𝟎𝟔. a nova morada
Asteria despertou com o coração acelerado, a mente ainda presa em fragmentos de um sonho estranho. Ela ainda se sentia presa entre o sonho e a realidade, como se a linha entre os dois estivesse turva. Havia algo de inquietante na transição e uma sensação estranha percorrendo seu interior. No sonho, ela se via correndo atrás de uma menina de cabelos escuros, sua risada ecoando como um fantasma, enquanto a distância entre elas parecia aumentar a cada passo. Mas, como tudo em sua vida recente, a garotinha estava sempre fora de seu alcance, mesmo quando Asteria tentava alcançá-la desesperadamente. A sensação de perda e frustração permeou o ar, até que o sonho se dissolveu, dando lugar ao silêncio até desperta.
Asteria piscou com força, com a urgência ainda pulsando em seu peito. Seus olhos se ajustando à luz suave que preenchia a caverna. No entanto, o que a espera ao despertar não era a calmaria ou Jack. Uma jovem estava sentada na cama ao lado, observando-a. Seus olhos, de um azul intenso e penetrante, a estudavam com curiosidade. Asteria se sobressaltou brevemente, sentando-se de forma apressada na cama. A menina era mais jovem que ela, de longos cabelos castanhos, e a olhava como se quisesse entender o que estava vendo. Confusa e ainda um pouco assustada, Asteria cortou o silêncio.
— Você é... Furiosa? — A voz de Asteria saiu suave, hesitante.
A garota assentiu, sem desviar o olhar, antes de questionar calmamente.
— E você... é Asteria, não é?
— Sim. — Asteria confirmou, ainda um pouco confusa. Seu olhar vagou pelo quarto, encontrando o lugar onde antes Jack estava vazio. — Jack...
— Saiu, mas ele volta, não se preocupe.
— E você ficou para me vigiar? — Asteria voltou o olhar para Furiosa.
— Eu queria ver quem era a mulher que Immortan Joe escolheu para o meu pai. — Furiosa disse, sem rodeios, mas sem malícia também.
Asteria descobriu que a garota não falava com desdém, apenas com a curiosidade de alguém tentando entender o que se estava passando. O silêncio que pairou entre elas era desconfortável, mas também carregava uma conexão implícita, como se ambas estivessem tateando um terreno comum.
— Você parece... diferente das outras — Furiosa finalmente comentou. — Não é como as mulheres que ele mantém lá no cofre.
Asteria olhou para ela, surpresa pela franqueza.
— Diferente como?
Furiosa meneou a cabeça, observando-a atentamente.
— Não sei. Você não parece se render tão facilmente. As outras... parece que elas já desistiram. Quebradas, mas você... parece querer lutar.
Asteria permitiu um breve sorriso triste.
— Eu não quero ser mais uma peça nos planos de Immortan Joe. Mas, parece que é impossível escapar das garras dele.
Furiosa ficou em silêncio por um momento, refletindo.
— Eu também sei como é. Ser uma peça no jogo dele... você não escolhe. Só aprenda a sobreviver.
As palavras de Furiosa ecoaram profundamente em Asteria, refletindo de forma nítida os sentimentos que a atormentavam desde o início daquele casamento forçado. Ficou claro que, assim como ela, Furiosa também havia sido lançada em um destino que não escolhera. As duas eram vítimas, embora de formas diferentes, mas vítimas do mesmo homem. E agora, ambas estavam ligadas a Jack, um homem que, de certa forma, parecia ser tanto seu protetor quanto parte do peso que carregavam.
— Você é corajosa — Asteria observou, olhando para os intensos olhos azuis da garota. — E forte. Não sei se sou assim.
Furiosa soltou um riso leve, quase incrédulo.
— Acredite, você é mais forte do que pensa. Só o fato de estar aqui, depois de tudo... diz muito.
Asteria absorveu aquelas palavras, uma pequena centelha de encorajamento nascendo em seu peito. Depois de alguns momentos de silêncio, Asteria resolveu falar. Ela queria saber mais sobre o homem com quem agora estava casada, sobre quem ele realmente era além do guerreiro que todos temiam e admiravam.
— Como é Jack? O que ele gosta de fazer? — A pergunta escapou de seus lábios quase sem pensar.
Furiosa cruzou os braços, observando Asteria com atenção, e um leve sorriso surgido em seus lábios.
— Já está querendo saber como agradar o marido, é? — disse com uma pitada de sarcasmo.
Asteria sentiu as bochechas esquentarem imediatamente. Desviou o olhar, sem graça, tentando se justificar.
— Não... não é isso, quer dizer, uma parte sim. Só quero entender melhor... entender quem ele é.
Percebendo o desconforto que causou, Furiosa riu baixo e levantou uma mão em sinal de desculpa.
— Desculpa. Só estava brincando, também não queria te deixar desconfortável. É só que...ninguém nunca pergunta isso. Jack é... complicado, pra dizer o mínimo. Mas acho que, no fundo, ele só quer fazer a coisa certa, sabe? — Ela fez uma pausa pensativa. — Ele passa a maior parte do tempo dirigindo. Estamos sempre na máquina de guerra, levando suprimentos para a Fazenda da Bala e a Vila Gasolina e trazendo de volta tudo que Immortan Joe quer. Ele gosta de trabalhar com as mãos, construindo motores, fazendo coisas funcionarem, dando ordens aos garotos de guerra.
Asteria ouviu tudo atentamente, imaginando Jack na rotina ao som das engrenagens e o cheiro de óleo e metal queimado. Um homem de poucas palavras, mas com uma mente prática e mãos habilidosas.
— Ele sempre foi assim? Achei, curioso.
Furiosa deu de ombros.
— Ele nunca foi de falar muito sobre si mesmo, pelo menos desde que me lembro. Mas ele sempre cuidou de mim, desde que eu era criança, como se fosse uma promessa que fez a alguém ou a si. Acho que ele prefere ocupar a mente com o trabalho do que com as coisas que não pode controlar, isso o mantém com a cabeça no lugar.
Asteria assentiu lentamente, refletindo sobre isso. Absorveu a imagem de um Jack completamente diferente do guerreiro temido que todos conheciam. Uma parte dela sentiu uma certa admiração por ele, mas a outra ainda estava apreensiva, lutando contra o medo de tudo o que aquele casamento solicitado poderia representar.
