FOUR, dedication
QUATRO, dedicação
KSENYA IMAGINOU QUE, com apenas um dia inteiro na companhia de Nikolai desde que ele voltou, estava começando a se tornar louca como ele ao aceitar o seu convite para a reunião no Grande Palácio. No entanto, ao atravessar sozinha aquelas enormes portas de madeira esbranquiçada e perfeitamente desenhadas, esperou que os dois guardas tentassem expulsa-la as ameaças. Mas nenhum deles disse nada, nem mesmo olharam para ela.
No inicio da reunião esteve claro que os conselheiros do Rei não levavam Nikolai a sério. Mas quando a conversa começou a alongar, graças ao próprio Nikolai, eles finalmente começaram a se portar como conselheiros reais diante de um príncipe que se portava como soldado, o orientando sobre as defesas de Os Alta. Então quanto mais o tempo passava, Ksenya adentrou aos poucos nos assuntos, em seguida Alina começou a fazer o mesmo quando lhe foi pedido para que explicasse o pouco do que sabia sobre os nichevo'ya.
Naquela manhã conversaram sobre as tropas que guardavam os muros da cidade, sobre armamentos e o sistema de alerta empregado para o caso de um ataque surpresa. E claro que Nikolai não deixou de fora a recomendação de alguns dos melhores guerreiros grishas. Primeiro e Segundo Exército juntos outra vez, precisava dar certo. Infelizmente os conselheiros ainda duvidavam da lealdade dos Grishas, mas Nikolai não parecia se preocupar.
Ksenya ainda conseguiu dar algumas palavras, dizer que o Darkling não era como os outros inimigos de Ravka, que ela o conheceu por determinado tempo e sabia que era impossível negociar e que ele jamais iria se render. Mas quando eles não quiseram entender, Ksenya se irritou e permaneceu o restante da reunião calada. Estava no Grande Palácio e tinha vontade de abrir a mente dos conselheiros reais a base do soco, por isso decidiu apenas ouvir enquanto se acalmava internamente.
Mas a reunião ocorreu bem. Grishas e soldados juntos e ninguém havia sido assassinado.
─ Por que você está com esse sorriso idiota no rosto? ─ perguntou Ksenya quando ela e Nikolai pararam sozinhos de frente a enorme porta do Pequeno Palácio.
─ Sei como você se controlou no Grande Palácio ─ respondeu ele, sem parar de sorrir. ─ Você pode até tentar, mas sua expressão não engana ninguém.
─ Ou você anda prestando atenção demais em mim ─ retrucou ela.
Nikolai saiu do lado e parou na frente dela, rostos próximos, então ele soltou uma risada baixa.
─ Achei que isso fosse óbvio.
Ksenya revirou os olhos e passou por ele, propositalmente acertando seu ombro. Ele a seguiu, presunçoso. Não havia nenhum grisha no salão, o teto abobadado continuava riscado com uma mera cicatriz superficial desde que Alina o acertou com o Corte.
Tudo estava quieto demais até que a voz de Ksenya expulsou o completo silêncio.
─ Vem comigo ─ sem se importar que Nikolai era o filho do Rei - dispensando rumores, Ksenya agarrou sua mão e o puxou na direção da biblioteca.
Mil e uma cenas nenhum pouco comportadas ou maduras surgiram na mente do príncipe quando ela olhou para os dois lados e fechou a porta da biblioteca, deixando-os sozinhos. Havia sido confuso, mas ele não se importava nenhum pouco com isso. Estava pronto para abrir os braços e pedir para que Ksenya fizesse o que quisesse com ele.
Mas a Sangradora não se aproximou dele novamente, não como ele achava - e queria - que acontecesse. Ela se abaixou diante de um armário. Nikolai franziu a testa, dando um passo para o lado para observa-la melhor.
─ O que estamos procurando?
─ Sabe os experimentos de Morozova? ─ perguntou ela. Nikolai continuava confuso, mas assentiu para que Ksenya continuasse. ─ Todos os experimentos com amplificadores estavam documentados. A Dobra só foi criada graças ao Herege Negro que tentava recriar os experimentos quando alguma coisa aconteceu. Eu sei que tecnicamente os diários de Morozova foram queimados, mas eu tenho quase certeza que já vi algo por aqui.
