
𝟎𝟎𝟓 - 𝐏or um fio.
As luzes do dormitório se acenderam rapidamente, e a melodia irritante começou a tocar, preenchendo o espaço com uma música que parecia não ter fim. Jihye, de olhos fechados, virou-se na cama, tentando ignorar o som, afundando o rosto no travesseiro. Seu corpo, como sempre, estava pesado, mas naquele momento parecia ainda mais fraco. Ela sentiu as forças fugindo dela, como se o cansaço fosse maior do que o habitual, e a sensação de exaustão tomou conta de seu corpo de maneira mais intensa. Mesmo sabendo que precisava se levantar, a ideia de enfrentar o dia a deixava paralisada. Queria continuar ali, imersa no calor do cobertor, distante da música, da luz e da realidade. Mas não conseguia.
In-ho, que acordava ao lado dela, a observou por alguns segundos. Ele a sacudiu levemente, ouvindo seu murmúrio baixo.
── Jihye, precisamos levantar. O jogo vai começar.
── Merda de jogo... ── ela respondeu, a voz embargada, quase como se estivesse à beira das lágrimas.
── Levanta, vai ── ele sibilou suavemente, passando a mão pelas costas dela, tentando animá-la.
── Eu não... ── sua voz falhou um pouco no final. ── Não estou me sentindo bem.
Jihye finalmente o encarou, e ele notou o quão pálida ela estava. A respiração dela estava entrecortada, e a expressão no rosto, algo que ele conhecia bem, deixava claro que a situação dela piorava a cada dia. Ela estava se arrastando, como se o peso do corpo fosse demais para ela. 001 suspirou, um misto de preocupação e frustração tomando conta de si.
Ele acariciou o rosto dela, fitando-a por um momento, como se ponderasse sobre o que dizer.
── Vou dizer a eles que você não pode jogar. Você não está bem.
── E acha que eles ligam? Se eu não jogar, provavelmente vou morrer, e se eu jogar... bom, posso morrer também. ── Ela deu de ombros. ── No fim, o destino é certo.
Com esforço, ela se ergueu da cama aos poucos, quase não conseguindo. Estava tão fraca, cansada, e as dores... bem, essas ela conseguia esconder até certo ponto. Já era um costume.
── Vai ficar perto de mim o tempo todo, então. E não estou pedindo.
── Continua mandão, como sempre... ── Ela riu fraquinho. ── Eu até gosto desse lado, mas sou desobediente.
── Desobediente demais, mas dessa vez é para o seu bem. Você vai ficar.
── Tá bom, tá bom!
Inesperadamente, Dae-ho surgiu ao lado da irmã mais nova, quase como um fantasma. Jihye levou um leve susto e, no reflexo, deu alguns tapas no ombro dele.
── Ai, Jihye! Para com isso!
── Você quer me matar do coração, por acaso?
── Foi mal... só queria ver como você estava. ── Ele desviou o olhar para o homem ao lado dela. ── Você é o namorado da minha irmã?
── Na... namorado? ── In-ho gaguejou, soltando um riso sem graça. ── Acho que sou um pouco mais do que isso.
── Como assim "um pouco mais"? Você é o quê dela, então?
── Ele é meu espírito obsessor. ── Kang soltou um sorrisinho sarcástico. ── Também atende por Young-il.
── Ah, então é você? ── Dae-ho arregalou um pouco os olhos, voltando a encarar a irmã. ── Você gosta mesmo de alguém com idade pra ser seu pai, hein?
── Adoro. Me amarro. Inclusive, estava de olho no 456.
── O quê?! ── 001 estreitou os olhos para ela, a expressão séria com um toque de posse.
── Ué, qual o problema? Você tinha me abandonado mesmo.
── Não interessa! Você é minha e pronto.
── Eu disse que ele era meu obsessor. ── Jihye riu, balançando a cabeça, divertindo-se com a situação.
── É... acho que percebi agora. ── Dae-ho cruzou os braços, observando a troca entre os dois.
── Um fofinho com ciúmes.
── Que ciúmes, Jihye? ── sibilou, inclinando-se ainda mais para perto dela, sua voz baixa e firme. ── Não preciso ter ciúmes. Você é minha, ponto final.
A intensidade do olhar dele fez com que a mais nova prendesse a respiração por um momento. In-ho não parecia estar brincando, e aquilo fez um arrepio percorrer sua espinha. Antes que ela pudesse retrucar, ele soltou um sorriso de canto, satisfeito com o efeito que suas palavras causaram.
001 então se afastou lentamente, passando os olhos pelo 388 como se estivesse avaliando-o.
── Vou deixar vocês conversando.