— Ele parece... diferente do que eu esperava. — Asteria murmurou, quase para si mesma.
Furiosa deu um sorriso breve, mas compreensivo.
— É. Ele não é muito diferente de como as pessoas por aqui o veem. Jack só tem uma maneira própria de lidar com tudo.
Asteria suspirou, mudando o rumo da conversa.
— E você? Como é a sua vida? Parece muito mais emocionante do que a minha. — A loira quis saber.
Furiosa ficou séria por um momento, refletindo antes de responder.
— Trabalho muito, mas sim, há emoção. Luto, conserto, dirijo a máquina de guerra, tudo ao lado de Jack. Tudo é uma batalha de algum tipo.
— Nossa... — Asteria mordeu os lábios, admirada.
— E você? Como era a vida lá no cofre? Sempre imaginei que fosse cheia de luxo. — A pergunta de Furiosa fez Asteria suspirar, e os olhos vagarem pela caverna.
— Depende do que você considera luxo. Temos conforto, comida e água em abundância. Aprendemos a ler, escrever, e ouvimos histórias do mundo antigo com a Senhorita Giddy. Mas, para ser honesta, é entediante. Não temos liberdade, ficamos presas. .. Como você disse, Jack trabalha com as mãos, faz as coisas acontecerem. E nós... estamos presas em uma jaula, esperando apenas por novas ordens.
Furiosa ouviu em silêncio, compreendendo as nuances na fala de Asteria.
— A vida no cofre pode até parecer fácil, mas soa sem alma. E, pelo que você disse, sem emoção. Talvez por isso você esteja achando tudo isso aqui tão diferente. — Furiosa balançou a cabeça lentamente, compreendendo. — Você parece alguém que quer mais fazer isso. Que quer viver de verdade.
— Eu quero. Mas... ainda não sei como. — Asteria admitiu, com um sorriso amargo.
Furiosa a olhou com um brilho curioso nos olhar.
— Talvez você esteja mais perto disso do que imagina.
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Jack voltou à caverna antes do amanhecer. O ar frio do deserto ainda pairava no ambiente, silencioso e denso. Ao entrar, ele parou por um momento, observando as duas figuras adormecidas. Asteria e Furiosa descansavam em suas camas, alheias à tensão que ele carregava. Jack caminhou em silêncio, cuidadoso para não acordá-las. Seus olhos percorreram o pequeno espaço, fixando-se no lençol manchado de sangue dobrado no canto. Sem hesitar, ele pegou o tecido, segurando-o firme entre os dedos. A noite anterior ainda ecoava em sua mente. Tudo o que havia acontecido – e o que ainda estava por vir.
Quando o sol finalmente nasceu, banhando o deserto com sua luz abrasadora, Jack já estava diante do salão de Immortan Joe. O cheiro forte do leite de mãe fresco misturava-se ao ar pesado do salão, onde Joe tomava seu desjejum ao lado dos três filhos. Eles o encararam com desdém, como se ele não passasse de mais um súdito insignificante. Immortan Joe ergueu os olhos quando Jack entrou, seus dedos ainda ao redor do copo com leite de mãe, sua máscara repousando de lado.
— O que faz aqui tão cedo, Pretoriano? — perguntou Immortan Joe, a voz áspera e arrastada, mas com um tom que demonstrava que ele já sabia a resposta.
Jack não respondeu de imediato. Seus passos ecoaram pelo salão vazio até parar diante da mesa. Em silêncio, ele jogou o lençol sujo sobre o tampo de metal. O baque seco do tecido pesado quebrou a tensão no ar.
— O casamento foi consumado — disse Jack, a voz firme, porém contida.
Immortan Joe observou o lençol por um longo momento. Seus olhos percorreram as manchas de sangue seco, e, embora não houvesse surpresa em sua expressão, algo em sua postura indicava que aquilo ainda não era o suficiente.
— Bom. — Sua voz saiu baixa, quase desinteressada. — Mas quero mais do que isso, Jack. — Ele levantou o olhar para o Pretoriano, a mão repousando pesada sobre a mesa. Os olhos sombrios como o abismo. — Quero uma criança no ventre de Asteria até o fim deste mês. Do contrário, toda essa... formalidade terá sido em vão. Entendido?
Jack o encarou, o sangue fervendo por dentro, mas não disse nada. Ele sabia que discutir seria inútil. Para Immortan Joe, Asteria era apenas um meio para um fim. E agora, ele tinha menos de um mês para garantir que a vontade do tirano fosse cumprida.
— Sim, senhor.
Sem uma palavra a mais, Jack se virou e saiu do salão. O peso da situação esmagava seus ombros, mas ele sabia que algo maior se aproximava. Asteria não era uma marionete de Immortan Joe, e ele não permitiria que ela fosse tratada como tal. Contudo, o tempo para eles estava correndo.
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Um tempo depois, Jack entrou na caverna com a mente atormentada. Agora ele tinha apenas algumas semanas para que Asteria engravidasse, ou o inferno que já rondava suas vidas iria piorar ainda mais. Ele não queria admitir, mas o prazo imposto por Immortan Joe estava pesando como uma sentença ao seu redor. Furiosa estava sentada num canto da caverna, enquanto mexia distraidamente em uma ferramenta. Ela ergueu os olhos assim que ele entrou, captando imediatamente a tensão estampada nas feições dele.
— O que houve? — ela perguntou, a voz cautelosa.
Jack a olhou por um instante, sabendo que precisaria de privacidade para falar com Asteria. Não queria envolver Furiosa nisso, não agora.
— Preciso falar com Asteria a sós.
Furiosa estreitou os olhos, hesitando.
— Eu posso ajudar... seja o que for.
— Furiosa... – ele cortou, a voz baixa, mas firme. — É só por um momento.
Ela mordeu o lábio, claramente relutante, mas se levantou, jogando a ferramenta de lado com um suspiro pesado.
— Certo. Mas a gente precisa conversar depois. Isso tá começando a ficar estranho.
