𝟎𝟖. silêncio e sombras
O dia surgiu novamente. A claridade invadiu o quarto, iluminando cada canto com a luz quente do deserto. A brisa matinal entrava pela abertura na parede de pedra, trazendo consigo o cheiro seco da poeira e o som abafado da multidão abaixo da cidadela. Lá embaixo, o povo ansiava pelo breve momento de alívio quando Immortan Joe liberava a água, uma vez por semana. O eco das vozes subia até onde Asteria repousava, seus olhos se abrindo devagar. A luz suave esquentava seu rosto, forçando-a a despertar aos poucos. Ela piscou, ajustando-se à claridade que invadia o quarto, e só então percebeu algo estranho. Ela não estava deitada na mesma posição em que adormecera na noite anterior — de barriga para cima, encarando o teto. O lado da cama que Jack havia delimitado com travesseiros — sua barreira segura — agora parecia vazio. Os travesseiros estavam no chão.
Seu corpo estava junto ao dele. Como um só.
Asteria ficou imóvel, atônita, tentando lembrar em que momento da noite isso havia acontecido. Como, em seu sono profundo, seu corpo havia quebrado a barreira. Seu coração acelerou ao perceber que sua cabeça repousava sobre o peito de Jack, que subia e descia tranquilamente com sua respiração. Suas pernas estavam entrelaçadas às dele, como se buscassem esse contato inconscientemente. Ela tentou se mover devagar, sem querer acordá-lo, mas então sentiu o braço dele segurando-a. Jack também a mantinha ali, sua mão direita repousando em sua nuca, os dedos presos no emaranhado de seu cabelo loiro. A outra mão apertava sua coxa exposta - já que a camisola havia subido bastante - mantendo-a firmemente contra ele.
O toque dele era quente, firme, e a tensão que vinha reprimindo desde o casamento parecia explodir dentro dela. Seu corpo vibrou em resposta, cada centímetro de pele reagindo à proximidade, ao calor do corpo dele, ao toque das mãos que não queriam soltá-la. Ela hesitou. Parte dela sabia que deveria se afastar, mas seu corpo, traiçoeiro, não parecia concordar. Foi então que sentiu Jack se mexer levemente, seu corpo despertando. Ele abriu os olhos, virando o rosto na direção dela. O silêncio se tornou pesado, carregado de algo não dito, de algo que ambos tentavam ignorar.
Sem dizer uma palavra, Jack começou a mover a mão que segurava a coxa de Asteria, os dedos traçando pequenos círculos sobre sua pele. O toque parecia incendiar seus nervos, enviando ondas de calor por todo o corpo dela. Ele não parou por aí, os dedos subiram mais, sugestivos, alcançando cada vez mais a pele escondida sob a camisola fina, enquanto Asteria permanecia imóvel, presa entre o desejo e a hesitação. Ela não conseguia se afastar. Parte dela adorava aquele contato, desejava aquilo com uma intensidade que a assustava. Seus olhos estavam fixos nos dele, e o ar ao redor parecia eletrificado. Tremendo levemente, Asteria ergueu a mão e tocou o rosto de Jack, a pele estava limpa, mostrando o contorno do maxilar coberto por uma fina barba que parecia tão firme quanto sua presença.
Com um movimento lento, quase imperceptível, ela o puxou na direção dela. Seus lábios ficaram tão próximos que ela podia sentir a respiração quente dele contra sua boca, mas não chegaram a se tocar. Suas testas se encostaram, seus narizes se roçaram levemente. O mundo pareceu parar ali, no limite entre ceder e resistir. Jack fechou os olhos, e Asteria fez o mesmo. A tensão entre eles estava quase insuportável, como uma corda esticada prestes a arrebentar. Ele inspirou profundamente, como se precisasse de um momento para controlar algo dentro dele. Então, num rompante de algo mais intenso, ele a girou na cama, seu corpo firme agora sobre o dela. As pernas de Asteria se entrelaçaram instintivamente ao redor da cintura dele, e seu coração disparou.
Jack se inclinou, os olhos ainda fechados, o corpo pressionando o dela, e por um momento, tudo parecia prestes a acontecer. Por um momento, ela achou que finalmente cruzariam essa linha, que o desejo que os consumia acabaria por vencer. Mas então, Asteria sentiu algo errado. Uma coisa quente, úmida, escorrendo por suas pernas. Um desconforto crescente tomou conta dela, uma sensação estranha e familiar. Ela ofegou, e num impulso quase irracional, empurrou Jack com força para longe.
Ela se desvencilhou dele e saiu da cama num salto, correndo para o banheiro sem olhar para trás. A confusão tomou conta de Jack por um momento, enquanto a observava correr para o banheiro. Foi então que ele olhou para os lençóis, vendo uma mancha vermelha. Ele ficou parado, atordoado, enquanto a compreensão lentamente o atingia. O silêncio que tomou conta do quarto era apenas quebrado pelo som abafado da água pingando no chão do banheiro. Ele olhou para os lençóis outra vez, a pequena mancha de sangue ainda fresca, antes de levantar-se e caminhar lentamente até a entrada do banheiro. Ele parou na soleira, ouvindo o barulho da água caindo e, logo depois, o som de tecido sendo rasgado. Algo apertou em seu peito — preocupação, talvez. Mas ele a conhecia o suficiente para saber que pressioná-la agora não ajudaria em nada.
— Está tudo bem? — A voz de Jack soou baixa, mas carregada de uma preocupação sincera.
Um instante de silêncio se seguiu, antes de Asteria responder de dentro do banheiro, a voz um pouco mais controlada.
— Sim... foi só uma emergência feminina.
Jack compreendeu imediatamente o que ela queria dizer. Depois de anos criando Furiosa, ele sabia reconhecer aquele tipo de situação voltada a natureza feminina. Ele assentiu para si mesmo, mesmo que ela não pudesse vê-lo, aliviado por não ser nada mais sério.
— Certo — murmurou, mais para si do que para ela.
Alguns minutos se passaram até que Asteria saísse do banheiro. Ela estava séria, o rosto voltado para o chão, e evitava encarar Jack diretamente. Sua postura revelava uma mistura de constrangimento e tensão. Ela parecia perdida em pensamentos, como se ainda estivesse organizando o que acabara de acontecer, e, talvez, o que isso fosse vantajoso para eles.
— Isso... — ela começou, sua voz hesitante enquanto se aproximava um pouco mais do centro do quarto, mantendo a cabeça baixa — pode ser usado para atrasar qualquer tipo de exame que queiram me submeter.
