CAPÍTULO XXXVII
†
“Feridas feitas por quem ama são confiáveis, mas os beijos de quem odeia são enganosos.”
Provérbio 27:6
Arrancar a escolha era igual ao encarar o nevoeiro que cobria Palerma por inteiro. Entre esconder-se da Cosa Nostra ou enfrentar aquilo que te espera não era um desafio simples de resolver. Quando Soyoung resolveu entrar no exército, tinha dezoito anos, quando quis sair do desespero estava com seus meados — quase — vinte e cinco. Durante esses seis anos no exército, ao mesmo tempo que fazia faculdade a distância, dedicou-se aos estudos mesmo longe e ao trabalho. Ao completar vinte e seis, passou pelo processo seletivo no FBI, mesmo seu pai querendo que a mesma não passasse por isso, ela desejou igualdade.
Para ela, não seria justo. Nada na vida é justo.
Soyoung sempre foi solitária em questões de amizades, não teve amigos no jardim de infância, no fundamental e no ensino médio piorou tudo. Quando o caso dos Belova surgiu, e a atrocidade fora cometida, Soyoung foi mandada para fora do estado. Psiquiatras recomendaram entregá-la ao sanatório por um ano, e durante esse tempo, seus colegas de turma enviavam cartas desejando que ela morresse; piadas envolvendo pessoas loucas era o que as palavras descreviam.
Sua única amizade se chamava Corinna, desapareceu em uma missão em 2009 e nunca mais retornou para casa.
E mais uma vez, ela estava de volta à Itália, não por opção. Mas por receio do que os homens da Cosa Nostra são capazes de fazer em relação à desobediência. Seus olhos vendados mantinham o segredo da residência de Tito Falconi, sua carne tremia por dentro, sentiu o cheiro ardentemente de agrotóxico sucumbindo ao ar. Então pensou em um lugar enorme, talvez um sítio, mas não tinha ideia de onde. Ao sair do veículo, seus pés se arrastavam pelo solo, sentiu a grama tocar seu calcanhar, o barulho de algo abrindo despertou sua audição.
Então o silêncio retorna.
O cheiro do fumo inala suas narinas, poucos minutos andando conseguiu ouvir vozes, sua respiração quase não saía. Quando sentiu que deveria parar, ficou estática, mas atenta mesmo vendada. Captou em sua audição passos vindo em sua direção, torceu o rosto em direções contrárias, mas duas mãos rodearam sua cabeça e desamarrou a venda. Vagarosamente seus olhos abriram sentindo a pouca iluminação, tentou entender o que estava a sua frente mesmo com a sensibilidade turva. A silhueta segurou seus ombros, a percepção de Soyoung deu um salto assim que tudo estava claro, suas mãos trêmulas já não existiam.
— Christopher! — A surpresa lhe invade, então ele a puxa para perto em um abraço.
— Como prometido, cara mía. — Diz em voz baixa, quase em sussurro.
O rapaz a solta, memorizando cada detalhe de seu rosto, seu cabelo estava mais longo, rosto mais arredondado, poucas olheiras e lábios mais rosados, ela estava diferente. Mas ainda sim era a Soyoung. Talvez sua vivência em “calmaria” lhe transformasse. No entanto, o olhar de Tito Falconi observava como águia no céu.
— Allievo Villanueva! — Braços erguidos como vitória eram gesticulados. — Como se sente, ragazza?
Seus olhos piscavam devagar na tentativa de assimilação. Ver Tito Falconi era sentir o veneno enraizar em suas veias, pisar em território desconhecido era um pedido de matança, não lembrava do rosto do velho homem. Ela sorriu agradecida, sentiu forçada por sua mente, então viu a mão do homem estendida. O anel no dedo mínimo brilhou. Precisava ser leal, o beijo no brasão de Tito Falconi era um deles. Então ela ordenou o corpo em direção ao homem, agachou na possibilidade de fazer, o carinho fingido escondia claramente a vontade de cortar a jugular do homem. Então beijou, em seguida ela ficou de pé, segurou o rosto do homem e deixou um selar perfunctoriamente no rosto de Tito Falconi. Então ela lembrou do cuidado com o beijo de Judas, o carinho fingido oferecido na qual esconde os verdadeiros propósitos.
Mas Soyoung não se venderia igual Judas que ridiculamente se vendeu por trinta moedinhas de prata. Mas não seria leal à Cosa Nostra, escolheria trair.
(...)
