KIMIKO HATTORI
Choose your last words,
this is the last time
'Cause you and I
We were born to die
☆Born to die - Lana Del Rey☆
☆
Kimiko Hattori, Vilã Classe S.
Assassina e mercenária profissional do submundo do Japão.
A mulher que tinha seu nome temido aos quatro ventos, a beleza de um ser celestial e um poder tão mortal quanto ela.
Era vista como um monstro, mas uma pessoa enxergou a humanidade que ela mesma acreditava ter perdido depois de tanto sangue que manchava suas mãos.
E uma única vez em sua vida, ela se permitiu amar.
☆
Enquanto minha mãe ainda estava viva, eu tinha vergonha do meu trabalho de assassina, mas era isso que sustentava nós duas.
Só que quando ela morreu, eu descontei toda a minha raiva, frustração e tristeza na única vida cruel e dolorosa que eu conhecia. Aquela escuridão que pairava ao meu redor começou a se tornar familiar e uma zona de conforto.
Cada vez mais meu nome era conhecido nas sombras onde os vilões viviam e cada vez mais temido pelos heróis.
Se eu fosse bem paga, não me importava com o quão sangrento o trabalho era, eu queria ocupar a minha mente com outras coisas que não fosse a solidão em que eu vivia.
Sem misericórdia.
Faça o serviço rápido, mas deixe sua marca para trás.
Rastro de sangue e gritos de desespero.
Foi em uma dessas noites do meu trabalho que eu o encontrei molhado com seu próprio sangue.
Foi em uma noite chuvosa que eu encontrei meu sol quase se apagando na escuridão.
Ele era um dos novos heróis em ascensão na cidade, perambulando pelas ruas dando autógrafos e acenando feliz para aqueles civis idiotas. Porém, no trabalho de herói, o homem era uma fera nata.
Eu sei disso porque ele foi mandado várias vezes com outros heróis pra me pegar, o que nunca acontecia. A individualidade dele era estranha, seus reflexos eram rápidos e meu controle sobre ele se sobrepunha com a força dele. Eu queria quebrar aquele pescoço toda vez que ele sorria como um idiota em nossas lutas, parecia que ele estava se divertindo com aquilo mais do que deveria.
Naquela noite em específico, eu havia sido contratada por uma organização do submundo para acabar com um grupo rival. Foi um pouco difícil confesso, mas venci no fim como sempre. Entretanto, heróis apareceram pra tentar me capturar, eu estava cansada, só queria dormir pelo uso em excesso da minha individualidade, então eu fugi, já que de todo modo não havia sido contratada para matar aqueles heróis.
Escapei deles em uma das ruas da cidade e me escondi em uma varanda ao lado de um beco, mas acabei caindo no sono, encolhida naquele lugar enquanto a chuva fria encharcou meu traje e me dava constantes calafrios, mas estava tão cansada que não consegui evitar dormir.
Foi um grito de dor que me acordou assustada, mas não era relacionado a mim. Olhando por entre as grades, vi aquele herói que muitas vezes foi atrás de mim sendo esfaqueado por trás. A luta que se seguiu foi muito feia, ele parecia estar perseguindo aquele homem a muito tempo, então o cansaço já havia batido, os movimentos diminuíram e ele arfava de dor. Mas então a respiração dele foi sugada quando o homem com quem aquele herói lutava o atingiu na boca do estômago com uma faca.
__ Que idiota... - sussurrei pra mim mesma.
Ele tentou continuar com os movimentos de luta, mas o máximo que aconteceu foi um chute em seu corpo que o mandou para a parede do beco, batendo as costas com força.
Eu deveria sair dali, porque se os heróis que estavam atrás de mim me encontrassem, acabariam dando um jeito de me acusar por aquilo.
Sou uma vilã, classificada no nível mais alto, então não pensei que eu iria salvá-lo. Era só pra não colocar mais problemas na minha ficha da polícia por engano, afinal odeio ser acusada por coisas que não fiz.
Eu hesitei por um instante, pensando se aquilo era o que deveria fazer, mas um erro ou outro na vida não faz mal. Me levantei naquela varanda pulando daquele lugar e pousei a frente daquele homem, só então percebendo que era um velho conhecido.
__ Jyun, um dos últimos membros do clã Yamazaki - falei enquanto andava me colocando entre ele e o herói caído - Nossa, a quanto tempo, hein?
As gotas de chuva caiam sobre os meus olhos, mas eu ainda vi quando ele se colocou em guarda prontamente, o que já era de se esperar, porque mesmo que eu não estivesse sendo contratada para acabar com ele, a minha presença era um sinal de perigo alarmante.
__ Tem mesmo a ousadia de entrar no meu território e machucar meu inimigo? - perguntei estralando os dedos das mãos - Não passa por essa sua cabeça de merda o que a Comissão vai fazer se matar um herói na minha área?
A respiração dele começou a ficar ofegante demais, ele sabia o que iria acontecer. Um gemido de dor atrás de mim chamou a atenção de nós dois e um leve aperto no meu peito apareceu. Se algo acontecesse com ele, a responsabilidade cairia sobre mim, o que consequentemente colocaria muitos outros heróis para me caçar.
"Não morre ainda, vou chamar a atenção dos seus colegas", pensei antes de uma simples palavra sair da minha boca, não deixando ele sequer começar a implorar.
__ Corra...
Dei a vantagem a ele, que sabia que não conseguiria bater de frente comigo, mas foi só ele chegar a uma rua mais movimentada perto do beco que minhas facas o atingiram nas pernas, enquanto eu caminhava até o homem caído no chão, os sons de gritos de pavor dos civis preenchendo meus ouvidos.
__ Por favor... - ele disse entre gemidos de dor - ... eu só estava cumprindo ordens... ele é um herói, você sabe como eles são... por favor, não me mate...
__ Você atacou alguém por trás como um covarde - falei arrancando as facas da perna dele - Nem eu sou tão baixa assim, mas é bom que você aprenda o quão perverso é um ataque desses.
Eu me lembro de como o homem que me colocou neste mundo sempre fazia isso com a minha mãe. Um ataque pelas costas era covardia aos fracos em sua mais profunda essência. Por algum motivo, mesmo que eu não tivesse nenhuma relação com aquele homem, meus instintos e minha raiva falaram mais alto.
Eu queria que ele gritasse do mesmo modo que fiz meu pai gritar em seu último suspiro de vida.
E então, eu simplesmente fiz.
O corpo caído com uma faca presa no coração como lembrancinha foi deixado para trás como um alerta para os heróis. Eu consegui me mover para as sombras e voltar para o beco, só pra certificar se não havia perdido meu tempo.
O traje azul estava completamente encharcado com a chuva e o sangue dos ferimentos dele. O cabelo caramelo que sempre saía nas fotos brilhante e arrumado estava um caos, sem aquele gel para manter o penteado e os fios colados na testa dele pingando com a chuva.
__ Você não vai durar muito - falei me abaixando e colocando meus dedos em seu pescoço para sentir sua pulsação, que caía cada vez mais - Deseja que sua morte seja rápida?