Ela não precisou explicar mais. Jack entendeu de imediato. Asteria estava falando de sua menstruação, algo que poderia, de fato, servir como um recurso temporário para adiar qualquer verificação que Immortan Joe ou seus homens quisessem fazer. Ele assentiu, observando-a atentamente, mas ainda respeitando o espaço que ela precisava. A frieza no ar, o constrangimento, não tinham relação com o desconforto físico, mas com tudo o que estava no ar entre eles — a tensão, o desejo, e agora, a vulnerabilidade que ela tentava esconder.
— Vamos usar isso a nosso favor, então — disse Jack, a voz firme, mas gentil. Ele sabia que qualquer passo em falso agora poderia destruir o frágil equilíbrio entre eles. — Mas se precisar de algo... me avise. Se sentir alguma dor, mande me chamar.
— Não precisa se preocupar tanto, isso acontece todo mês, aposto que Furiosa...
— Já entendi. — Jack pigarreou, desconfortável.
Asteria quis sorrir, porém, apenas assentiu levemente. Em parte, também queria mudar de assunto e evitar olhá-lo tanto, como se estivesse tentando esconder a onda de emoções que tomava conta de seu rosto. O quarto e caiu em silêncio novamente. Jack esfregou a nuca, desconfortável com o que havia acontecido antes de Asteria sair correndo da cama - do que quase eles haviam feito. Ele precisava de uma saída para evitar esses deslizes e já tinha uma ideia em mente.
— Acho que vou começar a dormir no chão — ele disse, tentando soar casual, mas a rigidez em sua voz revelava seu desconforto.
Asteria, que já estava parada perto da cama recolhendo o lençol sujo, virou-se para ele, erguendo uma sobrancelha.
— Não precisa fazer isso. — A voz dela saiu firme, mas sem dureza. — Você pode continuar dormindo na cama. Eu não sou algo tão frágil ou intocável assim.
Houve um momento de silêncio após as palavras dela, pesado com o subtexto que ambos pareciam evitar. Jack respirou fundo, avaliando as reações dela, antes de dar um passo à frente. E então mais um. O quarto parecia encolher ao redor deles enquanto ele encurtava a distância, cada passo intencional, como se estivesse se movendo com cuidado em um campo minado.
Quando finalmente parou diante da loira, ele levantou a mão, com hesitação quase imperceptível, e acariciou o rosto dela. O toque era suave, como se testasse os limites da própria força de vontade. Asteria não recuou. Pelo contrário, ela se manteve firme, seus olhos fixos nos dele, buscando algo que talvez nem ela soubesse definir.
Jack inclinou-se lentamente e deixou um beijo suave no topo da cabeça dela, sentindo o calor de sua pele e o cheiro adocicado de seus cabelos. Aquele pequeno gesto parecia conter toda a confusão entre eles, toda a proximidade e a distância ao mesmo tempo.
— Até quando? — Asteria murmurou de repente, a voz baixa, quase rouca.
Jack parou, franzindo o cenho, sem entender a pergunta de imediato. Ele recuou ligeiramente para olhar nos olhos dela, e o peso da dúvida no olhar de Asteria o atingiu de cheio. Era uma pergunta aberta, sem um alvo claro. Seria sobre o casamento forçado? Ou sobre o fato de ambos estarem reprimindo o que sentiam, se mantendo em uma tensão quase insuportável?
Ele suspirou, sem saber como responder. Havia tantas coisas para as quais ele não tinha respostas. Então, deu de ombros, com uma expressão carregada de resignação.
— Não sei. — Sua voz saiu mais baixa do que ele pretendia, como uma confissão. — Nem sempre tenho as respostas.
Asteria manteve o olhar sobre ele, como se esperasse mais, mas sabia que ele não poderia dar o que ela buscava. O silêncio caiu sobre ambos, mas ao mesmo tempo, trazia uma aceitação tácita. Eles estavam navegando em um território desconhecido, e talvez nem um nem o outro soubessem exatamente como lidar com isso.
Jack recuou um pouco, dando a ela o espaço necessário mesmo quando tudo a tensão permanecia ali, entre eles, viva e pulsante.
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Jack caminhou em direção à oficina, seus passos firmes ecoando pelas passagens de metal enquanto o som distante das engrenagens e martelos retumbava no ar. Ao chegar, ele avistou sua máquina de guerra, brilhando sob a luz fraca, completamente restaurada dos últimos reparos. O caminhão parecia tão imponente quanto sempre, com seus canos e blindagens de ferro prontos para atravessar o deserto. Jack passou a mão pelo capô, como se estivesse cumprimentando um velho amigo.
— Está funcionando perfeitamente, senhor — disse um dos mecânicos, orgulhoso do trabalho feito.
Jack assentiu, satisfeito.
— Bom trabalho.
Enquanto inspecionava os detalhes, ouviu passos rápidos se aproximando. Nux, o jovem co-piloto, apareceu com o rosto branco e pálido iluminado de empolgação. Seus olhos brilhavam ao ver o caminhão, como sempre.
— Pre-Jack! — Nux exclamou, com a energia de um cachorro ansioso. — Tudo pronto para a missão, senhor. Vamos levar e buscar suprimentos na Fazenda da Bala.
Jack ergueu uma sobrancelha ao ouvir o apelido que muitos na Cidadela usavam para se referir a ele no trabalho. Ele não se importava muito com títulos, mas ali, dentro daquela máquina de guerra, era necessário.
— Certo. Está pronto? — Jack perguntou, o tom quase desafiador, como se já soubesse a resposta.
— Pronto? Eu nasci pronto! — Nux respondeu, com a mão já coçando para tocar o volante.
Jack olhou para ele de soslaio. Ele sabia que o garoto tinha uma paixão sem igual por dirigir a máquina, mas Jack ainda sentia um certo ciúme, uma possessividade que ele não conseguia disfarçar. Aquela máquina era uma extensão dele, algo que ele controlava, algo que respondia a seus comandos com perfeição. Mas, por ora, ele cederia.
— Pode dirigir... Mas sem loucuras. — Jack lançou um olhar severo, mais de aviso do que de proibição.
Os olhos de Nux se iluminaram ainda mais.
— Prometo, senhor. Vai ser tranquilo.
