16. Arrependimento Já Esperado
North End, Boston, Massachusetts
22 de dezembro, 10h
C H R I S
Me sentia extremamente ressacado, e sabia que isso aconteceria no exato momento em que comecei a beber ontem a noite, mas apesar da dor constante que senti nas têmporas após ter aberto os olhos hoje cedo, a ânsia de vômito e tontura, esse não era o maior arrependimento que eu sentia agora.
Joey me interrompeu no melhor momento da noite, por não estar achando o barril de chopp, e como dono da casa, eu tive que ir atendê-lo, acabando com todo o clima que havia se instalado no terraço. E é óbvio que quando voltei, a situação já não era mais a mesma, e eu me sentia tímido demais para tentar de novo, então apenas a chamei para dentro e voltamos a conversar com os meus amigos, finalizando a noite com mais jogos e bebedeira.
Eu não fazia ideia de onde havia tirado a coragem que senti ontem a noite, mas gostava de ter conseguido conversar tão bem com a Scarlett. Não esperava que terminaria em flerte, e uma quase tentativa de beijá-la. Mas parando para pensar, ela não esquivou. Eu posso ter bebido muito, mas não estou louco. Scarlett esteve aberta as minhas investidas frustradas. E eu não aproveitei.
Mas que-
— Chris? — Scott chama na cozinha, me fazendo virar em sua direção. — O que está fazendo acordado a essa hora?
— Precisam de mim no fórum. Júri. — Explico, terminando de fazer o café, comendo uma fatia de bacon.
— Quem ainda está aqui além do Steve? — Pergunta, puxando um prato para si.
— Scarlett.
— Dormiu com você?
— Não. No quarto de hóspedes ao lado do seu.
— Hm... E os meus conselhos deram certo? Rolou um beijinho?
— Olha, Scott... O conselho foi legal, e conversar com ela foi legal, mas... Eu tenho que discordar, eu não sinto nada por ela e nem ela por mim.
— Mas tentou beijar ela? Tentou flertar?
— Tentei, mas ela estava alegre demais.
— Isso é um bom sinal!
— Alegre de bêbada.
— Oh... Bom então... Talvez se conversarem melhor outro dia... Ela pareceu tão... Eu nem tenho palavras, meu deus!
— Talvez eu tente de novo outro dia, mas nem tão cedo. E reze para que ela não se lembre disso.
— Se ela lembrar, você está muito ferrado.
Nós dois rimos, e o momento de quietude serviu perfeitamente para tirar a tensão de quando Scarlett apareceu. Ela estava perfeitamente linda, assim como estava ontem a noite. Com a mesma roupa, mas agora com o cabelo preso em coque e a jaqueta dobrada e largada sobre o braço.
— Bom dia. — Desejou, com a voz rouca.
— Bom dia. — Scott e eu respondemos em uníssono.
Larguei a xícara no balcão e imediatamente tirei mais um prato do armário, pondo em cima da mesa, em frente ao assento em que ela estava.
— Obrigada. — Diz, sorrindo. — Pra onde vai?
— Júri. — Explico, dando de ombros. — O quê quer comer?
— O que tiver. Nunca como muito pela manhã.
— Ok... — Giro o corpo, pegando a frigideira de bacon no fogão.
— Eu vou buscar um remédio pra dor de cabeça. Com licença. — Scott sai, nos deixando com essa falsa desculpa plausível, que me faz querer rir.
Sirvo Scarlett com a comida e suco, e me sento à sua frente. Comemos conversando sobre a noite passada, e detalhes que não fossem os nossos olhares ternos e sorrisos amigáveis um para o outro. Eu estava considerando a festa como uma trégua, e não iria tocar no assunto se ela não tocasse. Quanto menos ela percebesse que eu dei bola para ela, flertei e por muito pouco não a beijei, melhor. Menos a situação ficaria embaraçosa.
