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𝐂𝐇𝐀𝐏𝐓𝐄𝐑 𝐓𝐖𝐄𝐍𝐓𝐘 𝐓𝐖𝐎

𝐈𝐍𝐓𝐎 𝐓𝐇𝐄 𝐕𝐎𝐑𝐓𝐄𝐗

A CAMINHADA até a Dealey Plaza havia mal começado, e o trajeto, que não era tão longo, parecia interminável. O nervosismo inquieto de Celeste, as paranoias incessantes de Cinco e a irritante calma fingida do outro Cinco — o fisicamente mais velho — tornavam tudo mais complicado e exasperante.

— Tudo bem. Desembucha. — Celeste disse, de forma furtiva, enquanto olhava para Luther. Ele virou a cabeça, analisando os arredores para garantir que nenhum dos Cinco estivesse prestando atenção. Fingiu ignorância, mas ela sabia que ele era péssimo em disfarçar.

— Do que você está falando? — perguntou ele, com um sorriso amarelo e um nervosismo quase palpável.

— Você sabe do que estou falando, beleza?! — Ela retrucou, sua paciência começando a diminuir. A camisa xadrez dela já tinha as mangas arregaçadas, numa tentativa inútil de amenizar o desconforto. — Você saiu do banheiro mais pálido que um fantasma. Eu sei que o Cinco… — Ela lançou um olhar rápido por cima do ombro. O Cinco fisicamente mais velho estava a uma distância segura, sem chances de ouvir, enquanto o outro, o mentalmente mais velho, gesticulava e gritava, envolto em sua própria psicose do paradoxo. — …te contou algum plano. É a cara dele.

— Plano? Que plano? — Luther tentou desviar com um sorriso desajeitado, mas a mentira escorregava por todos os poros.

Celeste suspirou, exasperada, e antes que pudesse se conter, deu um tapa firme no braço de Luther.

— Ei! O que foi isso?! — Ele parou abruptamente, ofendido.

— Você sabe muito bem o que foi isso! — rebateu ela, apontando um dedo acusador. — Agora me conta!

Luther hesitou, mas acabou retomando o passo ao lado de Celeste. Os dois começaram a subir as escadarias que levavam à ponte de cruzamento no parque. Ele olhou para trás, certificando-se de que os dois Cinco estavam suficientemente longe, e finalmente cedeu:

— Ele tem um plano, tá bom? — sussurrou, usando a mão como barreira para evitar que alguém atrás pudesse ler seus lábios. — E… é até bonzinho, eu diria. — Ele deu de ombros, tentando amenizar.

Celeste estreitou os olhos.

— E por que você não queria me contar? — perguntou, magoada. — Eu também sou parte disso, lembra?

— Porque você ia ficar do lado do Cinco… o pirralho. — Ele fez uma careta de reprovação, lançando um olhar discreto para trás.

— O quê?! É tão sério assim? — ironizou ela, incrédula. Não conseguia imaginar um plano tão absurdo a ponto de Luther excluir ela da conversa. — Vão matá-lo, é isso?!

Ela lançou a frase de forma cínica — afinal, era impossível que cogitassem isso —, mas quando viu Luther assentir, um "É" escapando dos lábios dele, Celeste parou no meio do caminho, chocada.

— O que vocês estão cochichando aí? — Cinco, o fisicamente mais velho, interrompeu. Ele se aproximou com um olhar desconfiado, uma sobrancelha arqueada, posicionando-se entre Luther e Celeste.

Luther suspirou e se entregou:

— Ela quer saber do plano. — Ele deu de ombros, sem graça.

— O quê?! O que foi que eu disse?! — Cinco explodiu, irritado, cruzando os braços e encarando Luther.

— Que era para eu não contar para ela, sim, eu entendi! — Luther se defendeu, erguendo as mãos como quem diz "culpado, mas não muito".

— É? Não parece! — Cinco retrucou, a frustração transbordando em cada palavra.

Celeste, já saturada da discussão, interrompeu com firmeza:

— Dá para pararem de agir como se eu não estivesse aqui? — Ela cruzou os braços e lançou um olhar irritado para os dois. Cinco, o mais velho, não conseguiu evitar achar adorável o rosto irritado dela, mas ela revirou os olhos, percebendo. — Fala logo qual é o plano idiota.

Cinco deixou escapar um sorriso contido, mas a diversão acabou quando Celeste lhe deu um empurrão no ombro, uma mistura de brincadeira e irritação. Ele ergueu as mãos em falsa rendição.

— É coisa simples, queridinha — murmurou, quase zombeteiro.

O apelido não passou despercebido por Celeste. Era sempre "querida" com o outro Cinco, e agora  "queridinha"? Ainda assim, decidiu ignorar, ouvindo atentamente enquanto ele explicava:

— Sabemos a causa do apocalipse. Então, damos cabo dessa minha versão insuportável — ele indicou o outro Cinco com um gesto de cabeça, quase revirando os olhos — e voltamos para 2019. Assim, podemos impedir a Vanya de destruir tudo. Moleza.

Celeste congelou, boquiaberta. Sua mente processava lentamente as palavras.

— Você disse "damos cabo" para o Cinco. Vocês querem matá-lo?! — ela berrou, incrédula com tanta frieza.

— Eu sou o Cinco — ele corrigiu, impassível. — Tecnicamente, é uma escolha minha. Ele não disse que concordava, mas se eu concordo, ele também concorda.

Ela voltou a andar, os pensamentos fervendo. O plano era tentador, admitiu para si mesma. Fácil, até. Voltar para 2019, impedir Leonard e orientar Vanya sobre seus poderes. O problema não era a simplicidade… só que era o Cinco.

Ela suspirou profundamente, com os ombros tensos. Algo lhe dizia que aquilo estava longe de acabar.

Luther e Celeste estavam claramente desconfortáveis. Algo sobre aquele plano parecia fundamentalmente errado. "De manhã, eu estava montada nele, e agora estou cogitando matá-lo?!", ela pensou, chocada consigo mesma. Ainda assim, o lado ardiloso de sua mente sussurrava: "Até onde ele pode ir?". Uma ideia surgiu: fingir que aceitava o plano para ver até onde o Cinco fisicamente mais velho levaria aquilo. Enquanto isso, ela ganharia tempo para decidir de que lado ficar.

— Tudo bem. — Celeste resmungou, fingindo relutância.

O Cinco fisicamente mais velho, ao lado dela, deixou escapar um sorriso satisfeito, como se tivesse ganho a aposta.

— Vai concordar com ele?! — Luther explodiu, indignado. A voz dele quase subiu uma oitava, chocada. Para ele, aquilo era impensável vindo dela.

— A ideia é ótima! — Celeste se defendeu, cruzando os braços. Olhou para trás, onde o outro Cinco parecia mais perdido do que nunca, em seu estado deplorável.

— Tá legal. Nada disso importa. — Cinco, o mais velho, interrompeu, sem perder o tom autoritário. Ele manteve a voz baixa, para que a outra versão dele não pudesse ouvir. — Disfarcem até eu terminar o serviço na praça. A gente pega a maleta e eu apago o moleque.

Celeste quase arregalou os olhos, indignada, mas se forçou a manter o disfarce. Fingiu hesitação, enquanto observava Luther ao seu lado. Diferente dela, ele estava sinceramente relutante, e isso transparecia em cada movimento.

— Eu… Queria que tivesse outro jeito, sabe? — Luther disse com tristeza, a voz carregada de um pesar genuíno. Ele abaixou os olhos, envergonhado, mas Cinco o cortou antes que continuasse.

— Não tem. — Cinco rebateu com firmeza. Ele nem precisou olhar para trás, como se já soubesse o que estava acontecendo. — Olha pra ele.

— Tá olhando o quê?! — O outro Cinco, do fundo, explodiu, gritando com um transeunte aleatório.

— Olha! — Cinco insistiu, gesticulando para que Celeste e Luther observassem.

Eles se viraram. Celeste quase soltou uma risada. A diferença entre as duas versões era absurda: enquanto um Cinco parecia completamente no controle, o outro estava no fundo do poço.

— Tenho cara de palhaço?! Você é louco, babaca! — o Cinco mentalmente mais velho gritou, agora discutindo com alguém.

— É o pior caso de psicose do paradoxo que já vi. — Cinco comentou, arqueando as sobrancelhas como se estivesse analisando uma peça de museu.

Celeste balançou a cabeça, incrédula, tentando conter o riso. Mas sua atenção foi bruscamente desviada quando o outro Cinco percebeu que estavam olhando. Ela rapidamente tentou imitar os gestos hesitantes de Luther, empenhada em parecer natural. Já começava a sentir um leve pesar por ele confiar tanto nela.

— Qual é o problema? — Cinco perguntou, estreitando os olhos enquanto caminhava até eles.