Sem responder, Jack observou enquanto ela saía, trocando um último olhar desconfiado com ele antes de desaparecer pela entrada da caverna. Asteria apareceu logo depois, emergindo do pequeno espaço que usavam como banheiro, ainda usando o vestido de casamento. Ela parecia um tanto deslocada ali, suas mãos puxando a barra do tecido sujo enquanto caminhava, os cabelos loiros caindo em ondas desalinhadas. Seus olhos claros encontraram os de Jack, carregados de desconfiança.
— Onde Furiosa foi? — perguntou ela, franzindo a testa.
Jack respirou fundo, lutando para encontrar as palavras certas.
— Pedi pra ela sair por um momento.
Asteria parou um pouco mais próxima, sem esconder a apreensão.
— Algo aconteceu? — A voz de Asteria parecia suave, mas estava carregada de uma preocupação que ela tentava esconder.
Ele olhou para ela por um momento, sentindo o peso das expectativas que ambos enfrentavam. Sabia que não deveria expô-la ao turbilhão de problemas que os cercavam, mas a verdade já começava a sufocá-lo. Ele ficou de costas para ela por alguns segundos, buscando as palavras certas, antes de se virar. Immortan Joe não esperaria muito, e ele sabia que precisaria lidar com isso. A vontade de proteger Asteria estava em constante conflito o tempo inteiro. Ele suspirou, o ar saindo de seus pulmões como um peso que ele não conseguia suportar. Seus olhos se encontraram com os de Asteria outra vez, e havia algo ali que o desarmava. Talvez fosse a suavidade de sua preocupação genuína, ou talvez fosse o fato de que ela, assim como ele, estava presa nas circunstâncias que o pai dela havia imposto. Ele desviou o olhar, encarando o chão por um momento antes de falar.
— Seu pai... ele está pressionando — começou Jack, as palavras amargas. — Ele quer que esse casamento aconteça rapidamente. Ele quer resultados, se me entende.
Asteria engoliu em seco, sentindo o peso das palavras de Jack. "Resultados" era um eufemismo. Ela sabia o que isso significava, o que seu pai realmente esperava. O sangue em um lençol não era o suficiente. Asteria sentiu um calafrio percorrer sua espinha, mas ela também percebeu algo nos olhos de Jack — uma sombra de preocupação que parecia ir além de uma simples missão.
— Ele não vai esperar muito tempo — Jack continuou, a voz mais grave do que pretendia. — Não quero que você se sinta ameaçada, mas... não posso esconder que as coisas vão se complicar. Ele estabeleceu um prazo para você engravidar. Temos um mês para isso.
Asteria cruzou os braços, quase se protegendo de uma ameaça invisível. O silêncio entre eles durou longos segundos, pesando no ar. A garota lutou para manter a calma, mas a ansiedade começava a escapar pelas brechas. O medo vinha logo em seguida, o pensamento de estar presa a uma armadilha onde não havia saída, onde seu corpo não era mais seu. Se ela não cumprisse o prazo... o que seu pai faria com ela? Com Jack?
Jack observou sua reação em silêncio, percebendo a turbulência em seus olhos. Asteria sentiu a garganta apertar, as palavras presas ali, sem saber o que dizer. Ela queria gritar, mas o som não saía. Seu pai sempre controlara sua vida de longe, mas agora essa realidade caía sobre ela como uma corrente que apertava mais a cada segundo. Ela apertou a lateral do vestido, franzindo a testa, uma mistura de raiva e ansiedade queimando por dentro.
— Um prazo? — sua voz saiu baixa, mas carregada de indignação. — Ele acha que pode determinar até isso? Como se... eu fosse uma criação dele, algo que ele simplesmente ordena e faz acontecer?
Asteria não deixou a pergunta no ar esperando por resposta, pois já sabia. Immortan Joe sempre a tratou como propriedade. Seu corpo, seus futuros filhos, tudo era parte do plano que ele tinha para continuar seu reinado. Jack ficou em silêncio por alguns segundos, observando a reação dela, mas ela não lhe deu tempo para dizer nada.
— Você entende o que isso significa, não é? — Asteria o encarou com os olhos intensos. — E o pior de tudo é que você está preso a isso tanto quanto eu.
Jack assentiu, mas não respondeu de imediato. Asteria se aproximou mais, a raiva fervendo por baixo da pele. Ela não estava disposta a ser complacente como as outras mulheres que conhecia, mesmo sabendo que elas não tinham outras opções. Sabia que tinha que se manter esperta, encontrar uma saída, mesmo que, por ora, não visse nenhum caminho claro.
— Eu não vou... — sua voz tremeu por um segundo, mas ela se recompôs. — Eu não vou ser como as outras, Jack. Não vou terminar como minha mãe. E se você está esperando que eu simplesmente aceite tudo isso... então você está tão preso a ele quanto eu.
— Eu não espero que você aceite nada. — Jack respondeu após perceber o fogo por trás das palavras de Asteria. — Sei que ele está nos colocando em uma posição impossível. Por isso estou te dizendo tudo isso, porque precisamos pensar em uma solução e logo.
Ela parou por um momento, observando a tensão nos olhos de Jack, e percebeu que ele também estava preso a tudo aquilo, mesmo que de forma diferente.
— Então, a solução mais óbvia seria eu me deitar com você e ter um filho? — Asteria ergueu as mãos até a cintura, o olhar fixo em Jack, desafiando-o.
— Eu já disse que não vou te tocar, nem te forçar a nada. — Jack limpou a garganta, tentando manter o controle, mas a presença dela era perturbadora de um jeito que ele não esperava. — Podemos encontrar um meio de prolonga o que Immortan Joe quer.
Asteria sorriu de lado, um sorriso quase malicioso, e se aproximou com uma suavidade que o fez prender a respiração. Seus movimentos eram lentos, calculados, como se estivesse caçando uma reação.
— Me disseram que todos os homens são iguais... mas até onde você é diferente, Jack? — sua voz saiu baixa, quase como um sussurro, enquanto ela se movia a centímetros dele. — Até quando vai viver ao lado de uma mulher que não pode tocar?
O desafio nos olhos de Asteria era claro, e Jack sentiu o calor subir pelo corpo, uma mistura de desejo e autocontrole. Ele deu um passo à frente, a proximidade entre os dois agora era sufocante.
— Você não quer ser tocada? — Ele murmurou, a voz mais rouca do que pretendia. A tensão entre eles crescia, palpável.
