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003. Ligação Recebida

Ela correu até se cansar. Parou, colocou ambas as mãos sobre os joelhos, fechou os olhos e respirou fundo várias vezes. Ao abri-los novamente, se deu conta de que ainda estava nua.

— Droga! — Bufou. — Não posso ficar assim!

Porém as suas roupas tinham ficado na margem do rio, aonde ela tinha deixado a sereia — e aonde ela, com certeza, não queria voltar. Optou, então, por encontrar algumas folhas de bananeira grandes o suficiente para que conseguisse improvisar algo para vestir.

Caminhou um pouco mais e logo conseguiu encontrar alguns pés de bananas. Panhou a quantidade de folhas que precisaria e aproveitou para comer algumas frutas, porque só quando as viu, se deu conta de que estava a horas sem se alimentar.

No momento em que acabara de se vestir — e decidida a ir embora para a sua aldeia contar para a avó o que tinha acabado de lhe acontecer —, ela escutou algo. Um toque de telefone, especificamente. Mais especificamente ainda, o toque do mesmo telefone vermelho que ela tinha atendido de manhã — afinal, o barulho era extremamente alto e estridente, e Anahí tinha ficado com aquele som na cabeça desde cedo.

Para a indígena, não tinha como deixar aquele bendito telefone tocando e ir embora, sem mais e nem menos. Aquele barulho, de uma certa forma, a estava incomodando muito. Mas não só por isso ela se pôs a seguir o som até encontrar a cabana aonde estava o aparelho: mais cedo, quando atendera, uma mensagem lhe foi passada. Uma mensagem que, enquanto ela corria desenfreadamente pela Floresta Amazônica, lhe veio à tona: alguém lhe dissera que, em seus braços, o responsável pela morte de uma menina morreria.

Anahí tinha inúmeras perguntas quando colocou o telefone no ouvido. Porém, antes que ela pudesse falar algo, a pessoa — ou a coisa — do outro lado da linha se apressou em dizer:

— Parabéns, Anahí. Você acaba de libertar o espírito de Iara, uma jovem indígena como você, de uma maldição de milhares de anos.

Nesse ponto, as dúvidas que a garota portava em sua cabeça pareceram se duplicar.

— O quê? — Perguntou, confusa.

— Iara Mãe D'água — a voz respondeu calmamente. — Ela morreu afogada no Rio Madeira, porém os peixes da água doce ficaram encantados com sua beleza e decidiram salvá-la, transformando-a em sereia.

É sério que, diante das perguntas serias que Anahí tinha para fazer, quem quer estivesse falando com ela ao telefone ia lhe contar a lenda da Iara, a qual ela já ouviu várias vezes na sua aldeia?

— Tá, eu conheço essa história — a menina rebateu. — Dizem que ela enfeitiça as suas vítimas e as afoga no rio, como vingança pela sua morte. Mas o que eu quero saber é: como eu libertei o espírito da Iara, já que você diz isso? — Ela parou de falar por um segundo, porém lembrou de outros questionamentos e decidiu mandá-los todos de uma única vez. — Aliás, quem é você? Por que me disse hoje de manhã que o autor da morte de uma menina morreria em meus braços? Essa menina seria Jaci, a minha irmã? Como você sabe o meu nome?

Houveram longos segundos de silêncio, até que a voz do outro lado da linha decidisse responder:

— Iara matou Jaci, a sua irmã. Porém Iara nunca quis matar ninguém. Ela estava presa em uma maldição que a fazia seduzir pessoas e afogá-las, porque um dia ela foi morta afogada.

— Mas então… — Ela tentou se pronunciar, pronta para repetir a sua primeira pergunta feita.

— Escute, Anahí — antes que a indígena pudesse concluir a sua fala, ela foi cortada pela outra voz. — Você foi designada por mim para dar fim à maldição e libertar a sereia. Porém, para isso, você foi amaldiçoada com o poder de lhe dar um beijo mortal. Dessa forma, você mataria o corpo cruel no qual ela estava presa e libertaria a sua alma pura.

Agora sim tudo estava começando a fazer sentido para Anahí. Em resposta, ela apenas continuou com o ouvido colado ao telefone, esperando por mais palavras do seu remetente.

— Porém você continua com essa maldição, ou seja, qualquer pessoa que você beijar, morrerá — e ele falou mais, diante do silêncio da garota. — Mas a boa notícia é que existe uma cura. Como você livrou a Iara da maldição, ela te deve uma em troca: ela te beijará outra vez e você ficará livre. Porém você terá que ser rápida: ela não possui muitos minutos a mais na Terra.

Anahí ergueu uma sobrancelha. Aquela conversa tinha sido, até um certo ponto, interessante, porém agora a garota estava começando a ficar preocupada: como aquela pessoa do outro lado da linha sabia tanto sobre ela, sendo que ela nem lhe contara o que aconteceu?

— Me diz quem é você e por que devo confiar nas suas palavras — o tom da indígena, agora, ficou muito mais firme do que estava antes. Ela queria explicações, isso era nítido.

— Você apenas deve seguir a sua fé, garotinha — entre um leve suspiro, o orador prosseguiu falando. — Confie em mim. Eu sou o seu deus.

E desligou.

Anahí tirou o telefone do ouvido e ficou encarando-o por alguns segundos, perplexa com tudo o que acabara de ouvir.

— Seguir a minha fé? — Ela se indagou quando despertou do seu transe. — Então por que a minha fé me manda voltar ao rio?

Era verdade. Internamente, algo lhe dizia que ela devia voltar ao rio. E foi aqui que ela se lembrou das palavras do remetente lhe dizendo sobre a sua maldição e que Iara não teria muito mais tempo na Terra.

A indígena não sabia se confiava plenamente no que a pessoa ou coisa do outro lado da linha lhe dissera, mas naquele momento o seu instinto a fez acreditar que precisava voltar à margem do rio, e precisava ser rápido. Então ela imediatamente soltou o telefone vermelho e saiu correndo novamente em direção ao lugar, deixando para trás apenas o rastro da poeira que levantava com cada passo apressado que dava.

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999 palavras.

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