — Isto não é engraçado, Kristanna. Você está brincando com uma parte da minha vida que eu gostaria que transcorresse tudo bem. Portanto, agradeceria se você cooperasse e me ajudasse a conseguir isso. Ou será que vou ter que fazer do modo difícil?

Por alguma razão ele está bastante furioso, querendo que tudo dê certo e que seus pais acreditem que realmente estamos namorando. Não sei por que tanto desespero, mas ele parece precisar extremamente daquilo, como se sua vida dependesse de toda essa farsa. Sinto-me tentada a perguntar que modo difícil é esse que ele tem em mente, mas algo na minha cabeça apita a resposta quando penso como seria se eu estivesse tentando esconder de um pai o fato de que trabalho num clube de strip. Tenho certeza de que se ele descobrisse, acharia reprovável, mesmo sabendo que eu não tive escolha. As situações são diferentes, mas relevo, pois Aiden, assim como eu, obviamente quer esconder alguma coisa das pessoas, especialmente dos seus pais.

Endireito-me na poltrona, suspirando, e respondo sobre as preferências dele, conforme havíamos treinado antes:

— Você não tem uma cor favorita. Seu gosto é bem... eclético. — Isso é o que está no dossiê. — Mas seu quarto... quase tudo nele é branco. — Recordo-me da cama arrumada, unindo as sobrancelhas. — A roupa de cama é branca. As paredes são pintadas de branco. Até mesmo seu guarda-roupa é branco... Então, se fosse para chutar, eu diria que na maior parte do tempo você gosta do branco, embora se vista com roupas mais escuras quando está na universidade. — Isso não está no dossiê. — Mas não é só porque gostamos de uma cor que precisamos usá-la. Gostamos porque é agradável contemplá-la. E você tem seu quarto branco para fazer isso. — Sorrio. — Não sei como sua escrivaninha também não é na cor branca.

Movo o rosto em sua direção, esperando ver alguma aprovação, e encontro dois profundos olhos castanhos me olhando através de seus longos cílios, como se não tivessem estado esperando por aquilo. Meu sorriso se desfaz quando percebo o que acabei de dizer. Os detalhes que ficaram guardados no meu inconsciente decidiram vir à tona numa péssima hora. Devo ter parecido uma tola recitando detalhes irrelevantes como uma estúpida poetisa.

O silêncio se estabelece entre nós assim que me viro para voltar para o entretenimento da janela. Não sei o que deu em mim. Acho que preciso voltar para a fábrica, porque estou começando a apresentar defeitos.

Tola.

Fecho os olhos. Às vezes eu simplesmente odeio essa implacável voz da racionalidade.

— Não tinham na cor branca — Aiden comenta.

— O quê? — Volto-me para ele.

— A escrivaninha.

— Oh.

Não sei o que dizer tão logo deparo com os olhos dele nos meus lábios separados. O modo como agiu é claramente uma confirmação de que estou certa em minhas conclusões sobre sua preferência pela cor, mas não sei por que ele está insistindo nisso. Não fui a única a dar apenas o essencial de mim. Sei que Aiden Blackwell também tem seus próprios segredos e que, por vezes, deve me achar inconveniente.

— Nós temos um mordomo. Geoffrey — adiciona. Isso definitivamente não está no dossiê. — Anos fora de casa e me esqueci de registrar um detalhe tão importante.

Ele pigarreia e se ajeita sobre a cadeira, fechando a pasta em seu colo.

— Vocês têm um mordomo? Achei que não contratassem mais mordomos nos dias de hoje.

— Geoffrey está servindo a casa há mais de vinte anos. Ele praticamente já faz parte da família Blackwell.

Okay, pais terroristas, uma casa em Kingston, um mordomo... O que mais não está no dossiê que eu não sei? A voz do capitão soa pelos alto-falantes quando anuncia que chegamos em São Francisco, Califórnia. Nossa conexão permite que continuemos usufruindo da mesma linha aérea, porém temos que trocar de avião. O tempo de espera é maçante, são mais de duas horas dentro do aeroporto sem nada para fazer, correndo o risco de que Aiden comece outra conversa comigo. Eu me sinto a vítima de um filme de terror. Por Deus, não deveria, uma vez que uma conversa só envolve o uso de palavras.

O que a minha mente racional e lógica sabe, meu corpo não.

Assim que descemos do avião, fico com a impressão de que ele sabe que o estou evitando. Sim, sinto que ele sabe, porque fui uma das primeiras a descer do avião, passando na frente de uma senhora idosa que mancava em direção à saída. Pedi desculpas quando ultrapassei com grande velocidade ao lado dela, o que por pouco não a desequilibrou. E depois, quando o vi entrando na área em que aguardaríamos até nosso próximo voo, eu fiquei no outro lado, presa na multidão como se estivesse envolta de uma barreira protetora que não permitia que Aiden chegasse perto o bastante de mim.

Faço uma anotação mental para falar com o Dr. Montgomery. Ele deve ter ótimas dicas sobre o que eu deveria fazer numa situação dessas, senão desse jeito vou ficar louca de verdade. Sei que é por causa de um mero e irrelevante beijo. Senti alguma coisa, apenas não sei o que é e por que teve que ser com Aiden.

Meu controle. Preciso recuperar meu controle.

Calma, Kris. Calma. Fica fria.

Sinto uma presença atrás de mim. Os pelos da minha maldita nuca se arrepiam.

De novo.

— Kristanna...

— Vou ao banheiro! — grito como se estivesse sendo atacada e encontro um Aiden atrás de mim, surpreendido com minha atitude escandalosa. Assumindo uma postura menos defensiva, encolho os ombros depois de vê-lo assim. — Eu... preciso ir ao banheiro. — Sorrio, pego minha mala, estendo o punho e a puxo sobre suas rodas seguindo as indicações das placas para o banheiro.