Sem mais uma palavra, ele se levantou, desceu os degraus com passos firmes e saiu, deixando Jihye ainda sentindo a presença dele mesmo após sua partida.
── É, acho que você tem um tipo bem específico.
── O que eu posso dizer? Se não for obcecado por mim, eu nem quero.
O rapaz soltou uma risada curta, tombando a cabeça para trás.
── Mas vem cá, ele sumiu por dois anos e você o reencontrou aqui?
── Essa foi uma jogada do destino, irmão. ── 002 abriu um sorrisinho convencido, cruzando os braços. ── Young-il e eu estamos destinados.
Dae-ho arqueou uma sobrancelha, analisando a irmã por um instante.
── Você tem certeza disso, né?
── Absoluta. ── ela piscou para ele. ── Só espero que o destino não seja um filho da puta e tente ferrar com a gente de novo.
── Você ficou muito deprimida por causa dele na época. Só espero que ele não morra aqui, ou sei lá.
── Credo, vira essa boca pra lá! ── Jihye franziu o cenho, batendo no braço do irmão.
O 388 arregalou os olhos e levantou as mãos, rindo sem jeito.
── Tá, tá! Retiro o que disse. Mas fala sério, vocês têm um jeito meio esquisito de demonstrar carinho, hein?
── Não é esquisito, é intenso. ── Ela cruzou os braços, erguendo uma sobrancelha.
── Chama do que quiser, mas vocês parecem um casal de romance. Daqueles que brigam e depois têm uma cena super dramática na chuva.
A mulher bufou, mas não conseguiu conter um sorrisinho.
── Se isso acontecer, espero que eu pelo menos tenha um guarda-chuva.
── Ou um trovão cinematográfico pra dar o clima.
Os dois riram, e Dae-ho, como sempre, tentou aliviar um pouco o peso da situação. Mesmo ali, no meio daquele inferno, ele ainda tentava manter o otimismo.
── Ei, tem uma coisa que eu queria te perguntar, mas não sei direito como… ── Dae-ho disse, visivelmente desconfortável.
── Fala logo, não tem mistério. ── Jihye respondeu.
── Você e o 001... rolou alguma coisa ontem à noite? ── perguntou, coçando a nuca e parecendo meio perdido.
Ela o olhou por um momento, depois riu baixinho, desviando o olhar.
── Você é curioso, hein, maninho? Não aconteceu nada assim, mas... ── deu um sorriso travesso ── Trocamos algumas carícias. Só isso.
── Cuidado, não vai ficar grávida. ── Dae-ho brincou, tentando segurar o riso.
── Você daria um ótimo tio, sabia? ── Jihye respondeu com um sorriso sarcástico. ── Mas eu não vou ter tempo pra isso, e você sabe bem o porquê.
── Porque, na sua cabeça, você vai morrer. ── retrucou, com a expressão preocupada.
── Na minha cabeça, não; mas é o que vai acontecer se eu não sair daqui e não tiver dinheiro pra pagar o tratamento. ── falou com um tom mais sério, os olhos fixos em algo distante.
Um silêncio se instalou entre os dois. Dae-ho mantinha o olhar fixo no chão, claramente perdido em pensamentos. A mais nova também não disse nada, como se qualquer palavra fosse desnecessária naquele momento. Então, de repente, ele ergueu a cabeça, os olhos brilhando com uma ideia inesperada.
── Eu tive uma ideia.
── Ai, lá vem… ── suspirou, cruzando os braços. ── Fala logo.
── O 456 disse que venceu os jogos, então ele deve ter dinheiro, né? A gente podia falar com ele e pedir ajuda quando sairmos daqui.
── Eu não vou pedir dinheiro pra ele, Dae-ho. A gente nem conhece o cara.
── Você não precisa pedir, eu peço. ── Ele deu de ombros. ── Sei lá, posso pagar trabalhando pra ele ou algo assim…
── Ah, claro! Vai virar assistente pessoal dele? Levar café, lavar roupa?
── Se for preciso, por que não? Melhor do que deixar você desistir sem tentar. ── Dae-ho rebateu, encarando-a com seriedade.
── E quem garante que vamos sair daqui? A primeira chance que tivemos, você jogou fora.
── Ainda está brava por isso, né? ── O 388 suspirou, coçando a nuca. ── Mas eu fiz isso por você. Depois desse jogo, as coisas vão ser diferentes.
── Quer saber de uma coisa, Dae-ho? ── Ela soltou um riso sem humor, balançando a cabeça. ── Se você e as meninas não estivessem aqui, eu também teria votado para ficar. A diferença é que eu penso em vocês. Eu sei que vocês podem morrer, e eu não quero isso.
