ℂ𝔸ℙ𝕀𝕋𝕌𝕃𝕆 1: 𝕸𝖊𝖊𝖙𝖎𝖓𝖌 𝖜𝖎𝖙𝖍 𝖆𝖓 𝕬𝖓𝖌𝖊𝖑
Foi em outubro.
~"~
As gotas de chuva escorriam pelo parabrisa do carro, caindo em um ritmo constante. Era uma noite fria de outono, e eu estava trabalhando. Ou pelo menos tentando.
Eu já estava exausta, e tudo o que eu mais queria naquele momento, era estar em casa, tomando uma xícara de chocolate quente enquanto assistia algo na TV. Mas lá estava eu, presa no carro da empresa revisando a papelada de um possível batedor de carteiras qualquer. Eu realmente precisava muito de dinheiro.
"Eles definitivamente me odeiam. Estão me passando os piores casos."
Pensei enquanto tomava um gole do meu café já frio. O gosto amargo e gelado apenas reforçando o quão longa era aquela noite que insistia em se arrastar pela madrugada chuvosa.
—Hpmh.... Isso tá horrível.
Disse reclamando em voz alta, embora ninguém pudesse me ouvir.
...
—Ah.... Droga..
Suspirei profundamente descansando minhas costas no banco do carro, tentando aliviar um pouco da tensão que sentia sobre meus ombros.
"Essa noite pode piorar ainda mais?"
Pensei fechando os olhos. Eu já sabia a resposta.
Eu virei meu rosto para a janela, agora com meus olhos abertos, porém, cerrados pelo cansaço. Assistindo a fina chuva que riscava o vidro do carro em linhas incertas e confusas.
"Hah......"
Um discreto sorriso sarcástico se formou involuntariamente em meus lábios.
Que irônico, não?
Pude ver através das janelas embaçadas, luzes fortes brilhando com animação do outro lado da rua molhada. Um famoso cinema funcionava no local.
...
—Qual será o filme que está passando hoje?
~~~
Eu nunca tive coragem de entrar em um cinema.
Mesmo observando de longe, o lugar despertava em mim, memórias que eu preferia manter enterradas. Elas vinham sem aviso, como a embriaguez de um copo amargo de run Bacardi. Doloroso. Porém, Vicioso...
Eu me lembro... Quando fiquei em frente a aquele cinema, ao lado de John e dos seus amigos... Me... Lembro dele mencionando algo... Da confiança que transparecia em seu semblante....
Tudo parecia que iria se resolver. Tudo deveria ter se resolvido...
...
Mas claro, não se resolveram.
Os olhos vermelhos escuros do nosso assassino me perseguiam em todos os pesadelos, sua lembrança estaria para sempre presa em minha memória. Aqueles olhos.... Me atraiam para o mais profundo rancor. E o mais pavoroso medo.
Aquela máscara manchada de sangue conhecido, o olhar vazio e frio. Sem alma. Sem remorso.... Seu olhar refletia o sangue que pesava em suas mãos.
Ele parecia um demônio...
....!
Instintivamente, levei a mão até meu ombro direito e o apertei com força. A dor ainda estava lá. Uma lembrança dolorosa que nunca desapareceria.
—.... Droga.. Por que estou pensando nisso agora?
Resmunguei enquanto ainda mantinha os olhos no cinema.
...
Suspirei tirando a mão do meu ombro vagarosamente, voltando minha atenção para os arquivos à minha frente. Tentando buscar o foco que havia perdido. Mas foi em vão.
A "embriaguez" do cinema já havia feito efeito.
...
Na noite do incidente, eu havia morrido.
Não sei como conseguiram me trazer de volta. Eu não lembro de nada, e quando acordei naquela maca, demorei a perceber que não estava realmente morta.
Como eu fui parar naquele hospital? E viva?
—....Ugh... Merda...
"Preciso esquecer isso... Se concentre Marjorie."
Pensei enquanto repousava a mão sobre minha testa, bagunçando de leve meu curto cabelo, na esperança de dispersar aqueles pensamentos.
Mas... Meu foco já estava perdido, eu não conseguia me concentrar...
Apenas... Pensar... Pensar.. e pensar.
....Eu não consigo ignorar que... Os "credores", no fim das contas eram na verdade, uma máfia perigosa pra quem minha família deviam rios e rios de dinheiro.
Até hoje eu não sei o que pensar disso, John ele era meu pai... Meu único porto seguro. Mas todas as promessas dele falharam, e se mostraram mentirosas. Agora, sua reputação me manchava.
Ele não se deu o trabalho de pensar em mim no meio de tudo isso, será possível que ele realmente pensou que eu me tornaria em uma criminosa também? Ou que herdaria seus negócios e suas dívidas?
"A filha de John Ross. Que curiosamente se tornou uma detetive"
Que irônico não é? Pai.
No fim, acabei seguindo pro lado oposto, o que você pensaria disso? Ficaria feliz ou decepcionado? Eu deveria ter me tornado um alvo para assassinos assim como o senhor?....
...
Mas, eu gostaria que você estivesse aqui... Não posso mentir que não queria ver sua reação, gostaria de ouvir seu sermão... ou sua aprovação. Sinto falta de ouvir sua voz, mesmo que muitas vezes ela me soasse áspera.
Hoje eu me vejo perdida. Cansada... Solitária..
....Por que você me deixou sozinha nessa bagunça?
...
Eu estava perdida em meus pensamentos, quando notei um movimento estranho no outro lado da rua, um que todo detetive era treinado a reconhecer.
Uma figura familiar estava saindo do cinema junto a multidão, um homem usando um casaco de couro marrom, com um boné preto em sua cabeça.
O famoso batedor de carteiras.