__ Eu... eu quero... viver - respondeu com a voz quebrada.
__ Homens não são tão diretos assim, eles geralmente costumam me implorar para não matá-los... - falei descendo as mãos para seu abdômen até a perfuração principal, seu traje azul marinho sendo manchado pelo sangue dele - Se é isso que deseja...
A chuva espalhava o sangue dele pelo traje ainda mais, além dos outros ferimentos pelo corpo. Não era a melhor visão que eu já tive dele.
__ Doí... - ele sussurrou com dificuldade.
__ Imagino que sim - respondi me concentrando ainda mais - Preciso que tente controlar sua respiração, ok? Se concentre em mim, seus amigos já estão a caminho, não se preocupe.
Estancar o sangramento com minha individualidade não era difícil, eu já havia feito aquilo inúmeras vezes comigo mesma devido as minhas lutas, mas não poderia fazer nada em relação a dor que se espalhava por seu corpo. Quando as sirenes da polícia começaram a soar perto dali, mantive meu poder naquele área do ferimento dele, mas precisava me esconder rapidamente.
__ Vamos lá, me mostre aqueles lindos olhos mais uma vez - disse deixando minhas mãos deslizarem pelo rosto frio dele - Abra seus olhos, quero que me deixe vê-los uma última vez.
Mesmo desfocados, aqueles olhos de um caramelo intenso se abriram lentamente, mostrando toda a dor em que seu corpo havia se afundado.
__ Se continuar vindo atrás de mim como herói, vou parar de brincar e fazer com que implore para que não o mate - me aproximei deixando nossos rostos lado a lado e sussurrei em seu ouvido - Mas se vier só como o cara debaixo dessa máscara, vou adorar te encontrar outra vez.
No dia seguinte, enquanto eu descansava no sofá, os repórteres dos noticiários só falavam daquela noite maluca, o estrago que fiz aquele grupo de criminosos, um ataque que aquele herói havia evitado, mas em comparação o quase assassinato dele, fora é claro, a minha dramática aparição que deixou todos em pânico mais uma vez.
Passei alguns dias me recuperando já que a telecinese consumia boa parte da minha energia. Fora do lance de assassina, eu tinha uma vida praticamente normal, nada que vários documentos, disfarces e identidades falsas não resolvessem.
Eu tinha um apartamento simples num canto da cidade, mais bem aconchegante. Via TV e lia para me distrair, além de tentar cozinhar coisas diferentes, só pra descobrir diversas vezes que eu não sirvo pra isso. Mas o que eu mais gostava era de caminhar à noite. As praças e ruas estavam quase desertas o que me deixava calma, os poucos pontos brilhantes no céu traçaram meu caminho.
Quando o encontrei outra vez, eu estava sentada no banco da praça, fiquei tão perdida na minha solidão e esqueci que deveria tomar cuidado com as patrulhas.
__ Já disseram que você não é bom em se esconder? - falei alto o suficiente para que ele me ouvisse de trás de uma das árvores em que estava.
Quando se aproximou cautelosamente por trás, eu me virei e descansei o braço naquele banco, olhando curiosamente para ele. Ele parecia melhor que aquele dia em que o encontrei caído ensanguentado num beco, mas não completamente recuperado. Sem a máscara azul marinho, da mesma cor daquele traje, ele me pareceu menos herói e mais uma pessoa comum. Cansado e normal.
__ Então, o que você quer?
Ele desviou o olhar do meu e esfregou as mãos uma na outra nervoso e sem saber o que dizer, mas eu estava curiosa demais pra ir embora ou atacá-lo pelo pescoço.
__ Eu... eu não pude te agradecer na última vez que nos vimos... por ter salvado minha vida - disse com a voz baixa e profunda - Obrigado, eu realmente tenho que te agradecer.
__ Heróis não tem gratidão aos vilões - respondi deixando minha cabeça pender para o lado - Qual é o truque? Tem snipers por perto ou a polícia vai fazer algum cerco ridículo outra vez? Tantos homens pra ferir uma dama?
__ Não, eu vim sozinho! - disse rapidamente colocando as mãos em sua frente, não soube se era só uma reação natural ou medo de mim.
__ Eu sei, só estou brincando - falei com um pequeno riso - Não se preocupe, não quero seu sangue ainda.
__ Não precisava ter me salvado - comentou sem baixar a guarda - Por que fez aquilo? Eu tentei te capturar tantas vezes...
__ Se você morresse na minha área, eu iria arrumar uma confusão e tanto. E sabe, você é bem bonito pra morrer daquele jeito, deveria pelo menos subir mais um pouco no seu ranking idiota de heróis e sair em capas de revistas.
Ele me observava com o cenho franzido, não esperando por aquilo, mas um silêncio desconfortável caiu entre nós pesadamente.
Eu pensei que deveria fazer alguma coisa. Só não sei o porquê de ter pensado nisso.
__ Meu nome é Kimiko Hattori, prazer em conhecê-lo!
__ Eu já sei seu nome. Todos sabem.
__ É claro que sabe, já que está sempre me caçando por aí - falei com a voz baixa - Se é só isso que queria, o que vai ser? Vamos lutar ou algo assim?
__ Eu não pensei nessa parte...
__ Que tal lutar comigo até a morte? - sugeri com um sorriso.
__ Que tal se não fizéssemos isso, só dessa vez? - ele retrucou com aquele maldito sorriso que eu odiava - Eu posso me sentar?
__ Fique à vontade.
Nós ficamos cada um em pontas diferentes daquele banco, apenas ouvindo os sons distantes da cidade. Aquilo era errado, ele deveria me prender ou tentar qualquer besteira parecida com essa. Qualquer movimento errado e eu acabaria com ele, mas não houve nada desse tipo.
Ele me parecia exausto.
Culpe as agências de heróis ou a Comissão de Segurança por fazer eles trabalharem como se não fossem humanos, como se fossem só bonecos que deveriam estar sempre ali de prontidão para lutar, não importava se estivessem sido feridos ou não.
__ Não é todo dia que a cidade está tão calma assim - ele disse com a voz tão baixa que eu quase não pude ouvir.
__ Deve ser cansativo - falei em troca olhando para a lua crescente nos céus - Até para um herói, deve ser cansativo.
Ele não respondeu aquilo.
Na verdade, quando me virei para ele, aquele herói idiota havia cochilado no banco da praça. Que tipo de maluco se permite dormir ao lado de uma vilã?
Eu não sei porque, mas achei que aquele traje dele não deveria ser tão quente. Eu também não sei porque, mas tirei meu moletom e joguei no peito dele antes de me virar e ir pra casa.
E só por um instante, eu pensei que foi bom ele não ter morrido.
Mas sabe, será que 26 anos é uma idade adequada para morrer?
Três semanas depois do nosso último encontro, fui contratada para acabar com outro grupo rival da mesma organização de antes, mas a coisa não saiu como previ. Eu perdi muita energia na luta e por um erro de instantes, uma bala passou de raspão pelo meu ombro e eles me atacaram.
Porém, eu venci no fim.