── Nós vamos sobreviver e sair daqui depois desse jogo, pestinha. Você vai ver.
── Nunca vai parar de me chamar assim, né? ── Ela revirou os olhos.
── Não mesmo, pestinha! ── Dae-ho riu, bagunçando os cabelos dela. ── Vou ver como a Sohyun está; qualquer coisa, me chama.
── Gosta dela, né? ── Jihye arqueou uma sobrancelha, com um sorrisinho de canto.
── Bom, suas amigas são minhas amigas também. ── Ele deu de ombros, desviando o olhar.
── Você não sabe nem disfarçar! ── Ela apertou a bochecha dele. ── Vai lá, apaixonado.
O mais velho sorriu de canto antes de se levantar, esticando os braços como quem espanta o cansaço. Ele lançou um último olhar para a irmã antes de seguir em busca da outra jovem.
Ela o observou sair, mordendo o canto da bochecha, enquanto uma sensação estranha se espalhava no peito. Era bom ver que ele ainda conseguia se apegar a algo ali dentro, que não tinha perdido completamente aquela energia dele. Mas, ao mesmo tempo, uma inquietação crescia dentro dela.
Suspirou, apoiando os cotovelos nos joelhos e passando as mãos pelo rosto. O ar pesado do dormitório parecia ainda mais sufocante agora, como se estivesse preso na garganta. O cansaço era constante, mas, naquele momento, parecia maior. Parte dela queria acreditar que tudo ia dar certo, como Dae-ho acreditava, mas a esperança nunca foi algo seguro para se ter naquele lugar.
{...}
Os guardas finalmente entraram no dormitório depois de algum tempo, mas a melodia irritante ainda ecoava, perfurando os ouvidos como um lembrete constante do que estava por vir. Assim que os viu, Jihye se obrigou a se levantar, os músculos protestando com um cansaço exaustivo.
Ela desceu os degraus devagar, passando as mãos pelos braços como se pudesse se aquecer, mas o frio vinha de dentro. A sensação de fraqueza era esmagadora; cada passo parecia um esforço enorme. Quando seus joelhos ameaçaram ceder, ela quase tropeçou, mas mãos firmes a seguraram antes que caísse.
── Você está bem? Se machucou? ── A voz preocupada veio do jogador 456.
002 piscou algumas vezes, recompondo-se antes de erguer o rosto para ele. Forçou um sorriso, tentando afastar qualquer traço de vulnerabilidade.
── Eu estou bem.
Gi-Hun franziu a testa, claramente não convencido.
── Mas você não parece bem.
── Bom… nem você.
Ele desviou o olhar, suspirando fundo antes de concordar com um aceno lento.
O silêncio se instalou entre os dois, mas não era desconfortável; apenas carregado demais. Então, Jihye falou, a voz saindo mais baixa do que pretendia:
── É difícil, né?
0 456 voltou a encará-la, parecendo surpreso pela pergunta.
── O quê?
── Tentar salvar um bando de pessoas que não querem ser salvas… ── Ela umedeceu os lábios, sentindo um gosto amargo na boca. ── Que se deixam levar pela ganância.
Ele soltou um riso curto, sem humor.
── Acaba sendo sufocante.
Ela assentiu devagar, apertando os braços contra o corpo.
── A gente se desgasta tentando fazer algo bom, mas, no fim, parece que nunca é suficiente.
O homem passou a mão pelo rosto, parecendo exausto.
── Mas a gente continua tentando.
Kang o observou por um momento antes de soltar um suspiro resignado.
── E isso não faz de nós idiotas?
── Talvez… mas prefiro ser um idiota do que ser como eles.
Ela riu, balançando a cabeça devagar.
── Nisso, a gente se parece.
── É, eu acho que sim ── ele disse com um sorriso discreto, tentando aliviar a tensão. ── É Jihye o seu nome, né?
── Isso mesmo! ── respondeu ela, tentando manter a leveza na conversa.
── Então, Jihye, o que trouxe você para este lugar?
── Todos que vieram aqui precisam de dinheiro, certo? Bom, menos você, pelo que eu entendi. ── Ela deu de ombros, a voz um pouco mais baixa. ── Eu só preciso de dinheiro como todo mundo, mas não deixei a ganância me dominar.
O jogador 456 a olhou por mais tempo do que ela esperava. Havia algo em seu olhar que era diferente, uma mistura de compreensão, compaixão e até uma certa proteção.
── Mas... o seu motivo, qual é? São dívidas?
