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𝐂𝐇𝐀𝐏𝐓𝐄𝐑 𝐅𝐎𝐑𝐓𝐘 𝐓𝐇𝐑𝐄𝐄

𝐓𝐇𝐄 𝐇𝐄𝐋𝐋 𝐎𝐅 𝐀 𝐘𝐄𝐀𝐑

SEIS ANOS. Cinco havia se recuperado do apocalipse em seis anos. É claro que, com um trauma, ninguém recupera-se completamente.
Uma pessoa que se sente sozinha, muitas vezes, tira a própria vida. Cinco literalmente ficou sozinho por trinta anos, só para voltar para a garota que amava. Ele nunca poderia dizer que ficou bem durante os seis anos após o reinício, e sinceramente, ele nunca esperaria tornar a ficar sozinho.

Embarcou e desembarcou centenas de vezes daquele maldito metrô. Um ano, três meses e nove dias passaram. Foi uma completa solidão. Quando tinha contato com outras pessoas, era na visita à outras linhas do tempo, as quais ele — por sorte — saía vivo.

Tiveram duas vezes que quase morrera, e ambas foram alteradas quando ele usou seus poderes para voltar alguns segundos. Durante as viagens de metrô, o garoto ficava zangado com o mapa, escrevia em seu livro de anotações, lia algum livro achado em outra linha do tempo e, às vezes, pegava-se chorando de frustração.

Ainda preso no segundo inferno de solidão da sua vida, encontrava-se sentado no banco confortável de uma das estações. Um sanduíche roubado de outra linha do tempo ao seu lado, e o seu livro de anotações em sua mão.

Tinha dúvidas a serem esclarecidas, tentava treinar seu novo poder todos os dias — isso, claro, somente em outras linhas do tempo, pois com o tempo, Cinco havia percebido que seus poderes não funcionavam dentro da estação.

Perguntou-se quais eram os limites que seus novos poderes os deram. Já havia provado que conseguia viajar no tempo com precisão, seus teleportes não funcionavam — apenas para entrar na estação, e bem, ele já estava ali há um ano —... mas ele ainda tinha uma dúvida: o reinício o impediria de viajar no tempo para antes das configurações?

Pegou-se tão desesperado que gostaria de testar isso caso conseguisse voltar para sua linha do tempo. A última vez que havia visto Celly havia sido há um ano atrás, exatamente na primeira vez que veio à estação sozinho — mesmo que, tecnicamente, aquela não fosse a sua Celly.

Cinco pôs a mão no bolso do casaco roubado, recolhendo a única foto que provava que seu amor não houvesse passado de um sonho. A foto no casamento de Luther e Sloane, antes do reinício.

Ele encontrava-se admirando a foto todo fim de dia. Às vezes, assim que acordava, pois aquilo o dava forças para não abandonar tudo.

Neste dia, o garoto dormiu ali na estação — que tinha luzes suficientemente estragadas para que não o atrapalhassem e o banco era confortável. Suas mãos envolvidas na foto com a garota que amava, enquanto pensava quando isso iria acabar.

Quando acordou, a sonolência ainda o atingia. Os olhos desejavam-se pregar novamente, e ele só queria descansar mais um pouco. O barulho do metrô se aproximando nos trilhos fez ele perceber que já havia dormido demais, e levantou-se rapidamente, pegando as suas coisas e caminhando até o trem, que recentemente havia aberto suas portas.

Cinco ficou ali, de pé, enquanto as paredes coloridas do metrô corriam pelas janelas. Sua mochila estava ficando pesada a cada linha do tempo que encontrava algo útil. Dessa vez, só desejava encontrar uma comida decente.

Quando o trem finalmente parou, ele percebeu que nunca havia estado ali antes. Agora, já não restavam muitos lugares que ele não havia visitado, e sentia que faltava pouco para voltar para sua linha do tempo correta.

Ele saiu do metrô, olhando para os lados com cautela. Pegou seu livro de anotações, e começou a descrever o local, que possuía poucas diferenças dos outros lugares que estivera no último ano.

Ele atravessou o terminal sem muita pressa. Subiu as escadarias com astúcia, temendo que qualquer coisa o poderia esperar ali. Quando um raio de sol bateu em seu rosto, Cinco espremeu os olhos. Colocou a mão sobre o rosto, enquanto sua pupila se contraía com a claridade. Segurou firmemente sua mochila, e deu um passo à frente.

O local era simples. Estava em uma espécie de escritório, com largas colunas marrons e parede pintada de amarelo. A arquitetura era estranha, em comparação com sua linha do tempo normal. As janelas e portas eram arqueadas e pequenas, e o teto de vidro que deixou entrar a claridade que o cegara antes. Seus pés se arrastaram pelo carpete verde, indo em direção a escrivaninha central. Era pequena em comparação com a largura dos móveis.

Ele olhou para os lados, cuidando para que ninguém o visse. Um frigobar no canto direito chamou-lhe a atenção, fazendo Cinco correr para encontrar alguma coisa. Só havia água. Ele bufou de frustração.

Um burburinho abafado começou a se fazer presente no corredor. Cinco ergueu sua cabeça para o local do barulho, que parecia se aproximar com veemência. Ele fechou o frigobar e correu agachado para trás da escrivaninha. Seu peito estava ofegante, e acelerou-se quando ele reconheceu a voz.

— Você está brincando comigo, velhote?! — era a voz familiar dele mesmo. A porta havia sido escancarada com raiva, enquanto uma versão perfeita dele entrava furioso na sala. Cinco fechou os olhos, respirando fundo, tentando não chamar a atenção. — Me convenceu a configurar tudo com você e Allison!

Cinco fechou os olhos e fez careta após olhar para a escadaria. Tão perto mas tão longe, pensou. Não poderia sair pelas escadarias e retornar ao metrô, contando que um assassino e um alienígena estavam na mesma sala que ele, e isso poderia significar sua morte.

— Eu nunca falei que traria a versão que você estava apaixonado. — O velho falou. A cabeça balançou negativamente, como se estivesse achando-se esperto. Arrumou o paletó. — Eu organizei todo o mundo, e na esfera financeira, você está apenas abaixo de mim! Isso ainda não é suficiente?

— Ah, deixa eu ver... — Cinco ironizou. — Quando sua esposa estava morta ser bilionário foi o suficiente?

Cinco sentiu a tensão entre os dois aumentar. Reginald pegou a outra versão pelo colarinho e empurrou-o furiosamente contra a escrivaninha, que estremeceu quando o outro Cinco quase fora derrubado por cima dela. Atrás da escrivaninha, Cinco expirou calmamente quando a escrivaninha bateu em suas costas.