— Eu não sei o que eu quero... — ela respondeu, mas sua mão subiu até o peito dele, os dedos finos roçando sobre o tecido, e Jack endureceu sob o toque suave, seu corpo respondendo antes da mente. O sorriso nos lábios de Asteria vacilou, quase provocador, enquanto ela o encarava com um brilho intenso nos olhos. — Mas me diga... você me tocaria se eu quisesse?
— Asteria... — Jack tentou recuar, mas antes que pudesse afastar-se, os dedos dela seguraram firme a jaqueta dele, prendendo-o no lugar. O cheiro doce dela o envolvia, fazendo sua respiração falhar, trazendo de volta as recordações daquela noite.
— Você colocaria um filho em mim se eu decidisse que quero dar um senhor da guerra para Immortan Joe? — A voz dela veio como um sopro, carregada de insinuação e desafio. Ela o testava, queria saber se ele quebraria as próprias promessas, se no final ele seria igual a todos os outros homens.
Jack soube naquele instante que ela estava jogando com ele, manipulando a tensão entre os dois, mas isso apenas intensificou o desejo pulsante que crescia em seu corpo. Ele sabia que não podia ceder, mas, ao mesmo tempo, algo nele queria brincar com aquele fogo perigoso. E isso ele não podia resistir.
— Talvez... — ele sussurrou, sua mão pousando na fina cintura dela, o toque quente e possessivo. — Talvez, se você implorasse muito, eu pensaria no seu caso.
O sorriso de Asteria sumiu no instante que as palavras saíram, e quando tentou se afastar, Jack a segurou firme, puxando-a de volta para seus braços. O coração dela disparou, os olhos fixos nos dele, a respiração presa entre eles. A intensidade daquele momento era quase insuportável, e nenhum dos dois sabia ao certo quem estava no controle.
— Mas não importa o quanto você me provoque, Asteria... — Jack inclinou o rosto para perto do dela, a voz baixa e carregada de desejo contido. O calor batendo no espaço entre o pescoço e o rosto, soando bem próximo ao ouvido. — Eu não vou fazer nada que você não queira... de verdade.
Asteria sentiu o calor do corpo dele, a proximidade que a fazia estremecer. Ela podia sentir o autocontrole quase se desfazendo em Jack, mas sabia que ele estava mantendo a palavra, mesmo que ambos estivessem à beira de perder o controle. A distância entre eles era mínima, o desejo gritante, mas ainda havia uma linha que nenhum dos dois estava pronto para cruzar — não ainda. Asteria sentiu o coração disparar, o corpo pulsando com uma mistura de frustração e algo mais profundo, algo que a deixava confusa. Antes ela queria testar Jack, queria ver até onde ele iria, mas agora que estava tão perto dele, a respiração entrecortada, ela percebeu o quanto aquela proximidade a afetava também.
Os olhos de Jack a observavam com uma intensidade que a fazia sentir-se nua, desarmada, e por um segundo ela quase esqueceu quem era, onde estava, e o que realmente queria. Ela percebeu que segurava firme novamente a jaqueta dele, e o calor da mão dele na sua cintura parecia queimar através do tecido. Mas Jack não se mexeu. Não cedeu. Asteria percebeu que, apesar do desejo evidente, ele ainda estava se controlado, ainda respeitava os próprios limites. Ela soltou um suspiro frustrado, soltando finalmente a jaqueta dele e dando um passo para trás quando ele permitiu, tentando recuperar a compostura. O silêncio entre eles era pesado, carregado com tudo o que não foi dito.
— Você é irritantemente teimoso, Jack. — Asteria murmurou, com uma mistura de desafio e resignação, os olhos fixos nos dele, como se ainda estivesse decidindo o que fazer.
Jack soltou uma risada curta, sem humor.
— Eu já fui chamado de muita coisa, mas teimoso não era uma delas. — Ele recuou um passo, deixando que o espaço entre eles aumentasse, embora o desejo ainda estivesse no ar. — Só estou tentando manter o controle... por nós dois.
Asteria apertou os lábios, virando o rosto por um momento, sentindo-se desarmada pela honestidade dele. O que ela esperava que acontecesse? Que ele quebrasse suas promessas? Talvez parte dela quisesse isso. Queria ver se ele seria diferente. Mas agora sabia quem ele era. Ele não seria como os homens que a Senhorita Giddy ou as parideiras falavam, aqueles que tomavam sem pedir como Immortan Joe ou seus filhos.
— Não sei se você é corajoso ou tolo por manter sua palavra. — Ela disse, mais para si mesma do que para ele, o olhar ainda distante.
Jack não respondeu imediatamente. Ele a observou por mais um momento, estudando como ela tentava mascarar a vulnerabilidade com sarcasmo. Ele sentia a luta interna nela, o desejo de ser livre e, ao mesmo tempo, a incerteza de como lidar com aquele casamento forçado.
— É melhor assim, Asteria. — Ele disse, finalmente, a voz mais suave. — Prometi que não iria forçar você... e não vou.
Ela respirou fundo, sentindo a frustração lentamente se dissolver, deixando apenas a sensação estranha de alívio, misturada com algo mais profundo que ela ainda não sabia como nomear.
— Acho que você deveria ir fazer os seus afazeres, não? — Asteria falou, cruzando os braços, tentando recuperar o controle que parecia escapar entre os dedos. Sua voz carregava um toque de desafio, embora ainda houvesse uma tensão no ar.
Jack arqueou uma sobrancelha, o canto da boca puxado em um meio sorriso que a fez engolir em seco.
— E você? O que vai fazer durante o dia todo? — Ele questionou, os olhos dançando por ela, como se tentasse ler algo além das palavras.
Asteria inclinou a cabeça levemente, com uma expressão misteriosa e firme.
— Não se preocupe com isso. — Ela respondeu com um tom suave, mas desafiador, erguendo o queixo como se quisesse deixar claro que ele não precisava controlar cada passo seu.
Jack riu baixo, o som fazendo os pelos da nuca de Asteria se arrepiarem. Ele deu um passo para trás, os olhos ainda fixos nela por um segundo a mais, antes de finalmente virar-se para sair.
— Se cuida, esposa. — Disse com um sorriso charmoso de lado, o que a fez morder a parte interna da bochecha para não revirar os olhos.