── Antes fosse só isso... ── A jogadora olhou para o chão, como se a pergunta tivesse trazido à tona algo doloroso. ── Eu estou doente também. Acho que nem aguento treze dias nesse lugar. Bom, se eu não morrer nos jogos, vou acabar morrendo aqui dentro de qualquer jeito.
Gi-Hun sentiu um aperto no peito ao ouvir aquelas palavras. Uma garota tão jovem não deveria estar à beira da morte, muito menos presa naquele inferno disfarçado de esperança.
── Vamos sair daqui, você não vai morrer aqui dentro. ── Sua voz saiu firme, como se apenas dizer aquilo já fosse o suficiente para mudar o destino dela.
── Bom, então eu vou morrer lá fora. ── Rebateu sem hesitar, a voz direta, cortante, sem espaço para ilusões.
O homem engoliu em seco. Ele queria acreditar que existia uma saída, mas a realidade parecia esmagá-lo a cada escolha impossível. Ainda assim, ele não podia simplesmente aceitar.
── O tratamento… eu posso te ajudar.
Jihye franziu o cenho, confusa. Por um instante, seu coração acelerou.
── Como? ── Seus olhos se arregalaram em surpresa.
── Eu acabei escutando o seu irmão dizendo que iria me pedir.
── E por que faria isso? ── Sua voz soou mais baixa, desconfiada. ── Nem ao menos me conhece, não sabe se sou uma pessoa ruim ou não.
── Esse tipo de coisa não acontece com pessoas ruins, o que torna tudo muito injusto.
Jihye desviou o olhar. Ela já sabia disso, sempre soube.
── A vida é mesmo injusta. ── Sua expressão endureceu. ── Olha só você, perdeu pessoas nesse lugar e ainda assim voltou pra cá.
── Eu voltei porque preciso acabar com esses jogos.
── E acha mesmo que pode?
── Eu preciso tentar.
── E como pretende fazer isso?
Antes que Gi-Hun pudesse responder, Jihye sentiu um braço envolver sua cintura. O toque era firme, possessivo, e logo depois veio o beijo suave em seu pescoço. Ela nem precisou olhar para saber quem era.
── Tudo bem por aqui? ── In-ho perguntou, com um tom casual, mas o olhar atento no 456.
A jovem esboçou um pequeno sorriso antes de se virar para ele.
── Estávamos só conversando, nos conhecendo melhor.
Gi-Hun desviou o olhar, pigarreando antes de enfiar as mãos nos bolsos. O clima ficou esquisito, mas ele não disse nada.
Antes que qualquer um pudesse quebrar o silêncio, um dos guardas chamou a atenção dos jogadores.
── O próximo jogo vai começar! ── Sua voz soou alta e direta. ── Antes disso, formem os grupos como ontem, na hora do banho. Homens de um lado, mulheres do outro. Vocês têm alguns minutos para as higienes matinais antes de seguirmos.
Os murmúrios começaram pelo dormitório. Jihye soltou um suspiro, sentindo a mão do 001 apertar sua cintura por um breve instante antes de soltá-la. O jogo ainda nem tinha começado, mas a tensão já estava ali.
Jihye lançou um último olhar para In-ho antes de seguir para o lado das mulheres, enquanto ele fazia o mesmo com os homens. O dormitório logo se encheu com o som dos passos apressados. Quando entrou no banheiro, avistou Sohyun e Suyeon perto das pias, ajeitando o cabelo e tentando, inutilmente, parecer menos desgastadas.
── Até que você não está tão acabada hoje. ── Sohyun comentou, observando Jihye pelo espelho.
── Obrigada? ── ela arqueou uma sobrancelha, abrindo a torneira para lavar o rosto.
── Quer dizer, sua cara geralmente grita ‘eu não dormi nada’, mas hoje tá só ‘estou exausta e meio irritada’. Pequena diferença. ── Suyeon completou com um sorrisinho.
A 002 soltou um riso nasalado, enxaguando o rosto antes de encará-las.
── Eu sou um poço de energia, queridas. Não tem jogo que me derrube.
── Ah, claro. ── A 218 cruzou os braços. ── Então por que quase caiu de cara no chão hoje mais cedo?
── Detalhes.
Suyeon balançou a cabeça, segurando o riso, mas logo a expressão dela ficou mais séria.
── Você estava falando com aquele cara, o 456. Sobre o quê?
── Nada demais… só sobre o fato de que vamos morrer aqui dentro. Coisa leve.
Sohyun revirou os olhos.
── Você tem um talento incrível para estragar qualquer conversa, sabia?
── Obrigada, eu me esforço.