Nem ao menos olho para trás para ver se ele está me seguindo para a parte dos banheiros. Estou tão absorta que quase cometo o erro de entrar no masculino. Dou meia-volta e dobro na esquina para entrar no feminino. Há duas mulheres retocando a maquiagem na frente do grande espelho e ouço um barulho de descarga quando outra sai de uma das cabines. Eu me enfio em uma e me tranco lá dentro com a mala. Sento sobre a tampa do vaso sanitário.

Então, respiro.

Devagar e lentamente.

Pronto. Era apenas isso que eu precisava. De um tempo. Até um jogador profissional precisa de um tempo para descansar os nervos e então estar de volta à partida. Sou uma jogadora e preciso estar preparada para minha próxima partida. É assim, tudo preto no branco. Tem sido assim na minha cabeça por bastante tempo. Não é logo um beijo que vai desmontar o que construí por anos. O que sou é resultado do que vivi e do que fiz para continuar vivendo. Deu certo e aqui estou eu.

Levanto-me, decidida, e dou descarga mesmo sem ter usado o banheiro, pois não quero ninguém olhando de modo curioso para mim quando saio da cabine. Dirijo-me ao espelho, puxando minha mala junto comigo, meus tênis fazendo um barulho suave de sola emborrachada contra o chão. São os melhores que tenho. Branco com flores rosas e verdes. Achei o tesouro numa liquidação de cinquenta por cento de desconto. Definitivamente nada do que tenho é de marca. Ninguém sabe disso, e eu também não tenho por que sair dizendo "Ei, você acha que sou assim, mas eu sou uma farsa". Trabalho num clube de striptease como garçonete nos sete dias da semana e praticamente vivo de gorjetas para conseguir pagar as mensalidades mercenárias da universidade, dormitório, alimentação e livros. Sei que poderia juntar uma boa quantia de dinheiro dançando como stripper, mas não há forças na Terra que me coloquem no palco para tirar a roupa na frente de uma grande plateia de homens. Então, quem quer que ache que a minha vida é fácil, está redondamente enganado.

E ainda há Jo. Faço uns agrados para ela de vez em quando, comprando roupas ou os doces que ela me pede. Em uma dessas ocasiões, quase fiquei sem o almoço e o jantar. Fui estúpida o suficiente para me deixar levar pelos sentimentos. Sentimentos são traidores. Eles já me deixaram sem ter o que comer. A partir de então, comecei a fazer planilhas. Agora sou a rainha da economia doméstica.

Aciono a torneira que começa a jorrar água sem parar. Uno as mãos em concha, inclinando-me para o balcão a fim de lavar meu rosto. Uma, duas, três enxaguadas limpam o meu suor. Não estou usando maquiagem. Minha pele está ligeiramente pálida e meus olhos estão azuis como nunca, a pupila preta levemente dilatada circulada pela fina marcação amarelo-escura. Meu rímel e delineador estão acabando e só poderei repô-los semana que vem, quando receber o pagamento. Não posso usá-los à toa apenas para vê-los ir por água abaixo na próxima lavagem de rosto, então minha tática é me maquiar apenas quando estiver perto de chegar em Kingston — o que dá para fazer na nossa próxima conexão que será em Toronto — para que assim os pais de Aiden vejam a garota exemplar e impecável que sou.

Rio baixinho, porque isso é pateticamente engraçado. Sou a plebeia ferrada tentando fazer parte da alta nobreza. É certamente motivo para um escândalo. Penteio os cabelos com os dedos e faço um bagunçado rabo de cabelo no topo de minha cabeça, sem me preocupar com os fios louros de fora que não foram contemplados pelo elástico.

Agarro o punho da mala, arrastando-a até a saída do banheiro para começar a procurar pelo meu falso namorado através da multidão de pessoas. Encontro-o sentado em uma cadeira, com fones nos ouvidos enquanto lê um livro, com as pernas cruzadas em cima de sua mala que está deitada no chão.

É estranho vê-lo deste jeito, porque só consigo ser contagiada por uma calmaria que nunca pensei que pudesse emanar dele. Um homem de 25 anos, prestes a se formar, que parece ser extremamente experiente. Não apenas sexualmente falando, mas experiente em coisas da... vida. Ele é diferente dos outros caras; seu jeito misterioso de ser permanece como uma incógnita para meus pensamentos. É sério, mas rebelde. Maduro, mas tem seus momentos de prática de desatinos e imprecaução. Indiferente, mas compreensivo com as pessoas e ciente de seus próprios atos. O bastante para pedir desculpas quando sabe que fez algo errado, como aconteceu com o meu peixinho dourado.

Olhando assim de longe, nem parece o diabo.

Mas então, meu olhar cai na tatuagem preta serpenteando do lado de sua garganta, nas bordas de tatuagens espreitando debaixo de sua camisa, no piercing no final da sobrancelha esquerda... Respiro, voltando à vida real. Ele ainda é o cara que me chantageou, o bad boy safado que sei que já deu em cima de muitas mulheres, o homem que me beijou dias atrás e deu uma prensa erótica em mim. Aiden deve estar amando tudo isso, mas eu não.

Obrigo minha mala a me acompanhar, grunhindo com o peso que quase me tomba. Chego perto o suficiente para ver que livro ele está lendo: O Anticristo, de Nietzsche. Rio discretamente ao me sentar na cadeira vaga ao lado dele, pensando que a obra lhe cai como uma luva.

Mais de duas horas de espera... O relógio faz tique-taque e os ponteiros parecem nunca se movimentar. Estou profundamente entediada e não quero conversar com meu acompanhante. Ele percebe isso quando tenta me fazer repassar o resto da nossa história forjada. Não posso olhar para ele, porque, quando olho, corro o risco de encarar sua boca, e isso não é bom. Biologicamente falando. A TPM dos formigamentos e arrepios ainda é uma constante nas próximas horas perto dele. Isso me irrita mais do que gostaria, pois já não sei mais o que esperar da bomba que será quando chegarmos em Kingston.

Eu me calo. Simplesmente me calo.