Asteria o observou até ele desaparecer, então suspirou pesadamente, jogando-se de costas na cama com um misto de frustração e algo quente e perigoso se agitando dentro dela. Sua mente vagava, tentando entender o que se passava entre eles, mas o corpo já parecia saber, e o calor combinado com a umidade entre as pernas a deixava inquieta. Ela mordeu o lábio inferior, tentando dissipar o latejar insistente que a dominava. Jack tinha um jeito que a mexia por dentro, desarmando-a de maneiras que ela ainda não compreendia. E agora, sozinha, ela podia admitir que aquela tensão entre eles não era apenas fruto das circunstâncias.
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Asteria saiu da caverna com passos cautelosos, seus pés tocando o chão duro com uma leveza que ela quase não reconhecia. Era estranho, mas reconfortante, sentir-se livre, mesmo que fosse uma liberdade limitada. O peso do cinto de castidade que a acompanhara por tanto tempo já não estava ali, e isso dava a ela uma sensação de leveza que ia além do físico. Sua virgindade ainda estava intacta, porém, lembrava-lhe que nem tudo em sua vida havia mudado tanto quanto gostaria. Ela ergueu o véu branco sobre a cabeça, um gesto quase automático. Mas, dessa vez, hesitou. Agora que era casada, ainda precisava usá-lo? As parideiras usavam o véu e a cor branca para marcar sua função naquele mundo, mas ela agora estava de outro lado. Sua mente vagava enquanto os dedos tocavam o tecido suave. Casada com Pretoriano Jack. Sua nova realidade parecia quase irreal.
Decidida, ao menos por agora, ela manteve o véu, mas sabia que precisaria de roupas, algo que fosse mais prático e menos simbólico. Seu antigo lar, o cofre, ainda continha o que restava de sua vida anterior. Ela precisaria buscar suas coisas, e isso era algo que precisava enfrentar. Caminhando pelos túneis, ela avistou uma figura familiar. Nux estava de costas, murmurando algo enquanto gesticulava para os dois tumores em sua clavícula, que ele carinhosamente chamava de Larry e Barry, e com os rostinhos tatuados. Ele parecia está em uma conversa animada com seus companheiros, quando Asteria, com passos cuidadosos, aproximou-se.
Nux parou por um momento e virou-se para ela, os olhos claros piscando ao reconhecê-la. Seu rosto se iluminou, e ele a cumprimentou, um tanto desajeitado.
— Oi, é... parabéns pelo casamento, Asteria. — Ele falou, com uma tentativa de sorriso.
Asteria sentiu a ternura desajeitada no gesto, apesar do tom meio confuso.
— Obrigada, Nux. — Ela respondeu, com um pequeno sorriso que tentava disfarçar a mistura de sentimentos que ainda pulsava em seu peito. — Eu... estou indo ao cofre. Preciso pegar algumas coisas.
Nux piscou algumas vezes, absorvendo a informação.
— O cofre? Ah, claro, claro. — Ele olhou para Larry e Barry como se consultasse os tumores e depois voltou a ela. — Quer que eu vá com você?
Asteria assentiu, sabendo que mesmo com sua pequena sensação de liberdade, ainda não confiava completamente em andar sozinha por toda a cidadela.
— Eu gostaria, se puder me acompanhar.
Sem hesitar, Nux a seguiu. Juntos, atravessaram os corredores e passagens escuras até o cofre, o lugar que a prendera por tantos anos, onde sua vida havia sido moldada à imagem de seu pai. Pararam em frente à imponente porta de metal, suas marcas e arranhões, contando a história de quantas vezes havia sido fechada, selando as mulheres lá dentro, como prisioneiras de um futuro pré-determinado. O silêncio entre Asteria e Nux parecia pesar ainda mais à medida que o momento de entrar se aproximava. Nux, olhou para ela com certa curiosidade, os olhos fixos em seu rosto, como se tentasse captar os pensamentos que passavam por sua cabeça.
— Como você está se sentindo? Agora que está... livre do lado de fora — Nux perguntou, genuinamente interessado.
Asteria hesitou por um segundo, seus olhos pousando na porta à sua frente. O cofre, aquele lugar que a aprisionara, era também o único lar que conhecera. Ela inspirou fundo, sentindo o ar fresco da cidadela, o cheiro de poeira e metal, uma lembrança constante da liberdade incerta que agora experimentava. Virou-se lentamente para Nux, um pequeno sorriso enigmático nos lábios.
— Estou do lado de fora, mas ainda não estou livre — disse ela, a voz calma, mas carregada de algo profundo, algo que nem mesmo ela conseguia colocar em palavras naquele momento.
Nux pareceu ponderar a resposta por um instante, mas não disse nada. Asteria virou-se para a porta mais uma vez, seu coração batendo um pouco mais rápido conforme as memórias daquele lugar começaram a surgir. Ela ergueu a mão, fazendo um gesto breve para o garoto de guerra que cuidava da entrada.
— Abra a porta.
O rangido do metal soou alto, quase como um rugido, e a entrada para o cofre foi revelada com um corredor afunilado e parcialmente escuro. Ela não sabia o que a esperava do lado de dentro, mas uma coisa era certa: Ela não era mais a mesma garota que havia saído dali. Asteria entrou no cofre, seus passos ecoando pelo longo corredor afunilado. O ar ali dentro parecia mais denso, quase abafado, como se o próprio espaço carregasse o peso dos anos de isolamento e expectativa. Ela sentia o calor das paredes fechando-se ao seu redor, e conforme avançava pelo túnel estreito, o som das vozes das outras garotas começou a alcançar seus ouvidos, ficando mais alto a cada passo.
Quando finalmente atravessou a porta para o salão principal, foi imediatamente cercada. As garotas, com seus vestidos simples e olhares ávidos, a bombardearam com perguntas, um misto de curiosidade e excitação.
— Como foi o casamento? — Capable perguntou, os olhos arregalados de empolgação.
— Ele te tratou bem ou você precisou morde ele? — Toast já se adiantava, sem esperar a resposta anterior.
Asteria tentou não parecer incomodada, mas a avalanche de perguntas a deixava sem fôlego. Seus olhos percorreram o grupo, notando a mistura de expectativa nos olhares. Elas não entendiam o que realmente estava em jogo. Quando Cheedo se aproximou mais, a expressão um pouco mais séria, perguntou de forma direta, sem rodeios.