Acabei parando do lado de fora daquele prédio em que havia feito meu trabalho completamente perdida. Minha visão estava turva, meu corpo cheio de ferimentos e um uniforme manchado de vermelho. Antes que eu conseguisse andar para as sombras e fugir dali, uma onda de tontura acabou tirando o peso das minhas pernas.
Eu só me lembro de algo quente me segurando antes que eu atingisse o chão. Só me recordo de ser carregada antes de apagar completamente.
Quando recobrei a consciência, tudo que eu queria era derreter naquela coisa macia abaixo de mim. Quando os raios de sol começaram a bater no meu rosto, meus olhos se abriram com dificuldade, enquanto um pequeno gemido de dor saiu dos meus lábios.
Eu não estava em casa.
Aquela cama não era minha.
E aquele idiota não deveria estar tão perto.
Ele havia acabado de deixar uma pequena bandeja com vidros de remédios e ataduras. Minha reação mais rápida foi atacá-lo, porém a dor que caiu sobre meu ombro quando me movi, além da pequena onda de tontura, me contiveram antes que minhas mãos chegassem a garganta dele.
__ Não faça isso - ele disse com a voz baixa - Vai romper seus pontos se fizer um movimento brusco como esse.
__ O QUE FEZ COMIGO?! - exclamei indo até o canto oposto da cama - O que acha que está fazendo?!
__ Calma, você ficou muito ferida na sua última luta - disse se sentando no colchão. Era a primeira vez que eu o vi sem o traje de herói, só com o conjunto de moletom azul claro o deixava tão normal, menos ridículo do que com aquela máscara - Minha agência recebeu um alerta e cheguei lá primeiro, mas você tava acabada, ia desmaiar ali mesmo.
__ Então resolveu me trazer pra sua casa?! - gritei mesmo que meu corpo estivesse explodindo de dor - Que tipo de pervertido você é?!
__ Se tivesse te deixado lá, a polícia teria te pegado e só pra constar, não te levei pra sua casa porque não faço ideia de onde você mora - ele disse calmamente, só que, eu estava apavorada - E se te levasse ao hospital, também te pegariam.
__ Por quê? - sussurrei com a voz falha - Por que não me prendeu?
__ Só estou retribuindo o favor. Quando você melhorar, pode voltar a ser uma vilã e vai acabar sendo pega, assim minha consciência vai ficar tranquila porque não vou te dever mais nada.
Eu estava apavorada sim, estava confusa e não sabia o que responder. Ninguém nunca me disse aquilo.
Retribuir um favor? Isso não é algo que existia no meu mundo.
__ Olha, esse quarto é da minha irmã mais nova, mas ela não mora mais aqui - disse se levantando até a mesa no canto do quarto e me trazendo alguns tecidos dobrados os deixando sobre a cama, mas ainda manteve distância - Eu separei essas roupas que ela deixou, devem servir pra você.
__ Por que pensa que vou ficar aqui? - falei com a respiração pesada.
__ Porque você está fraca e não consegue se proteger agora, aposto que não tem forças pra usar sua individualidade. Estão te procurando por causa disso, sabia? Se ficar lá fora vão te encontrar mais rápido do que imagina.
Eu olhei pra ele enquanto uma raiva subia pela minha espinha. Pensando bem, deveria ter pulado nele e quebrado o pescoço enquanto ainda havia tempo. Sem sentimentos e besteiras assim.
__ Sem palavras agora? - aquele idiota comentou com um sorriso de canto - Isso é novidade...
__ Fique longe de mim - respondi ainda mais irritada.
__ Claro, como quiser - ele se levantou com um pequeno sorriso nos lábios indo até a porta do quarto - Tem comida na geladeira, só precisa esquentar e pode ficar tranquila, não tem muitos moradores nesse prédio. E caso eu fique fora durante a noite toda, é por causa do trabalho.
__ Sou sua prisioneira por acaso? - perguntei com um sorriso de escárnio.
__ Não, pode ficar à vontade pra sair, mas eu já disse que estão te procurando.
Eu estava tão fodida.
Ferida, incapaz de usar meus poderes sem acabar desmaiando. Sendo procurada como a grande vilã que eu era.
__ Olha, eu sou um herói, constantemente me machuco, então sei como cuidar desses ferimentos da forma certa, tenho medicamentos que você pode usar para se recuperar - ele falava com o ombro encostado no batente da porta - Só não me mata por enquanto, ok? Minha mesa está cheia de relatórios para terminar.
__ Some daqui - sussurrei com os olhos queimando de raiva.
__ Eu tenho mesmo que ir trabalhar - respondeu com um pequeno riso - Pode ficar à vontade, agora a casa é sua também!
Minhas mãos apertaram os lençóis da cama com força e até que eu ouvisse a porta de entrada batendo do lado de fora do quarto, me levantei com dificuldade só para sentir uma onda de dor se espalhar pelo meu corpo.
Explorando o apartamento dele, descobri que heróis deviam ganhar muito bem mesmo. A mobília era rústica, o lugar era bem grande e chegando na janela, deveríamos estar quase no centro da cidade, quase na cobertura do prédio. Eu me movi lentamente até a porta, meu corpo dolorido, só para descobrir que ele não havia trancado.
Não entendia que merda ele queria comigo. Mas não dei nenhum passo para fora daquele corredor. Meu corpo não queria se mover, porque no fundo, eu sabia do perigo que estava correndo.
__ Que merda - falei batendo a porta depois de entrar novamente naquele apartamento - Merda, merda, merda, merda! Por que justo um herói?!
Depois de me lamentar e xingar aquele idiota, eu resolvi me recompor.
Se colocasse os pés pra fora daquele apartamento, as câmeras me pegariam e até chegar a minha casa, da qual eu não fazia a menor ideia de qual direção deveria seguir daquele lugar, eu só acabaria desmaiando no caminho e sendo pega. Então fui ao quarto e peguei as roupas que ele havia deixado pra mim, junto com as ataduras e comecei a procurar o banheiro.
Eu estava horrível.
Arranhões pelo rosto, o cabelo preto emaranhado, olhos fundos de cansaço. Para minha surpresa, aquele merda havia cuidado dos meus ferimentos mais profundos nos braços e só aberto o suficiente do meu traje para limpar e fechar o ferimento do tiro. Não tinha muita coisa que eu pudesse fazer aquele lugar, então me despi para tomar banho, só para encontrar ainda mais hematomas pelo meu corpo. Eu refiz os curativos, mas não tomei os remédios que ele deixou, vai saber se não era alguma droga ou coisa parecida.
Mesmo com o corpo dolorido, eu vasculhei os móveis, gavetas e cada canto do lugar atrás de câmeras e escutas, mas não tinha nada. Só por precaução, escondi uma das facas dele na minha roupa e espalhei algumas, inclusive debaixo do travesseiro. Também descobri que estava faminta e mesmo correndo o risco de ter veneno na comida que ele deixou, não consegui aguentar. De qualquer modo, aquilo estava muito bom, se eu fosse morrer ali, morreria feliz.