— Cuida da sua vida! — o Cinco de trás gritou, irritado. — Vai acabar se arrependendo de ficar me encarando, hein!

Celeste, mantendo a calma, respondeu com uma expressão que mesclava culpa e um toque de dramatização:

— É que… estamos com pena dele. — Ela juntou as sobrancelhas, como se estivesse sendo sincera.

— Ele é… tão pequeno. — Luther acrescentou com um tom triste, quase cômico.

— Todo mundo é pequeno pra você. — Cinco respondeu de imediato, cortando o momento com sarcasmo.

— Não discordo. — Celeste deu de ombros, cruzando os braços. — Mas…

— Sinto muito mesmo, gatinha. — Cinco a interrompeu sem cerimônias, chamando-a pelo apelido que a fez franzir o cenho. — Mas não tenho tempo para o sentimentalismo de vocês dois. Posso contar com vocês pra controlar o moleque?

Celeste trocou um olhar rápido com Luther. Ele parecia tão confuso quanto ela, mas, após alguns segundos de reflexão silenciosa, ambos assentiram.

— Vamos tentar. — Celeste respondeu, com um aceno de cabeça.

— Vou me esforçar. — Luther acrescentou, ainda hesitante.

— Tudo bem. — Cinco murmurou, voltando sua atenção para a praça à frente. Ele se afastou, deixando os dois para trás, determinados a seguir com o plano.

Celeste e Luther permaneceram na ponte, esperando que o outro Cinco se aproximasse. Eles o observaram enquanto ele subia as escadarias, os olhos estreitados e claramente desconfiados.

— Oi, maninho! — Luther cumprimentou, forçando um sorriso que beirava o desespero. Celeste quase revirou os olhos. "Ele não sabe disfarçar nada. Puta merda." Assim que Cinco chegou ao lado deles, ele se espremeu entre os dois, forçando sua presença. Ele analisou ambos, uma sobrancelha arqueada. Luther perguntou, sorridente: — Tudo bem?

Os três desceram as escadarias em um ritmo tenso, mas o silêncio de Cinco era o que mais incomodava Celeste. Ele estava quieto demais, e aquilo não era um bom sinal.

— Ele vai me matar, não vai? — Cinco perguntou de repente, com uma calma tão absurda que parecia uma piada. O contraste fez Celeste soltar um sorriso inesperado.

Luther pigarreou, tentando parecer que estava no controle.

— O quê?! — Ele reagiu, forçando uma risada nervosa. Apontou para a outra versão de Cinco, tentando aliviar a tensão. — Quem? Ele? Se ele vai te matar? Tá legal, isso é... ridículo-

— Ele vai. — Celeste interrompeu, dando de ombros como se estivesse confirmando algo óbvio.

Cinco riu com desprezo, enquanto Luther engasgava em um surto de incredulidade.

— O que você está fazendo?! — Luther se voltou para Celeste, apavorado. — Você disse que estava nessa comigo!

— E você acreditou? — Celeste rebateu, lançando um olhar que deixava claro o quanto achava aquilo tudo absurdo.

— Foco, vocês dois! — Cinco explodiu, irritado. — Vocês são os piores vigias que eu já vi!

Celeste revirou os olhos, pronta para soltar uma provocação, mas Luther foi mais rápido, franzindo o cenho com indignação.

— E pra que serve ter um vigia se você não faz o que ele manda?

— Ah, então admite que você está conspirando contra mim? — Cinco respondeu, enfatizando o "você" com uma dose generosa de incredulidade.

Luther, sem perder a pose, devolveu com um sorriso ácido:

— E você admite que está sofrendo da psicose do paradoxo?

Por mais irritado que Cinco estivesse, ele não pôde deixar de achar a troca cômica. Ele sorriu, embora de um jeito perigoso.

— Eu não estou sofrendo de nada além de uma clareza total sobre as suas intenções assassinas! — Ele retrucou, ameaçador, quase avançando para cima do irmão.

Celeste, cansada, bufou alto.

— Ele não ia matar você de verdade. — Ela tentou apaziguar, mas sua tentativa só piorou as coisas. Cinco franziu o cenho, desconfiado e... ciumento?

No fim das escadarias, ela parou e olhou para ele, tentando suavizar suas palavras. Luther, por outro lado, continuou andando, como se quisesse escapar da confusão.

— ...Só essa versão sua. — completou Celeste, baixinho.

Cinco arregalou os olhos, quase gritando de indignação:

— Mas eu sou essa versão minha!

— Olha, eu também não gostei da ideia! — Luther tentou se justificar, apressado. Cinco, no entanto, já tinha se colocado entre os dois novamente, tão furioso quanto antes.

— Mas o plano dele faz sentido. — Luther acrescentou, tentando ser razoável.

Cinco ajeitou o blazer, claramente irritado. O suor e a coceira do suéter só deixavam tudo ainda pior. Ele parecia prestes a explodir, mas em vez disso, soltou um suspiro exasperado.

— Qual é o plano então? Me matar e depois saltar pra 2019 pra salvar o mundo? — Ele disparou, irônico, mas com uma pitada de seriedade que fez o ar pesar ainda mais.

Luther e Celeste se entreolharam, sem saber como responder. Finalmente, Celeste quebrou o silêncio:

— Era isso aí mesmo. — Ela admitiu, um pouco fascinada pela lógica do plano. "Eles pensam igual", pensou, divertida.

— Como sabe disso? — Luther perguntou, confuso.

— Porque eu sou ele! E é exatamente isso que eu faria se quisesse me matar! — Cinco explodiu, sua voz carregada de acusação.

Luther levou as mãos à cabeça, tentando processar a situação.

Celeste, observando a cena toda, sentiu pela primeira vez um fio de preocupação real. Estar entre esses dois nunca era simples.

— Isso meio que não importa. — Celeste rebateu, com um tom de sarcasmo afiado. — Estamos com uma versão a mais de você aqui, e adivinha só? Só você está surtando com a psicose. — Ela apontou para a outra versão de Cinco, que parecia irritantemente serena.

— Maluco é?! Celly, minha linda, você não viu nada! — Cinco retrucou, com um brilho inquietante nos olhos. A psicose parecia corroer o pouco senso de perigo que ainda tinha. Ele se aproximou, a raiva transbordando. — Quer ver um maluco? Eu TE MOSTRO UM MALUCO!

Celeste sequer piscou. A explosão de fúria foi imediata. Ela o agarrou pelo blazer com força, surpreendendo até a si mesma. Cinco sentiu o coração falhar uma batida. "Merda", ele pensou. Em um movimento rápido, ela o lançou contra um carro estacionado. O impacto disparou o alarme do veículo, ecoando pela rua. Celeste, visivelmente no limite, encarou-o com olhos faiscantes.

— Cala a boca, seu idiota convencido! — berrou.

Passantes pararam, encarando a cena com uma mistura de constrangimento e curiosidade. Luther empalideceu, os olhos arregalados. "Que casal é esse, meu Deus?!", pensou, desesperado.

— Você nos chamou aqui! Estamos aguentando seu estresse absurdo por causa do paradoxo, mas agora você passou de todos os limites! — Celeste continuou, sua voz cortante. Luther tentou intervir, mas ela não largava o blazer de Cinco, que agora parecia assustadoramente calmo. — Se continuar com essas briguinhas ridículas e gritos desnecessários, vou te dar uma descarga elétrica tão forte que você vai sentir cada órgão seu implorando por misericórdia!

Cinco engoliu em seco, completamente imóvel. Assim que ele acenou com a cabeça, admitindo a derrota, ela o soltou. Celeste, ruborizada pela explosão de raiva e pela atenção dos curiosos, saiu marchando, deixando o local com passos firmes.

Luther e Cinco se entreolharam. O garoto, ainda encostado no carro, parecia atônito.

— Ai, meu Deus... — murmurou Cinco, ainda tentando assimilar o que acabara de acontecer.

Luther franziu o cenho, intrigado.

— O que foi? — perguntou, sua confusão quase cômica em contraste com o silêncio dramático.

— Acho que me apaixonei mais. — Cinco confessou, coçando o pescoço nervosamente.

Luther revirou os olhos, balançando a cabeça enquanto Cinco ajeitava o blazer amassado e começava a segui-la novamente, hesitante. Ele tentava processar como havia chegado ao ponto de gritar com Celeste. "É a psicose do paradoxo", concluiu, mesmo que sua mente insistisse em negar. A ideia de que tudo aquilo poderia ser culpa sua o corroía. "Sou um babaca. Um idiota", pensava.

Luther interrompeu seus devaneios.

— Se liga, tá legal?! — resmungou. — Você está perdendo o controle de vez. Gritou com a Celly, e posso afirmar com 99% de certeza que isso é por causa da psicose.