As três riram baixinho, mas o clima pesado continuava ali. Não havia muito mais o que dizer, porque todas sabiam a verdade: o próximo jogo estava prestes a começar, e ninguém sabia se voltaria para o banheiro depois dele.
Alguns minutos depois, a porta se abriu com um rangido seco. Um dos guardas surgiu no batente, com a postura rígida como sempre.
── Acabou o tempo. Vamos.
Sohyun puxou um pouco a manga do uniforme, ajeitando-a sem pressa, enquanto Suyeon soltava um suspiro pesado, olhando de relance para Jihye pelo espelho.
── Foi bom enquanto durou ── murmurou.
Kang passou a mão pelo rosto, tentando afastar o cansaço, e deu um leve tapa no braço da 067.
── Anda logo antes que ele resolva te arrastar pelos cabelos.
Elas saíram do banheiro juntas, e a leveza da conversa ficou para trás no instante em que pisaram no dormitório de novo. O lugar estava silencioso demais, como se todos já soubessem que algo ruim estava por vir.
{...}
Depois que todos haviam ido e voltado, os guardas começaram a guiá-los para a arena dos jogos. Jihye caminhava ao lado do irmão, com as mãos enfiadas nos bolsos do uniforme, enquanto Sohyun e Suyeon seguiam logo atrás, trocando olhares discretos. Ninguém falava nada, mas dava para sentir que estavam pensando a mesma coisa.
In-ho estava perto, com o olhar sempre atento. Gi-Hun andava com eles, parecendo perdido em seus próprios pensamentos. Já um pouco mais à frente, o jogador 390 ── Jung Bae, ou algo assim ── caminhava ao lado deles, e, diferente do resto do grupo, ele parecia bem mais relaxado.
Enquanto caminhavam para a arena, o grupo se mantinha em silêncio, cada um imerso em seus próprios pensamentos. O 390, no entanto, não conseguia segurar a inquietação.
── Eu só queria saber… tem alguma estratégia para isso? Sei lá, algum truque?
── Você tem que recortar a forma sem quebrar. ── Jihye revirou os olhos. ── Não tem muito segredo.
── Mas e se o biscoito for duro demais? Eu sou desastrado, minha mão soa quando fico nervoso. Isso deve ser levado em consideração.
── É, certeza de que eles vão pensar nisso e te dar um desconto. ── Sohyun zombou.
── Muito engraçada você. Eu estou falando sério.
── É só escolher o triângulo, né? É isso, Gi-Hun? ── 001 olhou para o 456, esperando uma resposta.
O jogador apenas assentiu com a cabeça, mas estava nitidamente nervoso, engolindo em seco sem parar.
A 002 franziu a testa, percebendo a inquietação dele.
── Você está estranho. O triângulo não era fácil?
── É… ── Ele coçou a nuca, desviando o olhar. ── Mas vocês precisam escolher rápido.
── Isso não me convenceu. ── Ela cruzou os braços, desconfiada.
── Só… confiem em mim. ── Ele tentou sorrir, mas estava tenso demais para parecer convincente.
Eles subiram as escadas até chegar ao topo, onde o ambiente se abria para a arena. Quando chegaram, viram dois círculos enormes no chão, pintados com cores vibrantes em um padrão de arco-íris. A visão era impressionante, mas o tempo para observá-la foi curto.
A voz mecânica soou novamente, interrompendo os pensamentos de todos:
── Jogadores! Formem grupos de cinco pessoas.
O anúncio fez com que o ambiente ficasse ainda mais tenso. Vários jogadores começaram a se agitar, indo diretamente até Gi-Hun, acusando-o de ter mentido. Entre eles, o jogador 100, um velho de semblante carrancudo, avançou com raiva.
── Você mentiu! Pensou que poderia nos enganar, não é? ── ele gritou, olhando para o outro com desprezo.
Outros jogadores começaram a se aproximar, visivelmente irritados.
── Ele disse que era individual!
── Tentou nos enganar!
Gi-Hun levantou as mãos, dando um passo para trás.
── Eu… eu também não sabia!
Jihye se colocou à frente de Gi-Hun, cruzando os braços e olhando fixamente para o velho, com um sorriso irônico no rosto.
── Alguém já te disse que você parece com aquele ex-presidente do Brasil? Como era o nome dele... Bolsonaro? ── ela falou, com o tom sarcástico evidente.
O velho, claramente irritado, rosnou:
── Vai procurar os seus pais, criança!
Ela não perdeu a calma. Deu de ombros e falou com leveza, quase sem se importar:
── Eu adoraria, mas meus pais já não estão mais aqui. ── fez uma pausa, olhando para ele. ── Você devia se preocupar em formar o seu próprio grupo, se quiser ter alguma chance aqui. O Gi-Hun não escolheu esse jogo; as regras mudaram.