— Não entendo por que ficou de repente tão distante de mim. — Aiden fecha seu livro, tira os fones. — Precisamos ser amigos.

Dou de ombros.

— Não quero ser sua amiga. — Meu tom é irritantemente calmo demais para combinar com a afronta.

— Onde está aquela garota que se ofereceu para me ajudar dias atrás?

— Ela acabou de se dar conta do quão canalha você é por estar atirando-a para os lobos. E eu não me ofereci para nada. Fui forçada a fazer isso — rebato.

— Tenho certeza de que você vai se sair bem.

— Nossa, obrigada. É bom saber que o cara que me meteu nessa situação embaraçosa confia nas minhas habilidades para atuação na frente dos pais dele.

Esse diálogo está se prolongando demais para o meu gosto.

— Você não parece nem um pouco embaraçada com tudo isso. Particularmente, esta é uma coisa que estou desejando testemunhar. — Então, ele inesperadamente se inclina para mim, um braço possessivo no encosto do meu assento e seu rosto tão perto do meu que tenho que dar uma pequena guinada para trás com a cabeça para não correr nenhum risco de ser beijada outra vez. — Diga-me, quando verei a Rainha do Gelo corar?

Penso muito antes de responder friamente:

— Eu não coro há muito tempo. Trabalho em uma casa de striptease. Não há espaço para timidez.

Logicamente não é só isso a causa, mas Aiden não precisa saber dos detalhes sórdidos.

Ele dá um meio sorriso enquanto seu olhar se torna inescrupuloso demais para mim.

— Ah, você deve ficar adorável quando cora. Diria até que mais feminina.

— Por acaso eu preciso ruborizar para parecer mais feminina para um cara?

— Não, mas ficaria encantadora. Do tipo que todo namorado gostaria de ver ao menos uma vez na vida e saber que foi ele o causador de tal reação inocente.

Tenho que dar uma risada sarcástica.

— Isso é ridículo. Vocês, homens, têm um grave problema de ego. Sabia disso?

É a vez dele de dar de ombros.

— Chame como quiser, mas ainda não consigo ver onde estão seus sentimentos. Na maioria das vezes você fala como se estivesse brigando com as pessoas, ou talvez apenas séria e contida demais. Por vezes, suas expressões emocionais, que por sinal são quase inexistentes, passam frequentemente despercebidas. Mal a vejo sorrindo. Você é realmente um ser humano?

Eu honestamente me sinto satisfeita com o que ele pensa de mim, porque é o que ele espera de mim. Assim, não preciso dar mais nada além do que estou disposta. Tudo o que Aiden conhece sobre Kristanna Barton é uma pequena parte superficial para a qual não ligo muito. Chamo-a de casca — é unicamente o que deixo as pessoas verem, o que lhes permito acessar de mim.

— Talvez você esteja começando a entender o porquê de "Rainha do Gelo". Meus sentimentos estão bem guardados longe de pessoas inconvenientes como você. Além do mais — ergo a sobrancelha, sabendo que isso me deixa irônica —, não sou daquelas garotas que sorriem por nada. Se você quer me fazer rir, então me conte uma boa piada. E se não for boa, pode ter certeza de que saberá disso no momento em que terminar de contar.

Ele gesticula na minha direção.

— Viu só o que eu disse sobre falar brigando com as pessoas? Acabou de fazer de novo.

Reviro os olhos com um suspiro cansado. Nem ao menos sei por que ele de repente propôs a si mesmo a fazer uma análise crítica da minha personalidade. Não posso lutar contra isso, então simplesmente opto pelo caminho mais fácil.

— Deixe-me — digo e viro o rosto para o lado a fim de ignorá-lo.

— Vê por que escolhi você? — Ele se levanta e seu corpo aparece no meu campo de visão. — Raramente alguma garota de hoje em dia fala "deixe-me" quando quer ficar sozinha. Geralmente é "vá se danar" ou quem sabe um "vá para o inferno", "vá se foder". Até mesmo na malcriação você sabe ser sutilmente educada. — Finjo um sorriso hipócrita de gratidão pelo elogio. — Apesar de tudo, por trás de toda essa camada de gelo — Aiden faz um movimento com a mão na minha direção —, tenho certeza de que deve haver uma garotinha aí dentro com medo de mostrar ao mundo o que ela secretamente guarda.

Sorrio tão sarcasticamente quanto posso e igualmente me levanto, ficando à altura de meu inimigo e de seu pensamento machista.

— Então toda garota que você conhece tem que ter medo das pessoas? — pergunto.

Seus lábios se desmancham no mesmo tipo de sorriso que dou. Ele dá um passo, com os braços cruzados na altura do peito, e fica frente a frente comigo. Sou uma garota alta até mesmo quando estou usando tênis. Tenho 1,74 metros de altura, seios na medida certa para meu comprimento, uma cintura fina e quadris largos como os de uma dançarina. Mas Aiden, ao se aproximar desse jeito com seus bíceps malhados e definidos e os imponentes 1,89 metros de altura que está especificado no dossiê, acaba com toda a superioridade que tenho em centímetros quando costumo estar perto das pessoas.

— Não toda garota. E o medo a que me refiro não é das pessoas — explica, avançando outro passo, quase colando seu nariz ao meu. — O medo é dela mesma — sussurra para mim como se fosse um segredo. Meu sorriso some. — E você é a primeira que descubro ser assim.

* * * * *

"Paus e pedras podem quebrar meus ossos, mas palavras nunca me atingirão."

Quem quer que tenha dito isso, vivia numa mentira. Um arranhão, um soco e ossos quebrados que ganhamos na escola, numa briga no pátio do recreio, provavelmente já sararam todos. Mas os xingamentos, os nomes cruéis e tudo o que nos foi lançado continuará ressoando em nossos ouvidos, provocando feridas internas e crenças distorcidas sobre nós mesmos. A realidade bate dizendo que palavras são capazes de mudar um pensamento, de partir um coração. Ou de deixar alguém quieto e afastado, receoso por ter sido desmascarado.