— 99%?! — Cinco virou-se abruptamente, alarmado. — E esse 1%? Eu pareço alguém que briga com a minha mulher?

— Não. Eu só tenho medo de estar 100% certo das coisas. — Luther deu de ombros.

Cinco suspirou, aliviado, embora ainda constrangido. Ele sabia que ambos estavam impressionados com Celeste por não aceitar sua grosseria.

— De qualquer forma, você está atravessando os sete estágios de forma... trágica. Como seu vigia, a melhor coisa que posso fazer é acabar com o seu sofrimento.

A paciência de Cinco estava se esgotando. Ele agarrou Luther pelo casaco, girando-o para encará-lo. Celeste observou a cena à distância, braços cruzados, claramente no limite de outro surto.

— Eu sei que essa sua cabecinha mole só obedece a velhos autoritários. Então me escuta bem! — Cinco começou, mantendo um tom baixo para não atiçar a fúria de Celeste. Ele encarou Luther com intensidade. — Mais uma vez você está com problemas com o seu pai, que, dessa vez, está sendo representado pelo seu irmão — Ele cutucou o peitoral de Luther, enfatizando. — O que, sinceramente, tá me deixando meio enojado.

Ele soltou o irmão com um gesto irritado, encarando a rua como se buscasse paciência no horizonte.

— Mas, lembra de uma coisa, eu sou quatorze dias mais velho que ele. Eu sou o mais velho aqui, então é a mim que você tem que obedecer, Luther — Ele virou-se novamente, abrindo um sorriso convencido. — EU SOU O PAPAI AQUI! — Cinco berrou, passivo-agressivo, atraindo olhares de todos os lados.

Celeste suspirou, exasperada, e o puxou pelo blazer novamente, forçando-o a continuar andando. Luther apenas sorriu sem jeito para os pedestres, visivelmente constrangido.

— Você não está falando coisa com coisa. — Celeste o repreendeu, pousando a mão no ombro dele. Sua voz agora era mais gentil, mas firme. — Olha pra você.

Cinco a encarou de soslaio, sua fúria suavizada por um misto de vergonha e admiração. Luther os alcançou, caminhando ao lado de Celeste. Cinco coçou o pescoço, hesitante, percebendo o quanto a situação tinha fugido do controle.

— Eu admito que existe a possibilidade de eu não estar totalmente são... neste momento — Cinco murmurou, quase inaudível. Era um milagre o estágio Um não tê-lo consumido por completo.

Celeste e Luther trocaram olhares, soltando suspiros discretos de alívio. "Pelo menos ele não está negando", pensou Celeste, satisfeita.

— Isso.

— Sim.

Por um breve momento, parecia que estavam progredindo. Mas a ilusão se desfez rápido.

— Mas o que eu tenho, ele também tem! — Cinco acrescentou, desconfiado, apontando para sua outra versão como se ela fosse uma bomba-relógio.

Antes que a discussão pudesse escalar, o outro Cinco interrompeu com um animado e quase teatral:

— Chega de papo furado, chegamos!

Os três suspiraram nervosos.

Luther e Celeste trocaram olhares novamente. Havia uma divergência clara. Celeste parecia firme em continuar com o plano original, enquanto Luther já dava sinais de inclinar-se ao plano alternativo do Cinco mais velho.

Finalmente, o Cinco com a maleta a colocou no chão e começou a ajustar a arma para concluir o plano da Comissão. Cinco, o fisicamente mais jovem, grudou-se a Celeste, com o braço roçando em seu ombro. Luther também se aproximou, posicionando-se logo atrás deles. O ambiente, já tenso, ficou ainda mais constrangedor quando um som sutil, mas revelador, escapou.

— Flatulência — Luther acusou, franzindo o nariz.

— Cala a boca — Cinco respondeu com um olhar mortal. — Foi alguma coisa que eu comi. Não enche o saco.

Enquanto isso, Cinco começou a andar de um lado para o outro, agitado. Ora olhava para a maleta, ora para sua outra versão. Sua mente parecia em curto-circuito.

— Meu Deus... ele tá maluco — resmungou Celeste, cruzando os braços para conter a irritação. — Tipo… ele avisou que seria horrível, mas não sabia que era tanto.

— Um milagre você não ter sido pessimista desde o início — Luther comentou, provocando um sorriso rápido e irônico dela.

— Tem razão. — Celeste deu de ombros e se inclinou ligeiramente para ele, sussurrando: — Está de que lado?

Luther ergueu as sobrancelhas, hesitando.

— Acho que... do Cinco mais velho. Sabe, o que tá com a maleta. Ele tem um bom plano.

— É. — Celeste suspirou, visivelmente abalada. — Ele tem um bom plano... mas é o Cinco. — A expressão dela era triste. Amar as duas versões complicava ainda mais a situação. Ela começou a se arrepender de ter se envolvido. Talvez fosse melhor ter ficado na casa de Elliot ou ido com Klaus até Allison. Decidir qual deles machucar parecia uma loucura insana. — Não consigo.

Luther tentou ser mais pragmático.

— Sinto muito. Mas, como o Cinco disse, ele não tem tempo pro seu sentimentalismo agora. É tudo ou nada.

Celeste franziu o rosto, desgostosa.

O rádio, quebrando a tensão, começou a transmitir:

— A rádio da área de Dallas-Fort Worth traz pra vocês uma descrição especial da chegada do presidente John F. Kennedy...

— Adoro essa parte — comentou o Cinco mais velho, com um sorriso quase nostálgico enquanto ajustava a arma. — A calmaria antes da tempestade.

— Estava marcado pra eles decolarem há alguns minutos, da base aérea de Carswell... — o rádio continuava.

Cinco, o fisicamente mais jovem, aproximou-se novamente, ainda mais ansioso. Ele parou ao lado de Celeste, que desviou o olhar para ele, desconfiada.

— A maleta — murmurou, fixando os olhos nela como se fosse a resposta para todos os seus problemas.

Celeste revirou os olhos, irritada.

— Cinco, se controla — resmungou, já cansada do comportamento dele. "Garoto apressado", pensou. — Agora não é a hora.

— Você não vai conseguir chegar a tempo — Luther interveio, tentando ser realista. Mas Cinco parecia já ter se desligado de suas palavras, preso em sua própria mente e na pressão crescente do momento.

— Claro que eu vou, Luther — Cinco rebateu, entre dentes. — É a nossa única chance.

— A nossa única chance é fazer isso direito! Quer parar?! — Celeste devolveu, exausta. Cada vez mais tentada a simplesmente nocauteá-lo e resolver as coisas do próprio jeito. Mas sabia que, se o fizesse, o outro Cinco não conseguiria saltar no tempo. O caos seria garantido.

Luther ergueu uma sobrancelha, pensativo, e perguntou com curiosidade:

— Ei, só pra me lembrar... Qual é mesmo o último estágio da psicose do paradoxo?

— Raiva homicida. Né, Cinco? — Celeste respondeu com sarcasmo mordaz, seus olhos apertados fixos nele, como se o acusassem diretamente. Ela não precisava listar os sintomas; já os havia observado um por um desde que ele encontrara sua outra versão. E o fato de ele ter gritado com ela antes só confirmava que estava no limite.

Cinco ignorou os dois, afastando-se em silêncio. No entanto, quando ele começou a se aproximar da maleta com passos lentos e fixos, Celeste sentiu um frio na espinha, acompanhado de uma avalanche de preocupação. "Pronto. Agora tudo vai dar errado", ela pensou, frustrada.

— Cinco! Não, não! — Luther murmurou, tentando alertá-lo sem chamar atenção da outra versão. Celeste deu um passo hesitante para frente, mas qualquer movimento brusco poderia ser o bastante para o Cinco mais velho perceber e arruinar tudo.

— Cinco! — resmungou ela, incrédula. Uma faísca de energia percorreu seus dedos, mas logo desapareceu. "Não posso fazer isso", concluiu, sentindo-se presa

Os sussurros foram inúteis. O Cinco fisicamente mais jovem se moveu furtivamente para tentar pegar sua versão mais velha desprevenida, mas o reflexo dele foi captado com precisão na mira da arma. O Cinco "mais velho" soltou um suspiro irritado, claramente já antecipando o movimento.

Quando Cinco, o "mais jovem", se teleportou para tentar alcançar a maleta, sua outra versão fez o mesmo, teleportando-se para trás e trocando de lugar. O resultado: o Cinco mentalmente mais jovem apontava a arma diretamente para o outro.

— Ai, merda — Luther murmurou, visivelmente preocupado.

Celeste suspirou, cada vez mais agoniada. "E agora? Qual deles eu paro?".

— Péssima ideia, idiota! — gritou o Cinco mais velho, apontando sua arma com firmeza para o mais novo. A raiva que ele vinha disfarçando até então agora transbordava, junto com os efeitos da psicose.