Antes de adentrarem o vasto e traiçoeiro deserto que se estendia à frente, Jack e os Garotos de Guerra se reuniram em círculo, um ritual antigo, essencial para enfrentar a estrada com força e união. O comboio estava estacionado em uma área mais afastada da Cidadela, e o ar denso de poeira se misturava ao som metálico dos motores prontos para rugir. Jack olhou ao redor, seus olhos fixos nos jovens guerreiros que esperavam sua liderança. Eles trocavam olhares sérios e determinados. Alguns já estavam pintando seus rostos e corpos com marcas de guerra, uma tradição que cada um levava com orgulho, como um símbolo de bravura diante da morte e do caos.
Nux se aproximou segurando um pote de graxa preta. Ele ofereceu a Jack sem dizer uma palavra, sabendo que esse momento era solene. Jack pegou o pote e, com movimentos firmes e deliberados, mergulhou os dedos na graxa espessa. Lentamente, ele passou a tinta negra sobre metade do rosto, criando uma linha nítida que cobria desde sua testa até abaixo das sobrancelhas. A graxa simbolizava sua prontidão para o combate, para o caos que sempre espreitava na estrada.
Os outros Garotos de Guerra começaram a fazer o mesmo, pintando seus corpos, marcando-se como parte da máquina de guerra que o comboio representava. Quando todos estavam prontos, Jack ergueu o braço, e os Garotos de Guerra fizeram o mesmo, os dedos entrelaçados no alto em um gesto poderoso.
— Para Immortan Joe! — gritou um dos jovens guerreiros, sua voz ecoando no deserto, seguido por uma sequência de gritos uníssonos, cheios de fervor.
Jack, com o braço ainda erguido, grunhiu em resposta. Não havia palavras elaboradas, apenas o peso da missão que os aguardava. Eles estavam prontos. Aquele ritual era um lembrete de que, apesar de serem considerados peças de uma engrenagem maior — ferramentas nas mãos de Immortan Joe — ali, naquele momento, eram irmãos de guerra, conectados por algo mais profundo. Não importava o que enfrentariam na estrada, enfrentariam juntos.
O silêncio momentâneo foi rompido pelo som dos motores sendo ligados. Jack tomou seu lugar no caminhão, agora com metade do rosto marcado para o combate. Ele olhou para Nux, que já estava no banco do motorista, seu rosto também pintado de preto e branco, ansioso para o desafio.
Jack bateu de leve no ombro de Nux.
— Agora sim. Vamos enfrentar a estrada. Ligue os motores. — ordenou Jack.
Nux deu um sorriso nervoso. Assim que a máquina começou a se mover, o som das engrenagens e do motor ecoou pelo deserto. Nux mantinha as mãos firmes no volante, os olhos fixos na estrada, mas havia uma excitação em seu semblante.
— Senhor... — Nux começou, hesitante, mas a curiosidade transbordava em sua voz. — Todos na Cidadela estão comentando sobre... sobre a senhorita Asteria. Dizem que você deu sorte. Quer dizer... se casar com a filha de Immortan Joe? É... muita sorte, não?
Jack estava observando o horizonte, e não respondeu de imediato. Seu olhar endureceu, e ele cruzou os braços, respirando fundo. Ele não gostava de falar sobre o casamento. Havia muitas camadas por trás daquele acordo, coisas que Nux não entenderia, e Jack preferia manter suas preocupações e frustrações para si.
Nux, no entanto, não percebia o desconforto e continuou.
— Quer dizer, a senhorita Asteria é muito bonita... e parece ser forte também. Muitos caras dariam qualquer coisa pra estar no seu lugar, Pre-Jack. Aposto que ela terá muitos Senhores de guerra.
Jack lançou um olhar severo para o garoto, seu silêncio mais eloquente que qualquer resposta. Ele voltou a olhar para a estrada.
— Presta atenção no caminho, garoto — Jack disse, finalmente, sua voz grave e autoritária. — Há gangues por toda parte. Não quero surpresas como da última vez.
Nux rapidamente fechou a boca e se endireitou no assento, tentando ignorar a tensão que se instalara no ar. Ele sabia que tinha ultrapassado um limite, e agora, seu foco precisava estar na estrada. O deserto era traiçoeiro, e qualquer distração poderia ser fatal.
Conforme o caminhão seguia em direção à Fazenda da Bala, o silêncio entre eles era preenchido apenas pelo rugido do motor e o vento cortante do deserto. Jack manteve seus olhos fixos, vigilante, sentindo o peso de responsabilidades que Nux nem poderia imaginar.
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A Fazenda da Bala era uma vasta cratera esculpida no deserto, uma fortaleza armada cravada no solo, seu formato era circular, oferecendo uma visão completa de toda a área ao redor. Era provável que tivesse sido uma antiga mina no velho mundo, agora transformada em uma usina de armas e munição. No centro, grandes chaminés liberavam fumaça densa e escura, sinalizando que o local ainda produzia fervorosamente balas, combustíveis e armamentos.
As estradas que contornavam as paredes da cratera, largas o suficiente para veículos pesados, estavam desgastadas, mas bem demarcadas, permitindo o transporte de suprimentos e a movimentação constante de máquinas de guerra. Estruturas metálicas enferrujadas se erguiam sobre o solo árido, como sombras do antigo poderio industrial que, agora, era dedicado à sobrevivência e à guerra.
O ambiente era seco, sombrio, e permeado por um cheiro metálico. Nada crescia ali; nada além da brutalidade do mundo em que viviam. Os moradores, suprimidos pelo poder do Fazendeiro da Bala, mantinham uma rotina de trocas e produções quase sem descanso, com a mente sempre no próximo ataque ou necessidade de defesa. Era um lugar estéril, onde a única forma de vida que prosperava era aquela forjada nas armas que produziam.
Enquanto Jack e Nux se aproximavam, as vozes dos habitantes começaram a gritar em coro: "Viva Immortan Joe!" O som ecoava pelas estruturas corroídas, aumentando em intensidade à medida que se aproximavam dos portões. Mesmo ali, longe da Cidadela principal, a influência de Immortan Joe era sentida. Nux estacionou o caminhão com precisão, visivelmente orgulhoso de estar no controle da máquina de guerra. Ele olhou para Jack com um brilho de entusiasmo no olhar, esperando uma ordem.
— Fique de olho. Fiscalize tudo. — Jack disse, descendo do veículo com a gravidade que sempre o acompanhava.
Nux acenou com a cabeça, descendo em seguida para se juntar aos Garotos de Guerra que já se espalhavam para garantir que nada saísse do controle. Jack começou a caminhar em direção à feira improvisada que ocupava o centro da Fazenda. Era uma área movimentada, onde os moradores tentavam sobreviver trocando o que podiam – munições, comida e outras escassas mercadorias.