É assim que me encontro.

Estou no lado oposto ao de Aiden, sentada no banco traseiro do carro prata que está nos levando até a casa de seus pais. Ninguém nunca foi tão longe me desvendando daquele jeito. Com certeza deixei imprudentemente alguma coisa passar para ele ter dito aquilo, o que comprova que durante esse tempo todo estive sendo atentamente observada. Lembro-me de Aiden ter dito que já estava me observando há algum tempo, antes de me abordar para ser sua namorada. A pergunta é: quão longe ele foi nisso? O que ele exatamente sabe sobre mim?

Quase sufoco só de pensar que ele poderia saber sobre Jo. Ou sobre Serena. Ou sobre... sobre mim. Tudo sobre mim. Começo a suar só de cogitar esta alternativa. Sacudo a cabeça, descartando imediatamente a ideia. Não. Impossível. As notícias dos jornais são antigas. Ninguém poderia fazer a ligação dos fatos tão rápido assim.

Não olho pela janela do carro desde que chegamos a Kingston e fomos recepcionados por Howard, o motorista da família. Ele tem um aspecto jovem, provavelmente não trabalha para a família há muito tempo. Veste uma camisa social branca, o resto de suas roupas são rigorosamente pretas, assim como seu quepe. Seu rosto limpo, destituído de marcas de expressão, resume-se à atenção de olhar para frente enquanto dirige o veículo.

Ignoro as construções arquitetônicas, os prédios, as casas e os pontos turísticos da cidade que desfilam como ícones através da janela do carro. Quanto menos eu olhar, menos lembrarei. Detalhes não são necessários. Será apenas sexta, sábado e domingo, e então está tudo acabado.

— Onde estão meus pais? — Aiden pergunta.

Howard olha de relance no espelho retrovisor.

— A Sra. Blackwell, sua mãe, decidiu ficar na mansão para finalizar os preparativos para sua chegada. O senhor a conhece, ela queria que tudo estivesse perfeito para a estadia do filho e de... — de novo ele olha pelo espelho retrovisor — ... sua namorada.

Sinto uma perturbação vinda de Aiden traduzida em sua postura enrijecida e sua expressão de poucos amigos quando faz outra pergunta:

— E meu pai?

O motorista hesita, perdido por um instante como se estivesse procurando pelas palavras certas. Aiden morde a mandíbula ao ver isso, suas linhas sérias estão tão sólidas quanto concreto.

— O Sr. Blackwell está no hotel providenciando alguns arranjos de última hora.

— Isso foi o que ele ordenou que você me dissesse?

O interior do carro é coberto pela tensão que subitamente sinto que também me envolve. Minha pulsação dispara e minha respiração fica desregulada, como se a briga fosse comigo, e não com o pobre motorista. Aiden simplesmente começou a agir deste jeito hostil de uma hora para outra. Nunca o vi assim antes.

Howard mantém a boca fechada numa linha reta, encarando sua frente enquanto faz manobras no volante.

— O Sr. Blackwell está trabalhando e...

— Howard, por favor — Aiden interrompe. — É sexta-feira à noite. Você supostamente deveria saber o que ele faz nas sextas-feiras à noite. Porque eu sei. E os compromissos dele definitivamente não incluem dar uma passada em um dos hotéis para providenciar "arranjos". — Seu tom é de zombaria ao dizer a última palavra.

— Desculpe, senhor.

— Não se desculpe. Felizmente você não tem nada a ver com um desentendimento profundo entre pai e filho.

O carro mergulha num terrível silêncio que deixa o meu estômago revirado de medo. No que fui me meter? Indubitavelmente não reconheço esse homem que está sentado ao meu lado. Fui enganada pela sua tatuagem e seu maldito piercing de bolinhas prateadas que não param de reluzir no final de sua sobrancelha.

— Ele está... a ponto de viajar a negócios — revela Howard após uma longa pausa. Algo em seu olhar condescendente para Aiden através do espelho me diz que ele não estava autorizado a contar isso.

— Ele está prestes a viajar? Neste fim de semana? Quanta coincidência. — Sua risada é incrédula e irônica, uma que jamais o vi dar. — Por que eu não estou surpreso?

Caramba, a coisa é mais séria do que eu imaginava. Neste momento, o rosto de Aiden pode ser o pesadelo de qualquer criancinha.

— Pare o carro — ele ordena sombriamente.

Pneus guincham quando Howard dá um breque súbito que me faz ser arremessada para frente do banco. Felizmente estou usando o cinto de segurança, senão minha cara já teria encontrado a costa do banco dianteiro há muito tempo.

Com um movimento rápido, Aiden abre a porta do carro e sai sem dizer nada, batendo-a com tudo. Onde diabos ele pensa que está indo? Não importa. Toda a tensão de filme de terror foi embora com ele e finalmente posso respirar. Fecho os olhos, dou uma profunda inspiração e depois expiro tentando ficar calma. Tenho passado por mais estresse nas últimas horas do que o usual.

De repente alguém escancara a porta do meu lado. Inalo bruscamente com o susto e olho.

— E você vem comigo.

Mal tenho tempo de falar alguma coisa quando ele tira o meu cinto e me puxa veículo afora. Acompanho-o tropeçando nos meus tênis com falta de ar. Juro que se uma maratona estivesse acontecendo ali, naquele momento, Aiden e eu teríamos sido os primeiros a cruzarem a linha de chegada. Assim que ergo o rosto após ter subido alguns degraus, descubro tardiamente qual é o nosso destino ao deparar com a placa majestosa: Blackwell Plaza Hotel.

Oh, minha nossa.

O hotel cinco estrelas de alto luxo da família Blackwell. Posso prever o que Aiden tem em mente antes mesmo de passarmos pelas portas giratórias.