— E então? Como foi a primeira noite?
Asteria hesitou. As palavras pareciam não se formar com clareza em sua mente, e ela não sabia como responder à pergunta. O casamento tinha sido uma confusão de emoções, e a noite... bem, nada daquilo era o que elas imaginavam. Ela apertou os lábios por um momento, tentando manter a compostura.
— Foi normal — murmurou, sentindo o calor subir pelo rosto. — Jack... ele não é tão ruim quanto eu esperava.
Isso pareceu apaziguar a curiosidade das garotas por um instante, mas logo uma delas soltou outra pergunta, o tom um pouco mais brincalhão.
— E ele é bonito? — Dag perguntou.
Asteria corou mais uma vez, e as garotas riram, notando o rubor em seu rosto. Ela acenou com a cabeça, tentando esconder o sorriso que ameaçava escapar.
— Ele... é mais atraente que cinquenta garotos de guerra juntos — admitiu, a voz ligeiramente vacilante.
As risadas se intensificaram, mas logo foram interrompidas pela chegada da Senhorita Giddy. Com seu andar apressado e um olhar sério, ela se aproximou, pegando Asteria pelo braço de maneira firme, mas cuidadosa.
— Chega de perguntas, meninas. Ela precisa de um pouco de paz — disse, lançando um olhar autoritário para o grupo. As garotas logo se dispersaram, embora ainda cochichassem entre si.
Asteria e a Senhorita Giddy subiram juntas para o segundo andar. Quando chegaram ao topo, a Senhorita Giddy olhou ao redor, certificando-se de que não havia ninguém por perto. Asteria sentiu a tensão no ar aumentar, o silêncio se tornando pesado. Então, a Senhorita Giddy, a encarou com uma expressão que fez o estômago de Asteria apertar.
— Você não consumou o casamento, consumou? — a pergunta saiu como um sussurro afiado, carregada de preocupação.
Asteria congelou. Por um breve momento, foi como se o chão tivesse desaparecido sob seus pés. Ela não sabia como responder, ou sequer o que aquilo significaria se admitisse a verdade. Então respirou fundo, desviando o olhar da Senhorita Giddy antes de mentir.
— Sim. Jack tirou minha virgindade. Tenho um lençol sujo de sangue para provar, se for preciso — respondeu, a voz firme, mas seus olhos traíam a insegurança.
Senhorita Giddy, com o olhar frio e experiente, não se deixou convencer. Ela cruzou os braços, inclinando a cabeça levemente, como se quisesse penetrar o véu da mentira que Asteria tentava tecer.
— Garota, eu te criei desde que você era um bebezinho. Te ensinei a ler, a escrever, a sobreviver neste mundo cruel. — A mulher deu um passo à frente, seu tom de voz ficando mais suave, quase maternal, mas ainda duro como pedra. — Não adianta mentir para mim. Eu sei que você não consumou esse casamento.
Asteria sentiu o chão desaparecer sob seus pés por um segundo. Não havia como enganar a única figura materna que ela conhecera. Com um suspiro derrotado, ela deixou os ombros caírem.
— Não. Não consumamos o casamento — admitiu, a voz saindo em um sussurro.
Senhorita Giddy continuou a encará-la, esperando mais explicações.
— Jack... ele é completamente diferente dos outros homens da Cidadela — disse Asteria, o tom cheio de sinceridade agora. — Ele não é como os Garotos de Guerra, nem como meu pai. Ele me respeita. Eu te peço segredo, Senhorita Giddy. Por favor.
— Diferente? — A mulher arqueou uma sobrancelha, duvidosa. — Cuidado com essas ilusões, menina. Todo homem tem seus interesses, e aqui na Cidadela, há sempre algo mais sombrio por trás dos atos de generosidade.
— Eu sei dos riscos. — Asteria franziu a testa, já sentindo a familiar angústia crescer em seu peito. Seu tom ficou mais defensivo. — Sei o que os cintos de castidade significam. Eles não são só para impedir... autoaborto. Também servem para proteger de... outras coisas. Mas Jack não é assim. Eu sei que ninguém me fará mal, exceto o próprio Immortan Joe ou meus irmãos.
Asteria parou, sentindo a gravidade das próximas palavras que estava prestes a dizer.
— Aliás, ele me deu um mês para engravidar.
O rosto de Senhorita Giddy não demonstrou surpresa, apenas uma aceitação sombria, como se já esperasse por isso.
— Então, faça logo o que tem de ser feito. — A voz da mulher era direta, quase fria. — Se você realmente acredita que seu marido não é ruim, que ele vai te proteger... melhor garantir que tenha um filho o quanto antes. É sua única chance de evitar algo pior.
Asteria mordeu os lábios, suas mãos se fechando ao redor das saias de seu vestido. Sabia que Giddy estava certa em muitos pontos, mas ainda assim... hesitava. Jack não a forçaria. Mas será que ela mesma teria coragem de dar o próximo passo? O peso da decisão pairava sobre ela, e, mais uma vez, Asteria se viu dividida entre seu destino e seus desejos. Após um tempo, Asteria desceu as escadas ao lado da Senhorita Giddy, os pensamentos ainda presos às palavras duras que ouviu. Ela foi coberta de perguntas outra vez ao voltar ao salão.
— Então, você vai ficar com ele, certo? — Capable perguntou, olhos brilhando de curiosidade.
— Sim, vou morar com Jack, eu acho. — Asteria respondeu, tentando manter a voz firme, mas uma pontada de insegurança a atingiu.
As garotas começaram a murmurar entre si, e ela percebeu que todas estavam atentas a cada palavra sua.
— Como é lá? — Cheedo se aproximou, a expressão animada. — É melhor que aqui, não é?
— É... diferente. — Asteria tentou ser evasiva, uma parte dela desejando compartilhar mais, mas a conversa sobre o espaço íntimo deles, onde a tensão pairava, não parecia apropriada. — Mais... pessoal, eu acho.
— Pessoal? — Toast lançou um olhar desconfiado. — O que você quer dizer com pessoal? Você acha que está sendo favorecida só porque se casou com ele?
Asteria sentiu um frio na barriga ao perceber a provocação nas palavras de Toast. O ambiente que antes era leve agora parecia estar carregado de tensão.