Ele sabia que se a sua outra versão tivesse o mesmo gênio que ele aquilo não acabaria bem. A respiração do outro Cinco ficou paralisada por alguns segundos, enquanto ele era pressionado acima do móvel, com o olhar do pai capaz de incendiá-lo.

— Nunca mais repita isso.

A versão franziu o cenho. Respirou fundo, desvencilhando-se do pai, que deu um passo para trás, o libertando.

— O reinício ocorreu exatamente como eu planejei há muitas décadas, mais do que sua mente humana é capaz de conceber. — Reginald voltou a falar. Estava calmo. Os seus olhos fitavam a versão de Cinco com cautela e seriedade. — Se algum dia eu perceber que você está verdadeiramente disposto a sacrificar-se na tentativa de trazê-la de volta, talvez eu considere ajudá-lo.

A fala de Reginald o fez lembrar de aproximadamente sete anos atrás. Havia passado somente três dias desde o reinício, e Cinco conseguiu achar o pai. Entrou na mansão furioso, pedindo explicações.
Quando notou a figura de Hale sentada sobre o sofá de couro, percebeu perfeitamente o que havia acontecido.

Naquele dia, havia descontrolado-se. Estava completamente frustrado por ter feito tudo o que estava ao seu alcance e tivesse falhado simplesmente por causa da existência de Hale.

Reginald somente o olhava com paciência através do monóculo mágico. Sabia que ele tinha um bom coração. Mas também sabia que os planos para trazer Abigail e Celeste de volta superaram todos que ele já havia tentado. Constantemente menosprezava o que Cinco havia feito por Celly. E as palavras que, ali, nesta linha do tempo, foram ditas por Reginald, o fizeram lembrar exatamente o que o mesmo havia o dito para que ele fosse embora. Também havia dito que se ele se esforçasse como Reggie se esforçou por sua família, talvez pudesse obter ajuda dele.

Os pensamentos de Cinco retornaram às suas dúvidas do dia anterior: poderia viajar no tempo para antes do reinício?

Talvez ele não precisasse voltar à sua linha do tempo para testar a teoria. Agora que Reginald e sua outra versão haviam deixado claro que, nesta linha do tempo, tudo havia sido restaurado, ele poderia tentar viajar para anos antes.

Cinco começou a concentrar o seu poder ao redor dos seus braços. O poder que lhe concedia a possibilidade de viajar no tempo logo envolveu todo o seu corpo em uma aura esbranquiçada.

Os olhos de Reggie se fixaram na direção da escrivaninha, como se atraídos por uma força invisível. O monóculo cintilava, analisando cada detalhe com uma precisão quase sobrenatural, como se revelasse segredos ocultos à espera de serem desvendados.

Quando Reginald finalmente estendeu um dos tentáculos de seu corpo alienígena para atravessar a escrivaninha, seus sentidos aguçaram-se ao deparar-se com o vazio. Número Cinco já havia saltado, desaparecendo antes que Reginald pudesse sequer perceber o rastro deixado pela sua fuga.

Agora, no passado, Cinco ergueu o corpo, os olhos varrendo o ambiente enquanto tentava decifrar onde estava. Novamente em um escritório, mas algo estava diferente. O lugar parecia ter sido devorado por algo que não era simplesmente o tempo. As paredes desbotadas, o mobiliário desgastado e o ar denso não pareciam só sinais de decadência. Havia uma sensação de vazio crescente, como se a realidade ao seu redor estivesse se desfazendo aos poucos. Respirava com dificuldade, o peito subindo e descendo de forma irregular. Um segundo a mais... e tudo teria acabado.

Ainda ofegante, Cinco levou a mão à testa, limpando o suor frio que começava a escorrer. Ele sabia que o salto havia sido preciso, mas havia algo errado. Mesmo no passado, o perigo o cercava de forma palpável, mas era um perigo que ele não conseguia definir.

Sem perder tempo, impulsionou-se para fora da sala, a fim de descobrir se havia acertado em sua teoria todo esse tempo. Seus passos ecoavam pelo corredor deserto enquanto sua mente tentava processar o que acontecera. Sentia-se preso entre o medo e a necessidade de entender. Algo fundamentalmente errado havia acontecido aqui — não era apenas um salto no tempo. A sensação de vazio, de ausência, de que as próprias leis da física estavam se desfazendo, o fazia pensar. O medo rastejou por sua espinha, mas não podia hesitar.

Chegou à porta principal, mas algo o fez parar abruptamente.

Lá fora, o cenário era incompreensível.

No horizonte, um vasto campo de escuridão profunda avançava, mas não era simplesmente escuridão; era uma ausência total de luz, de matéria, de tudo. A expansão da matéria escura era visível a olho nu, como um véu negro que engolia lentamente o céu, a terra, o ar. Cinco podia sentir que aquilo não era um simples fenômeno, mas uma força cósmica, apagando a realidade. A gravidade parecia alterada, distorcendo tudo ao seu redor, como se a própria estrutura do espaço estivesse sendo dilacerada e sugada por aquele abismo implacável. Não demorou mais de um segundo para ele entender que o Apocalipse desta linha do tempo era diferente, e quase tão complexa e destrutiva quanto o Kugelblitz.

Cinco recuou instintivamente, o coração disparado. Ele podia sentir a presença do apocalipse, a pressão no ar cada vez mais sufocante. O chão sob seus pés começava a ceder, rachando-se em fissuras que se expandiam em direção àquela escuridão crescente. O som não era um estrondo comum; era um silêncio devorador, como se o mundo estivesse sendo consumido por algo que destruía até mesmo o som.

Ele não hesitou em envolver novamente o seu corpo no novo poder, em uma tentativa de sair dali depressa ao confirmar a sua teoria. Quando achou as escadarias para o metrô, as desceu com pressa, quase tropeçando entre os degraus. Os seus pés ligeiros atravessaram o terminal. Estava perto da sua linha do tempo, sabia disso.

Ele pegou o mapa que havia achado quando chegou ali e o abriu sem delicadeza. As linhas do tempo, todas coloridas, ramificavam-se de uma principal. Várias linhas haviam sido rabiscadas por ele com um "X" enorme. O restavam poucas para visitar, e então, dentre uma das restantes, estava o terminal para sua linha do tempo.

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As incessantes viagens entre as linhas do tempo estavam drenando sua energia, deixando-o consumido por um cansaço profundo e uma frustração esmagadora. Já havia se passado mais uma semana desde que sua teoria sobre viagem no tempo foi finalmente comprovada, mas, na última semana, ele acabou retornando a um terminal que já havia visitado, uma repetição insuportável que o deixava irritado e desesperado por não conseguir aproveitar seu tempo.