Mas quando a noite caiu e sombra de alguém apareceu por baixo da porta de entrada, eu corri me colocando ao lado e logo uma das facas que havia pego estava a milímetros da garganta dele.
__ Abaixa isso - ele sussurrou.
Não estava interessada em obedecer uma ordem dele, mas uma nova onda de tontura me atingiu naquele instante. Foi então que eu quase caí e ele se aproximou passando o braço pela minha cintura e me segurando contra ele. Surpresa, eu deixei a faca escorregar da minha mão e cair no chão, ocupada demais com aqueles olhos castanhos claros queimando em mim.
__ Eu disse pra não fazer movimentos bruscos ou ia romper os seus pontos! Por que não me ouviu?
__ Você é um herói... - sussurrei o empurrando e dando um passo para longe dele.
__ AInda estamos nessa? Qual é, você me salvou aquele dia, eu só estou tentando retribuir o favor, já não disse isso a você?
__ Por que eu deveria acreditar em um homem?!
__ Então é isso? Ok, está desconfortável comigo... - disse esfregando a nuca e desviando o olhar do meu - Vamos manter distância se te fizer sentir melhor.
__ Não faz! - respondi sentindo meu rosto queimar.
__ De qualquer forma, eu comprei comida, quer jantar?
__ E o papo de manter distância?
__ Posso ficar do outro lado da sala, o que acha? - perguntou com um pequeno sorriso - Além do mais, me corrija se eu estiver errado, você precisa comer para seu corpo se fortalecer e poder usar sua individualidade, não é? Algo a haver com consumo de energia?
__ Como...? - Sussurrei surpresa pela informação que ele tinha.
__ Eu só pensei um pouco, além disso, o mesmo vale pra mim, então entendo disso muito bem - disse fechando a porta atrás de si e indo em direção a cozinha com as sacolas penduradas em uma das mãos. Ele pegou os pratos como se tudo fosse normal e eu não tivesse acabado de colocar uma faca na garganta dele. Cautelosamente, peguei a minha tigela com lámen e me sentei do lado oposto no sofá ao dele.
__ Sabe, percebi que fui o único que não me apresentei corretamente. Meu nome é Kiichi, da família Suzuki.
__ Seu esquisito - comentei antes de encher minha boca com macarrão.
__ Eu não zoei seu nome, isso é meio grosseiro, sabia?
__ Esquisito e maluco, é isso que você é - falei baixinho.
Ele ficou passando pelos canais da TV, como se aquele fosse só mais uma noite normal com uma vilã ao lado dele.
__ Você gostou... - ele disse com a voz baixa - Eu adoro o lámen desse restaurante, é bom né?
__ É sim - sussurrei.
__ Então, eu devo presumir que vai ficar? - perguntou - Achei que ia voltar hoje e não te encontrar mais.
__ Disse que a casa é minha agora. Vou ser um alvo fácil lá fora, pelo menos aqui só tenho que te suportar até conseguir ter força o suficiente pra acabar com você - respondi indiferente, mas para a minha surpresa, ele começou a rir.
__ Você é uma mulher bem interessante Kimiko - disse entre risos. Aquela foi a primeira vez que ele usou meu nome e por algum motivo, pensei que a voz dele dizendo meu nome foi tão suave.
Os dias que se passaram não eram tão ruins assim, tirando a merda em que o meu corpo estava. Kiichi passava o dia todo fora e às vezes até de madrugada, já eu podia comer às custas dele e ficar no sofá vendo séries o dia todo. O pouco tempo que ele ficava em casa, havia uma distância entre nós, apesar de o pegar olhando de canto pra mim constantemente nesses momentos.
Meu ferimento no ombro não deu sinais de infecção, graças aos medicamentos que eu aceitei com receio do Kiichi e meu corpo melhorava, mas em uma velocidade mais lenta.
Mas diferente de mim, o Kiichi tinha família e no começo de uma manhã, uma mulher de longos cabelos ruivos e olhos castanhos, entrou pela porta da frente sem nem tocar a companhia. Eu não sei quem ficou mais desesperado naquele momento, mas só consegui ter tempo o suficiente para correr para o quarto mais próximo em que eu ficava, que por sinal era o dela. Fiquei então atrás da porta ouvindo a conversa deles, algo sobre um jantar em família e reclamações da mãe do Kiichi, até que ela resolveu invadir o quarto atrás de algumas roupas dela, a maioria sendo usadas por mim, além de algumas que o herói havia comprado por mim.
Eu não tinha pra onde correr, então quando a porta se abriu, minha reação mais rápida foi usar a telecinese para subir ao teto de modo que ficasse de costas pra ela. Kiichi chegou logo depois, preocupado que ela acabasse me vendo, mas ela estava ocupada demais olhando a cama desarrumada.
__ Trouxe alguém para o meu quarto?! - disse batendo no peito dele - Sério, Kiichi?! O que foi que eu disse sobre isso seu idiota?!
__ Foi mal... - ele sussurrou com a voz baixa, tentando não olhar pra mim. Com muita dificuldade, ele conseguiu convencê-la a dar o fora da casa dele.
Kiichi ficou na porta do quarto até que ela batesse a porta de entrada do apartamento, deixando xingamentos para ele. Quando pensei que minha cara fosse bater no chão por esgotar as poucas forças que eu tinha, meu corpo encontrou algo quente para se segurar, Kiichi me pegando contra ele enquanto eu respirava ofegante.
__ Te peguei Kimiko... - sussurrou no meu ouvido - Usar sua individualidade para flutuar deve ser bem cansativo, hein? Desculpa por isso, ela nunca avisa quando vem aqui...
__ Quem era? - sussurrei com um longo suspiro de cansaço.
__ Ah, é a dona das roupas que você está usando, minha irmãzinha - respondeu com um sorriso. Eu queria rasgar a cara dele, como alguém poderia sorrir tanto daquela forma?
__ Aquele uniforme que ela usava é da Comissão de Segurança - comentei - Todos da sua família tem esse tipo de trabalho?
__ Não, só nós dois. A Shiori faz parte dos agentes mais novos da Comissão.
__ O quão idiota você é? Entregou sua residência e seus laços familiares de graça para uma vilã.
__ E o que vai fazer com isso? - disse com a voz baixa, aproximando seu rosto do meu ainda mais - Se quisesse me matar já teria colocado a faca que está debaixo do seu travesseiro na minha garganta.
__ Não me tente - sussurrei - Você não passa de um herói qualquer.
__ E você é apenas uma vilã que está sendo caçada agora.
Quando as provocações pararam, só então meu corpo tomou consciência do toque forte da mão dele na minha cintura.
__ Tira a mão, seu pervertido! - exclamei empurrando o peito dele para criar distância entre nós, mas a única coisa que aquele idiota fez foi soltar um pequeno riso antes de ir para seu próprio quarto.
Kiichi passou a noite fora, jantar de família ou algo assim, ele disse antes de ir, mas eu não consegui pegar no sono, então só fiquei na sala, com o som da TV preenchendo o ambiente, já que não conseguia prestar atenção em nada. Quando o sons de chaves e a porta batendo atrás de mim preencheram meus ouvidos, me virei só para encontrá-lo com os ombros caídos e uma sacola com latinhas nas mãos.