O jogador bufou, tentando rebater, mas antes que conseguisse, In-ho deu um passo à frente. Ele olhou para o velho com uma seriedade que fez até Jihye dar um passo para trás.
── Já chega! ── 001 disse com firmeza, e seu olhar fez o outro vacilar.
O jogador 100 e os seus recuaram, deixando para trás o cheiro de suor e frustração. Jihye observou o grupo que ficou — corpos agitados, respiração ofegante — e então percebeu: algo estava errado na contagem. Seus dedos se contraíram involuntariamente enquanto contava de novo, mais devagar: um, dois, três... sete. Estavam em sete.
O 388 não conseguia ficar parado. A mão direita enfiada no bolso do casaco, apertando o tecido como se quisesse arrancá-lo, enquanto a esquerda se abria e fechava em um ritmo espasmódico. Seus olhos saltavam de um rosto para outro, rápido demais para focar em qualquer um.
── Porra, porra, porra ── a voz dele saiu mais alta do que devia, e ele engoliu seco ── Tem dois a mais aqui! Dois!
A 002 abriu a boca para falar, mas travou quando viu Jun-hee chegando perto. A garota estava com a mão grudada na barriga, os dedos afundando um pouco no tecido do uniforme. Ela olhava para o chão, depois para o grupo, depois para o chão de novo — igual a um bicho acuado.
── Eu... posso jogar com vocês? ── A voz dela falhou no meio, mas ela respirou fundo e continuou ── É que... estou grávida.
O silêncio que caiu foi daqueles que dói no ouvido. Todo mundo se olhou, sem saber para onde correr. Já estavam com gente demais, e agora essa bomba?
Kang foi a primeira a se mexer. Virou-se para os homens com a cara fechada.
── Ela fica com vocês. Fecha cinco e parem de frescura.
── Jihye, eu já tinha combinado com você… ── In-ho ficou sério. Cruzou os braços com força, o uniforme esticando nos ombros.
── Combinado uma ova ── ela cortou, erguendo a sobrancelha. ── Time cheio, assunto encerrado.
Sohyun e Suyeon se entreolharam. Uma deu um pega no braço da outra antes de falar:
── E a gente, hein? ── Disseram em uníssono.
── Arrumamos mais dois trouxas pelo caminho. ── O olhar dela prendeu no 001 por um segundo a mais ── E olha direitinho essa grávida, viu?
A 222 ficou parada, com as duas mãos agora em cima da barriga. A unha do polegar direito estava roída até o sangue ── dava pra ver que ela cutucava a ferida sem parar.
As três seguiam em busca de mais dois jogadores quando ouviram alguém chamando por Jihye. Ela parou no mesmo instante, virando-se para a grávida que sorria de leve.
── Obrigada. ── disse a mulher, com um olhar sincero. ── Se cuidem.
A 002 ergueu uma sobrancelha, mas retribuiu o sorriso.
── Relaxe, vamos ficar bem! ── respondeu, jogando um beijo no ar antes de seguir caminho com as amigas.
── Você é uma pessoa incrível, sabia? ── 218 comentou, lançando-lhe um olhar significativo.
── É verdade! ── 067 concordou sem hesitar.
── Ela não teria chance de entrar em outro grupo estando grávida. Aqui dentro, todo mundo só pensa em si mesmo.
Não disse mais nada depois disso, apenas continuou andando, como se aquilo não significasse muito. Mas, no fundo, significava.
── Bom, precisamos encontrar mais dois jogadores logo, ou quem vai se ferrar somos nós. ── Sohyun resmungou, cruzando os braços.
Antes que tivessem tempo de pensar em quem chamar, dois homens se aproximaram. Um era mais velho, com cabelos grisalhos e olhar cansado, enquanto o outro, mais jovem, parecia um pouco hesitante. Podiam muito bem ser pai e filho. O mais novo carregava o número 020 e o mais velho, 101.
── Com licença… ── o senhor falou, a voz um pouco incerta. ── Podemos entrar para o time de vocês?
Jihye trocou um olhar rápido com as amigas antes de abrir um sorriso.
── Bom… ── ela analisou os dois por um instante antes de estender a mão. ── É claro.
O homem mais velho suspirou aliviado, apertando firme a mão dela e acenando várias vezes em agradecimento. O mais jovem apenas assentiu, um pouco mais reservado, mas claramente aliviado também.
In-ho e os outros se aproximaram, e ele parou atrás de Jihye, quase como se fosse sua sombra. O que, na cabeça dela, ele realmente era.