Seus cabelos estavam longos e desordenados, e a barba, rala, refletia sua negligência. O sol queimava sua pele, quase o cegando com sua intensidade. A luz escaldante parecia zumbir em seus sentidos, enquanto ele sentia a vitamina D penetrar em sua pele quente. Na noite anterior, decidiu viajar para a linha do tempo em que, há seis meses, havia descoberto uma estufa de morangos. Os moradores não haviam voltado para a estufa, e a geladeira estava praticamente vazia, mas o lugar ainda oferecia um abrigo, um espaço onde ele podia se limpar, se alimentar, raspar a barba e cortar os cabelos.

Antes de retomar a busca por sua linha do tempo, ele se sentou em um banco de madeira, comendo os morangos frescos que havia colhido. Sua mente estava em um turbilhão, repleta de planos que fervilhavam enquanto se imaginava de volta à sua linha do tempo. Sabia que poderia viajar para antes do reinício, mas o que teria que fazer para trazer Celly de volta? Valeria a pena arruinar tudo o que Reginald havia construído? E se, ao tentar trazer Celly de volta, um novo apocalipse surgisse? Ele se sentia perdido, incapaz de configurar a máquina do Oblivion, e todas as possibilidades pareciam tão distantes quanto estrelas inatingíveis.

Levantou-se pesadamente, como se cada movimento fosse um esforço monumental, e voltou para dentro da casa velha ao lado da estufa. Pegou seu casaco, buscando na mochila pesada a lanterna que sempre o acompanhava. Desceu as escadas em direção ao metrô estranho.

Naquela linha do tempo, a estação era uma sombra do que já fora. As paredes, mal conservadas, pareciam ameaçar desmoronar a qualquer momento, e a escuridão dominava o terminal. Ele ligou a lanterna com um suspiro resignado, iluminando o espaço decadente enquanto caminhava até uma máquina de bolinhas — aquele brinquedo simples que costumava ser a alegria das crianças em sua linha do tempo base. Queria algo que o distraísse da tempestade de pensamentos que o assaltava.

Mas, quando viu que a máquina resistia à sua vontade, a frustração o levou a usar a lanterna para forçar a abertura. Com um estalo, a porta se abriu, e as bolinhas saíram disparadas, quicando pelos trilhos vazios do trem.

Cinco soltou uma lufada de ar exasperada, acompanhada de um irônico e cansado "maravilha".

Com a lanterna iluminando os trilhos, ele saltou para o espaço vazio, cuidando para que nenhum metrô aparecesse naquele momento. Escolheu a bolinha menos colorida, mas antes de voltar à superfície, notou algo peculiar: um pequeno livro estava perfeitamente colocado nos trilhos.

Franziu o cenho, perplexo com a aparição inesperada. Agachou-se e pegou o livro degradado, de capa verde com detalhes em dourado, sentindo um frio na barriga quando a escrita se revelou familiar. Era seu próprio livro, possivelmente do futuro, e com um misto de esperança e urgência, percebeu que todas as respostas que buscava para encontrar sua linha do tempo correta estavam ali, ao seu alcance.

O livro estava dominado de escritas que explicavam cada trem que ele havia embarcado no último ano, e explicava também o mapa incomum que havia encontrado. Seu peito acelerou de alegria. Poderia voltar para casa.

Pegou-se percebendo que aquele sentimento já era familiar. Estava-o experimentando pela segunda vez.

Cinco correu dos trilhos para cima do terminal novamente. Com o livro em mãos, correu pelas escadarias acima. Quando adentrou a casa velha, pegar sua mochila pesada havia sido o suficiente para a sua ansiedade em sair dali.

Desceu novamente as escadarias e, usando as informações do livro, percebeu que todas as linhas estavam interligadas. Não era um só trem que o levaria à sua linha do tempo. Teria de pegar ao menos quatro. Embarcar e desembarcar em estações especificas e em horários específicos.

Mesmo que fosse complicado, agora ele tinha uma resposta.

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Atravessando a rua congelante, coberta de neve, Cinco sentia a inadequação de seu casaco, uma proteção frágil contra o frio cortante. O desejo de não adoecer, após a súbita mudança de temperatura nas linhas do tempo, mal lhe ocupava a mente. Seu coração batia acelerado, e uma lágrima de realização ameaçava escorregar pelo seu rosto. Ele havia conseguido. Conseguiu sair. Conseguiu voltar.

Seus passos na avenida eram calmos, quase como um ato de rebeldia contra a frenética movimentação dos veículos. Ele não tinha certeza para onde ir, mas sentia uma urgência em falar com Diego, compartilhar o peso de suas experiências, as sombras que o perseguiam.

Sete anos atrás, ao retornar do apocalipse, Diego era uma das últimas pessoas com quem ele imaginaria desabafar. Mas, com o passar do tempo, algo em Diego parecia ter mudado. A ideia de que ele agora poderia ser um verdadeiro companheiro trazia um sopro de esperança ao seu coração.

Quando avistou a aconchegante casa do irmão, um suspiro escapou de seus lábios. Até então, tudo parecia normal, mas o tempo... o tempo parecia distorcido. Quanto tempo havia passado em sua linha do tempo normal? Minutos, horas, dias? O conceito de tempo tornara-se nebuloso e aterrorizante.

Subiu os degraus de tijolos, a ansiedade pulsando em cada passo, e parou diante da porta. Bateu suavemente, uma súplica silenciosa para que alguém o atendesse. A felicidade borbulhava dentro dele, a ponto de achar que se até mesmo Celeste Hale o atendesse, já seria bom. Mas, ao abrir a porta, percebeu que estava errado.

O olhar prepotente e esnobe da garota o avaliou de cima a baixo, e ele sentiu o peso das suas roupas sujas, do seu cabelo desgrenhado. Um revirar de olhos foi o único cumprimento que deu a ela. Sem esperar permissão, Cinco atravessou o vão da porta sem querer falar com ela.

— Boa tarde para você também, mal-educado — ela ironizou, fechando a porta atrás de si enquanto o garoto observava, atordoado, a casa ao seu redor.

Tudo parecia normal. E, ao mesmo tempo, nada fazia sentido. O som da vida vibrava em seus ouvidos: os pais de Lila tagarelando na sala, sua sobrinha correndo, Lila preparando a mesa para o café... Era como se a vida tivesse seguido em frente, enquanto ele estava preso no inferno. Fazia tanto tempo que não via aquilo... e agora, a normalidade que o cercava era um lembrete cruel do que ele havia perdido.

— Quanto tempo se passou? — Ele perguntou. Seus olhos fixos nas pessoas presentes na sala. Celeste cruzou os braços atrás dele.

— Umas duas horas desde que você decidiu dar as costas pra gente e fazer tudo sozinho. — Ela alfinetou.

Então não resolveram a Purificação, pensou.