O sistema que sustenta a agonia é como o sentimento de lágrimas escorridas que não possuem valores. Conforme vamos enchendo o nosso sistema, estamos fadados a sobreviver em meio a isso, parece que tudo se repete. E foi isso que Soyoung percebeu, parecia um boomerang, se fosse jogada estaria de volta. Quando fora recebida na mansão, olhou as paredes e todos os adornos, estatuetas, vasos, quadros que valem o dobro de qualquer coisa. Ficou parada na entrada analisando tudo, sentiu a mão passar em suas costas como forma de conforto, então a vontade de chorar repentinamente ficou presa em sua garganta. O alarido vindo em direção a escada indicava presença, Soyoung subiu o olhar, era Hannah.
Com o rosto sorridente, a mais nova desceu às pressas indo em direção da Park, fora surpreendida pelo abraço demorado da garota que logo desprendeu do gesto.
— Não sabe o quão fiquei ansiosa por sua presença, Soso!
Soyoung espreitou os olhos e encarou Christopher.
— Desde quando ela aprendeu a falar assim? — Ela questiona.
— A sorella está indo a aulas de boas maneiras, e resolveu mudar de vida ao invés de viver como uma qualquer em meio ao mundo, cara mia. — Ele proferiu, a guiou até a enorme sala suntuosa que estava tão limpa que até alguns objetos brilhavam.
— Até o cabelo? — Ela aponta. — Uau, Hannah mudando de vida. Acho que trocamos.
A garota franziu o rosto e senta ao lado de Soyoung ainda com o rosto franzido.
— Eu não entendi.
— Enquanto você mudava de vida, Hannah, eu estava vivendo bocados. — Ela declarou. — Ficou claro? Ótimo.
— Ainda continua com o seu humor, Soso. — A garota riu.
Quando Soyoung virou-se contra a garota, curvou-se segurando os joelhos, negando veementemente a vontade de sair correndo e gritar pela a enorme casa. Fechou os olhos com a maior vontade quando percebeu que não poderia fazer isso nem se quisesse. Ao seu redor ficou silêncio, Hannah afastou-se e acabou saindo, deixando o irmão com a mulher sentada no sofá totalmente curvada com a cara no travesseiro. Quando sentiu o seu lado direito afundar vagarosamente, ouviu a voz ao seu lado.
— No que tanto pensa, cara mia?
— Em como desfazer essa brincadeira. — Declarou com total sensatez. E quando Christopher tentou dizer algo, foi interrompido. — Não tente dizer, eu já sei que não existe divórcio, principalmente quando se trata de casamento feito pela Cosa Nostra. Eu não acredito nisso.
— E perchè no? — Tentou diminuir a risada ao dizer.
— Porque vou matar você enquanto estiver dormindo. — Ela declara em tom sério. — Só assim estarei livre de você.
Ele fingiu não notar quando Soyoung revirou os olhos. Voltou a encará-lo, a abstinência de conta-lo que sei irmão está vivo, que também seu irmão gêmeo que virou padre sumiu do mapa, e que seu pai está vivo. Ela ficou de pé, observou se ele iria fazer o mesmo, caminhou alguns passos antes de parar e não saber o que fazer. Alguns tempos atrás, a propriedade era melancólica e vívida por desgraças, quando descobriu o segredo por trás do escritório, desejou ver novamente. Tirou os sapatos e sentiu a firmeza gélida do chão, subiu o primeiro degrau, segurou o corrimão relutante ao que estava prestes a embarcar; seus pensamentos.
Após alguns degraus próximo ao topo, ela virou-se em direção contrária, Christopher a acompanhava com o olhar sem invadir o seu espaço. Ele sabia que precisavam conversar, entretanto, o equilíbrio de ambos não estavam perfeitamente bem.
— Estarei no banho. — Ela afirma.
O excesso de palavras fora pouco, ela desaparece de sua vista sem esperá-lo proferir suas próximas palavras, mas nada acontece. Recolheu-se até em direção ao seu quarto, Soyoung observou que algumas coisas não mudaram, então caprichou em fazer uma vistoria em busca de algo que a vigiasse ou a escutasse. Com alguns pertences revirados, sentou-se no chão e suspirou profundamente, aspirando o cheiro de uvas frescas. Franziu o rosto, caminhou em direção a varanda e o vasto terreno por trás da mansão havia os vinhedos crescidos. Trabalhadores recolhiam de um lado enquanto outra dimensão um aeronave agrícola sobrevoava sobre o terreno.
Fechou os olhos negando veementemente, ela sabia que o verdadeiro vinhedo nunca ficaria aqui, porém, tinha a noção de que Christopher construiu um vinhedo para provar o pai que era capaz de erguer um vinhedo igual o homem havia feito. Dispensou os pensamentos e a visão agrícola, fechou as cortinas e caminhou em passos lentos em direção ao banheiro. Encheu a banheira por alguns longos minutos, a roupa caída longe elaborou sua vontade de adentrar. Ficou submersa dentro da banheira, algumas bolhas de oxigênio subiram, por segundos ela subia o rosto em busca de respirar e logo voltava.