__ Como foi o jantar? - o rosto dele se torceu em uma careta desviando o olhar do meu com a pergunta - Alguém morreu?
__ Nem tudo na vida é sobre morte, sabia? - disse se sentando no lado oposto do sofá, estendendo a mão com uma latinha de cerveja pra mim - Se quer mesmo saber foi uma merda. Sua família também te cobra por coisas inúteis mesmo fazendo tudo por ela?
__ Eu sou órfã - respondi virando um gole da bebida, minha cara se fechando pelo gosto estranho. Eu já havia bebido antes, mas não fazia isso com frequência já que era ruim para minha individualidade.
__ Oh... - ele suspirou ao meu lado - Olha, me desculpe, eu não -
__ Não importa - falei com desinteresse naquilo - Mas se não gosta de tudo isso, não deveria se sentir obrigado a fingir estar feliz perto deles. Só estaria contribuindo no teatro de família feliz.
Novamente, a sala foi preenchida pelo riso dele. Aquele som começou a não parecer tão ruim aos meus ouvidos.
__ O que foi? - perguntei confusa.
__ Você é do tipo realista, não é?
__ Heróis são os únicos sonhadores dessa equação. A vida real é uma merda Kiichi, então não há motivo pra querer fingir ser feliz ou coisas assim.
__ Isso é uma indireta pra mim?
__ Encare como quiser.
Nós dois ficamos bebendo, cada um em seu canto, com suas próprias merdas na cabeça, mas ele parecia tentado a me deixar de mau humor.
__ Então, você é sozinha?
__ Sim. Quando eu morrer, o sobrenome da minha família vai desaparecer comigo. Talvez seja algo bom, ele é algo amaldiçoado de qualquer forma.
__ Por que diz isso? - falou confuso.
__ Hattori é provavelmente alguém destinado a sempre sofrer - respondi com a voz baixa.
__ Triste - ele falou com os olhos queimando em mim - Você sempre me pareceu ser alguém tão triste.
__ Que merda acha que está falando?! - exclamei sentindo meu rosto quente, sem saber se era pela bebida ou pelas palavras dele - Pelo menos eu não fico distribuindo sorrisos falsos como se minha vida fosse o próprio paraíso! Heróis são a coisa mais patética que eu já vi na minha vida toda!
Quando virei meu rosto irritada com aquele idiota, Kiichi me encarava com uma expressão indecifrável pra mim, a luz da TV iluminando um dos lados do rosto dele.
__ Por que está me olhando assim? - sussurrei confusa.
__ Por que se tornou uma assassina? - perguntou com a voz baixa.
__ Não é da sua conta - respondi rispidamente.
__ Só me dê algumas dicas pra lutar, você faz isso melhor do que muitos heróis - Não era aquilo que ele queria, mas pareceu o melhor jeito de levar a conversa.
__ Você é desleixado - comentei - Por mais que suas habilidades sejam boas, você é impaciente e impulsivo, perde a cabeça muito fácil.
__ Desculpa se não consigo ser frio e calculista como a grande Kimiko Hattori!
__ Não precisa ser. Só deveria ter mais cuidado ao invés de se jogar de cabeça em uma batalha.
__ Não é o que você faz? É literalmente um massacre por onde passa.
__ Isso é parte do trabalho, sou contratada para isso. Além do mais, eu uso minha individualidade da maneira correta, não desperdiço meu tempo caindo nas provocações dos inimigos.
__ Ah sim, porque você os mata antes que tenham a chance de fazer isso.
__ Espertinho você, hein?
Kiichi significa "feliz primeiro filho".
Apesar de estar sendo o irmão mais velho, o líder da família, ele realmente irradiava felicidade, mas uma pontada de tristeza parecia estar presente no fundo do olhar dele. Como herói isso era de se esperar, eles deveriam passar confiança à população, mas estavam sempre sob pressão.
O Kiichi me parecia uma fonte de felicidade às vezes, os cantos da boca dele sempre estavam curvados para cima, mesmo que seus olhos expressassem cansaço ou tristeza. Ele queria transmitir felicidade às pessoas, mesmo que ele não estivesse feliz.
E isso me irritava.
Ele agia como um idiota feliz, mas só estava sendo um mentiroso de merda consigo mesmo.
Kiichi tinha uma individualidade estranha, células amplificadoras na corrente sanguínea dele que aumentavam suas habilidades em um nível sobrehumano, mas isso ainda o colocava em situações imprevisíveis e difíceis como herói.
Em um desses dias, ele resolveu me ensinar a cozinhar algo que não fosse o básico para a minha sobrevivência. Mesmo com os meus protestos, eu continuei sentada sob o balcão enquanto ele me mostrava como fazer um bolo de chocolate.
__ É gostoso e tem calorias pra te sustentar um pouco mais em uma luta já que seu poder consome sua energia, além disso, deve diminuir suas quedas de pressão se tiver mais glicose no seu sangue - ele disse antes de ligar o liquidificador.
Observando-o se mexer pela cozinha, fazendo algo tão normal, meu peito começou a esquentar suavemente. O rosto dele estava tão relaxado, mas completamente focado em cada ato. Mas então, o encanto se quebrou quando a agência dele ligou devido a uma missão de emergência, fazendo o Kiichi correr pela casa para colocar o traje azul marinho e gritar instruções para que eu terminasse de fazer o bolo de chocolate.
Por algum motivo, um peso caiu sobre o meu peito, era diferente. Nunca liguei para quando ele saía para o trabalho, mas eu queria que ele terminasse o que estava me ensinando, eu queria...
"Não pense nisso. Você é uma vilã Kimiko, não pense em algo assim", uma vozinha irritante começou a dizer na minha mente com a simples possibilidade de ter meu coração se aquecendo por um herói.
__ Kiichi! - chamei antes que saísse porta afora - Volte vivo para eu poder te matar eu mesma.
__ Claro que sim - ele disse com um sorriso - Nossa luta precisa ser a maior da minha carreira afinal!
A questão é que aquela noite foi quase a última da carreira de herói dele.
Kiichi ficou gravemente ferido em batalha e ter que acompanhar toda aquela situação pela TV foi uma grande merda.
Ele ficou mais de três semanas fora.
Meu ombro já estava melhor, até consegui retirar os pontos e meu corpo já estava quase completamente recuperado. Eu não precisava mais ficar naquele lugar, então voltei pra minha casa, mas não consegui dormir lá. Eu sentia falta daquele cheiro amadeirado do apartamento dele, queria poder ouvir o barulho das chaves, queria aquela comida quente que ele trazia quando voltava do trabalho e queria...
Eu queria que o Kiichi voltasse.
Eu voltei para o apartamento dele, limpei o lugar, até fiz compras pra ele, acabei até encontrando meu moleton que usei para o cobrir no parque guardado no quarto dele.
Eu esperei dia após dia sentada naquela sala do apartamento dele, esperando que a porta se abrisse.