— O que vocês fizeram enquanto eu estava fora? — Cinco perguntou. Voltou a olhar para Celeste, que agora estava apoiada na parede.

— A CIA ficou investigando a cena do crime, Diego tentou pedir um emprego ao seu chefe pessoalmente,  Viktor e o papai saíram em busca de Ben e Jennifer... — ela deu de ombros — mais ou menos isso.

— Tá. — Ele respondeu. Voltou a olhar para as pessoas ali.

— E eu não estou mais tendo o sexto sentido.

Cinco olhou abruptamente para ela. Seus olhos expressaram uma busca por respostas que só ela poderia lhe oferecer agora. Ele deu um passo para perto, e antes de perguntar o que havia acontecido, Lila chegou atarefada, batendo com o pano de prato nas costas do garoto.

— Cinco, seu otário! Esperei que fosse voltar e pedir desculpas!

— Desculpa. — Ele pediu indiferente. Queria realmente saber como era o terceiro estágio já que, se algum milagre acontecesse, ela poderia ajudá-lo.

— Desculpa, nada! — Lila franziu o cenho. — Nós demos a ideia e você nos traiu sem nem se preocupar! Agora nos diz, como foi sua viagenzinha, hm?

— Uma merda. Tenho que falar com Diego. — Ele respondeu. Não queria falar sobre aquilo com as garotas e receber um "eu avisei" delas. Ele ergueu seu pescoço, procurando o irmão com os olhos pela casa.

— Ele não chegou ainda. — Lila fez uma careta triste. — Saiu com o Luther.

— Pra onde? — Cinco perguntou. Franziu o cenho. Nada lhe ocorria pensar para onde o irmão havia ido.

— Ele resolveu falar com o seu chefe. Acho que ele se comoveu, sei lá. Mandou eles darem uma olhada no lugar.

— Na CIA?! — A voz de Cinco beirou ao desespero. — Meu chefe deixou Diego na CIA? Tá brincando, né?

— Não. Ele estava cansado de ficar pedindo para você entregar os currículos dele. Isso é péssimo, tá bom? Até eu que sou maldosa às vezes não faria isso. — Lila falou. Cruzou os braços e olhou Cinco como se o repreendesse.

— Diego não serve pra trabalhar lá. — Cinco se defendeu. Pôs aos mãos no bolso do casaco, desviando o olhar de forma envergonhada por estar sendo tão exposto.

— Ele se esforça! Poderia ao menos ter feito sua parte como irmão. — Lila falou. Soltou uma bufada de ar, e quando a filha gritou, chamando por ela, Lila somente saiu.

Cinco olhou para Celeste, que havia encarado todo o diálogo com um pequeno sorriso. Ele só revirou os olhos, mas manteve-se ali para pedir explicações sobre os poderes dela.

— Uau. Ver a Lila te dando bronca caiu muito mal. — Ela provocou, com um sorriso que só fazia aumentar à medida que implicava com ele. Cinco endireitou-se, lançando-lhe aquele olhar cansado de sempre, o que só a fez sentir-se vitoriosa.

— Ver você tentando ajudar em alguma coisa também. — Ele rebateu, sem perder tempo. Ela revirou os olhos, fazendo uma careta de desdém. — Anda, desembucha!

— Desembuchar o quê? — Ela fingiu inocência, como quem não estava entendendo nada.

— Os seus poderes, Celeste!

— Ah, eu só sirvo pra isso? Sério, me sinto atacada. — Ela respondeu, com um toque dramático na voz.

Cinco lançou um olhar que dizia tudo: "não estou com paciência para isso". Pôs as mãos na cintura, esperando. O silêncio que se seguiu foi curto, até que Celeste bufou e decidiu falar:

— Eu estava me sentindo meio... desligada o dia todo, sabe? Durante o ataque em New Grumpson, minhas visões estavam ótimas... a coisa ficou um pouco mais intensa. Bom, isso até hoje. Olha só, já são quase seis da tarde e nada mais de sexto sentido. Estou quase pirando!

— Isso pode significar que seus poderes evoluíram de novo. — Ele afirmou, o olhar fixo nela, como se tivesse acabado de resolver um enigma.

Antes que Celeste pudesse sequer processar a ideia, ouviram duas batidas suaves na porta. Ela revirou os olhos e foi atender. Do outro lado, Diego e Luther estavam discutindo, como de costume.

— Eu falei pra você que não devíamos ter ido! Eu nem queria aquele emprego! — Luther resmungava quando a porta se abriu. Celeste, braços cruzados, olhava os dois com sua expressão indecifrável.

— Descobrimos algo útil, tá bom? Dá pra parar de reclamar?! — Diego retrucou, notando que Celeste já os encarava. Seu rosto se iluminou com um sorriso de cumprimento. — Oi!

— Entrem logo. A Lila tá te esperando. — Celeste respondeu, com um tom de quem não tinha tempo para baboseiras.

— Demorei demais, é? — Diego perguntou, entrando.

— Chegaram a tempo para o café... — Celeste falou. Seu sorriso sumiu ao notar as pernas de Luther. — Por que diabos você está sem calça?

— Ah é... Acho que precisamos conversar, Cinco. — Luther disse, esgueirando-se pelo corredor estreito para ficar cara a cara com o irmão. — Você sabia que o seu chefe fazia parte daquele grupo estranho?!

— Oi? — Cinco franziu a testa, claramente confuso.

— Ah, é. Ele faz parte dos Flippers. — Diego soltou, sorrindo como se tivesse acabado de ganhar um prêmio por ser o primeiro a descobrir.

— É Keepers. — Celeste corrigiu, quase revirando os olhos.

— Isso, Keepers. Seu chefe pirou, e de repente toda a CIA estava nos atacando. — Diego explicou. Primeiro pareceu reclamar, mas a frase seguinte fez deixar claro que estava vitorioso com a conquista: — Isso, óbvio, porque o grande gênio Luther conseguiu desvendar os segredos...

— Eles são malucos! — Luther acrescentou, balançando a cabeça.

— Isso explica você estar pelado das coxas para baixo? — Celeste perguntou confusa. Colocou as mãos na cintura, desviando o olhar completamente envergonhada. Luther somente usou o sobretudo que estava vestido e o deixou mais fechado ao redor do corpo. Segundos se passaram, até Cinco voltar ao assunto do chefe:

— Tá bom. Eu duvido. — Cinco disse, fazendo uma cara de quem não estava nem um pouco convencido.

Foi nesse momento que Lila apareceu. Com um pequeno salto, se aproximou do marido, dando-lhe um beijo quase na boca, o que fez com que Diego sorrisse de um jeito bobo. O restante do grupo olhou para o lado, felizes por eles, mas desconfortáveis com a demonstração de afeto pública.

