𖦹 XVIII. FRAGMENTOS DE NÓS
18. CAPÍTULO DEZOITO
se a dor é tudo o que sobra, até o amor se desfaz em pedaços impossíveis de juntar
❝ fria o bastante para arrepiar meus ossos
parece que eu não te conheço mais
eu (não) entendo o porquê de você estar tão fria comigo... ❞
𝖼𝗈𝗅𝖽 ━━ maroon 5
SCAR AINDA SENTIA O MUNDO girar ao seu redor. A cabeça pesada, os ombros tensos, os braços formigando. Seus sentidos estavam entorpecidos, como se estivesse presa em uma névoa espessa de dor e confusão, uma nuvem que nublava seus pensamentos. As palavras de Singed ecoavam em sua mente como um sussurro incessante, se misturando ao latejar agudo de sua cabeça.
"Você sobreviveu. Isso é o mais importante", ele dissera, com aquele olhar distante, quase indiferente, como se ela fosse apenas mais um experimento descartável. O silêncio entre eles tinha sido a única coisa que preenchia o espaço, enquanto ela revivia a sensação do líquido ardente se infiltrando em suas veias, da dor cortante que parecia despedaçá-la por dentro.
"Silco não sabia o que estava fazendo inicialmente, mas foi uma inesperada surpresa."
Aquela frase de Singed, quase como uma piada macabra, permanecia em sua mente. O homem era um perturbado, se alegrando com o fato de que ela, mais uma vítima de seus testes inconsequentes, tivesse "dado certo". E Silco, por sua vez, parecia ainda mais insano ao confiar sua vida a alguém tão imprevisível.
O zumbido persistente em seus ouvidos não desaparecia, ecoando como um lembrete constante de tudo o que havia acontecido nas últimas horas. Ela se encostou na parede fria do beco, os olhos fixos em um ponto distante, além das luzes trêmulas da escuridão. A imagem de seu reflexo, agora distorcido pelos novos olhos, permanecia em sua mente, marcada como algo que jamais poderia ser apagado.
Ela passou a língua pelos lábios rachados. O beco parecia mais estreito agora, sufocante, como se soubesse que ela não tinha para onde fugir. Suspirou profundamente, afastando o cabelo do rosto com um gesto lento. Não era a força de uma decisão que a movia, mas uma aceitação silenciosa do inevitável. Virou-se, os passos ecoando suavemente na pedra úmida, enquanto desaparecia na direção das luzes esverdeadas de Zaun, carregando consigo a certeza de que seguir em frente era tudo o que restava.
𒅌
Ao atravessar a entrada do bar, Scar observou a bagunça que se espalhava pelo saguão principal. O balcão fora de ordem, as mesas espalhadas e reviradas por todos os cantos, cadeiras quebradas e vidros de garrafas estilhaçados.
A desordem parecia refletir o caos interno que ela carregava, o turbilhão de emoções que ainda a consumia, misturado com a frustração de se ver ali, mais uma vez, sem saber o que fazer com tudo o que acontecera. O bar parecia um reflexo perfeito da sua própria vida: quebrado, em ruínas, algo que um dia teve forma, mas agora era apenas uma sombra do que poderia ter sido.
O som de passos se aproximava, mas era como um eco distante, reverberando nas paredes frias e sujas. Scar estava parada, os olhos fixos no chão, na destruição ao seu redor. Os passos, ao longe, se aproximavam em um ritmo que oscilava entre pressa e pausa, como se quem quer que fosse estivesse retardando a chegada.
Finalmente, a silhueta de Jinx apareceu, e o som parou abruptamente, como se uma força invisível tivesse travado seu caminho. Scar a olhou de soslaio, a cabeça ainda baixa, a expressão impassível. As palavras não pareciam querer sair, mas o silêncio logo se tornou insuportável. Havia uma estranheza no ar, e Scar sabia que, por mais que tentasse se proteger, essa conversa viria de qualquer maneira. Não havia como fugir.
— Você já está... – Jinx falou, a voz descontraída, mas seus olhos cor-de-rosa brilharam por um segundo, mostrando um lampejo de surpresa — Espera, também?
Scar levantou a cabeça, os olhos se encontrando com os de Jinx, sem pressa de responder. O silêncio se estendeu entre elas, desconfortável. Ela não precisava dizer nada, mas estava esperando algo, talvez um sinal, uma reação de Jinx. Era estranho, mas, de algum jeito, ela sentia que Jinx não estava ali apenas por acaso. Algo estava se formando naquele momento, algo maior, e Scar não sabia se estava preparada para enfrentar.
— Parece que sim – Scar deu de ombros, sem se importar muito — Aliás, obrigada por quase nos matar.