— Aiden, abordar seu pai não é uma boa ideia agora. — Aproveito para recuperar o fôlego quando, depois de atravessarmos o saguão, entramos no elevador. Ele está de costas para mim, de modo que não consigo ver o está passando em seu rosto. — Está tudo bem se ele tem que viajar esse fim de semana. Afinal, sei como a vida dos seus pais deve ser bastante atribulada.

— Penúltimo andar — ele fala para o ascensorista, em seguida se volta para mim. Encolho-me na parte de trás assim que vejo as duas sobrancelhas unidas com força, a mandíbula travada e os olhos lançando chispas de fogo. — Não, não está tudo bem. Philip está fazendo isso propositalmente porque simplesmente não pode aceitar o curso que o jogo está tomando. Ele tem que entender de uma vez por todas que as coisas não são mais como ele quer que aconteçam.

— Isso não tem que ser um jogo.

— Para Philip, é. E não vai acabar até que ele seja o vencedor. Não posso deixar, Kristanna. — Em seguida, vislumbro algo em seus olhos que é muito perto de dor. — Não posso deixar que ele volte a infernizar minha vida de novo, tentando exercer controle sob tudo o que faço, ou me dizendo o que tenho que fazer. Não posso ser o que ele quer que eu seja, e isso o deixa enraivecido como se o que eu estivesse fazendo fosse uma afronta. E agora está ignorando o fato de que tem um filho! — exclama em voz alta. — Aquele velho vai me escutar.

Pergunto-me quem exatamente é o enraivecido da situação. Tudo o que sei é o que Aiden me contou. Na minha mente, imagino o pai de Aiden como um senhor, de aparência extremamente circunspecta e traços aristocráticos como os de seu filho. Um pouco baixo, talvez, com um bigode ao estilo do pai de Holly. Ele não chega a ter cabelos grisalhos na imagem que pintei sobre ele, mas fantasio que tenha alguns poucos fios brancos discretos.

Percorremos um corredor inteiro para em seguida dobrarmos numa esquina à esquerda. Encontramos um ambiente mobiliado, com uma mulher trajando roupas formais sentada à mesa.

— Estou aqui para falar com Philip Blackwell.

— O Sr. Blackwell está ocupado no momento. Quem gostaria de falar com ele? — A assistente nem sequer levanta o olhar da revista que está folheando.

— Aiden Blackwell. — A assistente paralisa e, oh droga, só posso dizer que ela está em maus lençóis pelo que fez. Seu rosto maquiado encontra nós dois em pé na frente dela. — O filho dele.

Dou um sorriso para ela tentando parecer simpática.

— Sr. Blackwell, sinto muito. Não o reconheci... — ela se desculpa enquanto está se levantando toda desajeitada. Estou perto o suficiente dela para ver que está ruborizando.

Aiden ri em voz alta. Isso não foi legal.

— Teria reconhecido se tivesse ao menos olhado com quem você estava falando. — Então, gira o corpo num ângulo de noventa graus, fixando uma porta com os olhos. — Ele está aqui ou não?

— Seu pai, ele... — ela gagueja.

Aiden nem ao menos a espera terminar e parte em direção à porta, levando-me junto consigo. Estamos de mãos dadas, com ele apertando os nós dos meus dedos como se eu pudesse fugir a qualquer momento. A sensação que tenho é esquisita, mas não consegue se diferenciar no vendaval de emoções violentas que estou experimentando nesse momento. Desde a nossa entrada neste hotel, sei o que ele quer fazer. Sinto tudo de uma vez só. Forte, arrebatador, embriagante, selvagem. É capaz de desligar minha racionalidade por uma fração de segundo para me tornar ciente de que agora mesmo sinto como se nossas mãos unidas estivessem pegando fogo.

Puro fogo.

A colônia dele penetra minhas narinas. É um cheiro sofisticado e masculino que faz minha nuca pinicar. Enquanto está me guiando em direção à sala, ele abre a porta e entra. Então, libera-me perto da soleira. As chamas imaginárias se apagam. Faço o favor de encostar a porta, pois estou assumindo que a discussão será acalorada. Eu realmente não queria estar aqui para ver isso.

Mudo o meu olhar. Há uma estante numa extensão da sala que é alta e robusta, repleta de livros arrumados em ordem alfabética por título. Sofás de couro marrom num lado e uma mesa de carvalho muito bem polida se encontra a alguns metros da nossa frente. Uma poltrona está virada de costas para nós, sem que possamos ver quem está sentado nela.

— Olá, Philip. — A voz de Aiden reverbera sua ironia contida.

Ele nem ao menos está chamando Philip de pai. Oh, Aiden...

— E o filho pródigo à casa torna. — O tom é firme como um bloco de concreto. Nem fino e nem grosso, apenas perigoso o suficiente para causar medo.

Aiden não parece se abalar.

— Não vim aqui para isso. Você sabe muito bem do que se trata meu retorno.

A risada que ouço é gutural com um toque de assustador. O tipo de risada que ouvi Aiden dar momentos atrás. Tal pai, tal filho. De repente, a poltrona é virada para o lado e o pai de Aiden se levanta, vindo em nossa direção com um sorriso de zombaria.

— Olá, Aiden.

Merda — chio com os olhos arregalados. Felizmente ninguém naquela sala parece ter ouvido.

Alto como Aiden, diria que apenas alguns centímetros menor. Seu corpo é grande como um armário de seis portas abertas, e traja uma calça de linho preta e uma camisa azul-clara com um colete. Os bíceps e os tríceps são tão intimidantes quanto os do filho, mas estão mais para a versão mais velha e bombada. Olhos castanhos, o cabelo castanho-escuro com poucos fios brancos, um rosto marcado pelas linhas de expressão e uma barba que está começando a ficar grisalha. Mas definitivamente não um velho. Não um coroa. Eu diria que muito bem conservado e, caramba, se os dois entrassem numa briga neste momento, não saberia dizer quem sairia como vencedor.