— Querem parar com isso?! — Celeste explodiu, exasperada. Sua voz cortou o ambiente, mas os dois Cinco apenas a encararam, como se estivessem além de qualquer razão. Ela percebeu que suas palavras não surtiriam efeito. Ambos estavam fora de controle. — Luther! Faz alguma coisa!

Luther arregalou os olhos, sobressaltado, e instintivamente arrancou a arma da mão do Cinco mais velho, que estava mais perto. Ele abriu a boca, mas gaguejou, perdido. No fim, soltou o primeiro sermão que lhe veio à mente:

— Já chega! Tá legal?! Vocês dois, se controlem! O Kennedy vai virar aquela esquina a qualquer momento, tá bom?! Então, por favor, respirem fundo... — Ele demonstrou, inspirando pelo nariz e expirando pela boca.

Os dois Cinco trocaram olhares irritados, mas, relutantes, imitaram Luther.

— Estamos em família, tá bem? Então dá pra gente tentar se entender por mais uns minutinhos? — insistiu Luther, já suando frio.

Os Cinco se encararam, como se discutissem silenciosamente.

— O que você acha? — perguntou o Cinco mentalmente mais velho, estreitando os olhos.

— Pode fazer — respondeu o mais velho, dando de ombros.

— O quê?! — Luther questionou, confuso.

Antes que pudesse reagir, o Cinco fisicamente mais jovem o atingiu com um chute no meio das pernas. Poderia ser cômico, se não fosse tão doloroso. Luther caiu de joelhos, soltando um gemido de agonia enquanto Celeste fechava os olhos, exasperada.

Os dois Cinco começaram uma luta frenética, teleportando-se pelo espaço-tempo. Tentavam acertar um ao outro, mas com o teleporte, a tarefa se tornava caótica e quase inútil.

— Vocês só podem estar brincando! — gritou Celeste, furiosa, levantando os braços em um gesto de pura desistência. — Parem agora!

Sua ordem foi ignorada. Os efeitos dos estágios estavam atingindo os dois com força total, e eles mal percebiam o mundo ao redor.

Então aconteceu. Durante um dos saltos, o Cinco mais velho se teleportou para o meio de Luther e Celeste. O impacto foi caótico: os dois Cinco erraram seus alvos e acertaram o estômago de Luther simultaneamente, enquanto Celeste caía no chão, desequilibrada ao ter esbarrado no Cinco fisicamente mais velho.

— Aí! Eu tô ficando cansado de vocês! — rugiu Luther, segurando o abdômen enquanto lançava um olhar de puro descontentamento para os dois.

Ele olhou para o lado e viu Celeste no chão, com a mão ralada e sangrando. Ela estava furiosa, mais do que ele já tinha visto.

— Ei, você está bem? — perguntou ele, preocupado.

Celeste não respondeu de imediato. Apenas cerrou os punhos, crispou os lábios e encarou os dois Cinco com um olhar que prometia que alguém pagaria caro.

— Não. — Ela respondeu, seca, enquanto observava os dois Cinco se teleportarem aleatoriamente pela vasta praça. Sem sequer olhar para Luther, murmurou algo que ele teve certeza de ser: "Eles estão fodidos."

Não perdeu tempo. A eletricidade surgiu na palma de sua mão, sem esforço para suavizar sua intensidade. Com um movimento rápido, friccionou as mãos, criando o mesmo ataque que havia usado contra Vanya anos atrás. Como não sabia onde os dois iriam aparecer a seguir, decidiu agir de forma ampla: bateu as palmas no chão, e a eletricidade azulada correu, cobrindo um grande perímetro à sua frente. Embora a área extensa reduzisse a potência, ainda foi o bastante para arremessá-los violentamente ao chão.

— Eu cheguei ao limite com vocês dois! — berrou.

Os Cinco estavam caídos, rangendo de dor. Apertavam o peito, o corpo, as pernas, como se todo o sistema nervoso deles estivesse em chamas. Cada fibra parecia protestar contra o choque que haviam recebido.

Ela se aproximou lentamente, encarando-os de cima com uma expressão severa.

— Eu... estou tentando... salvar nós dois, — defendeu-se o Cinco mais velho, a voz rouca e entrecortada pela dor.

— Sério, é? — Ela respondeu com ironia cortante. Seus olhos percorreram os dois, que agora a observavam com atenção. Então, ergueu uma mão machucada, exibindo-a diante deles. Tudo bem, não fora um ferimento grave, mas estava evidentemente chateada tanto quanto irritada. Por um instante, a psicose de ambos foi substituída por uma culpa palpável. — Vocês me machucaram. Os dois!

Os dois Cinco se entreolharam, e o que parecia ser arrependimento logo deu lugar à familiar arrogância com o outro. Eles imediatamente começaram a transferir a culpa para a versão deles.

— Foi você que fez isso! — acusou o Cinco mentalmente mais velho para o outro, ao lado dele. Nenhum deles culpou a garota. Estavam esmagadoramente culpados.

— Não, foi você! — retrucou o outro. E como duas crianças brigando por um brinquedo, começaram a tentar se golpear ali mesmo, no chão.

Celeste suspirou, exausta. De repente, sua mão ferida emitiu um estalo de eletricidade, cortando o ar. Os dois pararam imediatamente, o terror estampado em seus rostos. Não queriam repetir aquela experiência agonizante.

— Pega a arma, Luther — ela ordenou, a voz carregada de cansaço. Luther não hesitou.

Os Cinco trocaram um olhar nervoso. Nenhum deles sabia o que viria a seguir. Luther se abaixou, apanhando a arma que havia caído após o ataque elétrico. Levantou-se, apontando diretamente para os dois.

Celeste, com eletricidade ainda faiscando em seus dedos, sentiu o peso esmagador da escolha. Ela sabia que ambos eram, no fundo, a mesma pessoa. Isso tornava tudo mais cruel.

Matar o Cinco que havia trocado carícias com ela? Impensável.

Matar o outro? Ele estava tão feliz por tê-la encontrado, tão desajeitadamente nervoso no bar...

Abriu a boca para dar uma ordem, mas hesitou. Olhou de relance para Luther, que segurava a arma com as mãos trêmulas.

— Celly, o que eu faço? — perguntou ele, visivelmente perdido.

Ela o encarou, incrédula. "Nem ele sabe?!" A frustração cresceu como um trovão dentro dela.

— E-eu não sei... — respondeu, a voz embargada de confusão.

Os dois Cinco, percebendo a indecisão, começaram a se erguer, cada um tentando assumir o controle da situação.

— Agora, Luther! Atira nele! — ordenou o Cinco mais velho, desesperado.

— Não, Luther! Atira nele! — gritou o mais jovem.

Os dois Cinco, percebendo a indecisão, começaram a se erguer, cada um tentando assumir o controle da situação.

— Agora, Luther! Atira nele! – ordenou o Cinco mais velho, desesperado.

— Não, Luther! Atira nele! — gritou o mais jovem.

— Atira nele!

— Não, Luther, nele! Celeste! Por favor!

— Vai, Luther! Atira nele! Vai, Celly! Ajuda ele! — os gritos se misturavam, cada vez mais frenéticos.

Celeste sentiu o peito apertar. Eles continuavam berrando um contra o outro, suas vozes ecoando como um pesadelo sem fim. Ela sabia que não importava quem fosse escolhido; o peso daquela decisão ficaria com ela para sempre.

Ambos lutavam desesperadamente por suas vidas. Em meio ao caos, Celeste mergulhou em um instante de introspecção. Era como aquele jogo de cara ou coroa que fazemos para fingir indecisão. "Se cair cara, vou com a roupa preta. Se cair coroa, a vermelha." Mas, no fundo, sabemos exatamente o que queremos. E, quando a moeda gira no ar, o desejo oculto se revela. O problema é quando ela cai no lado oposto e percebemos: não era isso que queríamos.

"Que droga! Tudo bem, da próxima vez vou dar chance ao que não me vê há séculos" ela pensou, frustrada. "Só espero que não haja uma próxima vez”.

Ela seguiu seu instinto sem pensar muito. Enquanto isso, Luther estava claramente perdido. No segundo seguinte, um estalo elétrico preencheu o ar, e o Cinco fisicamente mais velho desabou, inconsciente.

— Ele vai acordar logo. Temos que ser rápidos. — Celeste avisou, a determinação queimando em seu olhar.

Luther a encarou, atônito. Ela havia feito a escolha. Ela decidiu. Cinco, o fisicamente mais jovem, soltou um suspiro de alívio.

— Meu Deus, como eu te amo! — Ele exclamou, colocando a mão no peito e tentando recuperar o fôlego. O alívio era quase palpável. Por um momento, até se esqueceu do plano.