À medida que Jack se aproximava, a presença dele parecia lançar uma sombra sobre o lugar. Pessoas se afastavam apressadamente, temendo cruzar o caminho do Pretoriano. Ele carregava o respeito e o medo inerentes à sua posição, e qualquer um ali sabia que uma palavra errada poderia custar caro.
Enquanto caminhava, algo chamou sua atenção: uma pequena barraca à margem da feira, onde uma velha trabalhava arduamente. Ela estava curvada sobre sua bancada, lapidando com precisão joias feitas de restos de cápsulas de bala. Os dedos dela estavam feridos, as unhas quebradas pelo trabalho incessante, e um dos olhos era opaco, cego. Mesmo assim, sua habilidade era inegável. Ao observar as peças, os olhos de Jack pousaram em algo que o fez parar: um anel fino e delicado, feito de prata recuperada, com detalhes sutis que contrastavam com o resto das criações mais grosseiras.
Jack pegou o anel entre os dedos, sentindo o peso leve do metal. Ele olhou para a velha.
— Quanto? — perguntou em um tom neutro.
A velha levantou o rosto enrugado, seu olho bom fixando-se em Jack com dificuldade. Ela avaliou o Pretoriano, reconhecendo a autoridade nele, mas sem mostrar medo.
— Comida — respondeu ela. — Me dê algo para encher o estômago e terá o anel.
Jack ficou em silêncio por um momento, analisando o pedido simples e justo. Ele assentiu, aceitando o acordo, mas antes de sair, a velha o surpreendeu com uma pergunta:
— Pra quem é? — disse ela, a voz rouca e cansada. — A moça que vai ganhar isso... ela é especial?
Jack hesitou por um instante, pensando em Asteria. O casamento forçado, as circunstâncias que os uniram, e a tensão entre eles. E, mesmo assim, algo mais profundo o fazia responder, quase instintivamente.
— Sim — disse ele, sua voz baixa. — Ela é minha esposa.
A velha deu um sorriso pequeno, quase imperceptível, como se soubesse algo além do que Jack revelava. Ele fez um gesto para um dos Garotos de Guerra que estava próximo, acenando para ele.
— Desvie uma pequena carga de suprimentos para ela — ordenou, mantendo o tom prático e direto.
O garoto assentiu e se moveu rapidamente para cumprir a ordem. Jack, por sua vez, pegou o anel e o guardou em um dos bolsos internos de sua jaqueta de couro, antes de voltar ao seu caminho.
Enquanto ele se afastava da feira, as engrenagens de seu plano e os pensamentos sobre Asteria se misturavam em sua mente.
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CIDADELA
Scrotus apareceu à porta de Asteria como uma sombra sinistra, trazendo consigo a sensação de algo ruim prestes a acontecer. Ele era de altura mediana, mas com a brutalidade cravada em cada traço de seu rosto. Um dos filhos mais leais e violentos de Immortan Joe, ele raramente se dignava a fazer visitas. Seu olhar faiscante percorreu o quarto, antes de se fixar em Asteria.
— Você vem comigo. O Mecânico Orgânico vai te ver — disse, sua voz grave como um trovão distante, sem deixar espaço para discussão.
Asteria sentiu o corpo enrijecer, como se o sangue tivesse congelado nas veias. A tensão que ela vinha tentando sufocar irrompeu como uma avalanche, mas sua expressão se manteve serena. Não podia, sob hipótese alguma, deixar que Scrotus percebesse o pânico que brotava em seu peito. Inspirou lentamente, buscando uma saída.
— Jack deveria estar presente para qualquer consulta. Ele é meu marido agora, e o protocolo é esse — replicou, sua voz calma, mesmo com o coração acelerado.
Scrotus soltou uma risada gutural, sem humor, como se a resposta dela fosse um inconveniente.
— Jack está em missão, na Fazenda da Bala. Ele terá sua consulta quando voltar. Não temos o dia todo, irmã — disse, com impaciência crescente.
Antes que Asteria pudesse responder, ele agarrou seu braço, puxando-a com uma força controlada, mas ainda assim brutal. A caminhada até o cofre parecia interminável. O corredor era uma prisão viva, com as paredes de concreto e aço refletindo o som das botas pesadas de Scrotus. O toque do irmão em seu braço era como um grilhão, um lembrete constante de que, por mais que tivesse lutado contra seu destino, ainda estava presa às vontades de seu pai.
Ao chegarem à entrada do cofre, Scrotus empurrou as portas pesadas. O som metálico ecoou, um anúncio sombrio da visita indesejada. Lá dentro, o ar era denso, carregado com o cheiro metálico de óleo e de corpos suados. Angharad estava na mesa de consulta, o Mecânico Orgânico a examinando com suas mãos deformadas e cheias de cicatrizes. Immortan Joe estava de pé, imponente como sempre, com os olhos semicerrados de expectativa. Assim que Asteria entrou, ele a encarou, seus olhos analisando-a com uma atenção quase predatória. Ela o fitou de volta, mantendo-se rígida, o rosto inexpressivo, como se sua alma estivesse a quilômetros de distância.
— Mecânico, veja como está minha filha — Immortan Joe ordenou, sem desviar o olhar, a voz pesada como um veredito. — Quero saber se de fato o casamento foi consumado.
Asteria sentiu o estômago revirar, e as mãos tremeram por um breve momento, mas ela rapidamente cerrou os punhos, lutando para manter o controle. O Mecânico Orgânico ergueu os olhos de Angharad, sua expressão impassível, sempre clínico e sem emoção.
— Há uma maneira de verificar — ele disse, aproximando-se de Asteria com a mesma frieza que reservava para qualquer outra de suas "pacientes". — Sente-se na mesa, por favor. E abra bem as pernas.
Cada palavra era um golpe. O mundo ao redor de Asteria começou a girar, mas ela se manteve de pé, plantada no chão, sem mover um músculo. Sua mente fervilhava de indignação, mas ela não podia deixar transparecer. Respirou fundo, deixando a calmaria forçada dominar o rosto.
— Não farei isso. O casamento foi consumado, e você viu as provas — Asteria falou direcionada ao pai, a voz firme apesar da angústia crescendo em seu peito. — Além disso, estou no meu ciclo menstrual, não vou me submeter a nenhum exame.
O silêncio que se seguiu foi cortante. Immortan Joe rangeu os dentes, os lábios retorcidos em desagrado escondidos atrás da máscara de oxigênio, a frustração evidente no olhar gélido que lançou à filha. Ele não precisou falar para que sua raiva ficasse clara.