Nikolai continuou quieto, deduziu que Ksenya ainda tivesse algo para falar.
─ Eu sei que tem alguma coisa sobre merzost, algo que possa nos ajudar. Eu só preciso encontrar...
Então ela parou de mexer no quer que fosse dentro do armário. Sua expressão parecia contente quando olhou para cima e tirou as mãos de lá, trazendo consigo um enorme livro.
Quando o livro foi colocado em cima da mesa de centro, um pouco de poeira de manifestou. Nikolai fez um gesto como quem limpou o ar quando Ksenya passou a palma da mão no livro e o abriu. Havia um fundo falso que caberia dois ou três livros dependendo da quantidade de páginas. Mas não havia nada escondido. Nada sobre o merzost, sobre Artesão de Ossos, ou quaisquer santos milagrosos que pudessem ajudá-los.
─ Um a zero para o Darkling ─ comentou Nikolai. ─ Como você sabia sobre isso?
Ele não foi afetado por não haver nada dentro do livro de fundo falso, já esperava por isso. Mas de Ksenya foi arrancado aquele filete de esperança, realmente imaginou que houvesse alguns dos documentos de Morozova lá, ou algo que pudesse ajudá-los contra os nichevo'ya, ajudá-los a combater o Darkling que ficava cada vez mais poderoso.
Ksenya só queria fazer alguma coisa. Compensar.
─ Quando você foi embora ─ ela deu as costas, passando os dedos livremente pela estante ─ eu quis me ocupar, me dedicar a alguma coisa e deixar de ser somente uma criança. Disse ao Darkling que desejava ser uma das melhores Grishas. Achei que ele ia rir de mim, no entanto ele me contou diversas histórias sobre ele mesmo e de alguma maneira também ajudou a intensificar os meus poderes. Eu tinha acabado de fazer treze anos mas batalhava como uma adulta. Os anos passaram, crescemos um pouco mais. Zoya, Fedyor, Ivan e eu estivemos na linha de frente com ele... sempre e sempre. Eu me dediquei porque tudo o que eu mais gostava de ouvir era um elogio dele ou até um breve aceno de cabeça que significava que ele estava orgulhoso de mim.
Ksenya conseguia lembrar exatamente do dia nublado e chuvoso em que David havia a avisado que Darkling gostaria de falar com ela após o jantar ─ É algo bom, Ksenya. Era sobre seu primeiro amplificador. O Darkling estava na sua sala, sentado sobre a mesa, o prato vazio. Quando entrou, ele só precisou de um gesto para que ela se aproximasse, ele tocou seu braço e passou as mãos pelo seu pulso onde o bracelete ficaria.
Ksenya se afastou das prateleiras, olhou diretamente no rosto de Nikolai.
─ Eu não fiz perguntas quando ele nos mandou atrás de Alina e do rastreador ─ confessou. ─ Zoya e eu quem os encontramos, eu estava irritada com Alina, estava prestes a parar o coração de Oretsev e nem sei porquê... então me assustei quando Darkling usou o Corte no cervo e não consegui mais pensar em nada, só observei David ir pegar os chifres. Aquilo foi cruel, mas imaginei que era um mal necessário ─ Ksenya fez uma pausa curta quando olhou para o chão. ─ Então no esquife, no dia da Travessia... pelos Santos, Nikolai... aquelas pessoas... eu nunca imaginei... eu ajudei a matar todas elas... minha própria família.
Ela não aguentou e se virou para o outro lado. Nikolai imediatamente foi ao seu encontro, passando seus braços ao redor dela, a puxando para um abraço.
─ Eu só quero compensar de alguma forma ─ sua voz saiu embargada enquanto seu rosto era coberto pelos braços e peitoral do príncipe.