— Abre o portal! — Luther interrompeu, a urgência rasgando o ar.

A tensão reinava. Cinco ainda sentia os resquícios do choque, a versão desmaiada no chão, e Celeste, carregando uma culpa silenciosa, enquanto Luther parecia ser o único focado. Algo despertou no garoto. Ele percebeu que ainda havia uma chance.

— Tá, tá! — Cinco respondeu rapidamente, concentrando-se. Ainda no chão, começou a abrir o vórtex.

Para Celeste, era como uma cena surreal. Há alguns anos, ela viu aquele mesmo portal pela primeira vez. Agora, estava do outro lado, testemunhando como ele surgia.

Conforme o vórtex crescia, o tempo parecia se distorcer ao redor deles. Era como da outra vez, quando Cinco voltou para ela. Ali, parada na praça, ela pôde enxergar do outro lado: os irmãos aguardavam ansiosos. Todos eles. Klaus e ela tentando ajudar, enquanto os outros observavam, curiosos.

O ambiente começou a adquirir uma tonalidade azulada. A ansiedade de Celeste aumentava. Precisavam terminar aquilo rápido, ou, da próxima vez que discutisse com Cinco, acabaria matando-o de verdade.

O momento crítico chegou quando a versão mais velha começou a se mexer. Ele havia acordado e, sorrateiramente, se aproximava da maleta. Felizmente, Cinco — o mais jovem e ainda de olhos atentos — percebeu.

— Pode ir pro vórtex, babacão! — Cinco provocou, cheio de si.

A versão "mais velha" franziu o cenho, irritada. Mas, aparentemente conformada, dirigiu-se ao portal com as mãos ao lado do corpo. O vórtex estava lá, escancarado, como uma saída óbvia.

— Tá legal, mas me passa o cálculo — pediu a versão fisicamente mais velha, com desdém, estreitando os olhos. — Pra eu não acabar com essa sua cara ridícula de pirralho.

Celeste não confiava naquilo nem por um segundo. Era óbvio que ele não havia aceitado a derrota de verdade. "Claro que vai tentar algo", ela pensou, desconfiada.

— Fica perto do vórtex primeiro! — ordenou Celeste, cruzando os braços.

A outra versão bufou, irritada, mas obedeceu.

— Mais perto — Cinco, o "mais jovem", insistiu, a desconfiança transparecendo.

— Já tô perto o bastante! — retrucou o fisicamente mais velho, impaciente. — Agora me dá o cálculo!

Cinco, o mentalmente mais velho, hesitou. Ele olhou para Celeste, buscando confirmação. Ela acenou com a cabeça, embora relutante. Desde o início, o acordo era claro: o cálculo correto em troca da maleta. Justo.

— Uma vírgula, só — Cinco respondeu, um sorriso irônico iluminando seu rosto.

A versão mais velha franziu o cenho, incrédula.

— Uma vírgula?

— Colocamos o decimal no lugar errado na nossa prova de existência de um limite, para o número de ciclos de vetores polinomiais planares de grau fixo. — O "mais jovem" disse, com uma calma quase irritante.

Celeste e Luther se entreolharam, completamente perdidos.

— Escrevemos 5,7. Deveria ser...

— ...0,57! — A outra versão completou, um pouco incomodada. Fez uma careta, e então, num surto de frustração, berrou: — Filho da puta! Aquilo não tava parecendo certo! — Ele reclamou, demorando alguns segundos para se recompor do ódio. Seus olhos estreitaram. Ele parecia querer acreditar naquilo, mas a derrota ainda o incomodava profundamente. Ele se ergueu, ainda perto do vórtex, e depois de um suspiro, falou, como se estivesse se convencendo: — Tá legal... acho que é isso, então.

— Isso, vai embora — Cinco disse, ajeitando o blazer com um sorriso prepotente. Celeste baixou os olhos, uma pontada de pena pelo outro Cinco ainda a incomodando. — Agora.

Foi então que algo inesperado aconteceu. Como se o Cinco fisicamente mais velho tivesse esperado por algum tipo de ajuda divina, um extintor de incêndio saiu do vórtex com uma força imbatível, voando diretamente na cabeça de Luther. O coração de Celeste disparou, e Cinco sentiu, de repente, que tudo estava perdido. Luther caiu, atordoado, no chão.

— Klaus! — Celeste gritou, irritada, mas ao mesmo tempo, a frustração transbordava. — Que... puta merda!

Cinco se distraiu por um momento, preocupado se Celeste estava machucada. Seus olhos se fixaram nela e, então, em Luther. O medo estampado em seu rosto era inconfundível.

— Droga! Você tá bem? — O Cinco mais velho perguntou, com um tom de preocupação genuína.

Mas, mesmo preocupado com o bem-estar de Celeste, a outra versão não perdeu tempo. Correu diretamente para a maleta. Celeste percebeu isso imediatamente. A tensão no ar cresceu de forma explosiva. Quando o Cinco mais velho se deu conta de que a vitória estava escapando como areia entre os dedos, ele correu em direção à outra versão, desesperado.

— Não!

— Solta!

— O vórtex tá fechando! — O Cinco fisicamente mais jovem gritou, irritado, como se implorasse para alguém fazer alguma coisa.

Celeste sentiu a eletricidade correr por seus dedos, pronta para agir. No exato momento em que ela se preparava para lançar uma rajada contra a outra versão e forçá-la para dentro do vórtex, Luther, de onde estava, correu e deu um chute forte. O impacto jogou a outra versão para dentro do vórtex temporal, e então, metade da maleta foi arrastada junto.

— Conseguimos! — Luther exclamou, sorrindo, aliviado. Ele abriu os braços em comemoração. Celeste ficou boquiaberta, incrédula.

— Ah, não... — ela resmungou, com a sensação de que tudo aquilo tinha sido em vão. Ela se virou para Luther, mais chateada do que irritada. — Agora estamos oficialmente mortos. — Ela olhou para ele com frustração acumulada. — Que porra, Luther! A maleta!

— O quê? — Luther perguntou, completamente confuso. Quando olhou para o chão, a realidade o atingiu como um soco. A maleta estava partida. O vórtex a havia cortado ao meio, e agora, estava irreparável.

— Idiota... — Cinco resmungou, incrédulo. A frustração tomava conta dele, mas sua voz saiu como um murmúrio de reclamação. Ele bufou, dando passos para longe, mas sem realmente se afastar.

— Aí, quer saber? — Luther retrucou, agora irritado pela ingratidão dos irmãos. — Um "obrigado" por preservar sua existência seria bacana, né?

— "Um obrigado"? — Cinco riu, incrédulo e debochado.

No fundo, os sons da multidão comemorando a chegada do presidente interromperam a tensão do momento. Os três se entreolharam, uma onda de nervosismo passando por eles.

Eles correram até a cerca da praça, Celeste e Cinco subindo nas pontas dos pés para tentar ver a multidão e a chegada. Luther, por outro lado, olhava boquiaberto. Era completamente histórico.

— É agora.

— Olha, é o nosso pai! — Luther exclamou, apontando para um homem de preto, com um guarda-chuva aberto no gramado. Ele ficou parado por um momento, boquiaberto, e então, com a voz embargada, perguntou: — O que a gente faz?

Antes que Cinco pudesse responder com o que realmente pensava, algo que claramente não ia agradar, os três irmãos adotivos viram Diego correndo em direção ao homem.

— Ah não... — Cinco murmurou, com um misto de incredulidade e frustração. "Meu Deus! Essa família nunca me ouve?", pensou, irritado.

— Que droga... — Luther resmungou. Ele sabia que aquilo poderia mudar o rumo de tudo.

— É o Diego... — Celeste disse baixinho, boquiaberta. Ela observava a cena, tentando entender o que estava acontecendo.

Diego avançava pelo gramado, empurrando qualquer pessoa que fizesse parte de seu caminho. Ele estava decidido, focado, correndo com uma intensidade impressionante. Em questão de segundos, já havia cruzado cerca de sessenta metros. Os três irmãos, parados na cerca, observavam tudo com os olhos fixos, um brilho de preocupação e curiosidade neles. Sabiam que Diego não deveria alcançar o homem, ou tudo poderia sair do controle. Mas, ao mesmo tempo, Celeste sentia uma tentadora curiosidade sobre o que aconteceria a seguir.

Ele corria em direção à figura que aparecera no vídeo dos Frankel — o homem de preto, com o guarda-chuva, em um dia de sol quente em Dallas. A figura que os filhos acreditavam ser o pai. E então, Diego se lançou sobre ele.

Os tiros ecoaram no ar, cortando o momento em um silêncio tenso, e o carro disparou em alta velocidade, a multidão entrando em pânico. Gritos de desespero se espalharam rapidamente quando todos perceberam o que acabara de acontecer: um assassinato público. Nesse instante, Celeste entendeu o que estava realmente acontecendo. Eles haviam sido enganados. O homem não era o pai deles. E o presidente estava morto.