Jinx piscou, soltando uma risada abafada, e sua expressão se tornou ligeiramente travessa, como sempre. Ela deu um passo à frente, como se o comentário de Scar fosse apenas mais um em meio a tantas outras provocações.
— Foi um erro mal calculado, eu diria. Não tive a intenção, Scarzinha.
Scar ignorou o tom leve, mas não conseguiu impedir uma expressão de frustração cruzar seu rosto. Ela não queria jogar fora a chance de conversar, mas cada palavra de Jinx parecia apenas empurrá-las para um lugar onde as verdades mais duras não eram ditas. O que acontecia ali não era só sobre o momento, mas sobre tudo o que estava acontecendo nos bastidores. Jinx sempre fora boa em mascarar suas intenções, e Scar tinha aprendido a desconfiar de cada sorriso que ela dava.
— O que aconteceu aqui? – Scar perguntou, seu tom baixo, mas carregado de curiosidade.
Jinx deu de ombros, seus olhos brilhando com um leve toque de diversão.
— Uma confusão idiota.
Scar revirou os olhos. Ela estava cansada de respostas vagas e desculpas esfarrapadas. Mas, em vez de retrucar, apenas suspirou, como se já soubesse que não iria obter nenhuma resposta satisfatória. Caminhou sem olhar para trás, os estilhaços de vidro estalando sob suas botas, o som de cada passo mais pesado que o anterior. Ela não queria ficar ali, mas também não sabia o que fazer. A única coisa que a impelia era a sensação de estar sendo puxada para algo que não podia controlar. Algo que ela não entendia, mas que estava prestes a ser revelado.
— Preciso ir. Estão esperando – Jinx disse, interrompendo os pensamentos de Scar. Ela deu um passo à frente, seus olhos brilhando com uma proposta quase irreconhecível de sinceridade — Quer vir?
Scar parou, os olhos se estreitando ligeiramente. "Estão esperando?" se perguntou, sentindo a pontinha de curiosidade crescer dentro de si. Quem, exatamente, estaria esperando por Jinx? Mesmo sendo comum que Jinx fosse misteriosa e imprevisível, não era frequente - na verdade, nunca - que alguém estivesse esperando por ela. Isso instigou a curiosidade de Scar, que odiava estar no escuro sobre qualquer coisa, especialmente quando envolvia os problemas de Jinx, que poderiam eventualmente afetá-la.
Se Jinx estava ali, como sempre, com aquele sorriso travesso e aquele brilho nos olhos, era porque algo estava por vir. Algo que, com certeza, não seria fácil.
Scar hesitou, mas acabou seguindo, a curiosidade latejante em sua mente. O que mais poderia acontecer? Ela sabia que as coisas estavam em um ponto crítico, mas ao mesmo tempo, o que ela tinha a perder? Nada mais parecia seguro.
𒅌
As paredes sujas e o ar denso indicavam que o lugar estava longe de ser seguro, mas ela continuou a caminhar, cada passo mais pesado. Jinx, como sempre, parecia à vontade, quase se divertindo com a situação, enquanto Scar mantinha uma expressão impassível, mas alerta.
Ao entrarem, Scar notou uma grande mesa de jantar posta, mas não havia nada de elegante nela. O que deveria ser organizado parecia mais uma bagunça de coisas coloridas e mal distribuídas, como se fossem jogadas de qualquer jeito sobre a madeira. Candelabros de forma irregular estavam espalhados pela mesa, tornando o ambiente ainda mais caótico. No centro de tudo, estava Violet, amarrada a uma cadeira, com os olhos desorientados.
Só podia ser brincadeira.
— Vou embora – Scar disse, já se virando para sair, mas Jinx entrou na sua frente, bloqueando o caminho.
— Não vai. Fica com ela – Jinx respondeu com um sorriso travesso, antes de desaparecer na escuridão do restante do prédio, deixando Scar sozinha com Violet.
Scar parou, a sobrancelha erguida. Jinx achava mesmo que ela ficaria?
— Pode me explicar o que é tudo isso? – Violet perguntou, sua voz grave, mas cheia de cansaço.
Scar parou por um instante, antes de responder com um sorriso sarcástico.
— Não me pergunte nada, eu não sei. Mas, se tivesse que adivinhar, diria que alguém fez uma festa e esqueceu de convidar a lógica.
Violet a olhou com uma mistura de frustração e surpresa, mas Scar não se importou.
— Então é isso? – Vi perguntou, claramente irritada e preocupada ao mesmo tempo — Você vai ficar aí, fazendo piada, enquanto me deixaram amarrada?
— Ah, eu não te deixei amarrada. Se dependesse de mim, continuaria assim até aprender a não se intrometer em nada –Scar respondeu com um sorriso malicioso, se divertindo com a tensão no ar.