A princípio, ele não parecia tão importante. Apenas mais um caso irrelevante e sem urgência. Provavelmente jogado para mim como uma "brincadeirinha" feita pelos meus superiores.
Mas havia algo de errado nele... Era muito mais estranho do que o esperado para um ladrão de rua qualquer. Não sei explicar, coisa de detetive talvez?
Ele caminhava com movimentos furtivos, olhares discretos por cima dos ombros, atento a olhares escondidos... Mas... Não parecia estar tentando de fato, se esconder... Ele até mesmo conversava com algumas pessoas de forma quase casual. E mesmo que aquele caso fosse uma piada maldosa para mim, eu gostava de caprichar nos detalhes.
Não importava quão insignificante fosse o caso, eu sempre entregava resultados ótimos.
Era uma das poucas satisfações que eu ainda podia ter.
—...Huh...
Um pequeno sorriso se formou em meus lábios. Pelo menos o caso parecia ser interessante.
...
Joguei os arquivos de qualquer jeito no banco de trás, me preparando para agir. Meu casaco preto estava ali, dobrado cuidadosamente no banco do passageiro.
Eu o vesti com um gesto rápido e ajustei o colarinho enquanto checava a arma presa em minha cintura. Eu passei as mãos pelo meu cabelo, organizado-o.
Então, finalmente saio do carro com calma, avaliando seus movimentos. Até que ele decide se misturar na multidão. Esse era o sinal verde. E assim começa a perseguição.
Meus passos eram firmes, mas silenciosos, enquanto o seguia de longe, notei que ele se dirigia para a rua principal.
"Que estranho.."
As ruas molhadas da cidade pareciam trabalhar a meu favor, e a chuva caía em um ritmo que abafava qualquer som que meus sapatos pudessem fazer.
O batedor de carteiras caminhava pelas ruas, mais rápido do que eu esperava. Seus movimentos eram quase inquietos, talvez ele soubesse que algo estava fora do lugar, mas não conseguia identificar o quê.
Eu o segui até a um parque quase deserto, onde as árvores escuras e os postes de luz amarelos criavam sombras longas e ameaçadoras. Um lugar perfeito para desaparecer.
Ele começou a caminhar em direções confusas, esperando despistar minha presença, mas eu já sabia disso. E me antecipei. Ele usava um casaco de couro. E com aquela chuva, o casaco começou a ranger, o que me ajudou a localizar sua posição em meio a escuridão do parque. Era simples, mas suficiente.
Foi então no meio da perseguição que algo ao longe chamou minha atenção.
Uma silhueta sob um poste de luz.
Firme. Mas um pouco desleixada. Um homem, vestido com um moletom cinza com capuz, uma figura irrelevante em um parque chuvoso durante a madrugada. Mas Havia algo nele... Algo que me fez parar por um momento.
"Ele está bem?..."
Após olhar para aquele estranho, continuei andando alheia a aquela visão, tentando ignorar a sensação incômoda. Mas então, a luz amarela do poste refletiu em um detalhe, um simples detalhe que fez meu corpo inteiro estremecer.
Uma máscara...?!
Não... Não era possível. Eu deveria estar delirando, ou talvez era apenas um homem comum com uma máscara qualquer?
Mas aquela máscara.. Era branca... Ela parecia a mesma. Aquela que era a fonte de todos os meus pesadelos. Eu parei abruptamente, com minha respiração se acelerando. Seria ele? Mas.... O que...
O homem estava agachado, de um modo visivelmente incômodo para ele. Seus joelhos tocavam o chão molhado, sujando suas roupas elegantes de lama.
E então... eu vi.
Ele estava cuidando de um gatinho maltrapilho que se refugiava em uma caixa de papelão encharcada. Suas mãos grandes e perigosas na minha memória, agora se moviam com um cuidado atencioso que parecia ser impensável.
Eu soltei uma risada sarcástica, mas verdadeira. Um assassino, autor de um crime brutal, procurando em todo país. O homem que na minha infância trouxe tanto terror, agora estava agachado em um parque aleatório, alimentando um gatinho de rua?
Não... Não podia ser isso.
Não fazia sentido. Nada fazia sentido. Por que aquele homem... Não, aquele monstro, estaria ali, naquele momento, fazendo algo tão... humano?
Eu não podia acreditar que aquela pessoa poderia ser ele. Talvez fosse alguém que se parecia. Alguém que por algum motivo estranho também usasse uma máscara. Eu tentei me convencer disso.
Mas meus instintos diziam o contrário.
Então, quase como um instinto, meu corpo começou a se mover em sua direção, ignorando tudo. Eu precisava provar para mim mesma que aquilo não era real, ele não podia ser real.
À medida que eu caminhava, ele nem mesmo notava minha presença, ou fingiu não notar.
Sua postura era tensa e rígida, como se algo naquela posição o estivesse machucando. Porém, para ele aquilo não parecia importar mais que o gatinho.
Mas o que mais me perturbava era calma que ele exibia. Aquela mesma serenidade que ele sempre teve, até mesmo quando estava coberto de sangue. Ele tratava o gato com um cuidado desconcertante. Como se naquele momento, o gato fosse a coisa mais preciosa do mundo.
Continuei me aproximando sem ser notada, esquecendo completamente do batedor de carteiras que já havia fugido. Minha atenção estava fixa naquele homem, e nada poderia me distrair disso. Será que era ele mesmo?
Eu precisava saber.
Cada passo naquela noite chuvosa me aproximava da verdade, mas também do perigo. Se fosse mesmo aquele assassino eu poderia estar em maus lençóis. Levei minha mão até o coldre que estava escondido na minha cintura, atenta.
Meu coração batia forte enquanto eu tentava juntar coragem para confrontar aquela figura suspeita.
"E se ele me reconhecer?"
...
Eu deveria atirar..?
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