Engulo a saliva quando Philip cruza a sala para ficar frente a frente com seu filho. Não dá para negar que são pai e filho, pois os traços são incrivelmente familiares. A grande diferença reside na jovialidade e o aspecto rebelde dos cabelos de Aiden, bem como as tatuagens e o piercing que Philip não tem.

— A que devo essa honra?

— Ouvi dizer que viajará neste fim de semana, então pensei: "Por que não fazer uma pequena visita ao homem que, biologicamente, acusa ser meu pai?" Desculpe se interrompi algo importante, mas é que eu estava sentindo tanto a sua falta, sabe?

Ah, meu Deus, que show de horrores e de ironias é esse? Parece até que estão prestes a se digladiarem na sala, os olhos tão injetados de amargura e sátira quanto poderiam estar. Desejo cavar um buraco e me enterrar para nunca mais sair de dentro.

Os ombros de Philip sacodem quando ele dá outra de suas risadas.

— É um prazer ouvir isso, considerando que você esteve fora por, deixe-me ver, anos sem ver a sua família.

Aiden bufa de incredulidade.

— Como se fosse uma escolha. Você fez de tudo para que fosse assim, exatamente como queria.

— Você fez a sua escolha. Agora o que tem em suas mãos são as consequências. Está reclamando?

— Ser proibido de ver minha família parece justo para você?

Porcaria. Aiden foi proibido de voltar para o Canadá, sem poder ver a família? Que tipo de pai faz isso? Sei que Philip quis negar o nome da família e deserdá-lo, mas... isso? Não sei o que dizer. Estou chocada demais para esboçar alguma reação decente.

Philip dá um passo.

— Um homem de verdade jamais foge de seu dever.

Aiden avança igualmente.

— Então não sou um homem de verdade de acordo com os seus valores arcaicos. Não sou mais capaz de obedecer cegamente às suas ordens como fazia antes. Você tem os seus deveres para mim, mas não aceito nada que eu não queira. Isso se chama livre-arbítrio. Já ouviu falar sobre isso em algum lugar, talvez?

Philip morde a mandíbula, apertando seus olhos para o filho.

— Idiota. Deveria aproveitar o que muitos não tiveram a oportunidade de ter. Você é um dos meus maiores arrependimentos.

Sinto meu coração se quebrar por Aiden nesse momento. É a pior coisa que um pai poderia dizer a um filho e, por um instante, penso que Aiden pode revidar o insulto com um soco, mas ele se mantém na linha. Ainda posso ver o respeito em seus olhos faiscando em meio a toda raiva.

— Então é assim que vai ser? — Meus olhos demoram a perceber que ele tem seus punhos fechados. — Vai ignorar o fato de que tem um filho?

O rosto de Philip se desmancha em um sorriso hipócrita.

— Ah, eu tenho um filho. — Ele balança a cabeça, concordando. — Apenas um.

Por alguma razão, o ambiente fica extremamente carregado depois do que ele disse. E Aiden... Ele simplesmente não é mais o mesmo. Seus punhos se abrem, perdendo as forças. Então, acena educadamente com a cabeça para seu pai.

— Como quiser.

Trocam um último olhar bastante significativo. Por fim, Aiden dá meia-volta, mal olhando quando passa por mim. Sinto o súbito olhar irritado de Philip sobre mim assim que ficamos sozinhos na sala. Engulo em seco, pensando que nunca fiquei tão nervosa assim na minha vida.

— Kristanna Barton — apresento-me com uma pequena reverência ridícula. — Prazer... senhor.

Em seguida, preciso sair da sala tão rápido quanto um foguete. Está mais do que claro que não sou bem-vinda ali, pois Philip Blackwell é o tipo de homem que faz questão de demonstrar isso na sua carranca. Tenho quase certeza de que ele sabe qual é a minha relação com seu filho, mas não ouso ficar para confirmar. Sei que não sou uma boa pessoa, mas também não chego a ser tão ruim a ponto de querer causar mais brigas entre Aiden e o pai.

Começo a caminhar a passos rápidos pelo Plaza em busca de Aiden. Chego ao saguão em questão de minutos, meus pés doendo da longa viagem que fizemos para atravessar o país e chegar ao Canadá, apenas para Aiden receber essa ótima boas-vindas do pai.

Philip Blackwell definitivamente é o terrorista que eu pensava que era.

Não importa para onde eu olhe, Aiden não está em lugar algum. Estou morta de cansada depois de mais de dez horas de viagem. Quero unicamente tirar a maquiagem do rosto e desabar no primeiro canto macio e fofo que encontrar. Funcionários passam por mim em sua correria sem aparentemente me ver, enquanto clientes trajando roupas de gala se reúnem em rodas de conversa. Ouço burburinhos e risos. Meus olhos estão tão cansados que começo a enxergar de forma turva. Respiro devagar, piscando algumas vezes para me concentrar e espantar o sono.

— Você está bem?

Sorrio para o homem de smoking preto que surge na minha frente segurando uma taça de champanhe em uma mão, enquanto a outra está enfiada no bolso da calça. Temos quase a mesma altura e o sorriso que me dá tem a marca de charme. Seu tom de pele é tão claro quanto seus olhos, que são verdes.

— Estou, obrigada. Estava apenas procurando pelo meu... — Hesito. — Hum, pelo meu namorado. Aparentemente ele está fugindo de mim — termino com um sorriso.

O homem acena com a cabeça, tomando um gole de seu champanhe, e fica mantendo meu olhar por tanto tempo que só posso concluir que ele está esperando algo de mim. Canadenses às vezes sabem ser bem esquisitos.

Estendo a mão.

— Kristanna Barton. Não sou daqui, sou de Oregon.

Sua mão envolve a minha num aperto suave.

— Nathaniel Hooper. É um prazer, Kristanna. — Seus olhos verdes demoram sobre meu rosto mais do que gostaria. — Logo concluí que você não era daqui. Seu sotaque é bem evidente enquanto fala. Está de passagem pelo país?