— Sangrando... — murmurou com desdém, seus olhos estreitando-se em fúria. — Então, não há criança ainda.
O Mecânico Orgânico se apressou a falar, sempre pragmático, como se aquilo fosse apenas mais uma questão a resolver.
— Podemos consultá-la em alguns dias, quando o ciclo terminar. Ela estará ovulando e pronta para conceber um herdeiro.
O ar no cofre parecia ter se tornado mais pesado, sufocante. Asteria se manteve rígida, os olhos fixos à frente, sem demonstrar a raiva crescente em seu interior. Cada palavra era um lembrete de sua prisão, de como seu corpo era um objeto para ser controlado. Mas por trás da máscara de submissão, havia uma faísca. Ela sabia que aquilo era apenas um adiamento, mas cada adiamento, por menor que fosse, era uma vitória temporária. E ela precisava de tempo.
Asteria respirou fundo, tentando controlar o alívio que começava a surgir em seu peito. Havia escapado, ao menos por agora. Não precisaria enfrentar a humilhação, nem a invasão que seu pai tanto exigia. Olhou discretamente para o Mecânico Orgânico, que já se voltava para Angharad, e então para Immortan Joe, cuja raiva permanecia visível em cada linha de seu rosto. Ele queria um herdeiro, e agora sabia que teria de esperar mais.
Enquanto a atenção de todos se voltava para Angharad, Asteria aproveitou para se mover discretamente até Furiosa, que observava tudo à distância, os olhos cheios de uma desconfiança fria. Quando Asteria se aproximou, ela sussurrou, com uma acidez que só a loira ao lado ouviu.
— Espero que o bebê de Angharad seja uma menina. — O tom era carregado de desprezo, como se isso fosse o pior destino possível para o filho da esposa favorita de Immortan Joe.
Asteria virou-se para ela com uma repreensão rápida, mas baixa o suficiente para que ninguém mais notasse a troca de palavras.
— Se for uma menina, será condenada ao mesmo destino que eu. Um casamento forçado, ou algo pior.
Furiosa soltou um meio sorriso, amargo e irônico, os olhos brilhando com um misto de raiva e cinismo.
— E se for um menino, ele será criado para ser um Senhor da Guerra. — Sua voz era firme, quase sombria, como se tivesse visto aquele futuro se repetir incontáveis vezes. — Não pense que há salvação. Seja menina ou menino, Immortan Joe sempre encontra um jeito de controlar o destino de seus filhos.
As palavras de Furiosa penetraram fundo na mente de Asteria. Ela sabia que a garota tinha razão. Meninos eram treinados, endurecidos pela brutalidade da guerra, forjados para liderar as tropas de seu pai. Meninas... bem, meninas como ela tinham um valor diferente. Eram mercadorias preciosas, destinadas a fortalecer alianças, a gerar herdeiros. Nenhum dos dois destinos parecia menos cruel.
O som da voz de Immortan Joe cortou o ar, interrompendo seus pensamentos.
— Mecânico! E o filho que Angharad carrega? — Ele se aproximou da esposa, que ainda estava deitada na mesa de consulta, com uma expressão de desgosto no rosto. Era claro que ela detestava toda aquela situação, odiava estar grávida, mas não tinha escolha.
O Mecânico Orgânico voltou-se para Immortan Joe, seus olhos clínicos fixos na barriga de Angharad.
— Tudo parece bem, senhor. Provavelmente, ela carrega um menino. Em poucos tempo, estará pronta para dar à luz.
Um silêncio pesado se instalou na sala. Immortan Joe assentiu, satisfeito. Um menino significava poder, um futuro herdeiro para liderar suas legiões. O destino continuava a girar ao redor da vontade dele, como uma roda cruel e implacável. Asteria lançou um olhar a Angharad, cujas feições demonstravam um leve toque de alívio, talvez até resignação. Ela carregava o peso de ser a esposa favorita, e isso a colocava em uma posição perigosa. Sempre à sombra das expectativas doentias de Joe. Asteria sentiu um calafrio correr pela espinha ao pensar no destino que aguardava o bebê, independentemente de seu sexo.
Furiosa observava em silêncio, os olhos quase flamejando de raiva contida. Asteria podia sentir a tensão crescente entre elas, mesmo sem precisar olhar diretamente. Ela desviou o olhar de Angharad, tentando não pensar muito no que aquilo significava. O ciclo parecia interminável, e a única coisa que Asteria podia fazer era continuar lutando contra o destino que todos esperavam que ela aceitasse.
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Enquanto Immortan Joe saía do cofre com Asteria a contragosto, ela sentia um peso crescente no peito. Os corredores da Cidadela, antes familiares, pareciam sufocantes e hostis com cada passo ao lado do pai e de Scrotus. Ela mordeu os lábios, tentando evitar que sua frustração transparecesse.
— O que mais você quer de mim, pai? — A pergunta escapou em um tom que ela sabia que não deveria usar, mas não se conteve.
Antes que Immortan Joe pudesse responder, Scrotus a advertiu com um olhar severo.
— Você não está em posição de fazer perguntas. Apenas obedeça.
Asteria, respirando fundo, seguiu em silêncio. Chegaram à sala de reuniões, um lugar onde ela raramente pisava. Ao entrar, seus olhos caíram automaticamente no pedaço de pano ensanguentado dobrado sobre a mesa — uma lembrança perturbadora do que Jack e ela haviam feito para enganar Immortan Joe, simulando que o casamento havia sido consumado. Ela franziu o cenho, percebendo que aquilo claramente não havia sido suficiente. Seu pai não era tolo, e ele ainda não acreditava que a farsa fosse verdadeira.
Joe virou-se lentamente para encará-la, os olhos dele, cobertos de uma nuvem de crueldade calculada, a fixaram de uma forma que sempre a fazia estremecer.
— Você precisa de companhia, Asteria, principalmente quando seu marido estiver fora da Cidadela — ele disse com a voz grave, como se o peso de suas palavras fosse incontestável.
— Isso é ridículo. Eu posso cuidar de mim mesma quando Jack não estiver aqui — Asteria respondeu imediatamente, a raiva queimando em suas palavras, mas a voz firme. Ela sabia que não devia responder assim, mas a frustração a superava.
Immortan Joe ignorou o protesto dela como se não tivesse escutado, seu olhar frio nunca se desviando. A porta atrás dele se abriu, revelando Rictus Erectus, que guiava uma figura feminina em sua direção.
