
𝑴𝒆𝒎𝒐́𝒓𝒊𝒂𝒔 𝒂̀ 𝒎𝒆𝒊𝒂-𝒏𝒐𝒊𝒕𝒆
Fazia dias desde a última vez que Dahlia havia dormido em uma cama.
Ela nem sabia há quanto tempo, pois o tempo era um conceito abstrato quando se estava trancada em uma cela subterrânea. Mas mesmo seu fino colchão de Capitol não se comparava à nuvem celestial sobre a qual ela estava deitada em seu novo quarto compartilhado. Sua cápsula era compacta, mas confortável, diretamente paralela à de Finnick. Se ela se virasse de lado, poderia olhar para o espaço entre as duas cápsulas e ver o peito dele subir e descer uniformemente. Ele dormia tão tranquilamente todas as noites, caindo em um sono feliz tão facilmente quanto respirar. Por outro lado, o corpo de Dahlia gritava por descanso, mas sua mente não se desligava. Muito perdida em seus próprios pensamentos.
Ela estava se lembrando dos muitos rostos de rebeldes que havia sido ordenada a matar, perguntando-se se eles eram realmente culpados dos crimes pelos quais ela os havia executado ou se ela havia massacrado inocentes sob as ordens de um presidente corrupto. A culpa corroeu seu cérebro, até que Dahlia teve certeza de que não havia mais nada para saquear. Será que ela ainda merecia viver depois de causar tanta dor e destruição? Como ela poderia viver consigo mesma sabendo que havia assassinado tantas pessoas que mereciam mais a vida do que ela?.
Tão absorta em suas crenças de remorso, ela quase não percebeu a forma como a respiração de Finnick começou a ficar irregular e difícil. Ele começou a gemer durante o sono, com palavras abafadas escapando de seus lábios enquanto se revirava. Dahlia sentou-se ereta em sua cama, com as sobrancelhas franzidas em preocupação com a súbita mudança de comportamento. Ela estava hesitante em interferir, temendo provocar raiva ao se aproximar dele nesse estado. Mas então ele começou a se debater e a gemer de angústia. Ela não podia deixá-lo continuar daquele jeito.
Escorregando de sua própria cápsula, ela rapidamente atravessou o chão frio até o quarto de Finnick e, timidamente, sentou-se na beirada do colchão.
─ Finnick ─ Ela sussurrou gentilmente, tentando acordá-lo sem assustá-lo ou tocá-lo. Mas o pânico dele não diminuiu. Aproximando-se um pouco mais, ela chamou o nome dele com mais força dessa vez ─ Finnick ─ Mesmo assim, ele não acordava. Sem muitas opções, as mãos trêmulas de Dahlia tentaram entrar em contato com as bochechas de Finnick e começaram a alisar sua pele úmida. ─ Acorde, Finn. Está tudo bem.
Finnick acordou com uma voz suave tirando-o da escuridão de um pesadelo e um toque angelical acariciando sua alma. Ele não pôde deixar de se aconchegar nas mãos macias que deslizavam por suas bochechas, e sua respiração se tornou estável e calma. Foi só quando seus olhos se abriram que ele finalmente percebeu quem o havia aliviado de seus terrores noturnos.
─ Lia. ─ Ele ofegou fracamente, forçando seu corpo a ficar ereto enquanto Dahlia puxava suas mãos de volta para dentro. Piscando cansado, Finnick passou a mão pelo rosto e se virou para ela com uma expressão de desculpas.─ Sinto muito.
A garota balançou a cabeça para afastar o pedido de desculpas carregado de culpa, disfarçando o desejo de colocar a mão novamente na pele dele.
─ Você está...─ Ela parou por um momento, pensando se deveria voltar para sua própria cama e fingir que estava dormindo. Mas, então, decidiu dar um grande salto e estender a mão de bondade a um homem que um dia ela desejou matar.─ Você está bem?.
Olhando para ela, um sorriso genuíno apareceu no rosto de Finnick ao ver o progresso da reabilitação de Dahlia. Ele sentia que estava começando a recuperá-la, mas ela ainda não o conhecia.
─ Estou bem, Lia.─ Ele a assegurou, embora Dahlia pudesse facilmente ver através de sua mentira óbvia.
─ Desculpe por acordá-la.