— E o emprego? — Lila perguntou, animada.

— Deu tudo errado. Eram uns lunáticos, gata. — Diego respondeu, ainda fulminando Cinco com o olhar, como se esperasse que ele parabenizasse o irmão por ter descoberto que o chefe dele era dos Keepers.

— Oh. — Lila fez careta. — Sinto muito.

— Também não é como se fossemos ter muito tempo para continuar nos nossos empregos, não é? — Luther comentou, de maneira casual, enquanto colocava as mãos na cintura. — Viktor foi com o papai tentar convencer o Ben, mas a coisa está ficando meio doida, já que nenhum dos dois deu notícias. E segundo o papai, se duvidar... em algumas horas nem estaremos mais aqui para nos preocuparmos com nossos empregos.

— Ai! — Todos protestaram em uníssono, reclamando do pessimismo do loiro.

— Que negativo. — Lila murmurou, sem muita paciência. Ela lançou um olhar de lado para Luther, notando com estranheza o fato de ele estar sem calças, mas decidiu não comentar. O assunto, afinal, parecia já complicado o suficiente.

— Ele não tá errado. — Celeste deu de ombros com um ar de pragmatismo. — Temos que correr e ajudar eles. Ou vocês querem ficar aqui esperando que tudo seja “purificado”?

— Do jeito que andam as coisas, não parece uma má ideia. — Luther resmungou, torcendo o rosto em uma careta cômica.

Diego, impaciente, cruzou os braços, olhando fixamente para o irmão.

— Desde quando você ficou todo pessimista, hein? — Reclamou, mas sem conseguir esconder uma pitada de irritação na voz. Luther deu de ombros, despreocupado, como se o peso da situação simplesmente não fosse grande o bastante para afetá-lo.

Lila soltou um suspiro profundo, não de frustração, mas de cansaço, como se já estivesse acostumada com esse tipo de cenário.

— Okay. Temos que fazer alguma coisa. — Disse calmamente, embora com certa firmeza. Diego, por sua vez, olhou para o chão, como se esperasse que a solução caísse do teto a qualquer momento. Cinco continuava em silêncio, ainda tentando encontrar uma chance de falar com Diego, mas sem conseguir o momento certo. Luther, por outro lado, parecia absorto em seus próprios pensamentos, até que, de repente, os olhares de Celeste e Diego caíram sobre ele.

Visivelmente desconcertado, Luther gaguejou:

— O-o que foi?

— Você não era o Número Um? Hora de voltar às raízes e bolar o plano, mi hermano. — Diego falou com uma mistura de sarcasmo e provocação, como se estivesse tentando empurrar Luther de volta à liderança.

Luther revirou os olhos, sem conseguir disfarçar o incômodo.

— Você não esquece nada, né? — Resmungou, tentando afastar a responsabilidade que Diego acabara de jogar em cima dele.

Antes que a conversa pudesse se arrastar, Cinco decidiu que já era hora de agir. Com um movimento decidido, largou a mochila no canto do corredor e atravessou o corredor, passando por Luther em direção à porta.

— Beleza. Eu tô indo. — Anunciou, sem se preocupar com as reações ao seu redor. Todos o encararam surpresos, até que Celeste, confusa, perguntou:

— Pra onde você vai?

Cinco parou na porta e olhou para os irmãos, que pareciam curiosos, esperando por uma explicação. Mas, antes que pudesse responder, a porta foi aberta por Klaus, Allison e Claire, que entraram no meio da conversa, claramente em seu próprio mundo, discutindo algo sobre ser "inconsequente".

— Oi. Nossa! Que aglomeração é essa aqui? — Klaus perguntou, franzindo o cenho ao perceber todos reunidos no corredor.

— Oi, gente. — Allison cumprimentou com um sorriso despreocupado.

Claire, mais quieta, ficou para trás, observando tudo com curiosidade.

— Aí! — Lila reclamou, olhando horrorizada para a sujeira que Klaus trazia nos sapatos e nas roupas. — Pode ir tirando os sapatos!

— Opa. — Klaus resmungou e parou onde estava para obedecer, sem grande cerimônia. — Foi mal.

— Espera aí! Que terra é essa? — Diego perguntou, desconfiado. Klaus, que agora atravessava a sala com toda a tranquilidade do mundo, fez um gesto desinteressado.

— Então... a Allison e a Clairezinha tiveram que me desenterrar de uma cova de cachorro morto. — Disse casualmente, como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo.

— Meu Deus. — Celeste murmurou, chocada com a falta de noção, mas ao mesmo tempo já brevemente acostumada com as loucuras de Klaus.

Claire passou pelos familiares com um sorriso tímido, seguindo em direção à prima, enquanto Klaus caminhava em direção à cozinha.

— Vocês estão com fome? Eu comeria um boi inteiro. — Ele disse, completamente alheio ao clima tenso que pairava sobre o resto do grupo.

— Do que estávamos falando mesmo? — Allison perguntou, cruzando os braços com um sorrisinho curioso nos lábios.

— O chefe do Cinco faz parte dos Keepers e Viktor não mandou mensagem. — Lila respondeu, lançando um olhar sugestivo para Cinco, que permanecia impassível.

— O Cinco estava indo embora quando vocês chegaram. — Celeste concluiu.

— Eu não estava indo embora. Estava indo ajudar meu irmão. — Cinco corrigiu, com a usual simplicidade. — Vamos acabar com essa história dos Keepers e aí eu faço o que eu quiser.

A ideia era clara: resolver a situação o mais rápido possível para poder focar em trazer Celly de volta.

Allison balançou a cabeça, lembrando-se de algo.

— Ah... desculpa. Não querendo ser estraga-prazeres, mas acho que ouvi a mãe da Celeste falando algo sobre "irreversível e irrevogável".

Celeste corrigiu de imediato.

— Na verdade, ela acrescentou um "eu acho" depois disso. — Seu tom era sério. — Agora, como reverter, isso é a verdadeira questão.

Cinco ponderou, olhando para Celeste com renovado interesse.

— Sua mãe nunca chegou a uma conclusão?

— Ela estava pesquisando quando voltamos há seis anos. Mas por algum motivo, desistiu. — Celeste respondeu, dando de ombros, como se aquilo ainda fosse um mistério.

— Você é boa em química e física? — Cinco perguntou, curioso.

— Tá querendo que eu salve o mundo? — Celeste retrucou com ironia, mas sem negar o peso da pergunta.

— Um pouco. — Cinco admitiu, sem rodeios. — Sinceramente, você é a mais provável de achar uma solução.

— Me sinto lisonjeada. — Ela disse, mas mudou de ideia rapidamente ao perceber que ficaria responsabilizada. — Mas não vai rolar.