A mulher que entrou ao lado de Rictus era uma visão intimidadora e serena ao mesmo tempo. Os cabelos loiros perfeitamente penteados contrastavam com as sobrancelhas escuras e a expressão impassível. Seu rosto fino e calculado estava sem emoção, como se a vida dentro da Cidadela tivesse sugado qualquer resquício de humanidade. Asteria a observou com cautela, tentando decifrar as intenções por trás daquele rosto impenetrável.
A mulher ficou ao lado de Asteria sem dizer uma única palavra, os olhos frios fitando o espaço à sua frente. Immortan Joe sorriu com crueldade, uma expressão que fez Asteria sentir um frio na espinha.
— Esta é Nadine — Immortan Joe continuou. — De agora em diante, ela será sua companheira. Vai cuidar de você, mantê-la... protegida.
Asteria sabia o que aquilo realmente significava. Nadine não estava ali apenas para "cuidar" dela, mas para vigiar, controlar e, acima de tudo, garantir que os desejos de Immortan Joe fossem cumpridos. Era um espiã em todos os sentidos.
— Você acha mesmo que isso é necessário? — Asteria explodiu, a raiva tomando conta de sua voz. Ela gesticulou com os braços, apontando para Nadine. — Primeiro, você me força a casar com um homem que mal conheço, e agora coloca uma mulher para me vigiar o dia inteiro?
Immortan Joe a observou por um momento, a paciência dele fina como um fio de navalha.
— Você mesma disse que preferia estar na companhia de seu marido do que trancada no cofre — ele rebateu, com um tom perigoso. — Estou apenas atendendo às suas vontades. Mas, se preferir, posso deixar Rictus vigiando você.
Asteria parou de gesticular, sentindo o desconforto rastejar por sua espinha. Ela lançou um olhar rápido para Rictus, que estava ali de pé, com aquele sorriso bizarro e ameaçador. O perigo que ele representava estava sempre presente, um lembrete constante de sua brutalidade. Seus dedos se fecharam em punhos silenciosos, e ela abaixou a cabeça com um suspiro frustrado.
— Não precisa — murmurou, resignada.
— Eu posso cuidar da minha irmãzinha, pai! — Rictus interrompeu, batendo palmas como uma criança entusiasmada. — Me deixe cuidar dela.
Asteria sentiu a bile subir em sua garganta ao ouvir aquelas palavras. A ideia de estar sob os cuidados de Rictus era insuportável, mas ela sabia que resistir só pioraria a situação.
— Está tudo bem, pai — ela respondeu, mais calma agora, mas com o veneno ainda correndo sob a superfície. — Eu acato sua decisão.
Immortan Joe assentiu, satisfeito com a submissão. — Sendo assim, estão despachadas — ele disse, sua voz baixa e final.
Asteria trocou um último olhar com Nadine, que permanecia imóvel, seu rosto ainda uma máscara de indiferença. Ela sabia que não teria paz com aquela mulher ao seu lado, mas no momento, qualquer coisa era melhor do que ser vigiada de perto por Rictus.
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Asteria saiu da sala com passos firmes, Nadine seguindo logo atrás. A raiva que crescia dentro dela parecia saltar por sua pele, pulsando em suas têmporas, e cada passo apenas alimentava seu ódio pela decisão de Immortan Joe. O controle de seu pai estava se tornando sufocante, e essa última ação ameaçava destruir seus planos cuidadosamente montados. Ao chegar ao quarto, ela entrou com força, enquanto Nadine permaneceu na entrada, observando com os braços cruzados.
— Você é realmente uma mulher privilegiada, sabia? — A voz de Nadine rompeu o silêncio, carregada de ironia.
Asteria se virou bruscamente, os olhos faiscando.
— Defina privilégio — respondeu, fria.
Nadine deu alguns passos pelo quarto, seu olhar afiado percorrendo cada detalhe da mobília.
— Você tem sorte — disse ela, a voz baixa, mas cortante. — Sorte de estar casada com um homem como Jack ao invés de ser estuprada por um dos seus irmãos ou, pior, pelo seu próprio pai.
Asteria gelou. As palavras da mulher atingiram-na como um soco no estômago. Ela sabia que era verdade — se não fosse pelo casamento, poderia ter um destino ainda pior. A única razão pela qual não havia sido forçada a conceber um filho de Immortan Joe ou de seus irmãos era porque todos sabiam que crianças nascidas de incesto geralmente vinham ao mundo deformadas.
— Você conhece Jack? — Asteria perguntou, sem disfarçar o desdém.
O sorriso de Nadine se alargou.
— Muito mais do que você, aposto.
Ela deu alguns passos à frente, circulando Asteria como uma predadora. Havia algo de ameaçador e íntimo no movimento dela, uma confiança que fez Asteria sentir a pele formigar. Nadine olhou-a de cima a baixo, estudando cada detalhe da jovem, e então prosseguiu com um tom cruel.
— O que você fez para agradá-lo? — provocou, a insinuação escorrendo pela voz dela como veneno.
— Do... do que está falando? — Asteria odiou o quanto sua voz soou incerta, o desconforto evidente na pausa de suas palavras.
— Sexo, querida. — Nadine se aproximou um pouco mais, o olhar zombeteiro. — Eu posso te dar umas dicas. Sei exatamente o que Jack gosta na cama.
Asteria deu um riso curto, seco, revirando os olhos.
— Claro, porque o que mais prezo é conselho da amante do meu marido.
— Se não quiser dar o que seu marido precisa — Nadine inclinou-se mais perto, os lábios praticamente roçando o ouvido de Asteria. — Eu posso cuidar disso pra você.
As palavras fizeram Asteria recuar instintivamente, mas só por um momento. O sangue fervia em suas veias, as palavras de Nadine atiçavam algo mais profundo, uma raiva que ela não tinha permissão de expressar em outros momentos. Asteria, com o corpo tenso, aproximou-se perigosamente da outra mulher, encurtando a distância entre elas.
— Se você acha que pode pisar em mim só porque minha vida inteira foi atrás dessas malditas portas... — Asteria estreitou os olhos, a voz baixa e ameaçadora. — Você não tem ideia do que sou capaz, sua vadia de poeira.
Nadine piscou, desconcertada com a mudança no tom de Asteria, e recuou. Asteria estava tremendo de raiva, os punhos cerrados ao lado do corpo. O rosto de Nadine perdeu parte da arrogância, os olhos avaliando rapidamente a garota que, claramente, era mais perigosa do que aparentava.
— Você tem uma nova posição agora — Nadine murmurou com um sorriso sem vida. — Aproveite enquanto pode. Quando precisar de mim, estarei a sua disposição, princesa.
