"E eu tentei comprar o seu lindo coração

Mas o preço é muito alto"

— Rihanna - Love on the Brain

ℭ𝔞𝔪𝔭𝔬𝔰 𝔈𝔩í𝔰𝔢𝔬𝔰, 861 𝔡.ℭ.

Hades,

Venho por meio desta carta lhe informar que deves libertar as jovens que eu deixei sob a sua proteção. Mag Mell já não lhes representa qualquer perigo. Elas estão livres para decidir sobre o próprio destino. Não se esqueça de que temos um acordo de sangue, tão poderoso quanto às primeiras manifestações de magia; tão antigo quanto os confins dos mundos. Deuses não são eternos, Hades. Lembre-se disso. Estamos em uma nova era, tudo mudou, meu caro. Em breve saberá que deuses não passam de nada, quando se tornam apenas lembranças.

Nosso acordo permanece. Ainda que, tudo se torne ruína, tu, e seu mundo, não serão atingidos.

De certa forma, fomos capazes de construir um laço de amizade e talvez isso se perpetue pela eternidade. Acredito que não mais nos reencontraremos, portanto, desejo que, em algum momento da sua existência, você encontre paz e também amor.

Que a sabedoria esteja convosco,

Erieanna.

De fato, tudo havia se alterado e aquela carta trazia consigo o peso de duras consequências de um acordo que fora firmado em outrora. Por um momento, o deus do submundo sentiu o coração disparar em um temor iminente. Hades sempre soube que a dinastia dos deuses findaria. Erieanna, a Filha da Profecia, representava o fim de toda uma era. Mas, ainda que os deuses caíssem em esquecimento, Hades e seu reino sobreviveria às mudanças. O deus não temia o futuro, ao contrário, seu medo se encontrava no presente e ele ainda não estava pronto para enfrentar a decisão de libertar Eilyn.

Profundamente irritado, Hades conjurou o fogo e as chamas flamejantes transformaram aquela carta em cinzas. Talvez, se Eilyn não soubesse que estava livre, ele não precisaria libertá-la. Talvez o deus poderia esconder aquele fato por mais algum tempo. Nas profundezas do seu ser, ele ainda nutria a esperança de que ela optasse por contra própria permanecer em seu mundo. Estava decidido, Hades esconderia aquela informação.

Sem qualquer peso na consciência, o deus ajeitou o sedoso robe negro em seu corpo. Levou a mão a jarra cristalina disposta ao lado de sua cama, despejou o líquido transparente no copo que levou aos lábios ressecados e sorveu um longo gole de uma água gelada. Apreciando o frescor da brisa suave que beijou sua face, o homem detentor de uma beleza invejável, fechou os profundos olhos negros, contemplando a sensação de pacificidade e então decidiu deixar seus aposentos, pois era necessário governar seus reinos. Todavia, antes que Hades alcançasse a porta, toda tranquilidade se desfez feito poeira ao vento, quando Eilyn atravessou o quarto, esbaforida, com os longos cabelos dourados soltos ao vento, segurando em suas pálidas mãos, um pedaço de papel que decretaria o fim no plano do deus que sequer fora iniciado.

— Estou livre, Hades! Estamos todas livres! — exclamou, a jovem, extasiada, sorrindo com toda felicidade que habitava em seu coração mortal.

Hades ficou imóvel, incapaz de proferir qualquer palavra, e se Eilyn pudesse ouvir as frenéticas batidas de seu coração tomado pelo desespero, ela saberia que ele não compartilhava de sua felicidade. Contudo, aquela garota cheia de vida era apenas mais uma mortal sem poderes algum, o que tornava fácil para o deus mascarar o que realmente sentia.

— Acredito que também recebeu uma carta de Erieanna. Eu estava indo ao seu encontro para lhe transmitir essa notícia. — Mentiu como sempre fazia, deixando a frieza tomar conta de suas ações.

Aquela não era a reação que Eilyn esperava que o deus tivesse. Apesar de todas as desavenças que ela tivera com Hades desde que fora obrigada a viver nos Campos Elíseos, por alguma estranha razão ambos haviam se tornado amigos. A jovem esperava ao menos encontrar algum sinal de tristeza no rosto dele, mas tudo que obteve foi uma frieza fúnebre que a desestabilizou.

— Então é isso! Acredito que a nossa história chegou ao fim. — Ela expressou em tom duro, mantendo um olhar distante.

— Sim, chegou. Já podes retornar ao seu amado. Alec é o nome dele, estou certo? — o habitual tom irônico tornou-se evidente na voz do deus.

— Estas correto. Finalmente poderemos viver nosso amor em paz.

Hades trincou o maxilar, furioso. Ele não queria que ela partisse, embora soubesse que nada poderia fazer para que ficasse consigo.

— Leve-me à Irlanda. Não suporto ficar mais um dia sequer longe do meu amor. — Eilyn pediu, esperançosa.

Aquelas palavras atingiram em cheio o orgulho do deus. Depois de tudo que fizera para aquela mortal. Depois de abrir seu coração e ter baixado a guarda, revelando a ela sua verdadeira essência sob as camadas de todos os seus disfarces, arrogância e prepotência. Depois de quase ter lhe entregado o seu mundo, Eilyn não pensou duas vezes antes de decidir deixá-lo. Hades era um tolo que fora trocado por um mero mortal.

— Eu prometi que te libertaria quando chegasse o momento e isso eu farei. — Estalou os dedos, concedendo a liberdade a jovem que respirou aliviada ao sentir o elo ser desfeito. — Porém, minha cara, não tenho nenhuma obrigação de te levar a qualquer lugar. — Os lábios do deus se curvaram em um sorriso maligno. — És livre para partir, Eilyn, mas como chegará a sua terra, é algo que não me diz respeito. — Deu-lhe as costas, evitando a manter contato com olhar afiado da jovem que o magoou.

O familiar sentimento de fúria se apossou da jovem. Hades nunca fora seu amigo, ele ainda era o mesmo deus egoísta e tudo que ambos haviam vivido em sua estadia no Campos Elíseos, não passava da mais cruel das mentiras.

— Nunca precisei da sua ajuda, Hades. Sou capaz de chegar a Irlanda sozinha. — Mesmo que estivesse abalada, sua voz soou confiante.

Hades virou levemente o pescoço, de modo a fitar Eilyn pela última vez.

— Não se esqueça, minha querida, que fora dos Campos, meus reinos são perigosos e letais. Caso sobreviva a longa jornada, desejo que seja feliz com seu amado, se ele ainda estiver te esperando. — Novamente o sorriso sarcástico ocupou a face de Hades, antes de ele desviar o olhar, dando as costas para a jovem mortal.

Eilyn sentiu um nó se formar em sua garganta, e com os olhos marejados em lágrimas contidas, ela deixou aquele quarto pela última vez, sabendo que, daquele dia em diante, ela se esqueceria de Hades e jamais voltaria pensar em tudo que vivera ali.

Aquele deveria ser o fim de uma inesperada jornada. Todavia, o futuro é imprevisível e o que deveria ter sido o desfecho de um ciclo, tornou-se apenas o começo de uma conturbada história entre um deus que amou uma mortal. Tão logo ambos descobrirão que, em tempos de guerra, o amor pode ser a maior força e também a fraqueza mais letal.

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[E M     B R E VE - N O     W A T T P A D]