─ Você não me acordou.─ Dahlia corrigiu, fazendo Finnick estreitar os olhos em um questionamento silencioso.─ Meus pensamentos são muito altos. Eles me mantêm acordada ultimamente.─ Ela admitiu, simplificando demais o motivo de seu estado de alerta em uma hora tão cedo. Com um leve toque de diversão e riso, ela continuou timidamente ─ E... parece bobagem, mas... a cama é muito confortável. Sinto que estou prestes a afundar nela.
Finnick riu levemente junto com ela, mas uma forte sensação de déjà vu o atingiu com aquelas palavras.
─ Você disse exatamente a mesma coisa quando chegou ao Capitólio.─ Ele confessou com um sorriso de recordação, lembrando-se do tempo que ela levou para se acostumar com aqueles grandes colchões acolchoados.
─ É mesmo? ─ Dahlia perguntou com interesse, sem saber que estava se aproximando de Finnick, pois estava ansiosa para descobrir mais sobre si mesma.
─ Sim, você reclamou por anos.─ Finnick respondeu de forma provocante, um leve sorriso se formando em seus lábios com a lembrança.─ Eu costumava encontrá-la dormindo no sofá porque você se recusava a dormir na cama.
Dahlia riu envergonhada de seu passado antes de murmurar:
─ Acho que não estou acostumada ao luxo.
─ Não, você não estava. E você certamente se certificou de que eu não tomasse nada como garantido.─ Finnick a informou com um sorriso cansado, mas pensativo.─ Eu nasci em uma vida de conforto, mas você cresceu como lutador. Enquanto eu recebia tudo em uma bandeja de prata, você lutou por tudo o que tinha.─ Ele falou com tanta admiração por ela, como se adorasse o chão que ela pisava. Dahlia nunca havia conhecido alguém que se importasse tanto com ela, que se lembrasse dos mínimos detalhes de sua personalidade e os recitasse para ela como um poema sincero.─ Foi isso que me atraiu em você no início. Você era tão forte e corajosa quando nos conhecemos... Mas tão vulnerável e quebrada ao mesmo tempo. Eu sabia, mesmo naquela época, que você estava absolutamente aterrorizada, mas que não cairia sem lutar. Esse é o mesmo olhar que vi em seus olhos quando você chegou aqui. Isso me garantiu que a Dahlia, a verdadeira Dahlia, ainda estava lá, em algum lugar.
Sua voz estava carregada de emoção, com os olhos suaves olhando seriamente para os dela. A pura adoração que escorria de cada palavra que saía dos lábios dele parecia um bálsamo de mel curando as cicatrizes que cobriam a pele e a alma dela. Desde que se lembrava, Dahlia ansiava por alguém que se orgulhasse dela por tudo o que ela havia superado, que ficasse satisfeito com quem ela era em vez de tentar mudá-la. Afinal, ela sempre teve essa pessoa. Finnick Odair sempre a aceitou, mesmo quando ela não se aceitava.
Quase sem fôlego sob o olhar carinhoso de Finnick, Dahlia conseguiu fazer uma pergunta que estava na ponta da língua há dias:
─ Quem era eu para você?.
Uma expressão melancólica obscureceu as feições de Finnick, enquanto um sorriso fraco se desenhava na borda de seus lábios.
─ Você era tudo para mim.─ Ele confessou com sinceridade, mal percebendo a lágrima que começava a escorregar por sua bochecha. Antes que pudesse se conter, a mão de Dahlia instintivamente estendeu-se para cobrir a bochecha dele e escovar a lágrima com o polegar. Finnick colocou sua mão sobre a dela, deleitando-se com a sensação de abraçá-la mais uma vez. Com os olhos fixos na alma dela e os dedos dançando ao longo de sua pele, ele declarou emocionado ─ Você ainda é tudo para mim, mesmo que não se lembre de mim como eu me lembro de você.
A cabeça de Dahlia se inclinou e sua mão caiu do rosto dele.
Mas Finnick não deixou que ela se afastasse completamente dele. Quando ela recuou para dentro de si mesma, ele pegou sua mão e a segurou com força, garantindo que ela não pudesse se afastar mais dele. Ele esperava que ela rejeitasse completamente o seu toque e se afastasse de qualquer intimidade. Mas ela não o fez. Dahlia pareceu se fundir com ele, agarrando-se à sua mão como se fosse sua salvação. Então, ela levantou a cabeça com os olhos lacrimejantes para alcançar o olhar preocupado dele.