— Mais ou menos isso. — Recolho minha mão, inconscientemente procurando reduzir o sotaque americano enquanto converso com ele, mas é quase impossível. — Meu namorado é canadense e... está me levando para conhecer a família dele.

O sorriso de Nathaniel é bastante amigável quando comenta:

— Ele deve ser um homem de sorte.

Faço uma careta.

— Nem tanto.

— E por que não? Penso que você é o tipo de namorada que qualquer pai gostaria de conhecer.

— Nem todo pai... — A briga entre Philip e Aiden me vem à mente. Suspiro. — Digamos que um Blackwell pode ser bem genioso quando quer.

Nathaniel baixa sua taça, subitamente surpreso.

— Não está falando de Philip Blackwell, está?

— Você o conhece?

Sua risada é discreta e baixa. Após tomar o resto do conteúdo de sua taça, devolve-a à bandeja do primeiro garçom que passa perto de nós.

— Como poderia não conhecê-lo? Sou o gerente de um dos hotéis dele.

Quase engasgo com a saliva. Merda. O que eu fui dizer para esse cara? Nathaniel não passa de um dos asseclas do pai de Aiden. E eu simplesmente acabei de dizer que ele tem um chefe genioso!

Dou uma risadinha, mexendo os ombros para cima uma vez enquanto olho ao meu redor.

— Eu disse "genioso"? Quis dizer bondoso — tento me corrigir.

Por incrível que pareça, Nathaniel está rindo de mim. Ele não fala nada enquanto me guia até a saída, com uma mão sobre minhas costas inferiores. Alcançamos a parte da frente do Plaza em alguns instantes, onde o sopro da brisa fria da noite nos envolve, deixando o clima agradável.

— Não tiro sua razão sobre a personalidade geniosa dele. Mas não conte a Phil que eu disse isso a você.

Phil? Por que ele está chamando o pai de Aiden por um apelido tão íntimo como esse?

— Se você está aqui, só posso assumir que já conheceu a fera. E que obviamente o namorado ao qual está se referindo só pode ser Aiden Blackwell. Ali está o carro da família e... lá está ele. A propósito, caso não saiba, aquela é Caroline.

Meus olhos desviam para a direção em que ele está apontando e realmente encontro Aiden com uma mulher enquanto conversam na calçada. Ela tem um corpo invejável. É esbelta, com seios generosos e coxas poderosas. Tudo isto está escondido formalmente debaixo do típico uniforme que os funcionários do Plaza usam. Mesmo de noite, sou capaz de ver a impecabilidade de toda sua maquiagem e o perfeito rabo de cavalo.

— Quem é ela? — pergunto, curiosa. — Quem foi Caroline na vida de Aiden?

— Ela é alguém que você adorará conhecer. — Nathaniel faz um leve aceno com a cabeça, seus lábios curvados para o canto direito como se estivessem rindo de alguma piada interna. — Até mais ver, Kristanna.

Sua retirada é soturna no meio da noite. Uma vez sozinha, tento decidir se seria adequado eu me aproximar de Aiden ou se apenas deveria deixá-lo terminar a conversa. Ele esteve tão bravo ultimamente que chego a achar estranho o modo tão aberto e despreocupado com que está conversando com Caroline.

Chego perto o suficiente para pegar algumas frases soltas no ar.

— De camareira à recepcionista. Deve estar bastante contente com sua posição — Aiden observa.

— "Sem dor, sem ganho." Não é o que dizem? Você está tão diferente. Mudado, eu diria. Tatuagens, piercings... Quem diria que por baixo daquele garotinho ingênuo havia um pequeno rebelde esperando pela hora certa de surpreender a todos?

Eu seriamente não consigo pensar em Aiden como um garotinho ingênuo. Teria sido ela a primeira namorada dele? Ou cresceram juntos, talvez? Ou as duas coisas?

— A aparência não define o que uma pessoa é por dentro.

— Bem, isso é verdade.

— Com licença — peço ao me aproximar. — Hum, querido, você se importa se formos agora...?

Procuro transferir todo o cansaço no meu olhar. Preciso desesperadamente de uma cama. Isso ou o banco do carro vai servir. Ele sorri para mim e coloca o braço em volta de minha cintura num gesto tão natural, pegando-me desprevenida com o calor suave que sinto na barriga quando sou gentilmente puxada para junto de seu corpo.

— Caroline, esta é Kristanna, minha namorada. Kristanna, Caroline.

— Prazer — digo.

— Prazer — Caroline retribui o cumprimento.

Eu me empertigo quando me lembro de algo.

— Aiden me falou muito sobre você.

— Ele falou? — Ela franze o cenho, curiosa.

— Falei? — pergunta Aiden.

— Falou. Enquanto ele estava dormindo, e eu...

— Caroline, foi um prazer. — Subitamente ele abre a porta do carro e me joga lá dentro. — Nos vemos por aí.

Aceno toda esfuziante para Caroline, inclinada sobre o banco de couro antes de abrir espaço para Aiden se sentar ao meu lado. O cansaço de repente tinha ido embora tão rápido como quando chegou.

— Você é impossível — acusa ele, afivelando o cinto de segurança com uma carranca.

— Eu? Ora, pensei que eu fosse a cultura e decência em pessoa. O que há de mais em contar um episódio engraçado da nossa vida de casal? Deveria estar grato por eu não ser uma namorada ciumenta.

Aiden não chega a estar perplexo, mas simplesmente parece não acreditar no que eu disse. O resto do caminho para a casa dos Blackwell corre na mais absoluta calma. Um muro alto rodeia toda a casa e portões magníficos se abrem para deixar o carro com passageiros entrar. A casa dos Blackwell é uma verdadeira mansão. Howard fica descarregando nossas malas e penso em ir ajudá-lo, quando Aiden me pega pela mão, guiando-me escadaria acima até que estamos cruzando a entrada principal.

— Aiden! — alguém grita de longe. — Oh, meu Deus, como você está diferente!