── Pelo visto, vocês conseguiram achar pessoas para o grupo. Ainda bem! ── Gi-Hun comentou, observando os dois novos integrantes.
── Foi por pouco, né? ── Suyeon soltou um suspiro, ajeitando o colarinho.
── Por pouco mesmo. ── 001 ergueu a mão e apontou para o telão acima deles. ── O tempo para a formação dos grupos acabou de encerrar.
── Vamos ver como essa coisa funciona, então. ── Sohyun estalou a língua, os olhos varrendo o espaço ao redor.
Dae-ho, que estava ao lado da 218, desviou o olhar antes de falar:
── Toma cuidado, tá bom? ── Ele hesitou por um instante, depois acrescentou, apressado ── Quer dizer… todos vocês.
Ele coçou a nuca, um tanto sem jeito, enquanto Sohyun soltava um risinho divertido.
Foi então que a voz robótica ecoou pelo ambiente:
── Jogadores! O jogo de hoje se chama "Seis Pernas". Cada equipe terá cinco minutos para concluir os mini games. São cinco desafios, um para cada integrante do time. O primeiro será Ddakji, o segundo Biseokchigi, o terceiro Gonggi, o quarto Pião e, por último, Jegi.
A explicação mal terminou e 002 já deu um passo à frente, animada.
── Beleza, vou no Jegi!
Suyeon ergueu uma sobrancelha, cruzando os braços.
── E, por acaso, você sabe jogar isso?
── Ela nem sabe. ── O 388 soltou, sem rodeios.
Jihye se virou para o irmão, indignada.
── Cala a boca, Dae-ho! Como você tem tanta certeza?
── Porque, quando éramos crianças, você não sabia.
Ela deu de ombros, desinteressada.
── Vou no Jegi e pronto!
Todos à sua volta pareciam preocupados se ela realmente conseguiria no Jegi ou não, mas Kang sequer demonstrava se importar. Ela sabia exatamente o que estava fazendo. Ou, pelo menos, queria que acreditassem nisso.
O que ninguém percebia era o quanto seu corpo estava fraquejando. A sensação de exaustão era ainda pior do que quando acordou, mas isso não era algo que os outros precisavam saber. Tinham problemas maiores para lidar.
Sem mais tempo para dúvidas, eles se posicionaram dentro do enorme círculo de areia, sentando-se junto aos outros grupos. O silêncio foi substituído pelo murmúrio tenso dos jogadores, mas logo a voz mecânica irrompeu, anunciando o início dos jogos com os primeiros grupos.
── Beleza, eu sou boa no Gonggi. ── A 218 disse, dando de ombros.
── Eu fico com o Ddakji. ── Suyeon anunciou, ajeitando os cabelos para trás.
O jogador 101 escolheu o peão, enquanto 020 decidiu pelo Biseokchigi. Com isso, o grupo estava fechado, sem espaço para arrependimentos.
O tempo parecia correr de forma diferente ali dentro. Cada jogo se desenrolava diante deles, aumentando a tensão a cada vitória ou derrota. Quando perceberam, já estavam sendo chamados.
── Jihye... ── In-ho a chamou antes que ela se levantasse para seguir.
Ela se virou, curiosa para saber o que ele queria, e, no momento em que seus olhares se cruzaram, ele simplesmente a puxou para um beijo. As mãos dele tocaram suavemente o rosto dela e, mesmo que o gesto fosse impulsivo, era carregado de um medo genuíno. Medo de perdê-la, medo do que o futuro reservava, como se o peso de algo que ele não entendia ainda tivesse um poder sobre ele.
Quando se afastaram, ele sussurrou com um tom de urgência, o olhar ainda carregado de uma ansiedade silenciosa:
── Não morra!
Ela sorriu suavemente, seus olhos brilhando como sempre, e deu-lhe um leve beijo nos lábios, como uma promessa.
── Eu não irei. ── Ela respondeu com firmeza, antes de dar um passo para frente, unindo-se ao seu grupo.
Cada um se posicionou no lugar designado. Os guardas prenderam tornozeleiras em seus tornozelos, ligando-os por correntes, fazendo com que todos andassem no mesmo ritmo. O tempo começou a correr e, logo, Suyeon foi a primeira a jogar no Ddakji.
Dae-ho, In-ho e Gi-hun estavam sentados, observando com atenção e nervosismo, trocando olhares ansiosos enquanto acompanhavam o jogo.
Todos passaram logo de primeira em seus respectivos jogos, e, a cada fase avançada, o grupo comemorava com alívio. Mas então chegou a vez de Jihye no Jegi. Seu grupo estava visivelmente apreensivo, e os outros jogadores sentados também estavam com os olhos fixos nela.