— Não é isso. — Asteria tentou se defender, mas a insegurança das outras esposas estava palpável. — Eu só... estou tentando entender tudo isso.
— Você realmente acredita que ele vai te respeitar sempre? — Toast não se deixou intimidar, o tom sarcástico provocando murmúrios entre as outras mulheres. — Você está apenas começando a viver essa vida. Acha que vai ser diferente só porque ele parece legal agora?
Asteria se endireitou, o coração acelerando. A raiva começou a subir, mas ela tentou manter a compostura.
— Jack é diferente dos outros homens. Ele... ele me respeita. — Sua voz saiu mais firme do que esperava, mas as dúvidas ainda estavam ali, latejando em sua mente.
As outras esposas trocaram olhares de desconfiança. A tensão era visível, como se um abismo se formasse entre elas.
— Pode ser que você esteja sendo ingênua. — Angharad interveio, com um ar de superioridade que apenas aumentou o desconforto no ambiente. — Ele pode ser o seu Jack agora, mas não se esqueça de quem ele é de verdade e o motivo de estarem juntos.
Asteria sentiu um nó se formar no estômago, a frustração e a insegurança se misturando. Ela não sabia como responder, mas havia uma parte dela que queria provar que estava certa. Contudo, decidiu ignorar as outras esposas, sua mente se enchia de pensamentos enquanto ela se dirigia ao pequeno quarto onde costumava dormir. O cofre ainda parecia familiar, mas havia uma sensação de estranhamento, como se ela estivesse de passagem em um lugar que já foi seu lar, mas que agora não a acolhia da mesma forma.
Assim que entrou, a escuridão do quarto a envolveu. O cheiro de poeira e coisa antiga invadiu suas narinas. As paredes eram adornadas com os desenhos de seu passado, traços infantis que representavam sonhos que nunca se tornaram realidade. Asteria caminhou até o baú de madeira, suas mãos tremendo levemente ao abrir a tampa. Dentro, encontrou suas poucas roupas, mas também uma pequena caixa decorada, coberta de poeira e teias de aranha. Ao abrir a caixa, seu coração apertou. Lá dentro, havia algumas lembranças de sua mãe: uma pulseira de contas coloridas que ela usava, um lenço vermelho, e uma boneca de pano que parecia ter sido feita à mão, com um sorriso triste bordado no rosto. Cada objeto trazia à tona memórias reprimidas, uma mistura de saudade e dor.
Asteria segurou a pulseira, os dedos deslizando pelas contas. Aquele era um acessório que sua mãe costumava usar antes de ser capturada pelo domínio de Immortan Joe, e algo que ela ainda usava na vida, mesmo sob o confinamento para se lembrar de uma vida passada. As emoções começaram a transbordar, e Asteria se viu lutando contra as lágrimas. Era difícil reconhecer que aquelas memórias a cercavam, lembrando-a de tudo que havia perdido, de uma vida que nunca poderia ter. A confusão e a tristeza a inundaram enquanto ela se permitia sentir, mesmo que apenas por um momento.
Ela fechou os olhos, respirando fundo para se acalmar, e decidiu que não poderia permitir que os fantasmas do passado a dominassem. A vida que tinha agora, com Jack, era sua chance de moldar um novo futuro, mesmo que cheio de incertezas. Com determinação renovada, Asteria guardou as lembranças em seu coração e pegou algumas roupas, sabendo que precisava ser forte, não apenas por si mesma, mas por tudo que sua mãe desejava para ela.
Enquanto se virava para sair, uma sensação de leveza tomou conta dela. A vida no cofre poderia ter sido sufocante, mas agora, com a possibilidade de algo novo à frente, Asteria sentiu-se mais viva do que nunca. Ela estava pronta para enfrentar os desafios que viriam, sem se deixar abater pelas sombras do passado. A loira atravessou o salão principal, a sacola de roupas pesando um pouco em suas mãos, mas não tanto quanto o peso das expectativas que a cercavam. Quando estava prestes a alcançar a porta, sentiu uma presença atrás de si. Ao se virar, encontrou Cheedo parada no meio do caminho, com seu olhar gentil e encorajador.
— Você não deve se importar com o que a Toast diz — disse Cheedo, a voz baixa, mas firme. — No fundo, ela está com medo por você, medo de alguém que te machuque. Mas você tem alguém que a respeita, diferente de nós, que só temos que aceitar o que nos foi imposto.
As palavras de Cheedo trouxeram um aperto no coração de Asteria. Ela não queria ser vista como sortuda ou especial. Acreditava que não merecia nada melhor do que aquelas mulheres, que também eram vítimas do mesmo sistema cruel.
— Eu não sou melhor do que vocês — respondeu Asteria, um pouco triste. — Não deveria ser agraciada pelos deuses. Não é justo.
Cheedo aproximou-se, envolvendo Asteria em um abraço acolhedor. O calor e a solidariedade do gesto a confortaram, e Asteria sentiu a culpa diminuir um pouco.
— Você é especial, Asteria. Não se esqueça disso. E não se esqueça de nós, mesmo agora que você está indo para o lado de fora. A vida pode ser diferente lá, mas nós sempre seremos suas irmãs — Cheedo disse, seu tom carinhoso e encorajador.
— Eu prometo que não vou esquecer — Asteria respondeu, a voz trêmula enquanto tentava manter a compostura. Ela desejava que não houvesse um abismo entre ela e aquelas mulheres que haviam compartilhado tanto, mesmo que a vida delas fosse tão diferente da sua agora.
As duas se separaram lentamente, Asteria se sentindo um pouco mais forte, um pouco mais decidida. Com um último olhar para Cheedo, ela deu um passo em direção à porta, sentindo que deixava não apenas o cofre, mas também uma parte de sua antiga vida para trás. Quando finalmente cruzou a entrada do cofre, uma brisa fresca a envolveu, mas a responsabilidade de sua nova posição e as sombras de suas lembranças ainda a acompanhavam. Asteria respirou fundo, decidida a fazer o seu melhor na nova vida que a aguardava ao lado de Jack, mesmo sabendo que os desafios ainda estavam por vir. Ela estava pronta para enfrentar o que quer que viesse, levando com ela não apenas o peso do passado, mas também a esperança de um futuro diferente.