Asteria deu um passo para trás, permitindo que a outra se afastasse. Nadine, sem dizer mais uma palavra, saiu do quarto, os passos ecoando no corredor. Sozinha, Asteria se virou para a janela, encarando o vasto deserto, o calor refletindo nas dunas distantes. A raiva fervilhava, mas, acima disso, havia algo mais profundo — a sensação de estar presa. Ela respirou fundo, tentando abafar a tremedeira que ainda percorria seu corpo.
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Jack voltou à Cidadela com a máquina de guerra carregada de suprimentos e pôs Nux no comando da distribuição. A poeira do deserto ainda o cobria enquanto caminhava em direção ao quarto, ansioso para ver Asteria. Pensava na reação dela ao receber o anel que havia trazido, um pequeno gesto que poderia ajudá-los a estabelecer uma conexão, talvez até amenizar o peso de estarem presos naquele casamento forçado.
No entanto, seus pensamentos foram interrompidos no meio do caminho.
— Jack, eu estava te esperando — a voz arrastada e grave do Mecânico Orgânico o fez parar.
Jack lançou um olhar irritado, não estava com paciência para interrupções, mas o médico não deu espaço para negociação.
— Não vai me submeter a nada agora. — Jack tentou afastar-se, mas o Mecânico se colocou à frente, cruzando os braços magros e exibindo uma calma inquietante.
— Você não tem opções, Pretoriano — disse o médico, com um olhar frio. — Temos ordens diretas de Immortan Joe.
Jack rangeu os dentes, lutando contra a irritação crescente. Ele sabia que resistir era inútil, então cedeu, seguindo o Mecânico até uma sala mais isolada, onde foi empurrado para uma cadeira de metal enferrujado. Suas mãos instintivamente apertaram os braços da cadeira, o desconforto visível em seu corpo tenso.
— Isso vai ser rápido. — Mecânico Orgânico anunciou, preparando uma agulha grossa e longa. — Precisamos garantir que seu sangue ainda esteja limpo e que suas futuras crianças nasçam sem... complicações.
Jack forçou-se a respirar fundo, evitando qualquer demonstração de desconforto. Ele sempre odiou ser tratado como gado para esses exames, mas tinha que lidar com a situação sem chamar mais atenção. Quando a agulha perfurou sua pele, ele tentou focar em outra coisa, qualquer coisa que o afastasse daquele momento. Foi então que percebeu o olhar atento do médico fixo em sua mão.
— O que aconteceu aqui? — O Mecânico levantou a mão dele, examinando o corte no local onde Jack havia feito a ferida durante o casamento.
Jack conteve a respiração por um segundo antes de responder, casualmente.
— Cortei-me no casamento, nada sério.
O médico franziu o cenho, seus olhos estreitaram-se enquanto inspecionava a pele ao redor.
— Parece que o corte foi feito duas vezes no mesmo lugar — ele observou, com uma insinuação de desconfiança.
Jack disfarçou a tensão que tomava conta de seu corpo.
— Talvez eu tenha me machucado de novo sem perceber — disse, forçando um tom relaxado.
O Mecânico Orgânico soltou sua mão, mas não antes de lançar-lhe um olhar que sugeria que ele não comprara completamente a desculpa de Jack.
— Seja lá o que você e a princesa estejam tramando, melhor tomarem cuidado — murmurou o médico, sem desviar o olhar de Jack.
Jack ficou em silêncio, a mandíbula apertada, enquanto o Mecânico se afastava, preparando mais algumas ferramentas. Ele sabia que o perigo de ser descoberto estava sempre presente, mas não podia se dar ao luxo de vacilar agora.
Minutos depois, Jack empurrou a porta pesada do quarto, o som de seus passos abafados pelo chão áspero ecoava no espaço amplo e quase vazio. A luz alaranjada do deserto inundava o ambiente através da abertura, projetando sombras longas e distorcidas. Ele parou ao notar Asteria sentada próxima à janela, seus olhos fixos na vastidão árida do deserto, perdida em seus próprios pensamentos. O suspiro leve que ela soltou foi o único sinal de que estava ciente de sua presença, mas não se moveu.
Ele pigarreou, tentando quebrar o silêncio, mas foi o suficiente para fazê-la desviar o olhar da paisagem e encará-lo. Havia uma leveza em seu semblante, mas algo mais profundo e sombrio parecia se esconder nas linhas tensas de sua expressão.
— Como foi a missão? — Asteria perguntou, sua voz suave, mas carregada de curiosidade contida.
— Foi bem. Trouxemos os suprimentos sem problemas — respondeu Jack, avançando um pouco mais em sua direção. Ele hesitou por um momento, então enfiou a mão no bolso da jaqueta, tirando algo pequeno e delicado. — Eu trouxe algo para você.
Asteria franziu o cenho, curiosa, e se levantou lentamente. Seus olhos se fixaram no pequeno objeto que brilhava à luz do sol. Jack pegou a mão dela com cuidado, seus dedos ásperos roçando contra a pele macia. Ela prendeu a respiração enquanto ele mostrava o anel simples, mas refinado.
— O que é isso? — Ela sussurrou, seus olhos ainda presos no presente. Nunca havia recebido algo tão pessoal.
— No mundo antigo, eles costumavam selar compromissos com anéis como este — Jack respondeu, sua voz baixa e firme. Ele olhou para ela brevemente, depois se concentrou ao deslizar o anel no dedo dela, que encaixou perfeitamente. — É um símbolo de casamento. Achei apropriado para o que somos agora.
Asteria ficou parada, seus olhos marejados pela surpresa. A simplicidade do gesto a emocionava de uma forma que ela não conseguia descrever. Sentiu uma onda de felicidade subir ao peito, algo raro em meio ao caos da Cidadela.
— Eu... nunca ganhei nada antes. — Sua voz era um misto de gratidão e incerteza.
Jack sorriu de forma discreta, como se compreendesse mais do que estivesse disposto a admitir.
— O que mais você sabe sobre o mundo antigo? O que se lembra? — Asteria perguntou, curiosa, tentando disfarçar a vulnerabilidade momentânea que o anel havia provocado.
Ele parou por um momento, os olhos fixos na abertura do deserto.
— O mundo desmoronou quando eu ainda era criança, eu tinha só doze anos quando tudo começou a acabar — ele começou, a voz carregada de uma nostalgia melancólica. — Mas lembro que tudo tinha vida. As pessoas sorriam mais. E as TVs... as TVs eram o melhor entretenimento que se podia ter.
Asteria soltou uma risada suave, quase irônica.