— Por que não? — Diego interveio, impaciente. — Eu acho que deveríamos ir até o Viktor enquanto você procura algo.

— Eu concordo com eles. Vamos ganhar tempo assim, levando em consideração que o Ben estava aparecendo no rádio há uns minutos atrás. — Allison falou. Todos irmãos viraram suas atenções abruptamente para ela.

— Como é que é? — Cinco perguntou.

— Ah... eu achei que vocês estavam preocupados assim porque tinham ouvido...

— Não. Diego negou.

Antes deles começarem a discutir, Klaus berrou "Olha, Allison! O Ben está aparecendo na tevê também!", divertidamente. Todos irmãos saíram da sala correndo, desta vez, sem se importar com os calçados sujos, já que a ansiedade por informações o consumiam. Eles se amontoaram no sofá, olhando a reportagem que parecia recentemente ter iniciado.

—... é o ex-condenado chamado Benjamin Hargreeves.

— É ele! — Alguns irmãos falaram em uníssono. Todos prestando ainda mais atenção na televisão quando a foto de Ben apareceu no canto direito da televisão.

— Foi preso em 2019 por um golpe envolvendo criptomoedas, e cumpriu quatro anos de prisão federal Avalon. – A repórter da KPMW explicava. Luther resmungou um: "Ah, a gente vai ter que ir atrás deles", enquanto a câmera mostrava uma multidão armada ao redor do prédio. — Ainda não ficou claro como esse grupo de manifestantes armados está ligado ao Hargreeves. A polícia local não conseguiu se aproximar o suficiente do prédio para fazer contato, e nós não temos informações que o Hargreeves tem algum refém...

— Tá bom! A gente tem que se mover! — Lila falou. Saiu depressa para colocar os sapatos novamente.

— Espera aí! Vamos aonde?! — Klaus perguntou. A voz beirando ao desespero por não ter prestando atenção em nada desde que havia chegado. Os olhos dos irmãos foram parar em Celeste, com exceção de Klaus, que estava à espera de uma resposta dos próprios irmãos.

— É com você. — Allison falou. — Tem que ir até o escritório do seu pai. É possível que lá tenha alguma resposta.

Celeste respirou fundo, tentando não perder a paciência.

— Eu nem sei o que eu deveria procurar! — Ela exclamou, frustrada. — Não é como se minha mãe tivesse descoberto a cura para a Purificação e escondido isso de mim e do papai o tempo todo!

Por um momento, o silêncio tomou conta da sala. Celeste, no entanto, parecia estar refletindo mais a fundo. Ela levou a mão ao pescoço, um gesto inconsciente que indicava que estava revisitando memórias.

— Se bem que... ela ficou estranha quando esteve no fim da pesquisa. — Disse, quase para si mesma, percebendo que talvez houvesse algo mais. – Acho que... ela não queria ter voltado.

Luther, vendo uma oportunidade, sorriu.

— Viu só! Não custa tentar. — Ele sugeriu. — Um de nós pode ir com você. Tentamos procurar a cura para a Purificação. Se não houver, uns de nós já estaremos com o Viktor para tentar impedir. Depois, você chega como reforço, se for preciso.

Celeste, contudo, parecia irritada com a forma como os irmãos estavam tratando o problema.

— Vocês estão subestimando isso, né?! — Ela falou, a voz carregada de frustração. – Tem noção que foi isso que DEVASTOU o planeta dos meus pais?! Vocês estão lidando com um novo apocalipse!

Diego, que estava sentado na poltrona com Lila anteriormente, levantou-se e se aproximou.

— Okay. Calminha, aí. – Ele a tranquilizou. — Por isso estamos dizendo que vamos nos esforçar. Eu, ao menos, ainda quero ver o amanhã chegar.

Cinco, sempre direto, concordou com um aceno de cabeça.

— É... eu concordo.

Allison finalmente sorriu.

— Eu também.

Klaus, que nem estava prestando atenção, resmungou um:

— Que se foda! Tô dentro.

Todos olharam para Luther, esperando sua resposta. Ele hesitou por um momento, mas então cedeu com um sorriso resignado.

— Ah... é. Dá pra aguentar mais uns aninhos, né? — Respondeu, com uma leveza que contrastava com a tensão no ar.

— Beleza. Eu vou pra mansão e tento fazer algo útil. — Celeste se prontificou. Lila atravessou o corredor dos quartos para a sala rapidamente, anunciando apressadamente, enquanto todos pareciam meio confusos com o desespero dela com a situação:

— Cinco vai com você.

— Por que eu? — Ele franziu o cenho, cansado de sempre ser escolhido para acompanhá-la. Levantou-se do sofá em que estava sentado, abrindo os braços em protesto.

— Quer que eu desenhe, Cinco? — Lila perguntou. — Abigail é uma química e física excepcional pra ter descoberto tudo isso. Se ela deixou qualquer detalhe incompleto, vocês dois vão trabalhar juntos nisso. Você é o melhor em matemática aqui.

— É. Você sempre tirava cinco estrelas na avaliação de desempenho. — Luther concordou.

Ele suspirou derrotado. Encarou Celeste, que estava indiferente com a situação.

— Devemos concordar que os seus poderes não vão ajudar em nada se nos acompanhar agora. O seu teleporte é uma merda. — Lila falou sincera. Ele revirou os olhos e cruzou os braços. — E você... — Lila olhou para a garota, que estava nervosa com o peso da responsabilidade em suas costas. — Chame um táxi, por favor. Não vamos perder tempo atravessando a cidade para levar vocês dois, com todo o respeito.

Ela deu de ombros.

— É compreensível.

— Eu nem aceitei ir ainda! — Cinco reclamou.

— Não tem que aceitar. — Allison rebateu. Soltou um suspiro esperado. — Cala a boca e vai. Só não se matem.

— Ah. — Os dois resmungaram. — Complicado, né?

｢· · • • • ⛈︎ • • • · ·｣

Vinte minutos se passaram até chegarem à mansão dos Hargreeves. O táxi foi silencioso, com Cinco e Celeste imersos em pensamentos próprios, cada um lutando com dúvidas que não ousavam compartilhar.

Assim que desceram, Celeste cuidou rapidamente da corrida. Caminharam com passos apressados pelo extenso pátio, enquanto ela murmurava, "Tenho quase certeza que ele estará no escritório do papai".

Subiram as escadarias externas, e Celeste franziu o cenho ao perceber a ausência dos guardas. Onde diabos estavam?

As portas estavam escancaradas, como se a equipe de Reginald tivesse partido às pressas, talvez para deter Ben e Jennifer. Celeste conduziu Cinco pela casa com frases rápidas, "Por aqui", "Temos que virar o corredor". Essa viagem, levando em consideração o tamanho da mansão, durou mais do que Cinco estava imavinando. Até finalmente chegarem diante da porta do enigmático escritório do pai. Ela hesitou por um momento antes de agarrar a maçaneta.