Eles não conseguiram ver o rosto da figura caída, mas Diego estava claramente confuso, perdido, sem entender totalmente a situação.

— Aconteceu de novo... — Celeste murmurou, atônita. Ela acabara de testemunhar um dos maiores eventos da história dos Estados Unidos: o assassinato do presidente. A realidade a atingiu com força.

O rádio, como se fosse uma confirmação daquilo tudo, começou a anunciar.

— Este é o boletim KLIF de Dallas. Três tiros foram supostamente disparados na comitiva do presidente Kennedy, perto da área central. A KLIF News está verificando o relatório. Em breve, mais informações.

Aqueles poucos segundos pareciam durar uma eternidade enquanto os três irmãos, em silêncio, assimilavam o que haviam acabado de presenciar. O evento havia ocorrido exatamente como o esperado.

｢· · • • • ⛈︎ • • • · ·｣

Os Hargreeves estavam novamente reunidos na casa de Elliot. Celeste, depois de um banho quente, tentava afastar os pensamentos sobre a confusão das duas versões de Cinco. A água quente parecia ter amenizado um pouco a irritação acumulada, mas a frustração ainda estava ali. Ela vestiu o casaco rosa, sem se dar ao trabalho de tirar o rabo de cavalo do cabelo. Quando saiu do banho, encontrou Cinco à sua espera. Ele estava se sentindo evidentemente culpado.

 "Me perdoe por… ter gritado com você e... por ter feito você cair", ele disse, com a voz baixa e o olhar envergonhado. Celeste tentou explicar que ele não havia sido o responsável pela queda, mas Cinco se defendeu. Ela estava tranquila com aquilo. Mesmo que tivesse sido ele — a outra versão —, ela sabia que ele, em sã consciência dos seus atos, jamais faria aquilo novamente.

"Mesmo que fossem versões diferentes, ainda assim foi... eu", ele disse, com um suspiro de culpa.

Ela aceitou as desculpas, bem menos irritada com o pedido de desculpas. Enquanto os outros irmãos começavam a chegar no térreo da loja, Celeste se perdeu em seus próprios pensamentos. A situação parecia cada vez mais fora de controle. E, apesar de tudo, o resto da família ainda estava tentando processar o que havia acontecido. Diego, com a mesma confiança irreverente, havia falado sobre o fim do mundo ter sido impedido, mas ninguém o levou a sério. O problema agora era que não tinham como voltar às suas épocas, e, no momento, eram as pessoas mais procuradas do estado.

A televisão transmitia as notícias, enquanto todos se acomodavam para assistir, tensos.

— …As autoridades estão pedindo ajuda para identificar várias pessoas suspeitas que estavam em Dealey Plaza no momento do assassinato — a voz do repórter ecoava pela sala. — O FBI acredita que elas possam ter estado envolvidas com o atirador Lee Harvey Oswald. Vanya Hargreeves, procurada por sua ligação com a morte de vários agentes do FBI dentro do prédio do governo em Dealey Plaza.

A imagem de Vanya apareceu na tela, fazendo o coração de Celeste acelerar. A situação estava fora de controle. Nada havia saído como planejado. Cinco, escorado no corrimão, parecia tão perdido quanto ela se sentia.

— Um exilado cubano conhecido como Diego…

— Cubano?! — Diego resmungou, incrédulo, ouvindo a transmissão. Ele sequer sabia muito sobre suas origens, como podiam ter certeza sobre aquilo?

— ...que escapou recentemente de um sanatório local. Um boxeador violento suspeito de ligações com a máfia que luta usando o pseudônimo de "King Kong". Allison Chestnut, radical negra responsável por instigar e organizar o recente tumulto no balcão do Restaurante Stadler.

A reportagem continuava, cada irmão sendo acusado conforme suas fotos eram exibidas, uma a uma. Quando chegou a vez de Allison, ela não conseguiu evitar uma risada irônica. A cada palavra dita, a verdade da época ficava mais clara: os negros eram tratados como os errados, os culpados, os que sempre seriam humilhados em rede nacional. "Sempre somos os errados", pensou ela, com um escárnio ácido. A tela mostrava a foto dela. Allison bufou. "Que absurdo", resmungou, se sentindo ainda mais frustrada.

 — E finalmente, Klaus, o controverso líder espiritual e conhecido como sonegador de impostos. O FBI pede ao público para procurar esses dois adolescentes. A garota, Celeste Hargreeves…

Quando a foto de Celeste apareceu na tela, o ar pareceu sair de seus pulmões. Era a foto de Natal com os Blakes. A mesma foto que ela mesma havia tirado com sua câmera novinha, o presente daquele Natal. Ela nunca imaginou que aquela imagem fosse virá-la contra ela um dia. Sentiu como se tivesse levado um soco no estômago. A traição de tudo aquilo ainda não estava completamente assimilada, mas a sensação de impotência a sufocava. Como se estivesse tentando ignorá-la, mas não podia.

E então a voz do repórter continuou, sem pausa, sem piedade.

— ... e o garoto, que não foi identificado. Acreditam que eles são reféns desta suspeita rede de terroristas. E, por favor, não mudem de canal. Em instantes…

— Ah, é verdade — Cinco deu de ombros, parado na base da escada. Seu sorriso irônico parecia contrastar com o peso do momento. — Eu sinto que sou um refém na maior parte do tempo.

— Você como refém?! — Celeste respondeu, a ironia saltando de seus olhos. Cinco deu um sorriso maroto, visivelmente divertindo-se com a provocação dela. — Isso tá bem invertido, seu dramático — ela completou, com sarcasmo.

— Nossa, eu odeio essa foto — Diego rolou os olhos, claramente incomodado.

— Estão dizendo que eu instiguei o tumulto? Inacreditável — Allison resmungou, se sentindo mais do que indignada.

Luther, ainda tentando encontrar um lado positivo, abriu a boca.

— Olha, a boa notícia é que restauramos a linha do tempo — ele disse, levantando as mãos em um gesto quase teatral. — Impedimos o fim do mundo, então...

— É, somos um bando de heróis. Deixamos Kennedy morrer — Diego retrucou, irritado. A frustração em sua voz era palpável. Ele tinha tentado evitar aquilo, e agora tudo tinha ido por água abaixo.

— Oficialmente, agora somos as pessoas mais procuradas do mundo — Allison afirmou, com um tom sombrio. Estavam todos completamente ferrados. Celeste suspirou, com um peso no peito.

— É, isso não é bom — ela falou, abraçando as pernas. Queria de alguma forma se esconder da realidade, ser confortada, mas nada parecia capaz de amenizar a sensação de desespero que pairava no ar. — Como vamos voltar? Perdemos todas as nossas chances válidas.

— A-ha. Boa pergunta — Diego retrucou, erguendo uma sobrancelha, como se estivesse se divertindo com a ironia da situação. — Pelo que eu fiquei sabendo, o seu triozinho teve a capacidade de estragar uma maleta, não é?

Luther fez uma careta, se sentindo atingido. Cinco revirou os olhos. Ele não queria nem pensar nisso, se não mataria Luther na hora. Celeste ergueu as sobrancelhas, visivelmente incomodada.

— Tentamos — ela deu de ombros. — Não dá pra ser bom em tudo, né?

— O FBI está atrás da gente, a polícia de Dallas, o serviço secreto… É só uma questão de tempo até nos acharem aqui — Allison falou, a amargura clara em sua voz. Estavam todos claramente desesperados, embora tentassem manter a calma. Era loucura. Klaus começou a descer da escada, passando por Celeste, com uma expressão distante.

— Tá, e pra onde a gente vai? — Vanya perguntou, claramente preocupada. A única coisa que pareciam poder fazer agora era fugir da polícia, mas nem isso parecia uma alternativa viável. O tempo estava contra eles.

— Eu tenho uma cabana perto de Reykjavík — Klaus se ofereceu. Ele fez uma careta, como se já soubesse que não era a solução. — A gente pode se esconder lá. O pessoal lá é meio estranho, mas é agradável.

— Isso não vai funcionar, Klaus — Celeste falou, com um tom pessimista. A realidade pesava sobre ela como uma pedra. — Nos esconder? Estamos em sete pessoas. Vai ser questão de tempo até acabarem com a nossa raça.

— Se esconder não vai fazer diferença nenhuma — Cinco concordou, sem dar margem a falsas esperanças. — A Comissão vai nos caçar, onde e em qualquer época que estivermos. Isso, claro, além da polícia, serviço secreto, FBI...

— Meu Deus — Celeste resmungou, sentindo o pânico começar a tomar conta. Haviam cavado a própria cova. Era aterrador, para dizer o mínimo. — Quer parar? Tá me assustando.