Nikolai também fechou os olhos quando sentiu que seu abraço era retribuído. Gostaria que Ksenya descarregasse tudo o que sentia nele naquele exato momento. Ele beijou os cabelos avermelhados da Sangradora, sentindo seu leve perfume amadeirado.
Quando abriu os olhos enxergou Alina na porta da biblioteca e não soube o quanto ela havia escutado daquela confissão, mas metade de si desejava que fosse o bastante para perceber que Ksenya não era nenhum pouco parecida com o Darkling.
Que ela cometeu erros mas ainda tinha um bom coração.
𓍢
Os Grishas no Pequeno Palácio estavam consideravelmente mais animados ultimamente. O jantar estava sendo divertido, com Galena, a garota Infernal de catorze anos, fazendo piadinhas sobre como Nadia parecia tão apaixonada ultimamente, só não contou quem era a felizarda.
Era óbvio que muitos sentiam saudades dos outros demais. Fedyor parecia feliz de seguir Alina e todo o plano recorrente, mas sentia falta de Ivan; Ksenya ainda sentia falta de Genya, e sabia que David também, claro que de algum modo esquisito, mas ainda assim sentia.
Depois que Marie saiu dizendo que iria para o banho, Sergei se retirou uns dois minutos depois, e, como se todos tivessem treze anos de idade, isso gerou diversas piadinhas enquanto ele apenas balançava a cabeça negando e rindo.
─ Vocês são um bando de crianças, nem Galena age assim.
Nikolai não apareceu para o jantar e nem depois. Quando Zoya levantou, depois Paja e Galena se levantaram, Ksenya resolveu ir, desejando boa noite para os que sobraram na sala de jantar. Contudo, não imaginava que Alina iria embosca-la antes que chegasse ao quarto.
─ Ksenya... ─ ela ouviu, a garota caminhou rápido ate ela. ─ Pode me acompanhar em uma caminhada noturna?
Ksenya definitivamente achou aquilo a coisa mais esquisita que já ouviu.
─ Achei que tivesse dois guardas. Tolya e Tamar certamente ficarão chateados.
─ Não estou te chamado para ser minha grisha protetora, só quero que me faça companhia... caso sinta vontade ─ Alina completou, era perceptível como se sentiu tola ao dizer as últimas três palavras.
Fora do Pequeno Palácio não estava tão frio quanto parecia, mas ainda assim Alina abraçou o próprio corpo. Foi difícil começar um assunto já que não eram amigas e não tinham o que conversar. Da última vez que estiveram sozinhas Alina estava sentada sobre o chão da cabana do Darkling, esperando para que David surgisse com o General e colocasse o colar do cervo em seu pescoço; naquele dia Ksenya só a observou, já desconfiando que estava no lado errado(para só ter certeza disso no dia da travessia). Não era algo que gostariam de relembrar em palavras.
─ Tivemos boas reuniões até agora ─ disse a conjuradora, expulsando o silêncio constrangedor, ─ imagino que estamos tendo progresso.
─ Apenas se o Primeiro Exército não for burro o suficiente para querer fazer um acordo com o Darkling.
─ Isso seria suicídio. Nikolai está positivo, imaginei que também estivesse.
─ Nikolai precisa ficar positivo ─ retrucou Ksenya, ─ só assim ambos os exércitos ficarão também.
A verdade era que Ksenya não conseguia entender como Alina estava falando com ela tranquilamente. Ela havia torturado Oretsev, quase parando seu coração mais de uma vez, ameaçado a própria Alina, queimado todas as suas cartas, e teria feito mais mil coisas se o Darkling houvesse pedido.
─ Queria dizer que sinto muito por sua irmã ─ disse Alina, de repente. Ksenya parou de caminhar.
Natalya não era exatamente próxima do Darkling. A verdade era que a Kamenova mais velha sequer gostava muito dele. Na noite em que Alina fugiu do Pequeno Palácio, Ksenya e sua irmã haviam brigado. Natalya estava com Baghra, certamente havia ajudado a conjuradora a ir embora. Alina devia sim sentir por Natalya, mas não precisava dizer isso.
─ Não preciso que me diga isso.