Eu era só a vilã a quem ele resolveu ajudar, não merecia nem sequer ir atrás dele no hospital sem arruinar a reputação dele, mas eu queria tanto vê-lo uma última vez.
Então quando aquela porta se abriu, foi como se um peso tivesse sido arrancado do meu coração.
__ Kiichi... - sussurrei quando meus olhos encontraram os dele.
Ele parecia mais cansado do que de costume e usava um conjunto de moletom cinza simples, deixando sua bolsa de ombro cair quando me viu. Eu me levantei rapidamente e corri até ele, mas algo fez meu corpo travar antes de conseguir tocá-lo.
__ Ei, ei Kimiko - disse se aproximando e deslizando as mãos sobre o meu rosto - O que aconteceu? O que tem de errado?
__ VOCÊ, SEU IDIOTA DESLEIXADO! - gritei frustrada - Como consegue ser tão imprudente e se machucar assim?! Sabe o inferno que foi... ficar sem notícias e... caralho, você quase morreu...
__ Kimiko, olha pra mim - ele disse segurando meu rosto entre as mãos calejadas - Preciso que se acalme pra eu conseguir te beijar.
__ O quê? - sussurrei confusa.
Kiichi se inclinou fechando o espaço entre nós, seus lábios nos meus em um ritmo quente e sedento, minhas mãos se enrolando na camisa de moletom dele e uma das mãos dele firme em minhas costas me mantendo junto a ele enquanto a outra se emaranhava no meu cabelo, um arrepio eletrizante descendo em meu corpo pela sensação.
__ Eu também senti sua falta Kimi - ele sussurrou encostando a testa na minha ofegante.
__ Por que demorou tanto? - falei dando um pequeno soco em seu peito, arrancando um riso dele.
__ Olha só, quem diria que a minha super vilã favorita sentiria minha falta - ele disse entre risos me irritando pela atitude, então cutuquei fortemente o ferimento no abdômen coberto pela roupa - AÍ, calma, isso dói!
__ Não me provoque seu merdinha!
__ Vem, vou te colocar na cama - ele disse se abaixando e passando o braço por trás das minhas pernas, me puxando no ar para o peito dele.
__ Seu maluco! Você ainda não se recuperou totalmente!
__ Relaxa, sou mais forte do que pareço - sussurrou no meu ouvido - Além do mais, eu tenho que te compensar pelo tempo em que não estive aqui.
O Kiichi era meu sol.
Admitir isso pra mim mesma foi bem difícil, já que eu nunca tive a chance de me apaixonar. Era estranho sentir aquele calor dentro de mim quando ele estava por perto, mas doloroso ficar longe dele.
Meus dias começaram a ser incríveis. Comecei a desejar vê-lo a todo momento, além de aprender que o toque de outra pessoa na minha pele sem ser pra me machucar era a coisa mais incrível do mundo.
Kiichi queria me ouvir falar da minha vida, por algum motivo ele adorava isso. Eu o ensinei os movimentos de luta que havia aprendido durante meus anos de trabalho e ele me ensinou os dele. Nós passamos as noites sempre juntos, dormindo com os corpos entrelaçados ou, bem, já sabem.
__ Como soube? - perguntei com a voz baixa me virando para olhá-lo em um desses dias, enquanto o braço dele na minha cintura me prendia no peito dele - Como soube que me amava?
__ Ah... eu não te dei uma declaração adequada, né? - respondeu com um sorriso de canto - Aquele dia em que você me salvou -
__ Não salvei, eu não sou uma heroína.
__ Ok, esqueça os títulos só por agora - ele disse com um riso baixo - Mas naquela noite, quando me pediu pra abrir os olhos, pensei que tinha um anjo na minha frente. E aí, quando você se feriu, algo na minha mente disse que eu não podia te deixar sangrando, caída em um beco como eu fiquei. Todos os dias você me surpreende de alguma maneira, você tem um humor estranho, é péssima na cozinha e definitivamente sabe como arrancar o ar de um homem...
Eu ouvi atentamente, meu coração se aquecendo cada vez mais, só até a última parte quando dei um soco fraco no peito dele irritada com a provocação.
__ Kimiko, não sei se fazia isso de propósito, mas você não tem ideia de como era bom voltar pra casa e ter alguém na sala me esperando - ele disse com a voz rouca, deixando uma das mãos dele deslizarem pelo meu rosto - Esse lugar não parecia mais solitário pra mim, porque você estava aqui... E quando eu estava no hospital, só conseguia pensar se você estaria bem ou segura, se tinha se alimentado corretamente ou voltado pra casa... E uma parte de mim estava com medo de nunca mais te ver...
Ele me segurou quando meus pesadelos tentavam me consumir e eu cuidei dele quando o trabalho quase o tirava de mim.
Mas tudo isso porque eu estava afastada da minha vida profissional.
Devia ter me tocado naquela época.
Vilões não podem sonhar com a felicidade.
Não quando o Rei dos Demônios, All For One, o homem que havia me dado minha individualidade, queria meus trabalhos com cada vez mais frequência. Eu não conseguia negar porque uma parte minha tinha medo dele.
Todos no país conheciam a força e a maldade que ele carregava.
Eu tornei real cada morte que ele desejava, mas isso começou a afastar o Kiichi de mim. Ele queria outra saída, ele era um herói afinal, mas é que não dava.
Foi então que os enjoos apareceram com cada vez mais frequência.
Nunca me imaginei sendo mãe, minha história não permitiria de qualquer maneira. Fiquei assustada, não queria estragar a carreira do Kiichi e muito menos machucar aquele ser dentro de mim.
O Kiichi ficou, caramba, ele não conseguia parar de sorrir e me beijar.
Parei com meu trabalho pela criança que crescia dentro de mim e pelo Kiichi, mas principalmente, porque eu estava cansada daquele mundo. Me mudei para uma cidadezinha ao sul do país e comprei uma casa beira mar. Uma mudança no corte de cabelo, lentes de contato e uma mudança no visual ajudaram, mas as pessoas eram simples e não conheciam quase nada sobre o meu nome, o que foi um alívio. O Kiichi ia e vinha o tempo todo, ele realmente me ajudou durante a gravidez e principalmente quando a Akira nasceu.
Ela era a coisinha mais fofa e linda que eu já vi na minha vida, tão pequena e frágil que me fazia ter medo a todo momento de acabar machucando ela. O Kiichi parecia ter sido feito para lidar com crianças, ela sempre sorria quando estava nos braços dele. Pelos próximos anos que se seguiram, comigo afastada do submundo, numa casa beira mar, eu fui tão feliz.
Eu lia para a minha filha todos os dias, sempre fiz o possível para construir uma boa educação à ela e até mesmo ensinei movimentos de defesa pessoal quando ela já tinha idade o suficiente. Ela me seguia pela casa o tempo inteiro, mas quando adotou um gato de rua, contra a minha vontade inclusive, tenho que admitir que senti muitos ciúmes daquela bola de pelo por estar sempre com a atenção dela.
