
032. ADEUS, IRMÃO.
ÁS VEZES, A ÚNICA MANEIRA DE SOBREVIVER... É QUEIMANDO O PASSADO COM AS PRÓPRIAS MÃOS.
Caminhei rápido pelas escadas em direção ao andar de cima. Tudo ao meu redor parecia acontecer depressa demais, barulhos, memórias, sangue, fogo, mas minha mente estava lenta.
Como se meu cérebro se recusasse a processar aquilo tudo de uma só vez. Eu queria voltar.
Queria continuar lutando, cortando aqueles tentáculos com machados e facas, mesmo sabendo que era inútil. Mas não podia. Eu não podia abandonar o plano agora.
Respirei fundo.
Entrei no cômodo escuro e empoeirado, e assim que meus olhos encontraram Charlie, o mundo parou.
Seu rosto... metade do corpo queimado. Os cabelos loiros curtos de um lado, como se jamais fossem crescer de novo. Ele flutuava no ar, paralisado. Em transe.
Em silêncio, deixei a mochila no chão. Peguei uma das garrafas com gasolina, coloquei o pano e acendi. Ainda com a garrafa em chamas nas mãos, dei um passo à frente.
—— O que começa com fogo... termina com fogo —— murmurei para mim mesma, jogando a garrafa em direção a Charlie.
Os olhos dele se abriram. Brancos. Vazios. Mas não completamente. Ainda havia algo lá dentro. Ele ainda estava lá.
O fogo tomou conta do corpo dele, invadindo o cômodo num piscar de olhos. E então ele gritou. Em dor. Em agonia.
Estendeu a mão em minha direção, e, num segundo, fui arremessada para trás com força. Não cheguei a bater na parede. Simplesmente caí no chão.
Tudo escureceu.
Não estávamos mais na casa dos Creel. Estávamos em outro lugar. Em alguma mente. Talvez na minha.
Me levantei devagar. A espada estava no chão. Peguei-a e comecei a caminhar, tentando entender.
Que porra estava acontecendo?
Vi Charlie ali, mais à frente, e corri com a espada em punho. Eu não ia hesitar, não dessa vez.
No instante em que minha lâmina tocou o corpo dele, tudo sumiu. Eu caí.
Parecia um jogo. Uma tortura. Ele estava brincando comigo. Me fazendo correr em círculos. Um ciclo sem fim.
Quando abri os olhos de novo, estava em uma sala clara. Bem decorada. O ar era leve, praiano. Cortinas brancas dançavam com o vento. O sol inundava tudo pela janela, fim de tarde.
Caminhei para fora. Senti areia sob meus pés.
Era confortável. Quase real demais.
—— Sam! —— A voz de Steve ecoou pelo lugar.
Levantei os olhos e o vi ali, sorrindo, brincando com um garotinho nos braços. Eles estavam na beira do mar.
E então eu percebi.
—— Essa memória não é real —— sussurrei, me virando para trás.
Tudo começou a desmoronar. Steve desapareceu. O sol sumiu. Não havia mais nada. Corri, corri como se pudesse fugir daquilo. Mas não havia fim. E então parei.
Fechei os olhos. Respirei.
Se ele não vinha até mim... então eu iria até ele.
A calma tomou conta do meu corpo. Quando abri os olhos, eu estava no controle de novo.
Mas já não estávamos na minha mente.
Era a mente de Charlie.
Estávamos no cemitério. Diante de quatro covas abertas. A família Winter... todos mortos. Olhei para uma cova em especial.
Meu nome estava ali. Eu tinha sido declarada morta após o meu desaparecimento. Estava enterrada ao lado dele.
—— Não imaginei que nosso reencontro seria assim —— disse Charlie, surgindo mais à frente.
—— E eu não pensei que teria que me despedir de novo —— respondi, amarrando no punho da espada a bandana preta que Eddie me deu.
—— Vai me matar? —— ele perguntou. —— Me matar de novo?
—— Quantas vezes forem necessárias —— respondi com os olhos cheios de lágrimas.
Ele respirou fundo. E criou uma espada idêntica à minha.
Ali, diante de nossos túmulos, estávamos prontos para morrer.
Corremos um na direção do outro. Meu coração batia tão forte que eu não sabia se era pela raiva ou pela tristeza. Mas naquele instante, eu só queria uma coisa: matá-lo.
A espada de Charlie veio contra mim, rápida. Bloqueei, mas meus braços vacilaram. Ele atacou de novo, e eu recuei. Consegui cortar seu ombro, um golpe profundo.
Os olhos dele estavam cheios de fúria, não apenas a dele. A raiva de Vecna também queimava ali.
Ele avançou e, dessa vez, cortou minha barriga. Profundo. A dor me tirou o ar. Eu estava morrendo?
Tentei me defender, mas Charlie pressionou minha espada no chão com os poderes dele e pulou sobre mim. Seus joelhos esmagaram meu corte. Eu senti o gosto do meu próprio sangue na boca.
—— Você tinha razão... —— murmurei, mesmo com as mãos dele apertando meu pescoço. —— Eu queria que você morresse.
Ele hesitou.
—— Você era o único que me prendia dentro daquela casa —— continuei. —— E quando você morreu... eu só fugi. Talvez estivesse certo. Talvez eu quisesse que você morresse pra que eu pudesse seguir em frente.
Charlie se levantou.
Estendeu a mão e me ergueu no ar, pelo pescoço. Eu sangrava, sem forças.
—— Então faz o que quiser —— murmurei, pendurada no ar. —— Me mata. Me faz parar de sentir culpa!
E naquele instante, ele me abaixou devagar, tocou meu rosto, as mãos sujas do meu sangue.
—— Você ainda pode mudar de lado... e vir comigo —— disse ele.
Eu encarei.
—— Lembra o que dizem sobre anjos? —— perguntei. —— Que o sangue deles na arma de um guerreiro garante a vitória na guerra?
Charlie assentiu. E então... cuspiu sangue no meu rosto.
—— Eu quero o seu sangue na minha espada —— sussurrei.
E com toda a força que ainda restava, empurrei a lâmina contra o estômago dele. Ele vomitou mais sangue.
Afastei o corpo dele da lâmina e fiquei olhando.
Sangue por toda parte, e então... acordei.
Estava de volta à casa dos Creel. Ainda sangrando. Charlie no chão. Exatamente como eu tinha deixado.
—— Sam! —— gritou Steve.
Corri, mesmo cambaleando, para as escadas.
—— Steve! —— respondi, arfando.
Ele me segurou nos braços, me abraçou apertado. A dor do corte ainda queimava, mas... eu estava viva. Estava com ele.
Steve tocou meu rosto, limpando o sangue que Charlie deixou. Sorriu, com lágrimas nos olhos.
—— Você conseguiu... —— disse, a voz tremendo.
E pela primeira vez em muito tempo... eu me permiti acreditar. Talvez eu realmente tivesse conseguido.
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