— Foi bom para desestressar. — Diz, deixando o prato na lava-louças e tomando o restante de água do copo.
— É, foi mesmo. — Concordo, arrumando a camisa social, pondo por dentro da calça, e puxando a gravata para o pescoço, me enrolando para laçar.
— Usei uma das escovas descartáveis do banheiro de hóspedes, e joguei fora.
— Tudo bem. As deixo lá para isso. — Digo, franzino o cenho, ainda tentando dar o laço.
Qual é, eu tinha que passar _essa_ vergonha na frente dela?
— Vem cá.
Ela pede. O que é irônico pois em curtos segundos, ela quem se aproxima de mim. Pela nossa diferença de altura, eu a observava de cima, vendo sua concentração em estar laçando minha gravata.
Os dedos finos se moviam com maestria pelo tecido. Os olhos claros, que eu nunca soube dizer se eram azuis ou verdes, observavam seus próprios movimentos em torno do meu pescoço, da camisa e da gravata com extrema atenção. Não pude deixar de perceber a língua se movendo entre os lábios, puxando o inferior para baixo do dente e o mordendo, em um claro sinal de percepção e atenção, talvez um pouco de tensão também.
A vista era bonita, e minhas mãos coçavam para tocar sua cintura. Não sei o motivo, mas meu corpo pedia isso. Eu a queria perto de mim naquele momento. Tanto que poderia agir por impulso se ela não terminasse logo. E ela o fez, como se lesse meus pensamentos. E, é claro, sorriu docemente, não sentindo nenhuma daquela tensão que eu sentia.
— O que foi? — Perguntou, provavelmente após me perceber encará-la por tempo demais.
— Nada. — A respondo, observando sua feição.
Inconscientemente, levei a mão ao coque que prendia todo o seu curto cabelo com esforço, e soltei, fazendo cada mecha ondulada voltar ao perfeito lugar de antes. Alguns dos fios loiros cobriram seu rosto. Fios esses que eu prontamente tirei, passando-os para trás de sua orelha.
Desci a mão por sua mandíbula, tocando seu queixo e a fazendo me olhar. E o nosso contato visual fez todas aquelas perguntas de Scott tornarem a minha mente, como um castigo por não ter feito o que eu queria fazer ontem.
Sim, eu já tenho certeza que me sinto atraído por ela. Gostar é uma palavra muito forte, e estar apaixonado é ainda pior. Sei que não estou. Tenho plena certeza de minhas condições e faculdades mentais amorosas. Mas não posso negar. Me sinto atraído.
E não é difícil também. Eu já a admirava há muito tempo. Estar trabalhando com ela pessoalmente é incrível. Ver como sua mente trabalha, ver como ela é inteligente, me causa perplexidade extrema. Não há outra mulher como ela em lugar algum nesse mundo. Mas não, eu não estou apaixonado. Sei disso.
Não é mentira que flertei com ela ontem. Tive que tomar muita coragem — e por coragem, você pode entender como "doses de tequila" —, para poder flertar com ela. Fazer piadas, jogar no lado dela sem que ela percebesse. Quer dizer, achar que ela não estava percebendo. A certeza eu nunca terei. E cercá-la. Tentar beijá-la. E me frustrar até agora por não ter conseguido. Por ter sido interrompido. Mas não. Bom, eu _acho_ que não estou apaixonado. Tenho quase certeza disso.
Eu estava admirando a amizade que estávamos construindo no tempo em que trabalhávamos realmente juntos. Não pensei que conseguiria ter esse nível de intimidade com Scarlett. E perceber o quão simples ela era. Realmente um ser humano, com traumas como qualquer outro. Com medos e receios. Com falhas. Ela era... O que eu nunca imaginei que fosse. E isso me surpreendeu muito. Me encantou ainda mais. Me fez vê-la com outros olhos... Mas... Não... Eu acho que tenho que conversar com Scott outra vez.
— É o seu celular? — Scarlett pergunta.