Só que quanto mais o tempo passava, mas o Kiichi sumia das nossas vidas. Ele era um herói afinal, era o que eu dizia pra mim mesma, ele tinha deveres a serem cumpridos. Akira não perguntava muito dele, parecia que ela sentia que era um tópico sensível pra mim, só que eu nunca conseguiria arruinar a imagem que ela tinha do pai.
Mas um dia eu não aguentei, meu coração já estava no próprio limite, então deixei a Akira sob os cuidados com a Sra. Sayto, uma senhora com quem eu havia feito amizade na cidade e me ajudava constantemente em casa, ela devia ter um pouco mais de cinquenta anos e vivia sozinha, então ela adorava poder cuidar da Akira.
A cidade continuava a mesma bagunça de sempre, as pessoas na mesma correria e falta de noção, a mesma merda. Era sábado, então imaginei que talvez ele estivesse de folga e passei algum tempo no apartamento do Kiichi o esperando, deitada no sofá até quase começar a cochilar.
__ Kimiko... - a voz dele chegou aos meus ouvidos quando a porta foi aberta.
__ Oi Kiichi - respondi me sentando no sofá em que passei noites esperando ele voltar para casa.
Ele parecia surpreso.
Surpreso demais para um herói.
Tinha algo de errado.
__ Seu idiota! - uma voz feminina disse esbarrando com ele na porta - Como pôde me deixar com as compras pra trás?!
A ruiva que eu havia visto uma vez, anos atrás, uma das funcionárias da Comissão de Segurança.
__ Como vai? - Falei quando seus olhos se arregalaram vendo uma vilã na sala de estar da casa do irmão dela - Eu me lembro de você... Shiori Suzuki, não é?
__ Kiichi... - ela sussurrou se colocando em guarda e uma das mãos adentrando o bolso da calça - O que ela faz aqui?
__ Kimi, por favor... - Kiichi disse pra mim com os olhos receosos.
__ Eu não vim lutar se é o que está pensando - falei aquela mulher cruzando as pernas e relaxando as costas no sofá da sala - Eu só quero uma conversa, então tira a mão deste comunicador.
Kiichi se virou para a irmã dele, com um olhar de temor. Ela era uma agente da Comissão de Segurança e eu uma vilã. Devia ter arrancado a cabeça dela quando tive a chance.
__ Você não contou a ela sobre mim? Ou sobre a pirralha? - perguntei mesmo que uma parte de mim já soubesse a resposta, que só se confirmou quando ele abaixou o olhar do meu e a mulher me olhou ainda mais confusa - Entendi...
Eu havia ido lá por um motivo e não queria interrupções. O fato de eu ter me tornado mãe, não significava que eu tinha me livrado da maldade do meu corpo. A cabeça dela bateu na porta com força o suficiente para o Kiichi ter que segurar a irmã desacordada nos braços.
__ Ela vai acordar daqui a um tempo, com uma contusão provavelmente, mas não se preocupe - disse friamente me levantando e indo em direção ao quarto dele pelo corredor - Vem, quanto antes terminamos com isso melhor.
Kiichi a colocou no sofá com uma expressão entre raiva e tristeza, talvez?
__ Como vocês duas estão? - disse atrás de mim entrando no quarto.
__ Ótimas, Akira tem se interessado cada vez mais por livros clássicos. Nunca imaginei que uma criança gostaria desse tipo de coisa.
__ É só isso que tem a dizer? - perguntou friamente.
__ Sua última missão para o governo foi realmente incrível, eu vi as entrevistas que você deu - falei me sentando na cama - Sabe, às vezes eu sinto falta da adrenalina no meu sangue, não tem nenhuma diversão de verdade naquela cidade...
__ Kimiko, o que veio fazer aqui? - insistiu com a voz hesitante - O que aconteceu com a Kira? Como ela está?!
__ Eu não sei exatamente porque vim até aqui - confessei com a voz baixa.
__ Como não sabe? Você acabou de bater a cabeça da minha irmã na parede, mas não sabe o porquê de ter vindo aqui?!
__ Falando assim está me fazendo parecer meio escrota - respondi esfregando as mãos desconfortável pela situação. Não era aquilo que eu estava planejando - Ok, me desculpe por isso.
__ Kimiko... - ele sussurrou esfregando o rosto nas mãos enquanto se sentava ao meu lado na cama.
__ Akira continua sendo perfeita pra mim, mas sei que ela sente falta do pai.
__ Ssbe como a onda de crimes tem se descontrolado - disse sem me olhar diretamente - Não posso deixar minha filha acabar tendo contato com esse mundo. Morarem em uma zona afastada das metrópoles tem sido um alívio e -
__ Eu sou parte desse mundo.
__ O quê...? - sussurrou confuso.
__ Eu sou uma assassina procurada caso tenha se esquecido. A sua filha é minha também - respondi entre dentes e cerrando os punhos - Sou eu que tenho mantido ela protegida dos criminosos desse país, não você. Eu, Kiichi, não você.
__ Kimiko, eu não quis insinuar...
__ Eu sinto sua falta... - sussurrei sentindo meu peito queimar - Sinto sua falta Kiichi, mais que tudo nesse mundo, mas me parece que você tem sido bem feliz sem mim, não é? Seu país é tão mais importante assim do que nós?
__ Kimi, eu não...
__ Eu entendo o mundo em que vivo. Vilões, dor, escuridão e destruição. Mas o seu, eu não entendo. Fama, glória, um mundo de luz e esperança. Se vocês heróis são a representação do bem, porque me abandonou?
__ Kimi... - ele disse se aproximando e deixando as mãos quentes e calejadas das lutas deslizarem pelo meu rosto para encará-lo - Você sabe do meu trabalho, mas também sabe que eu te amo, eu am -
__ Não... você não me ama... isso não é amor - disse surpreendendo tanto ele quanto eu - Você me deixou sozinha pra criar nossa filha, tudo por essa merda que você chama de heroísmo! Por que está fazendo isso?!
Kiichi mordeu os lábios e fechou os olhos digerindo as minhas palavras. Aquilo me consumia por dentro, eu me esqueci de como eles eram, de como queriam sempre os holofotes e capas de revistas. Nunca teria dado certo de qualquer forma.
__ Você é um covarde de merda - falei sentindo meu sangue começar a ferver - Você sempre me disse as melhores coisas possíveis só pra me fazer ser sua e depois me jogar fora, você trocou tudo que nós tínhamos porque é um covarde que não queria seu nome junto ao de uma vilã...
__ Kimi, não faz isso, eu juro que -
__ NÃO - falei deixando meu poder pressioná-lo. Me levantei rapidamente me colocando à frente dele e deixei minha última ameaça sair - Não vou contar pra minha filha a decepção de ser humano que o pai dela se tornou, vou deixar que ela continue admirando seu trabalho como herói, mas presta bem atenção, você nunca mais vai chegar perto de nós duas ou eu juro que mato você.
Os olhos do Kiichi queimavam de lágrimas não derramadas. Porém não havia outro caminho, eu seria só o caso de amor que o herói esconderia.
__ Não acredito que me apaixonei por um herói - sussurrei antes de sair daquele quarto - Você é igual a todos os outros...
