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༆𝙻𝚞𝚌𝚒𝚎𝚗༆

Queria poder dizer a Kate que o seu esforço em convencer Violet (que por puro capricho não me deu a vaga) a me dar uma segunda chance, foi em vão.

Queria me desculpar por tê-la feito ter que fazer isto.

Como Violet ainda não chegou, vim até a Gaia para pegar algumas coisas do escritório que eu tinha.

— O que está fazendo? — Ouço a voz doce e aveludada.

— Estou indo embora, pedi demissão literalmente. — Informo me virando para ela e jogando algo na caixa que estou usando para guardar as coisas.

Os olhos pretos de Kate me encaram.

— Sinto muito... Ninguém consegue suportar Violet por muito tempo. — Sorrio achando engraçado seu jeito de falar.

— Não sei como você consegue... Depois do que vivenciei. — Kate se aproxima devagar, fazendo seus saltos fazerem barulho contra o piso.

Sinto seu perfume invadir meu nariz.

— Você é uma pessoa honesta, lutador... Vai conseguir outro emprego... Digno de ti. — As palavras soam como um conselho poético... Confiante em mim.

Largo a caixa sob a mesa e me aproximo pegando suas mãos pálidas e delicadas.

— Você foi um anjo, obrigado Kate. — Agradeço de todo o coração e seguro a ponta do seu queixo delicadamente.

O mundo para nos olhos dela e a tensão diminui.

Dou-lhe um beijo, calmo e harmonioso.

Kate reage na mesma intensidade.

A feição de um anjo. Ela sim, é um anjo.

Exala calma e doçura. Generosidade e empatia.

Meus lábios se desprendem dos seus e deixo os olhos fechados por segundos antes de deixar de apreciar o beijo intenso que tivemos.

Observo os traços delicados do seu rosto e deslizo o dedo por seu nariz delicadamente.

— Então... Te vejo por aí. — Minha voz vai sumindo a medida que falo, Kate me observa com uma chateação no olhar.

Infelizmente não vou mais ficar aqui.

Quando cruzo a porta, vejo ela acenando levemente e devolvo, saindo de vez da empresa.

Vou ir até meu pai e ver se ele precisa de algo.

☾︎☽︎

Pouco depois.

Vim de ônibus mesmo, minha vó me recebeu.

— Vão cortar a luz, filhinho. — Diz ela triste e me abraça, inclino um pouco o corpo para abraçá-la por estar já com a coluna comprometida pela idade.

Suas mãos acariciam minhas costas e eu me sinto confortável como se estivesse num berço.

— Eu vou dar um jeitinho vó, não se preocupa, confia em mim. — Asseguro mesmo sabendo que isto não pode ser verdade amanhã... Posso não conseguir dinheiro e cortarem a luz deles.

Só quero que ela fique tranquila, com a idade, está fraquinha e tudo que eu menos quero é que ela tenha um infarto.

A casa é apertada e escura, as janelas têm cortinas escuras, os móveis de madeira bem velhos, mas tudo organizado.

Eles sempre foram bem limpos e organizados.

Tem a sala que é onde entramos, depois a cozinha e o quarto onde eles dormem ao lado.

É um barraco literalmente, mas está preservado apesar das chuvas fortes.

Eu estava juntando dinheiro para dar-lhes uma casa decente... Ofereci um aluguel, mas eles negaram. Por que se não pagar o aluguel, você será despejado sem pensar duas vezes e a pessoa passará para frente a casa, e eles iriam parar na rua.

Poderia levá-los para meu apartamento, mas mal cabe eu.

— Querido, quer café? Fiz agora. — Sorrio ao ver seu carinho por mim.

Sento no sofá, não escuto muitos sons pela casa. Meu pai deve estar dormindo.

— Como ele está? — Pergunto baixinho enquanto espero que ela pegue o café na cozinha pouco a frente.

— Os remédios amenizaram, mas ele ainda está com dor. — Responde vindo com a xícara em mãos e me entrega.

— E a senhora? A pressão continua alta? — Bebo um pouco do café após perguntar.

Eulália senta do meu lado no sofá marrom.

— Sim, eu tenho feito uma dieta, evitado coisas gordurosas e fritura... Mas não adiantou muito. — A frustração na sua voz é dolorosa. Sinto os olhos encherem de lágrimas e bebo mais café para disfarçar. Não quero chorar na frente dela.

— Assim que eu tiver um tempinho vou levá-la em uma consulta dona Eulália. — Não estou mentindo, sempre que posso a levo às consultas com cardiologista e entre outros médicos.

Um sorriso fofo surge nos lábios finos dela.

O rostinho enrugado fica mais corado.

— Obrigada meu filho, você é uma benção. — Sorrio para a velhinha doce ao meu lado e bebo mais café, preciso evitar ao máximo deixar as lágrimas escorrerem.

Queria poder dar tudo do melhor a eles. Estou correndo atrás de todos os meios possíveis para conseguir dinheiro.

Eu receberia o salário em dias se não tivesse discutido com Violet... Estou me arrependendo disto. Foi egoísmo da minha parte não ter pensado neles quando fiz aquilo.

Só não consegui aceitar que a ricaça me humilhasse daquele jeito.

Perrapado.

Eu ainda sou um perrapado para ela, sempre fui.

Violet não precisa de mim, pode achar um novo ou nova funcionária piscando.

Ainda está trabalhando com a ricaça? A Maldonado. — Seu olhar é evidentemente esperançoso... Eu disse a ela, e não posso dizer agora que pedi demissão.

A xícara começa a tremer nas minhas mãos e eu a apoio sob a perna, para que ela não perceba.

— Sim, vó, está indo tudo bem. — Respondo colocando meu melhor sorriso no rosto.

Meu coração gela por segundos... Minha vó não percebeu que é mentira.

Não vou contar até arrumar outro emprego.

Hoje a noite tem outra luta, apostaram em mim e ganharei uns 500 reais se contei bem.

Não me importo com a dor passageira e os vários hematomas... Ficarei sem vê-los tempo suficiente para eles sumirem.

— Eu fiz uma blusa para você, não está frio, mas vai fazer, e essas roupas vagabundas que você compra não vão esquentar. — Minha vó fala com desdém das roupas que eu costumo usar, mas tem razão. Não protegem do frio.

Eulália sai animada e anda devagar até o quarto onde pega com cuidado um embrulho transparente que contém uma blusa de tricô azul escura.

— Obrigado, vó. — Agradeço pegando a blusa e tirando do embrulho desejando ver. Tem um cheiro bom e está bem limpa.

— É simples, mas de coração. — O tecido é quentinho, vai me proteger do frio.

Coisas de vó.

— Não tem mais linha? Vó...

Ela poderia ter gasto em uma encomenda — todavia preferiu fazer uma blusa para mim.

— Fica tranquilo querido, se eu tiver encomendas dou um jeitinho de conseguir mais.

— Agora me responde uma coisa. — Resmungo que sim dobrando a blusa pra colocar no plástico de novo.

Eulália faz expressão de desconfiança e pisca forte.

— Por que quando você chegou aqui, sua boca estava borrada de batom? — Uma quentura sobe no meu rosto e eu quase viro uma panela de pressão.

Que vergonha.

— É... Foi uma moça que conheci. — Devolvo envergonhado.

Eulália dá risada.

— Eu imaginei... Você é um rapaz tão bonito filho, jovem, deveria arrumar uma namorada mais pra frente. — Sei que seu tom animado é contraste com o fato dela querer ter netos e uma nora.

Eulália é uma mãe para mim.

— Ah! Vó, eu até penso na ideia... Mas não tenho tempo.

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