— Estou sendo realista, princesa — Cinco deu de ombros. Ele sabia que mentir agora só faria tudo piorar. — E a Comissão, é de longe o pior dos problemas.

— Tem razão. Eles nunca vão parar — Diego concordou, com um tom grave, dando de ombros como se estivesse aceitando a realidade. Cinco estreitou os olhos, sua expressão agora mais ácida que nunca.

— Desde quando você é especialista na Comissão? — Cinco perguntou, o tom de deboche claro em sua voz.

— Desde que eu voltei de lá. — Diego respondeu, cheio de si. Para ele, aquilo parecia um troféu a ser exibido.

— O quê? — Cinco perguntou, ainda confuso. Ele mal conseguia acreditar no que estava ouvindo.

— Eles me ofereceram um emprego. Período integral, com benefícios. — Diego deu de ombros, cruzando os braços com um sorriso satisfeito. — E eu tive que recusar.

— Eles te procuraram? O idiota da aldeia? — Cinco zombou, rindo da cara de Diego. O comentário fez o irmão se irritar imediatamente. Ele forçou um sorriso, mas foi nítido o quanto o comentário de Cinco o afetou.

— O quê? Não podem me oferecer trabalho? Só o Cinco é que é recrutado? — Diego respondeu, visivelmente irritado.

— Diego, você não serve pra Comissão. — Cinco falou com um sorriso perverso nos lábios, sua expressão séria. Ele ergueu uma sobrancelha e completou, com um tom de desdém: — Você é teimoso demais.

— Quem você acha que descobriu que foi a Vanya que causou o fim do mundo e que impediu? — Diego retrucou, agora completamente exaltado. Ele estava no auge da sua confiança, a voz mais alta, como se tivesse alcançado a maior das vitórias. Ele deu alguns passos à frente, se aproximando de Cinco. Os outros olhavam com impaciência ou resmungavam baixinho. "Vamos morrer todos brigados", pensou Celeste. Lá no fundo, a situação toda era meio cômica, considerando a gravidade do que enfrentavam e ainda assim, ficavam discutindo como crianças. — Eu, tá legal? Eu descobri tudo no Painel de Controle Infinito!

— Viu o Painel de Controle Infinito? — Cinco franziu a testa, uma ponta de preocupação surgindo em seu olhar. Ele se afastou do corrimão, agora mais alerta. Havia algo em Diego que, mesmo com todo o exagero, fazia-o ficar nervoso. Talvez até uma pontinha de inveja.

— É! Eu vi. Eu dominei aquela máquina! Vocês têm que reconhecer que eu tenho uns lances que vocês desconhecem — Diego falou, um sorriso vitorioso iluminando seu rosto. A confiança dele parecia quase contagiante. Os irmãos trocaram olhares, agora todos atentos ao rumo da conversa.

— Ah, desculpa! Você tem lances, né? — Allison provocou, levantando uma sobrancelha, com um tom ácido. Estava tentando manter o humor, mas sua preocupação com seu próprio destino a impedia de realmente se divertir com a situação.

— Isso não ajuda — Luther tentou apaziguar, bufando, claramente cansado da situação.

— Conheci a resistência e o covil secreto deles, tá? — Diego concluiu, um sorriso triunfante em seu rosto. — Passei pela orientação e me dei bem. Impedi o fim do mundo!

Naquele momento, Vanya, visivelmente exausta, levantou-se de onde estava e saiu do lugar. Ela não aguentava mais ouvir discussões ou reclamações, não quando a prisão ou a morte estavam à espreita. Subiu para o quarto, indo ligar para Sissy. Celeste notou o nervosismo evidente na irmã.

— Meu Deus, que discussão mixuruca, hein — Celeste retrucou, debochada. Ela voltou a esconder o rosto nos braços, já sem paciência para tudo aquilo.

Primeiro, teve de aturar as discussões intensas de Cinco durante a manhã inteira. Depois, presenciou um assassinato público — que, convenhamos, não foi tão ruim, considerando que era um evento histórico e não fora tão explícito —, e agora, os irmãos estavam debatendo algo completamente sem sentido. Ela estava exausta. Já não aguentava mais. Só queria sair dali e explodir alguma coisa.

— Isso não é uma discussão, Celly! Eu só quero ser reconhecido, beleza?! — Diego retrucou, claramente irritado. Não estava nem tentando esconder o quanto estava magoado, mas havia sinceridade em sua voz, uma persistência que não passava despercebida.

— Você é melhor que a gente, tudo bem — Allison disse, agora visivelmente ansiosa para pôr fim à discussão, seu tom carregado de deboche.

— Querem saber? Isso não importa! Temos que dar o fora daqui — Luther concluiu, com uma expressão decidida.

— Finalmente algo que eu concordo — Celeste falou, erguendo a cabeça. Estava nervosa, a ansiedade a consumindo. Precisava urgentemente sair daquele lugar.

— Não. Temos que trancar as aberturas e ficar aqui — Diego contrariou, com um tom firme e determinado.

Mais uma discussão se armava no ar quando Vanya desceu as escadas, apressada, sem dar a mínima para o que estava acontecendo no ambiente. Ela mal parou no meio deles, apenas disse:

— Eu tô indo.

— O quê? Vai pra onde? — Allison perguntou, confusa. Ela se levantou de onde estava, totalmente surpresa. Vanya finalmente parou, olhou para eles, mas não parecia disposta a dar explicações. A preocupação que sentia a havia tocado brevemente, mas não o suficiente para desviar seu foco.

"Sair agora? Vanya só pode estar maluca!", Celeste pensou, enquanto observava a irmã. Eles tinham que ficar juntos, se protegerem juntos. Sair sozinha naquela hora seria loucura, um convite para que soubessem dela quando os jornais a mostrassem morta com um tiro na cabeça.

— Pra fazenda da Sissy. — Vanya explicou, dando de ombros. — Tem alguma coisa errada com o Harlan, e eu preciso ajudar.

— Vanya, a gente tem que ficar junto, tá legal? Agora mais do que nunca — Luther falou, confuso. Como ela podia pensar nisso agora? Ele não entendia, mas todos os irmãos concordaram com ele em silêncio, ainda atentos, esperando uma resposta.

— É por isso que eu tô falando. Esse problema com o Harlan, acho que eu causei.

— Como? — Celeste perguntou, estreitando os olhos. Nada naquele momento parecia mais importante do que se protegerem.

— Ele se afogou. E, de algum jeito, eu consegui reanimar ele. E agora nós estamos conectados.

— Mas o que isso significa? — Diego perguntou, erguendo uma sobrancelha, seu tom desconfiado.

— Não sei. Não posso explicar, mas... eu sei que ele precisa de mim. — Ela falou, a voz carregada de incerteza. O silêncio que seguiu foi pesado, como se todos estivessem tentando digerir a gravidade daquilo. Vanya abriu a boca, hesitante, e finalmente falou: — E eu preciso de vocês... E-eu tô com medo. Pela primeira vez na minha vida, não quero fazer isso sozinha. Eu quero a minha família comigo.

O silêncio foi ainda mais profundo. Alguns achando a declaração comovente, outros, como Celeste, percebendo que não sabiam o que fazer. Não poderiam ajudá-la dessa vez.

— Olha, me desculpe — Diego disse, se aproximando dela. Colocou uma mão no ombro dela, sério, sem perder o foco. — Temos outras prioridades agora.

— O Diego tem razão. Dessa vez — Cinco falou, finalmente, dando de ombros. Eles não tinham como ajudar naquele momento. Era mais importante que se defendessem primeiro. — Temos que nos defender aqui e agora.

— Tá... — Vanya falou com a voz pesada, claramente abatida. Ela abriu a boca, triste, mas então, disse por fim: — Então depois a gente se vê.

Com isso, Vanya virou-se e saiu pela porta, deixando para trás os irmãos pensativos, seguindo em direção ao carro. Mas, enquanto os outros continuavam no silêncio, Celeste estava presa em um turbilhão interno. Ela sabia o quanto havia se afastado nos primeiros quinze anos e o quanto eles sentiram a falta dela. Não podia negar que, naquela altura, já estava evidente: ela não tinha sido justa com Vanya. Havia estragado tudo, pensando em si mesma e em Cinco, deixando a irmã para trás. Agora, sentia que precisava fazer algo por ela, como uma forma de compensar. Era o mínimo, era justo. Afinal, tinha certeza de que, algum dia, poderia contar com Vanya, como ela sempre fizera com Celeste. Vanya era assim. Recíproca, atenciosa. Muitas vezes, a inspirava.