A jogadora deu uma última olhada para baixo e soltou uma risadinha curta. Quando começou, logo errou o primeiro chute, o segundo e o terceiro. Ela falhou várias vezes; a cada tentativa frustrada, o grupo se inquietava mais. No entanto, o que eles não sabiam era que tudo aquilo era proposital.
── Porra, Jihye, o tempo tá passando! ── Sohyun exclamou, visivelmente frustrada.
── Se não sabia jogar, não deveria ter ido nesse. ── Suyeon foi logo em seguida, com um tom de reprovação. ── Vai matar a gente.
A 002 a olhou sem pressa, deixando o tempo passar. Não parecia se importar.
── E? ── ela deu de ombros. ── Se queriam tanto viver, por que optaram por continuar? ── Ela riu, mas logo a risada sumiu quando sentiu seu corpo cambalear um pouco.
A dor no seu abdômen foi repentina, aguda, como se algo estivesse prestes a quebrar dentro dela. Sua visão se turvou, e as vozes de suas amigas começaram a se afastar, como se estivessem em outro mundo, mas ela se forçou a ignorar. Havia algo mais importante a fazer agora.
Ela se concentrou, tentando manter a calma. Mesmo com a dor e o mundo ao seu redor parecendo virar um borrão, ela começou a fazer as embaixadinhas, ainda mais desajeitada do que o normal. Uma, duas, três, quatro, cinco… Cinco era o número necessário. Mas ela não parou. Fez mais: seis, sete, oito, nove, dez.
As pessoas estavam atônitas. Vibravam, aplaudiam o feito, aplaudiam Jihye. O grupo comemorava enquanto ela, mesmo visivelmente exausta, tentava manter o sorriso no rosto. Mas, logo depois de ultrapassarem a linha de chegada, a adrenalina deu lugar a algo muito mais forte. O corpo de Jihye vacilou e ela caiu para trás, sem nenhum aviso.
Foi rápido, um baque seco que fez o coração de todos parar por um instante.
No momento seguinte, seu corpo começou a se agitar de maneira incontrolável. As convulsões tomaram conta dela, fazendo seu corpo se contorcer. Seus músculos se contraíam de forma espasmódica, como se ela estivesse tentando fugir de algo, mas sem conseguir. A respiração dela ficou irregular e rasgada, enquanto a dor a invadia. Dae-ho, sem saber o que fazer, tentou ir até ela, mas um dos guardas o impediu.
── Me deixem ajudá-la, ela é minha irmã! ── A voz dele tremia de medo.
Sohyun e Suyeon estavam ao lado de Jihye, tentando protegê-la. Era assustador ver a jovem naquela situação. Cada movimento que ela fazia parecia mais difícil, como se estivesse lutando contra o próprio corpo. O medo deles aumentava a cada segundo, mas havia pouco o que podiam fazer.
De repente, as convulsões cessaram. O corpo dela ficou imóvel no chão, sem qualquer movimento. O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor.
Ela estava ali, sem resposta, e todos ficaram paralisados, sem saber o que fazer. Sohyun e Suyeon foram forçadas a se afastar. A angústia tomava conta delas, mas o que mais assustava era não saber o que aconteceria a seguir.
Dois guardas se aproximaram com a intenção de removê-la dali. O 388 se desesperou, tentando correr até ela, mas foi detido.
── Deixem eu cuidar dela, ela não fez nada de errado! ── ele gritava, a voz embargada.
In-ho, mais calmo, mas com o rosto pálido pela preocupação, deu um passo à frente. Ele olhou fixamente para o guarda que o reconhecia, aquele que conhecia seu rosto. O Quadrado. Tentou manter a voz firme.
── Ajudem ela! ── a palavra saiu abafada pela pressão.
Os guardas, porém, não disseram nada. Apenas moveram o corpo da jogadora, sem nenhuma expressão, sem nenhuma explicação. E ali, naquela ausência de palavras, front ficou. O desejo de fazer algo, de reagir, estava sufocando-o, mas ele sabia que não podia. O que restava era a incerteza. A única coisa que ele podia fazer era esperar e torcer para que tivesse sido entendido.
𑁍̸ Capítulo publicado e eu espero, do fundo do coração, que vocês gostem.
𑁍̸ Valorizem, porque eu estava me matando para conseguir finalizar ainda hoje, mesmo com essa dor de cabeça do cão.
𑁍̸ Aproveitem, comentem e votem. Amanhã estarei respondendo a todos, inclusive aos do capítulo anterior.
𑁍̸ Um beijo e até o próximo!
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