Vi não se intimidou. Ela suspirou, tentando entender as mudanças na mulher à sua frente.
— Não adianta tentar me afastar com esse papo. Você não era assim. Não comigo.
Scar estreitou os olhos, o sorriso malicioso desaparecendo por um instante. As palavras de Vi a atingiram de forma inesperada, mas ela rapidamente recuperou a compostura, cruzando os braços e inclinando a cabeça de lado.
— Talvez eu tenha aprendido a ser assim, com você – disparou, sua voz carregada de rancor.
— Eu não fui embora! – Vi retrucou, a indignação evidente no tom.
Scar não respondeu, as palavras de Violet parecendo deslizar por ela sem deixar vestígios. Ela permanecia imóvel, o olhar perdido em um ponto distante, como se a simples presença de Vi fosse uma ferida aberta. O silêncio entre elas era sufocante, carregado de mágoas não expressas.
Vi sentia o peso do momento, a frieza de Scar apertando seu peito. Observava os traços endurecidos da loira que um dia conheceu, tentando encontrar ali um resquício daquela garota que costumava sorrir ao seu lado. Mas era como olhar para um estranho com o rosto familiar. Algo dentro dela sussurrava que havia mais naquela mudança do que raiva.
Ela sabia que havia ferido Scar, que o que aconteceu no passado deixou marcas profundas, mas nunca imaginou que a encontraria assim: fria, distante, quase irreconhecível. Cada segundo de silêncio era uma lembrança cruel de como as coisas tinham mudado, de como tudo o que aconteceu naquele dia também destruiu tudo entre elas.
— Quando você olha para mim, você... não sente mais nada? – Vi perguntou, sua voz falhando, como se a resposta pudesse desmoronar tudo o que ainda restava entre elas.
Scar respirou fundo, o olhar vacilando por um momento antes de se fixar em Vi. Sua expressão era dura, mas havia algo nos olhos - uma faísca de emoção que ela tentava esconder desesperadamente.
— Quando eu olho para você, – começou, sua voz baixa, quase rouca — tudo o que vejo é o que vivemos e compartilhamos antes, mas não como você pensa. São só sombras. Manchas escuras se espalhando, engolindo tudo ao redor.
Vi prendeu a respiração, mas Scar continuou, o peso em suas palavras aumentando.
— Mas, no meio de toda essa escuridão, tem uma chama. Pequena, quase apagando... e é aí que eu vejo você. Não você agora, mas você naquele dia. O dia em que não foram só o Vander e os outros que morreram. Foi o dia em que a Áster morreu também.
Vi engoliu seco, sentindo um nó apertar em sua garganta. Sabia que aquele momento tinha mudado tudo, mas ouvir Scar colocar em palavras era como reviver cada segundo da tragédia.
— Scar... – começou, mas foi interrompida pela própria.
— Não. Não me chama assim, não com essa voz – os olhos de Scar brilharam, cheios de algo que Vi não conseguia definir: raiva, dor — Você não entende. Você saiu daquela explosão como uma sobrevivente. Eu saí como um fantasma.
Vi lutou contra as cordas novamente, seu corpo tenso de frustração.
— Eu nunca quis que isso acontecesse com você. Nunca quis que você sentisse isso! – rebateu, a emoção transbordando em sua voz — Mas eu estava lá. Eu lutei. Eu perdi pessoas também, Scar.
Scar desviou o olhar, como se aquelas palavras fossem fortes demais para suportar. Ela apertou os punhos, lutando contra algo que parecia maior do que ela mesma.
— Sentir não muda nada, Vi. Não traz ninguém de volta. Não conserta o que foi destruído.
— Talvez não – respondeu, com a voz mais suave — Mas isso não significa que acabou. Não significa que a gente não pode... achar um jeito de sair disso.
Scar soltou uma risada amarga, passando a mão pelos cabelos.
— Você é mesmo impossível, Violet. Ainda acha que pode salvar tudo.
— Eu só quero salvar o que ainda resta.
Scar ficou em silêncio, seu olhar preso em Vi como se procurasse algo – uma verdade, um motivo, uma razão para acreditar. Por um breve instante, parecia que ela estava prestes a dizer algo, mas, ao invés disso, deu um passo para trás.
— E se não restar nada?
Vi sentiu o ar deixar seus pulmões, como se as palavras de Scar tivessem roubado o pouco de força que ainda lhe restava. O peso daquela confissão, daquela dor crua que Scar carregava, parecia esmagá-la. Vi se perguntou quantas vezes Scar havia se sentido assim, sozinha com seus fantasmas, enquanto ela mesma estava presa, sem poder fazer nada. Era uma angústia que apertava seu peito, misturando culpa e impotência em um turbilhão que ela mal conseguia processar.