A garota não pensou duas vezes. Levantou-se das escadarias com um objetivo claro, atravessou o ambiente e se dirigiu em direção à porta. Cinco franziu o cenho, desconfortável. Ele sabia que, se deixasse ela ir, Celeste poderia morrer. Ou, melhor dizendo, ambas eram poderosas, mas… não podiam correr esse risco.

Os irmãos ficaram em silêncio enquanto ela saía. Quando Celeste chegou à porta, Cinco apareceu ao seu lado, visivelmente preocupado.

— Onde é que você vai? — ele perguntou, com a sobrancelha franzida, a preocupação estampada no rosto. Ele segurou o braço dela suavemente, quase pedindo para que ficasse.

— Ajudar a minha irmã. — Celeste respondeu, como se fosse óbvio.

— Sabe que agora não é a melhor hora pra isso, não sabe, Sunshine? — Ele a encarou nos olhos, tentando fazê-la enxergar o perigo. Celeste soltou um suspiro pesado. Sabia que não era a hora, mas o que realmente mudaria? Ou ela ficava e morria, ou morreria ajudando a irmã. A segunda opção, ao menos, era mais digna. Klaus passou por eles, entrando no carro com um semblante desanimado.

— Erramos muito com a Vanya, Cinco. — Celeste falou, a voz embargada, sentindo o peso das palavras. — O último apocalipse só aconteceu porque não fomos bons irmãos para ela. Eu quero mudar isso. Quero ser uma boa irmã. Se algo acontecer com ela, não quero me culpar como me culpei com o Ben… ou como me culpei pelo que aconteceu com você…

A voz dela falhou, mas ela não parou. Celeste queria dizer mais, mas as palavras não saíam. Ela baixou o olhar, sentindo uma pressão no peito. Cinco, tocando gentilmente seu braço, ainda a manteve por perto.

— Não deveria se culpar pelo meu erro. E… com o Ben, eu sei que não foi sua culpa. — Ele disse, tentando acalmá-la, mas ela não estava convencida.

Na noite do ocorrido, ela sabia que não estava bem. Não estava treinando e Cinco não estava ali para matar quem fosse necessário. Ela havia hesitado, como sempre. Mas havia sido pior: ela mostrou misericórdia para quem não merecia. "Se eu não tivesse hesitado, poderia ter salvado o Ben. Se eu não fosse tão medrosa, ele estaria vivo". Essas palavras ecoavam na sua mente. Era uma dor profunda. Como se todo aquele sofrimento fosse, na verdade, sua culpa. Mesmo que, no fundo, algo nela dissesse que suas lembranças estavam erradas, distorcidas.

— Isso não importa. Eu poderia ter ajudado — Celeste retrucou, amarga. Ela baixou a voz, então olhou para ele, o olhar determinado. — Agora uma oportunidade parecida surge, e eu não vou deixar que eu a perca novamente.

Com um movimento rápido, ela tirou a mão dele de seu braço, se afastando. Finalmente, foi em direção ao carro. As palavras haviam acertado Cinco em cheio. Ele ficou parado no batente da porta, pensativo, absorvendo o impacto.

Ela atravessou a frente da loja e parou na porta do carro do passageiro.

— As crianças vão atrás, cagão — Celeste falou, sarcástica. Klaus, que estava no banco da frente, fez uma cara triste, deu uns resmungos e então saltou para o banco de trás, contrariado. Ela abriu a porta, entrou e se sentou ao lado de Vanya.

— Achei que não viria — Vanya disse com um sorriso tímido, mas genuíno. Ela estava visivelmente feliz, orgulhosa por Celeste ter escolhido ajudá-la.

— Sinceramente, não tenho sido a melhor irmã ultimamente. É melhor eu começar a retribuir o quanto você foi boa pra mim — Celeste deu de ombros. Pedir desculpas não era sua praia. Ela olhou para a irmã, o olhar cheio de sinceridade. — Me desculpe por tudo, Vanya.

Dessa vez, não foi ela quem tomou a iniciativa. Quando os braços de Vanya a envolveram em um abraço apertado, foi como se um peso imenso se dissipasse de seus ombros. Ter uma família, mesmo nas circunstâncias mais caóticas, era algo que a aquecia por dentro. E, por mais irônico que fosse, Celeste era eternamente grata pela morte do pai, que os havia reunido da primeira vez. Ela podia sentir o perdão em cada gesto da irmã.

As duas se desvencilharam do abraço quando as portas laterais do carro se abriram. As de trás, onde Klaus estava. Os dois entraram, deixando Klaus no meio.

— Tem lugar pra mais dois? — Allison perguntou, com um sorriso travesso nos lábios. Celeste ficou surpresa ao ver Diego se juntar a eles. O que era ainda mais surpreendente era a sensação de que todos pensavam "não temos mais nada a perder".

— Mas e a comissão? — Vanya perguntou, confusa, virando-se para eles, ainda com um sorriso no rosto.

— É melhor a gente fazer algum bem antes de morrer — Diego deu de ombros, sem perder a naturalidade. "Bingo!", pensou Celeste, erguendo as sobrancelhas.

— Uhul! — Klaus se alegrou, erguendo os braços em uma falsa animação exagerada.

Enquanto Vanya sorria ao lado de Celeste, a porta do passageiro — onde ela estava — foi aberta inesperadamente. Cinco apareceu, apoiando a mão no carro, olhando para dentro com um sorriso discreto. Na outra mão, ele segurava os documentos da outra Celeste.

— Estavam sentindo minha falta, né? — Ele perguntou, com um tom sarcástico. — Dá um espacinho, minha linda. — Ele pediu, sorrindo de forma travessa. Celeste sentiu o rosto aquecer, corando sem jeito. Tentou espremer-se ao lado de Vanya, de forma desajeitada, enquanto o garoto se acomodava ao lado dela.

Quando ele se sentou, o espaço estava tão apertado que Celeste ficou desconfortável. Cinco, percebendo a situação, a puxou pela cintura e a colocou suavemente em seu colo. Sua mão, sem malícia, pousou na coxa dela. Alguns dos irmãos trocaram olhares rápidos. Sorrisinhos maliciosos para todos os lados. Mesmo assim, Cinco pareceu não se importar. 

— Você não precisa fazer isso por mim, Cinco — Vanya falou, comovida, enquanto sorria com gentileza.

— Eu sei. Me deve uma, irmã — Cinco deu de ombros, soltando um suspiro de alívio, enquanto sentia o peso da garota sobre si. Um pensamento atravessou sua mente: teria sido uma boa ideia deixá-la em seu colo? Na última vez, ele ficou excitado com um simples beijo. E agora… isso? Ele respirou fundo, tentando afastar qualquer pensamento impróprio. Pelo menos, ela parecia confortável ali. No fundo, sabia que isso era o que realmente importava.

Cinco então guardou os documentos no porta-luvas, o que fez Vanya olhar para trás, completamente perplexa. Quase todos estavam ali.

— Gente, eu não sei nem o que dizer — Vanya disse, com um sorriso radiante, o coração leve. Ela estava genuinamente emocionada. No início, pensava que nenhum deles estaria ali, e agora, quase todos estavam. A sensação de estar rodeada pela família era mais forte do que nunca.

O porta-malas foi aberto e, sem cerimônia, Luther se atirou para dentro. Ele fechou a tampa do compartimento com cuidado, o carro afundando um pouco com o peso. Já estava bastante lotado com os seis ali, e agora, com Luther, que pesava por dois, o carro quase tocava o chão. A lataria traseira encostou no asfalto, e todos os irmãos olharam para ele. Celeste, com uma sobrancelha levantada e um sorriso sarcástico.

— Se alguém fizer piada de gordo, eu vou embora — Luther resmungou, a voz baixa, quase envergonhado. Mas não demorou para que os irmãos soltassem risadinhas. Celeste abafou um sorriso, mas era impossível não achar graça.

O carro finalmente começou a se mover, deslizando pelas ruas de Dallas, com todos juntos — com exceção de Ben, que finalmente havia aceitado sua morte e se afastado do mundo espectral. Eles estavam juntos, como nunca antes, com uma sensação de unidade que, por mais estranha que fosse, parecia natural.

Era como Reginald dizia: só a morte poderia reunir todos. E, agora, não parecia tão diferente. A morte estava à espreita, e todos sabiam disso. Mesmo que ainda houvesse relutância, era uma realidade quase aceita. Mas, claro, se surgisse uma nova oportunidade, eles lutariam até o fim, como sempre fizeram, com determinação e coragem.

Enquanto isso, o último sueco, que alimentava em si toda a raiva e dor de ter perdido seus irmãos, observava o carro pela avenida, preparando-se para vingar as mortes e finalmente encontrar sua paz interior. Ao lado dele, Anthony Blake, carregando uma pistola recém-carregada e o peso de escolhas que jamais poderiam ser desfeitas, sentia-se torcido pela culpa.

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