— Há uma TV no cofre, mas não funciona, é claro. Eu fingia que sim, que ela me mostrava histórias do mundo antigo. — Ela baixou os olhos, como se admitisse um pequeno segredo. — Sei um pouco desse mundo pelos livros e revistas antigas.
A conversa fluiu naturalmente, mas Jack não podia ignorar o incômodo que pairava sobre ela. Seus olhos azuis, embora sorridentes, carregavam algo mais pesado. Ele podia sentir.
— Algo mais aconteceu, não foi? — Jack perguntou, a voz grave, seu tom protetor. Asteria mordeu o lábio, hesitando.
— Fui levada para uma consulta hoje... — A voz dela vacilou. — Mas consegui escapar de algo pior.
Ele estreitou os olhos, sabendo que não era só isso. Ela parecia inquieta, mais do que de costume.
— E o que mais? — Ele pressionou, a preocupação visível em seu semblante.
Asteria suspirou profundamente, como se estivesse reunindo forças.
— Estamos sendo vigiados, Jack. Eles não acreditam que nós... — Ela parou, evitando dizer a palavra que rondava seus pensamentos. Jack sabia o que ela não conseguia dizer, e seu corpo enrijeceu.
— Por quem? — Ele perguntou, cauteloso, sua mente já calculando as implicações.
Antes que Asteria pudesse responder, a porta rangeu e uma figura apareceu à entrada, com uma cesta nos braços. A voz suave e traiçoeira ecoou pelo quarto.
— Eu trouxe algo para o casal. — Nadine entrou, seu tom escorrendo com um toque de sarcasmo e desdém disfarçado.
Asteria fechou os punhos. O presente de Jack, o anel, parecia subitamente frio em seu dedo enquanto os olhos de Nadine os observavam com uma expressão calculista. A presença dela fez os músculos de Jack se contraírem de imediato. Asteria se virou lentamente, seus olhos endurecendo ao encarar Nadine, que estava ali, sorrindo com uma mistura de ironia e desprezo mal disfarçado. Jack apertou os punhos discretamente, sabendo que aquela mulher não estava ali por acaso.
Nadine sorriu, um sorriso que não alcançava os olhos, enquanto colocava a cesta sobre a mesa, o olhar deslizando entre Jack e Asteria, como se estivesse avaliando o casal. Jack observou a mulher por alguns segundos, seus olhos estreitos, avaliando cada movimento dela. Ela estava à vontade demais, sorrindo como se controlasse a situação. Ele sentia o ar pesado com a tensão que Nadine trazia consigo, um aviso claro de que nada seria fácil dali em diante.
— O que você quer, Nadine? — Jack perguntou, sua voz baixa, mas carregada de uma firmeza que poucos ousavam desafiar.
Nadine levantou uma sobrancelha escura, o cinismo praticamente exalando dela. O sorriso em seus lábios se ampliou, revelando uma confiança insuportável.
— Estou aqui para servi-los, Jack — ela respondeu, o tom suave demais, cheio de veneno. — Immortan Joe me designou para garantir que tudo... corra bem entre vocês dois.
Asteria, ainda tensa, olhava para Jack, esperando sua reação, mas a provocação era evidente demais. Ela sabia que não era apenas um "serviço" comum.
— Não precisamos dos seus serviços — Jack retrucou, a paciência se esgotando. Ele deu um passo à frente, os músculos retesados. — Nós dois estamos bem sem a sua interferência.
Nadine deu uma risada curta, aproximando-se mais, como se estivesse se divertindo com o desconforto que causava. Seus olhos cintilaram enquanto ela baixava o tom da voz.
— Ah, Jack... Eu faço serviços que você ainda procura. Não finja que já se esqueceu disso.
Asteria sentiu o estômago revirar, a bile subindo em sua garganta. Aquela mulher estava se insinuando descaradamente para o marido dela, em sua frente, como se a presença dela não significasse absolutamente nada. A provocação e a humilhação estavam claras, e por um instante, a mente de Asteria se encheu de imagens do que poderia ter acontecido entre Nadine e Jack antes de seu casamento. Mas, em vez de deixar o incômodo tomar conta, Asteria agiu. Seus pés a levaram rapidamente até Nadine, e sem hesitar, ela agarrou a cesta que estava nas mãos da mulher, arrancando-a com uma força inesperada. Asteria encarou Nadine com olhos afiados, um brilho de raiva que ela raramente deixava transparecer.
— Você já fez o suficiente por hoje. — Asteria disse, a voz baixa e gélida, mas com uma clareza que fez Nadine recuar ligeiramente.
Antes que Nadine pudesse reagir, Asteria a empurrou com firmeza para fora do quarto, fechando a porta atrás dela com um som seco que ecoou pelas paredes.
Por alguns segundos, o quarto ficou em um silêncio profundo, quase pesado. Jack observou Asteria de onde estava, vendo o tremor sutil nas mãos dela enquanto ela segurava a cesta. Ele sabia que Asteria não tinha gostado nem um pouco da presença de Nadine — e com razão. Aquela mulher representava mais do que apenas uma intrusa; ela era um lembrete do poder de Immortan Joe sobre eles.
— Isso não vai acabar bem — Jack disse, quebrando o silêncio, seu tom grave e cheio de uma preocupação que ele não conseguia esconder.
Asteria soltou a cesta sobre a mesa com um baque, ainda tentando controlar a raiva que borbulhava dentro dela. Ela suspirou pesadamente, concordando com Jack, mas as palavras estavam presas em sua garganta. A sensação de impotência voltava a se infiltrar, mesmo que ela tentasse lutar contra isso.
— Eu sei — ela respondeu, sem olhar para ele, os olhos fixos na porta fechada, como se esperasse que algo mais acontecesse a qualquer momento. — Os problemas só estão começando... E nós estamos no meio de tudo.
Ela cruzou os braços sobre o peito, tentando encontrar algum conforto em suas próprias palavras. Asteria não sabia o que o futuro reservava, mas sabia que Nadine era apenas uma peça no jogo perigoso que Immortan Joe estava jogando. Eles estavam cercados de inimigos, e qualquer movimento em falso poderia ser o fim. Jack se aproximou dela, ficando em silêncio ao lado da mulher que agora era sua esposa, mas que ele sabia estar tão perdida quanto ele. Por um momento, ele não disse nada. O deserto lá fora queimava sob o sol, e a quietude dentro daquele quarto parecia um prenúncio da tempestade que se aproximava.
Não resistir, tive que fazer uma imagem do Jack dando a aliança para Asteria, eu vivo por eles 💖
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