Ela queria dizer algo, qualquer coisa, mas as palavras pareciam inúteis diante do abismo que as separava. A chama de que Scar falava – aquela que ainda persistia – era tudo o que Vi tinha para se agarrar. E, mesmo assim, ela sentia que a cada instante aquilo escapava por entre seus dedos, como areia levada pelo vento.
Scar ainda estava de costas, sua silhueta rígida contra a luz fraca do ambiente. Havia algo em sua postura que traía a fachada de força: os ombros levemente caídos, as mãos cerradas em punhos que tremiam. Vi percebeu que, por mais que Scar fosse boa em esconder, ela também estava travando uma batalha interna.
— Você acha mesmo isso? – Vi murmurou, sua voz mais suave, mas ainda carregada de intensidade.
Scar não respondeu de imediato, e o silêncio parecia mais pesado a cada segundo. Quando finalmente se virou, seus olhos brilhavam, mas agora havia algo a mais ali.
— Eu acho que você não entende nada – disse ela, sua voz mais fria do que antes.
Vi franziu as sobrancelhas, sentindo um calor crescente em seu peito, um misto de frustração e dor.
— Não entendo? – retrucou, a voz subindo um pouco sem querer — Eu perdi todo mundo, Scar! Vander, nossos amigos, a Powder... você. Acha que foi fácil pra mim?
Scar deu uma risada seca, carregada de amargura.
— E ainda assim, aqui está você, querendo bancar a heroína. Achando que pode remendar o que foi destruído.
— E você? – Vi devolveu, a intensidade em sua voz crescendo — Vai continuar se escondendo atrás dessa armadura de ódio? Fingindo que nada importa, quando claramente importa?
Scar deu um passo à frente, o rosto endurecido pela raiva.
— Não me diz o que eu sinto, Violet! Você não sabe o que é viver com isso todos os dias, com o peso de tudo que aconteceu.
— E você acha que eu não vivo com isso? – Vi disparou, inclinando-se para frente apesar das cordas que ainda a prendiam — Cada dia, Scar. Cada maldito dia, eu penso no que poderia ter feito diferente.
Por um momento, Scar permaneceu em silêncio, seus olhos fixos nos de Vi, como se tentasse encontrar alguma falha na determinação dela. A tensão entre elas estava prestes a explodir, e, por um breve instante, Vi sentiu que a barreira de Scar, erguida com tanta força, começava a rachar, ainda que de forma quase imperceptível.
— Isso não muda nada – sua voz estava mais baixa, mas ainda carregada de dureza.
Violet, com o peito apertado pela frustração, estava prestes a responder, quando o som das botas leves de Jinx ecoou pelo ambiente, quebrando o silêncio carregado. Com um movimento teatral, Jinx empurrou a cadeira onde Silco estava sentado, posicionando-o na ponta da mesa, como se estivesse montando um cenário cuidadosamente ensaiado. Sua postura era relaxada, mas os olhos fixos em Violet tinham um brilho desafiador.
— Estava com saudade da nossa pequena reunião de família? – Jinx provocou, um sorriso torto e cruel estampado no rosto.
Scar estreitou os olhos, sentindo a mudança no clima, mas sem desviar o olhar.
Os olhos de Silco pairavam sobre Scar, Jinx e Vi, analisando cada expressão como se procurasse algo para entender o jogo que se desenrolava diante dele.
Jinx inclinou a cabeça, aguardando uma reação. A tensão na sala aumentava a cada segundo, como se todos estivessem à espera do próximo movimento.
— Acho que precisamos disso, não é? Eu, você, Scar, o homem que nos tirou tudo... E claro, tem uma convidada à parte, essa é um pouco indesejada.
Jinx fez uma pausa, como se estivesse refletindo sobre o que acabara de dizer. Seus olhos brilharam por um momento, mas a dúvida que passou rapidamente por seu rosto foi rapidamente abafada por um sorriso enigmático.
— Mas, quem sou eu para questionar? Todos têm seu papel aqui, até os indesejados. E talvez seja exatamente isso que torna tudo tão único.
Scar observava a cena com atenção, sua expressão inalterada, mas seus olhos traíam a tensão que sentia. Ela permanecia imóvel, sua presença preenchendo o espaço de maneira sutil, mas pesada, como uma força silenciosa prestes a ser liberada.
Jinx se inclinou ligeiramente para frente, sua expressão calma, mas com uma provocação evidente.
— Hora de fazer algumas escolhas, maninha.
demorou um pouquinho, mas saiu!
scar e vi conversando é de deixar qualquer um doido, não aguento.
até o próximo capítulo! 🤍💋
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