Mesmo fazendo isso não percebeu o tempo passar, seus dedos ficaram enrugados e o frio começou a cessar, terminara o banho e voltou a encarar a visão do quarto meio iluminado. Quando vestiu-se, elaborou de encarar a visão de sua varanda, o destaque do sol laranja ao entardecer iluminou sua pele e quarto. A brisa com o cheiro das uvas melhorava o ambiente. Seus fios secaram-se com decorrer do tempo que assistia o pôr do sol, suas iris brilhavam e o arrepio percorreu seu corpo.
Um longo suspiro foi deixado antes de deixar a varanda. Naquele instante toda a turbulência não existia.
(...)
Quando a noite deu início, Soyoung fora em direção a cozinha poucas horas antes do jantar, havia novas faces naquele ambiente. O que deixou o pouco da animação ir embora. Sentou-se próximo da bancada, perguntou a mulher se poderia ajudar no que pudesse, as reações de início foram de choque. Bocas entreabertas sem saber o que dizer era a cena de uma cozinha italiana, a mais velha negou a ajuda um pouco nervosa, para ela o homem havia declarado que apenas elas trabalham com o alimento da casa. Então as portas do fundo se abrem, o rosto conhecido e de cabelos poucos grisalhos aparece e sorri ao ver Soyoung.
— Ragazza! — A cesta fora deixada em cima do balcão, a mulher vagarosamente foi em direção a Soyoung que a abraçou em um abraço apertado e caloroso.
— Por um momento achei que não estivesse aqui. — Soyoung murmura com um sorriso que logo se abre ao segundo abraço.
— Dificilmente me verá fora daqui. — A mulher sorri.
Ela observava as três mulheres, uma limpava as verduras, a segunda no fogão e a terceira auxiliava. A última não tinha mais do que seus vinte anos, pensou. Mesmo conversando com Rosetti, não deixava de estar perto da mais velha, tudo cheirava indicando o final preparativo da comida. As moças cochicham por algumas quando olham para Soyoung, que são repreendidas por Rosetti com apenas um olhar.
— Desta vez irá ficar? Prove. — Ela questiona e estende a mão com uma uva verde em mãos.
A pequena mordiscada na fruta deu graça ao sabor doce e um pouco da acidez misturando com a saliva, ao comer em uma vez só, ela assentiu sem dizer nada enquanto pegava mais uvas do cacho. Com as pupilas furtivas, observa o rosto curioso.
— Se Alejandro estivesse aqui ficaria contente pelo o que ele tanto queria. — A fala genuína gerou conflitos na mente.
Não retrucou, pestaneja e sorri com naturalidade. Já não tinha mais nenhuma pista de onde o homem estaria, porém não tinha ideia de como ele havia feito isso, quando o planejamento de Soyoung que fora entregue para os dois irmãos, não imaginou que tudo já havia acontecido. Obviamente foi enganada. Sentiu a enganação quando a verdade foi contada sem o mínimo de explicação, não almejou, queria almejar outra coisa. Mas primeiro o seu silêncio e a falta de felicidade iria perturbar mesmo estando quieta.
Quando o jantar foi posto, Hannah sentou-se à mesa, Christopher não dera sua presença. Soyoung questionou a ausência sem dizer uma palavra, o que não foi respondida por clareza, odiava a espera. Não sabia o que ele estava fazendo ou se estava presente. Seus passos seguiram em direção ao escritório, ouviu o murmúrio por trás da porta e o barulho do soco ecoar, o barulho mesmo repentino assustou-a. Segurou na maçaneta e tentou ouvir mais, todavia, o silêncio surge.
Soyoung resolve dar leves batidas na porta após alguns minutos ali antes de entrar. A visão do homem virado de costas encarando lá fora era a única vista que tinha naquele momento.
— Desde quando você sabia que meu irmão está vivo?
Seu semblante é contaminado pela surpresa, ela permanece imóvel, a mente de Christopher gera novas hipóteses sobre Soyoung. Então ele percebe o quão ardilosa ela é. O segredo talvez seja sustentado por ela.
— Quando eu percebi que o sequestrador carregava o mesmo broche que o seu pai deu para os dois. — Declarou. — E quando ele revelou-se indo até mim.
A cruzada em seu peito prendeu a respiração. Um silêncio estranho se impõe no ar, principalmente ambos ali, parados olhando um para o outro.
— O jantar está pronto. — Deu continuidade. — Christopher, há muito o que debater. Mas acredite, o único judas é o seu irmão. Não eu.
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