— Vamos. — Decidida, abriu a porta, permitindo a passagem de Cinco, que não hesitou em entrar no misterioso lugar.

— Sinceramente? Achei que íamos encontrar um frasco ou algo assim. Quando penso em "cura da Purificação", um escritório não é o primeiro lugar que me vem à mente. — Cinco resmungou, indo direto para uma estante fechada. Abriu gavetas e vasculhou arquivos, procurando algo que fizesse sentido.

Celeste não perdeu tempo. Começou pela mesa, depois foi para os livros nas prateleiras. Nenhum dos dois sabia ao certo o que buscavam, mas estavam confiantes de que algo útil apareceria.

— Você disse que sua mãe estava trabalhando numa pesquisa, certo? — Cinco perguntou, ainda focado nos arquivos.

— Sim, por um ano e meio.

— Sabe por que ela parou?

— Não. Ela nunca esteve realmente entusiasmada depois que voltou... Só lembro de uma vez no jantar, perguntei sobre a pesquisa e ela disse algo como: "Vou parar com isso. Já concluí que não vai dar os resultados que eu espero", e deu de ombros.

— Estranho.

— Concordo.

— E o papai? Sabia sobre a pesquisa?

— Claro. Eles são casados. — Celeste respondeu o óbvio, mas continuou concentrada nos livros, perplexa com a quantidade de volumes sobre física e teorias de multiverso.

— Faz sentido. Não dá pra esconder muita coisa num relacionamento. Uma hora, a corda arrebenta. — Cinco comentou casualmente. A palavra "corda" pareceu disparar algo na mente de Celeste. Ela largou o livro abruptamente e se virou, ainda meio atordoada. — Isso não serve só pra relacionamentos amorosos, é claro-

— Cordas! É isso, Cinco! — Ela exclamou, os olhos brilhando enquanto ideias fervilhavam. Cinco a encarou com uma careta, claramente impaciente com a interrupção.

— O quê?

— Viagem no tempo.

Cinco deu um sorriso irônico, achando que ela estava brincando. Como diabos viagem no tempo consertaria tudo? E, mais importante, sem poderes?

— Você é burra?-

— Estou falando sério, seu abutre! — Celeste retrucou, largando os livros na mesa e correndo até outra gaveta que ainda não havia checado. — Me ajude a procurar o diário do papai.

— Diário? Você acha que ele usa um diário? — Cinco fez uma careta, incrédulo.

— Você entendeu o que eu quis dizer! Qualquer coisa com anotações!

Cinco bufou, mas começou a procurar pelos móveis do escritório. Enquanto isso, Celeste pensava febrilmente sobre onde o pai poderia ter guardado algo tão importante. Voltou para a escrivaninha e olhou as gavetas inferiores. Foi até a estante e checou os arquivos... mas nada útil estava ali. Ela colocou as mãos no rosto, tentando pensar onde seu pai guardaria algo tão importante.

— No quarto deles! — Ela exclamou de repente. Cinco, ainda confuso, saiu correndo atrás dela quando ela disparou pelo corredor, até a enorme suíte luxuosa.

O quarto era imaculadamente branco, com cortinas de detalhes dourados. O piso de carpete bege contrastava com a roupa de cama azul-marinho e os travesseiros brancos como neve. Celeste foi direto à cômoda e forçou a última gaveta, a qual sabia que seu pai sempre mantinha trancada. Há seis anos morava ali, e nunca havia visto aquela gaveta destrancada.

Cinco, ainda tentando acompanhar o raciocínio dela, observava enquanto Celeste se frustrava por não conseguir abrir a gaveta. Com um resmungo inaudível, ela condensou o vento em uma lâmina afiada, destrancando a gaveta com sucesso.

— Finalmente! — Sorriu vitoriosa, abrindo-a e se deparando com o diário de Reginald Hargreeves. Era vermelho, com as iniciais registradas em dourado na capa. Ela expirou nervosamente, e abriu o livro, erguendo-se de onde estava e ficando perto do garoto para que ambos pudessem ler o que estava escrito.

Celeste folheava o diário rapidamente, suas mãos quase tremendo de urgência, até que alguns desenhos prenderam sua atenção, forçando-a a parar. Seu olhar ficou sombrio, e ela trocou um olhar com Cinco ao perceber as ramificações da estação desenhadas ali. Embora fosse uma hipótese, estava claro que os detalhes eram insuficientes.

— "A falha na configuração levou a uma divergência entre as linhas do tempo. Acredita-se que, da linha principal, partiram pelo menos trezentas e sessenta e cinco linhas do tempo paralelas, que começaram a divergir a partir do momento em que as configurações não foram completamente escritas". — Celeste leu em voz alta, suas palavras carregadas de confusão. Ela se afastou, andando pela suíte enquanto tentava desesperadamente fazer sentido daquilo. — O que isso significa, Cinco?

— Eu... não sei. — Ele admitiu, genuíno. — Que configurações ele está falando?

Cinco tomou o diário de suas mãos, e, apesar do protesto baixinho de Celeste, ela o deixou continuar a busca. Ele passou página por página, mas nada fazia sentido, as anotações pareciam fragmentadas, incompletas. Então, algo familiar congelou seu coração: o símbolo do Oblivion. Sua boca se abriu, mas as palavras ficaram presas, atordoado demais para falar.

— Ele está falando do reinício. As configurações da máquina na dimensão alternativa! — Cinco murmurou, um sorriso pequeno surgindo em seus lábios.

— Do que você está falando? Isso não faz sentido! O reinício funcionou, é por isso que estamos aqui, idiota. Por isso eu estou aqui.

— Com todo o respeito, você estava morta. Não sabe o que aconteceu depois, né? — Ele rebateu com sarcasmo, e Celeste bufou, cruzando os braços, esperando por uma explicação. Ele suspirou, tentando aliviar o impacto da verdade: — A máquina estava tirando a calêndula de nós. E, acredite, dói pra caralho.

— Só isso?

— Allison se arrependeu do acordo com o papai... pegou a foice do terceiro guardião e... a lâmina encontrou a cabeça do papai. — Ele explicou, suavizando a história, mas Celeste captou o peso nas entrelinhas. A ideia de Allison ter matado o próprio pai não passou despercebida.

— Hm.

— Ele não terminou o processo. A Allison, desesperada, apertou o botão no painel de controle e... voltamos pra cá. É isso. — Cinco concluiu, com um dar de ombros. Celeste, agora absorvendo tudo, andou um pouco, processando a lógica.