E Natalya só esteve na travessia da Dobra porque Darkling havia chamado Ksenya. E agora tudo estava voltando na cabeça da Sangradora.
"Veremos nossa mãe outra vez, Nat. Tio Bak e tia Silvie estarão lá."
Isso nunca aconteceu.
─ Pode ser quase improvável ficar bem depois de perder uma irmã ─ Alina não olhou diretamente para Ksenya enquanto falava. ─ Mas eu gostava de Natalya. Espero que as coisas fiquem o mais normais possíveis para você.
Quando Ksenya não respondeu, Alina assentiu e se despediu, dando as costas.
─ Eu sinto muito ─ Ksenya sequer reconheceu a própria voz. ─ Eu não gostava de você e nem sei se poderei realmente gostar algum dia, mas o que eu fiz... aquilo não... eu sinto muito, Alina.
─ Não é culpa sua. Eu também fui usada, lembra? ─ Alina mostrou um sorriso simples, então voltou a caminhar para longe.
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Nikolai odiava ficar quieto e desde criança ele foi assim. Saídas noturnas ao lago, aulas de esgrimas, espadas, lutas e até etiquetas. Ele só não queria ficar parado e entediado. Tanto é que, anos atrás, em vez de cumprir o serviço militar como oficial, como era comum para alguém da família real e obviamente mais fácil, ele insistiu em servir na infantaria como um cidadão ravkano comum e passar por toda a provação para conseguir seus méritos próprios. Muitos o admiravam por isso... e outros apenas sentiam inveja.
E ele tinha Tolya e Tamar, mas, novamente em Os Alta, Nikolai queria recompensar todo o tempo longe de Ksenya. Ela era sua melhor amiga e ele estava de volta. Possuíam uma relação boa, algo de se admirar. Nikolai gostaria de cultivar isso.
Kamenova não estava presente no café da manhã no Pequeno Palácio. Zoya havia falado que ela normalmente fazia isto, saindo escondida para caminhar ao redor da cidade, fazer perguntas a alguns moradores, tentar encontrar algo sobre o Darkling, saber que, se ele estivesse por perto, ela avisaria ao Segundo Exército o quanto antes.
─ Sabe que temos rastreadores e soldados especializados para isso, não sabe? ─ Nikolai disse, quando a viu chegando.
─ Eu sou especializada. E eu vi suas tropas, eles parecem cansados.
Nikolai sorriu ao perceber que ela só estava brincando.
─ Quero te mostrar uma coisa ─ o príncipe ofereceu o braço para Ksenya, ─ vem comigo.
Ainda próximo ao Pequeno Palácio, os dois pararam no caminho de cascalho, bem próximo o lago. Nikolai largou o braço de Ksenya e apontou para uma faixa na outra margem, perto da escola grisha.
─ Vou reconstruir o Beija-flor bem ali ─ disse ele, fitando o píer recém construído.
Ksenya examinou a superfície reluzente do lago. Já havia entendido.
─ Achei que estivesse positivo.
─ Preciso parecer positivo. Eu disse que Alina poderia ir embora com Oretsev no momento em que quisesse, e ela não quis, ainda bem. Mas, se não conseguirmos arranjar uma maneira de derrotar o Darkling, precisaremos de um modo de tira-la daqui, de manda-la embora junto com você, meus pais e Vasily.
Ksenya negou com a cabeça antes de falar.
─ Seus pais, o inútil do seu irmão, Galena e Baghra. Apenas. Eu não vou sair daqui e sei que Alina também não, nem que eu precise arrasta-la pelos cabelos e coloca-la na frente do Darkling para que eles brinquem de lutinha de sombras e luzes.
Nikolai soltou um suspiro. Em seguida sorriu devagar.
─ Você sabe que "brincar de lutinha" quer dizer outra coisa?
Ksenya acertou um soco fraco no braço do príncipe.
─ E você, seu imbecil? Por acaso vai embora se as coisas darem errado e vai deixar a luta para trás?
─ Você sabe que eu sempre quis um enterro de herói ─ ele piscou.
SKYLANTSOV | 2021
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