Não sabia o que tinha ido fazer na casa dele, mas meu coração sabia. O Kiichi foi o único amor que eu tive na vida, mas só amor não é capaz de sustentar uma relação.
__ Amor é o caralho... - sussurrei enquanto caminhava pela cidade, o capuz cobrindo meu rosto, lágrimas rolando por ele descontroladamente.
Eu não poderia voltar pra casa daquela forma, com o rosto inchado de tanto chorar, então fiquei caminhando até a merda daquele parque em que eu havia encontrado meu "ex" um dia e me sentei embaixo de uma das árvores, observando de longe as vidas felizes de outras pessoas. Queria que a minha pudesse ter sido mais fácil, sem tantos erros e arrependimentos.
"O que eu digo pra pirralha? Ela vai querer saber dele uma hora ou outra" , pensava comigo mesma, "Por que maternidade é tão difícil?". Porém, fui tirada dos meus pensamentos quando uma bola acertou minha cabeça com toda a força, arrancando um pequeno grito da minha garganta.
__ MAS QUE PORRA?! - exclamei esfregando minha cabeça.
O dono daquela coisa apareceu rapidamente, um baixinho de cabelos loiros acinzentados e olhos de um vermelho puro, mas ele não me parecia nada incomodado com o fato de ter quase esmagado meu crânio.
__ Ei velha, joga a bola de volta aí!
__ Ei garoto! Isso não é jeito de falar com os mais velhos! - falei me levantando e agarrando aquela coisa - Além do mais, não vai se desculpar?!
__ Devolve a minha bola sua idiota!
"Que bom que eu não tive um garoto"
__ Peça desculpas e eu devolvo a droga da bola! É tão difícil assim?!
__ Nem pensar! É você quem estava no caminho sua velha!
Irritada com a merda do meu dia e a peste baixinha na minha frente, joguei a bola no ar, mas ele não conseguiu segurar antes dela parar no ar.
__ Precisa de ajuda baixinho? - perguntei girando a bola com meu poder acima da cabeça dele - Não me parece tão esperto agora...
__ Não preciso da sua ajuda! - disse mostrando as mãos que brilhavam com pequenas explosões e proferindo mais alguns xingamentos pra mim. Como uma criança conseguia ser tão atentada assim?
__ Eu tenho uma filha da sua idade, mas ela não é tão chata quanto você... - comentei enquanto ele tentava agarrar a bola no ar - Se eu fosse uma vilã, por acaso me venceria? Me parece tão fraco, nem sequer consegue pegar uma bola...
__ É claro que sim! - gritou fazendo mais pequenas explosões com as mãos - Mas você não parece nada com uma vilã, parece mais uma bruxa velha irritante de merda!
__ Como é?! Os homens costumam me chamar de muitas coisas, mas nunca de bruxa. Você é mesmo um pirralho, hein?!
__ Ei! - gritou se aproximando tentando me intimidar. Ele estava começando a parecer fofo até.
__ Eu acho que você me venceria, mas não a minha filha - respondi me abaixando até conseguir olhar naqueles olhos de um vermelho brilhante.
__ Eu vou ganhar de qualquer um, bruxa! Até mesmo dela!
__ Ah, ela é uma graça, acabaria roubando seu coração... - comentei baixinho.
Eu deixei que a bola caísse na cabeça dele que proferiu mais alguns xingamentos horríveis, arrancando uma risada genuína minha.
__ Então, até nunca mais pirralho! - falei me afastando daquela peste mirim - E vê se toma cuidado pra não machucar mais ninguém com essa coisa aí, sua peste!
Quem diria que meu genro era uma peste desde criança, hein?
Eu não tinha mais nada ali, então peguei o carro e voltei pra casa quando a noite já havia caído. Eu provavelmente arruinei o dia da irmã do Kiichi, o dele e daquele garoto loiro irritante.
__ MÃE! - Aquela pirralha fofa disse correndo na minha direção quando entrei na nossa casa.
__ Voltei pirralha! - respondi pegando ela no colo e apertando ela perto de mim.
__ Eu sei! Consegui sentir sua presença dessa vez! - Ela crescia forte e a individualidade se desenvolvia cada vez mais. Ela era meu orgulho, tudo o que eu tinha de mais precioso na vida.
__ É mesmo? Caramba, logo vai ficar tão boa nisso quanto eu!
Agradeci a Sra. Sayto, que repetia que era um prazer ficar cuidando da Akira e passei o resto da noite brincando com a minha criança e a bola de pelos dela, o jiji. Quando ela caiu no sono, eu a levei para o quarto e me deitei ao lado dela, observando a expressão suave no rosto dela. Eu só precisava da minha criança, eu sempre me virei, com o Kiichi ou não, cuidaria da minha filha com todo o amor que eu tinha por ela.
__ Você deveria ser livre... - sussurrei enquanto minhas mãos deslizavam pelo cabelo macio dela - Mas não consigo ficar longe de você, pirralha.
Esse deve ter sido o maior erro da minha vida.
O resto, já sabem.
Um sequestro para o All For One. Dois amores mortos na frente um do outro.
Engraçado, eu disse a ele que aquilo não era amor, mas minha última lembrança que tive do Kiichi era de um sussurro de "eu te amo Kimi" e aquele sorriso que eu odiava tentando me confortar.
O grito de dor que eu soltei quando o último suspiro dele aconteceu também foi o meu último momento de vida.
Não dava pra colocar uma criança no mundo e esperar que ela não fosse atingida pelas escolhas de merda que eu fiz na minha vida. Se eu pudesse voltar no tempo, teria feito tudo diferente, não teria condenado a minha filha a carregar as almas que eu tomei com meu poder.
Ela merecia tudo de melhor no mundo.
Não uma mãe que perdesse ela para o maior vilão do país. Não uma mulher que não conseguisse protegê-la dele, dos vilões que a caçavam, de uma guerra, de uma tia de merda e uma organização que desejava esse poder amaldiçoado.
Tudo que eu pude fazer no fim, foi dar o resto da energia que eu possuía para fazer o coração dela voltar a bater. Eu nunca mais veria minha criança, não poderia vê-la crescer ou ser feliz, mesmo que longe de mim. Salvá-la me condenou a nunca mais poder falar com a minha filha.
Talvez eu merecesse isso.
Ela merecia a felicidade que toda a minha história tirou dela.
Jurei pra mim mesma que iria torturar cada um daqueles monstros que machucaram a minha criança no além pela eternidade por tudo que fizeram com a minha garota.
Incluindo a vadia da Shiori Suzuki.
☆
☆(N/A): Eu vou fazer um especial das minhas três personagens, e é claro que não dava pra iniciar sem ser pela nossa vilã favorita que merecia um capítulo só dela, com participação especial do Mini Bakugou pra aliviar o coração da nossa querida.
Mas na minha cabeça, esse capítulo não ficaria tão grande, acho que eu sou péssima em proporção e coisas assim.
Bem, se preparem meus queridos, a próxima é sobre a maior chefe/tia/vadia dessa história.
PS: Nada nessa fic é por acaso, lembrem-se disso.
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