— A configuração nunca foi concluída. — Sussurrou para si mesma, sentindo a gravidade da situação pesar sobre seus ombros. — O Oblivion unia todas as linhas do tempo em uma só...

— Mas como ele poderia fazer isso se as linhas não estavam completamente conectadas? Isso, claro, justamente por não ter dado tempo do papai configurar completamente. — Cinco concluiu, com um sorriso vitorioso.

— Então... uma linha começou a vazar para outra. A calêndula de outro universo apareceu aqui, onde nem deveria existir. As imagens de nós em Paris, o livro do Viktor... tudo começou a colapsar.

— Aposto que o papai foi o primeiro a descobrir isso. — Cinco sugeriu, pensativo. — Acho que ele sabia o quão grave era...

— Sabia, com certeza. Estudamos isso por anos. Quando percebeu, provavelmente entrou em pânico e... a solução desesperada dele foi estudar viagem no tempo.

— Agora, sem a calêndula, era a única saída dele, né? Se eu pudesse viajar no tempo naquela época, ele teria me implorado por ajuda-

— Cinco! — Celeste sorriu, um brilho de esperança em seus olhos. — Você pode viajar no tempo.

— Sim, e é o que estou dizendo. Se eu pudesse naquela época, ele teria me oferecido o mundo pra conseguir o que queria.

— Vamos viajar no tempo. — Ela disse, com firmeza. A ideia dela pareceu acender-se nos pensamentos dele quase instantaneamente, como se já soubesse o que ela queria dizer com aquilo.

O coração de Cinco deu um salto. Ele riu, incrédulo.

— Não... não. Você não está entendendo. Meus saltos são precisos só comigo. Em 63, lembra? Espalhei a Celly seis anos antes de nós, e depois cada um em tempos diferentes. Nascemos no mesmo dia e agora temos idades completamente diferentes! Isso está fora de cogitação!

— Quer a Celly de volta ou não?

A pergunta o atingiu como um soco no estômago. Ele hesitou, nervoso.

— Teríamos que levar todos. Correríamos o risco de cada um ter que lutar contra sua própria versão do passado... mesmo com os sete estágios à flor da pele! E estaríamos desfalcados sem o Ben! — Ele falava, o desespero crescendo em sua voz. Ele queria tentar, mas sabia o risco.

— O papai iria junto e configuraria tudo. Nossas consciências de agora estariam lá quando o reinício acontecesse. Eu sei que é arriscado, e que você está apavorado, mas confia em mim!

— Isso é pedir demais!

— Eu sei! Mas nunca estive tão certa como agora, Cinco.

Ele ponderou, mãos na cintura, desviando o olhar, lutando contra a insensatez de sua ideia.

— Podemos esquecer a Purificação e viajar direto pro passado.

— Não tem como vocês duas sobreviverem! — Cinco gritou, sua frustração explodindo. — Acha que vou acreditar que você se sacrificaria por nós?

— Eu, no máximo, me sacrificaria por ela! Você é imprestável, insuportável e irritante demais para eu dar a minha vida por você.

— Exatamente! Nada disso faz sentido, Celeste! Está ouvindo a baboseira que tá saindo da sua boca?! — Ele gritou. Perambulou pela suíte, tentando recuperar sua paciência.

Um silêncio sufocante preencheu o ambiente. Celeste baixou os olhos, e seus pés batiam repetidamente no carpete bege, refletindo a ansiedade que lhe corroía por dentro.

— Não podemos sair daqui sem uma resposta. — Cinco murmurou, a voz quase um grito preso no peito. — Uma... que não seja maluca.

Ele lançou um olhar a Celeste, mas ela parecia ter se afundado em seus próprios pensamentos, distantes e profundos. De repente, uma onda de tontura dominou seu corpo, diferente de qualquer coisa que já havia sentido antes. Não era apenas o sexto sentido, nem algo comum; era uma fusão desconcertante entre ambos. Seu sexto sentido a alertava, como uma sirene silenciosa, de que ela estava prestes a ver algo crucial, algo que precisava fazer, enquanto seu corpo, por sua vez, a preparava para vislumbrar o seu próprio destino de forma irreversível.

Cinco notou que algo estava errado. Ele deu um passo à frente, pousando a mão no ombro dela, mas Celeste não reagiu, perdida na maré interna de sua mente. Ela se curvou, apoiando as mãos nos joelhos, e sentiu como se o próprio cérebro estivesse se contorcendo. A dor que irradiava em sua cabeça era quase insuportável, e ela instintivamente afastou a mão de Cinco, não suportando o toque. Seus joelhos cederam, e ela desabou no chão, a textura áspera do carpete pressionando suas bochechas enquanto tudo ao redor parecia se distanciar. Ela ouvia a voz de Cinco, chamando seu nome, mas a força para reagir lhe escapava.

Então, os flashes surgiram, como relâmpagos que rasgavam sua visão, ainda que o mundo real permanecesse em trevas. O terceiro estágio da visão a atingiu com uma intensidade esmagadora. Sua mente foi sugada para um fluxo de imagens: seu pai, a encarando através do monóculo; sua mãe, a envolvendo num abraço entre lágrimas, sussurrando um "Foi um prazer lhe conhecer, minha querida". Ao redor, Luther, Allison, Klaus, Diego, Lila, Cinco e Viktor esperavam em silêncio, seus rostos envoltos numa seriedade densa. Cinco segurava o diário em suas mãos, e, quando todos se prepararam, Celeste foi lançada num vórtex, como se seu corpo fosse tragado pelo próprio tempo. Ao abrir os olhos, estava no familiar, enigmático e acolhedor hotel Oblivion, mas o final do seu destino permanecia um borrão. A única certeza que sentia, tão profunda e enraizada quanto sua própria existência, era a de que seu destino era corrigir as linhas do tempo.

Quando voltou a si, Cinco estava ajoelhado ao seu lado, sacudindo-a suavemente, tentando trazê-la de volta. Ela se ergueu aos poucos, apoiada nos cotovelos, tossindo de forma descontrolada. Sua cabeça latejava de forma insuportável, e as lágrimas escorriam sem controle por seu rosto. Algo dentro dela havia mudado, seu sexto sentido estava agora afiado... permanentemente.

— Você vai fazer o que eu mandar... — murmurou com uma voz fraca, mas cheia de convicção. Cinco a encarou, confuso, franzindo o cenho, e ela continuou, quase em um sussurro quebrado: — ...porque eu vi os nossos destinos.

ISSO DEU UM TRABALHÃO TÁ?!???!
mas ficou TÃO BOM 😭 (eu pelo menos gostei 🤙

Estamos oficialmente chegando ao fim, acho que vai no máximo dos máximos mais dois capítulos e depois é adeus 🫂.