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Asteria estava prestes a cruzar o limiar da caverna quando foi interrompida por um garoto de guerra que surgiu do nada, seu olhar sério.
— Você precisa me acompanhar. O Immortan Joe a espera — anunciou, a voz firme como aço.
Um nó se formou em seu estômago, a hesitação a prendendo no lugar. O que poderia seu pai querer dela? A ordem era clara, e a resistência era uma escolha impossível. Assim, com o coração acelerado e a mente confusa, ela seguiu o garoto, cada passo ecoando seu temor crescente. Ao entrar na sala, Asteria encontrou Immortan Joe reclinado em uma mesa, rodeado por pratos que exalavam aromas tentadores. Ele ergueu o olhar, um sorriso que misturava satisfação e domínio se espalhando por seu rosto.
— Sente-se, Asteria. Estou feliz que você esteja aqui. A comida está fresca — disse, a voz entrelaçada com uma hospitalidade que disfarçava sua verdadeira natureza.
Ela hesitou por um breve momento, mas o aroma irresistível da comida a seduziu, e ela se aproximou da mesa, servindo-se de leite de mãe e pão caseiro. O sabor era reconfortante, mas a consciência de que estava sendo observada a deixava inquieta, como se cada garfada fosse meticulosamente analisada por seu pai. O silêncio na sala era denso, quase palpável.
— E como foi sua noite? — Immortan Joe perguntou, a curiosidade em sua voz soando quase amistosa, mas com um toque de manipulação que a deixava alerta.
— Foi bem — Asteria respondeu, evitando seu olhar, a desconfiança marcando seu tom.
— Você deve se alimentar bem. Assim como ter um bom lugar para repousar é essencial para que seu futuro filho cresça saudável — ele continuou, sua voz carregando um subtexto que soava como uma ameaça disfarçada. — Você deve voltar ao cofre e só sair de lá quando for necessário passar a noite com seu marido.
Asteria franziu a testa, o descontentamento brotando em seu peito.
— Não seria melhor eu ficar com Jack? Quanto mais tempo eu passar perto dele, mais chances tenho de engravidar rapidamente. Você precisa de um herdeiro, não?
Immortan Joe ponderou, seu olhar perscrutador cravado nela, como se estivesse pesando suas palavras cuidadosamente. Então, sem desviar os olhos dela, acenou para um garoto de guerra e sussurrou algo em seu ouvido. O garoto saiu com a rapidez de um lobo, deixando Asteria em um estado de confusão e inquietude. Enquanto continuava a se servir, os olhos de Immortan Joe não deixavam seu rosto.
— O Mecânico Orgânico vai consultá-la regularmente. — Ele disse, como se estivesse tecendo uma teia
O simples nome fez seu coração disparar, um medo gelado se espalhando por suas veias. E se o Mecânico Orgânico descobrisse que o casamento não havia sido consumado e que ela ainda era virgem? Asteria balançou a cabeça, tentando recuperar a compostura.
— Tudo bem — disse, a voz tremendo apesar de seus esforços para soar resoluta.
Após um momento de silêncio, uma necessidade urgente a lembrou de sua verdadeira prioridade. Ela queria sair daquele lugar, ficar longe do pai o máximo que pudesse.
— Preciso ir — anunciou, já decidida a voltar para a caverna de Jack.
— Você e seu marido agora devem morar ao meu lado, em um lugar melhor do que essa toca escura e apertada onde Jack vive com Furiosa — disse Immortan Joe, seu tom ressoando com a autoridade indiscutível que ele exibia como um manto.
A ideia de morar ao lado de seu pai, sob o olhar atento do tirano que a gerara, a deixava inquieta. Ela não sabia se estava pronta para o que se desenrolaria, mas a decisão estava além de seu controle. Após um tempo, o garoto de guerra retornou a sala, e sem opções, Asteria seguiu Immortan Joe até o novo lar que seria seu e de Jack, localizado no ponto mais alto da fortaleza de pedra. Ao atravessar a porta pesada, uma vista deslumbrante do deserto a recebeu, o ar fresco e a luz do sol inundando o espaço como uma promessa de novos começos. O chão era de terra batida, e uma cama de casal simples estava ali, junto a dois baús para guardar suas coisas, além de outros móveis simples.
— Aqui é onde você ficará com Jack até que a criança vingue e nasça — anunciou Immortan Joe, sua voz carregada de um orgulho sombrio, como se estivesse oferecendo um prêmio em vez de uma sentença.
Asteria sorriu com um brilho falso que não chegava aos olhos, curvando a cabeça com uma reverência ensaiada, não como filha, mas como súdita diante do soberano.
— Obrigada, pai. É tudo muito... maravilhoso — disse ela, tentando infundir seu tom com um entusiasmo que não sentia. — A vista é de tirar o fôlego. Sou verdadeiramente grata por sua generosidade.
Mesmo por baixo da máscara, Asteria pode reparar que o sorriso de Immortan Joe se alargou, revelando a satisfação que lhe proporcionava o reconhecimento. Ele a observou por um momento, absorvendo a adulação.
— Lembre-se de que você é a mãe do futuro herdeiro da Cidadela. É um papel de grande responsabilidade. — Ele fez uma pausa, seu olhar penetrante como um raio. — Espero que você trate esse lugar como merece.
— É claro — respondeu ela, a voz um pouco mais firme agora, mas seu coração pulsava com uma mistura de ansiedade e determinação. — Jack e eu vamos nos certificar de que a criança tenha tudo que precisa. Você não vai se decepcionar comigo.
— Isso é o que eu espero — disse Immortan Joe, sua voz profunda ressoando com a gravidade de sua posição. — Se precisar de algo, não hesite em me chamar.
Assim que ele saiu, Asteria sentiu um peso esmagador em seu peito. O que deveria ser um novo começo agora soava mais como uma prisão. O casamento se tornava mais real, e a extensão do controle de Immortan Joe sobre sua vida a deixava apreensiva. Ela se virou para a abertura na parede, observando o deserto vasto e hostil lá fora, um lembrete de que, mesmo em um novo lar, a luta por liberdade e autonomia ainda estava longe de acabar.
Estão sentindo o climinha do Jack e Asteria? Aliás, Feliz Ano novo ♥
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