Uma mulher de aparência sofisticada aparece do nada e, em seguida, tudo o que ouço é uma mistura de gemidos de alegria e choro. Acontece algo engraçado comigo: estou sorrindo e... sentindo falta. Sentindo falta do que não tenho e do que ainda não posso ter. Minha mãe está morando num instituto psiquiátrico há anos. Por minha causa. Espero ainda estar viva no dia em que ela puder sair de lá.

— Oh, meu filho. — Ela toma as faces de Aiden em suas mãos. — Eu rezei em cada dia, cada hora, cada momento, pedindo que, onde que quer estivesse e o que quer estivesse fazendo, que você estivesse bem. — Agora ela está fungando e vejo uma lágrima ser interceptada com o indicador antes de rolar em seu rosto. — Eu senti tanto a sua falta. Tanto, tanto, tanto...

Os dois ficam abraçados por um longo tempo e eu, particularmente, naquele momento, sinto muita inveja de Aiden. Mas depois, compaixão. Em nenhum mundo acharia justo um pai proibir o filho de ver a família, provocando indiretamente o sofrimento de todos.

— Mãe, quero que conheça alguém.

Ah, meu Deus, ele acabou de chamá-la de mãe. Isso foi tão fofo. Para um cara que eu achava que era um exilado e fazia o que queria da vida, Aiden é mais normal do que posso pensar.

De mãos dadas, ele traz sua mãe até mim.

— Kristanna, esta é Lorelai, minha mãe.

— Olá. — Sorrio e estendo a mão, meio incerta. Acaba que sou puxada para um abraço e fico sem jeito diante de tanta intimidade. — Hum, é um prazer igualmente.

— Meu irmão chegou! Meu irmão chegou!

Uma criança que aparenta ter uns 9 anos desce em disparada pela escada principal, correndo como nunca na direção de Aiden. Por um instante, penso que ele vai desviar da pequena criatura endiabrada, mas, então, vejo o impensável: o garotinho se atira para Aiden, que o pega num abraço apertado. Ambos estão rosnando, grunhindo, brincando como se fossem duas crianças.

Quando Lorelai me libera, ela me olha da cabeça aos pés, encantada.

— Como você é linda, minha querida. Onde achou esta joia rara, Aiden?

Numa boate de striptease.

— Estudamos na mesma universidade. Jack, esta é Kristanna, minha namorada — Aiden me apresenta ao garotinho que de repente fica emburrado quando é obrigado a dar atenção para mim. — Vamos lá, não seja mal-educado. Diga oi para ela.

Após cruzar os braços, ele vira o rosto para o outro lado com um biquinho de malcriação.

— Oi.

— Olá! — Agacho-me para ficar na altura do garoto. — Seu nome é Jack, certo? O que Aiden é para você?

Ele demora para responder, até que ouço-o resmungando:

— Meu irmão mais velho.

Não acredito que ele não me contou que tem um irmão mais novo. Jack é a mini versão de Aiden, e agora descubro que é o irmão caçula. O que significa que é mais um para a minha lista de pessoas com quem devo ser legal.

Fuzilo Aiden com o olhar, mas a verdade é que quero matá-lo. Devagar e dolorosamente. Quase como em uma tortura.

Mais tarde, no quarto de casal, estou desfazendo minhas malas visivelmente brava.

— Você tem um irmão? Por que não me contou isso?

— Esqueci.

— Você esqueceu de mencionar que tem um irmão mais novo? Ah, meu Deus. O que mais eu deveria saber que você deliberadamente esqueceu de me contar?

Agora finalmente entendo o que Philip quis dizer quando falou que tinha apenas um filho, bem como por que isso mexeu com Aiden de uma forma tão dolorosamente devastadora quando saiu daquela sala. Há Aiden e Jack Blackwell, mas Philip está fazendo questão de descartar o primogênito como se fosse um mero objeto defeituoso.

— Nada mais, Kristanna. Nada mais. Deveria descansar agora. Amanhã o dia não será dos melhores, acredito eu.

Minutos depois, saio do banheiro enxugando os cabelos com a toalha.

— Seu otimismo é contagiante. Você acabou de ver sua família! Não está feliz com isso?

— Estou.

— Não parece. Está deitado nessa cama olhando para mim como se eu fosse a vilã da história ou algo do tipo.

Ele levanta as sobrancelhas como se estivesse com muito tédio.

— É que depois de anos sozinho em um país diferente do meu, sem nada nem ninguém, em algum momento eu aprendi a conviver com a minha solidão. Acho que apenas estou tão acostumado a lidar com o pior que, quando o melhor acontece, sinto-me indiferente.

Não tenho como responder à altura, pois não tenho parâmetros para saber o que ele sentiu e pelo que passou quando teve que literalmente abandonar a família se quisesse continuar com os estudos na área que queria.

Embrenho-me nos lençóis e espero até ele apagar a luz do abajur para fechar os olhos. Sua família... Hoje eu conheci a família Blackwell e, embora tenha passado por tanto estresse do início ao fim, confesso que fazia tempo que não sabia o que é estar rodeada por uma família. Sim, o pai dele é um idiota. O irmão mais novo parece ter algum ressentimento por mim que ainda vou descobrir. Mas Lorelai é adorável, totalmente o oposto de seu marido ranzinza, e faz todo o resto ter valido a pena. E também há o modo tão natural e gentil com que ele me apresentou para todos... como se eu realmente fosse sua namorada.

— Apesar de tudo — digo, quebrando o silêncio da escuridão do quarto —, eu gostei de ter conhecido sua família, Aiden.

Estou deitada de costas para ele quando fecho os olhos com um suspiro, procurando por uma posição confortável para minha cabeça no travesseiro. Mas então, sinto meus cabelos sendo acariciados por seus dedos. Em seguida, o arrepio e... o deleite por ser acarinhada. Seu toque tem poder apaziguador sobre meu corpo.

— Boa noite, Minha Loirinha.

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