Sua voz me puxa de volta para a realidade, me tirando daquele limbo em pausa em que fui jogado, e eu ouço o toque clássico. Com certo pesar, tiro minha mão de seu queixo e me afasto, pegando o aparelho, checando o aviso do julgamento.
— É sim. Ahn, você está pronta?
— Sim. — Diz, pegando a bolsa de mão e o celular. — Estou.
— Ok. Eu te deixo em casa.
Seguimos juntos para a garagem de casa, e eu abri a porta do carro para ela. Pus meu paletó no banco de trás, junto com pastas, anotações e arquivos. Cerquei o carro e entrei, dando partida e saindo de casa. No caminho, o som baixo das músicas da rádio preenchiam o silêncio. Snowman tocava, por estarmos extremamente perto do Natal, e eu observava o olhar quase perdido de Scarlett para as casas decoradas, enfeites de Natal pela rua, e as crianças de férias fazendo guerra de bola de neve, com o pouco que caía.
Queria perguntar a ela se ela iria mesmo passar o Natal sozinha. Achava essas datas comemorativas importantes demais para se passar isolado. Mas não sabia quais os problemas ela tinha com a família — e não havia como esconder, claramente era problema familiar que lhe causava tanto mal —, por isso sequer tocava no assunto. Aquilo a deixava sensível, muito. Eu sabia. Não, não perguntaria sem que ela se sentisse bem para comentar primeiro.
— Obrigada. — Ela agradece, assim que estaciono em frente à sua casa, me fazendo perceber o quão absorto em pensamentos eu estava.
— Não foi nada... Espero que tenha gostado da noite.
— Adorei cada segundo. A festa foi ótima. — Ela diz, me dando um olhar diferente por curtos segundos. — Bom julgamento para você.
— Bom dia de folga para você!
A espero entrar em casa, como de costume, e faço o retorno com o carro, saindo do seu condomínio e dirigindo para o fórum. Inspirei forte, me sentindo cansado e sabendo que precisava dormir mais, e senti seu perfume, que fez minha cabeça girar em looping.
"Adorei cada segundo." O que ela quis dizer com isso? Ela tinha ciência de que eu estava tentando jogar para cima dela e gostou disso? Ela gostou dos meus flertes? Ela gostou da nossa proximidade? Das nossas conversas? Gostou de conhecer meus amigos? Gostou da festa? De Dodger? Bom, ela adorou cada segundo, então a resposta certa seria "todas as alternativas anteriores." Certo?
Porra.
Ah, merda.
Não, não, não.
Se ela sabia que eu havia tentado flertar com ela, eu estava caindo para um caminho de amargura e maus bocados. Eu estava louco se não imaginei que ela poderia estar percebendo cada pequeno movimento que eu tentava para chegar a ela.
Ela é a melhor juíza do país, Chris. A melhor detetive também. A mulher faz leitura corporal há anos. Como eu não pensei nisso? Como? Como pude ser tão burro?
E o que eu vou fazer agora? Porque esta bem óbvio que ela vai me despedir. Aliás, ela não pode me despedir, eu fiz concurso. É ainda pior. Ela vai me transferir. Eu tenho certeza. E não vai me transferir para Dallas ou Nova Iorque. Não, claro que não. Vai me transferir para Sitka. No meio do mar, longe como o inferno. Mas o inferno de gelo, o Alaska.
E o pior. Vai me queimar em todos os fóruns do país com a sua influência e nunca mais vou conseguir minha magistratura. Eu tenho certeza que isso vai acontecer. Eu sei. Eu...
Eu acho que estou ficando louco.
▰▰ // ▰▰
Oie!
O capítulo foi revisado bem rápido hoje, então me perdoem se houver algum erro.
Espero que tenham gostado de ver o Evans em surto, e mais momentos de carinho entre esses dois.
Segunda tem mais!
Até lá, beijos;
🌷
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