─ Me desculpe...─ Ela murmurou pesarosamente, sentindo-se desapontada consigo mesma por ter sido vítima de manipulação.─ Sinto muito por não saber mais quem eu sou. Gostaria de poder me lembrar mais... Estou me esforçando muito, mas... Não sei o que é real e o que não é.
Sua frase foi interrompida por um soluço que sacudiu seu corpo e Finnick a puxou para seus braços. Dahlia imediatamente enterrou o rosto em seu peito, com os dedos agarrando desesperadamente a camisa dele enquanto ele a puxava para mais perto. Finnick sussurrou palavras suaves em seu ouvido enquanto a encorajava a liberar todas as emoções que ela estava guardando por tanto tempo.
Ela ainda estava fungando alto quando Finnick falou em voz baixa:
─ Depois que você venceu os Jogos, você me disse que não sabia mais quem era. Eu lhe disse que descobriríamos juntos. E descobrimos. ─ O rosto manchado de lágrimas de Dahlia relutantemente saiu de onde ela havia se escondido para olhar para Finnick com um olhar de confiança. Ele nunca desviou o olhar dela enquanto continuava ─ Faremos isso novamente. Juntos. Eu prometo. E se você precisar saber se uma lembrança é real ou não, pergunte-me. Porque eu sei quem você é, Dahlia Blossom. E eu a lembrarei de sua força até o dia em que eu morrer.
Dahlia não conseguia entender como Finnick mantinha sua fé nela depois de tudo o que ela havia feito. Ele ainda conseguia olhar para ela como se ela tivesse pendurado a lua e as estrelas no céu noturno, mas era ele quem brilhava mais do que o sol. A confusão era evidente em seu rosto e em sua voz quando ela perguntou fracamente:
─ Como você consegue olhar para mim depois de todo o inferno que eu trouxe para Panem? O que você pode ver em mim que faça com que eu mereça tanto trabalho?.
─ Eu vejo tudo o que você não vê.─ Finnick respondeu sem hesitar, deixando a cabeça de Dahlia repousar em seu ombro enquanto eles se olhavam. ─ Você sabe o que eu vi no meu sonho antes de você me acordar? ─ Ela não respondeu, mas podia sentir os batimentos cardíacos de Finnick acelerarem sob sua mão. O que quer que fosse, tinha mexido com seus nervos. ─ Sonhei que tinha perdido você para sempre. E percebi que não posso viver em um mundo onde você não existe. ─ Не murmurou baixinho, como se o simples pensamento de viver sem ela fizesse seu coração se apertar de dor. ─ Portanto, estou do seu lado, não importa o que aconteça. Não me importo com as coisas terríveis que fizeram você fazer. Não me importo com um passado que não pode ser mudado. Eu me importo com você.
Os olhos de Dahlia se arregalaram novamente com a paixão que Finnick demonstrou por ela. Uma paixão que ela nunca havia experimentado antes. Uma paixão que a fez perceber que havia encontrado consolo nos braços dele. A voz da Madame a assombrava desde que deixou o Capitólio, os rostos de suas vítimas permanentemente tatuados na parte de trás de seus olhos. Mas com Finnick, sua mente se calou e suas vítimas sofridas foram enterradas. O paraíso não era apenas a sensação de estar deitada em um colchão parecido com uma nuvem. O paraíso era o espaço entre os braços de Finnick, um espaço onde Dahlia se encaixava perfeitamente.
─ Você se sente mais em casa do que em qualquer lugar onde já estive.─ Dahlia sussurrou com ternura, descobrindo-se apaixonada pelo homem que uma vez ela desprezou mais que tudo. Agora ela se perguntava como conseguira viver sem ele.─ Obrigado, Finn.─ Finnick sorriu suavemente e respondeu:
─ Ainda estou torcendo por você, Blossom.─ As palavras que ele uma vez disse a ela antes dos primeiros Jogos. As palavras que ele não esperava que ela lembrasse. Mas, novamente, Dahlia estava sempre cheia de surpresas.
─ Obrigado pelas palavras de incentivo, Odair.─ Ela respondeu instintivamente, sem realmente perceber o sentimento por trás da declaração a princípio. Mas quando os olhos de Finnick se arregalaram em choque, ela percebeu que aquelas palavras não eram apenas uma frase familiar. Eles já haviam sido falados antes e ela se lembrava.
─ Nos conhecemos antes do desfile... Real ou não?.
─ Real.
Ela se lembrou.
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