Sometimes it's never too much help
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Quando ouvimos que a sorte parece faltar para algumas pessoas, soa quase como exagero, não é? É automático que as perguntas clássicas venham a cabeça. Afinal, todos nós temos o direito a uma determinada quantidade de felicidade em algum momento da vida, mas por que tudo tende a sempre tomar o rumo mais frustrante e doloroso quando já estamos na beira do penhasco?
Esses tipos de reflexões faziam parte do dia a dia de Liam Dunbar. Desde o início de sua adolescência praticamente, e embora certos momentos leves tenham surgido para lhe dar uma segurança passageira de que tudo se ajustaria. A avalanche de decepções uma hora, caiu sobre sua cabeça com força. Quem diria que na faculdade seus problemas não seriam só sobre acompanhar as matérias e trabalhos durante os semestres.
O responsável por seu cansaço mental e mudança radical de vida; tinha nome e sobrenome. No entanto, o tal não se encontrava mais na cidade, ou sequer no mesmo continente que ele. Liam jurou para si que um dia, conheceu bem Brett Talbot. Já que namoraram desde o fim do ensino fundamental até a conclusão do médio.
Entretanto, o rapaz loiro e alto se mostrou disposto a estar ao lado do Dunbar somente até uma pequena parte meio nula de suas vidas universitárias, devido a um deslize de ambos lados no decorrer das inúmeras farras nas fraternidades, mas que perturbou apenas o juízo de Liam. O garoto nunca se viu tão assustado e sozinho, ainda mais ao conhecer o verdadeiro tipo de caráter que Brett possuía.
Primeiro foram as noites passando mal e tendo que receber ajuda muitas vezes de seu colega de quarto. Depois a exigência de seu melhor amigo, Mason, para que fizesse um teste de gravidez após conversarem seriamente. Liam relutou por poucos dias até se convencer. Ainda que as chances disso acontecer fossem mínimas por não ser tão fértil por conta de problemas hormonais.
Infelizmente, o resultado indicado, lhe disse o contrário de suas expectativas. E a partir dali ele soube; tudo o que conquistou academicamente durante três exaustivos semestres, poderia ser perdido tão rápido quanto um piscar de olhos.
Liam agradeceria a Mason para todo o sempre por ser um melhor amigo tão presente, mas também sem dúvida ser seu maior porto seguro. Já que assim que contou a notícia para Brett primeiramente; o Talbot não hesitou em se esquivar, mesmo com todas as suplicas desesperadas do garoto mais novo. O rapaz esperou uma semana, esta que passou ignorando Liam de todas as maneiras possíveis, até ter a ousadia de pedir transferência para o mais longe possível da Califórnia, em outra faculdade de história na Europa. Jogando quatro anos de namoro no lixo sem pensar duas vezes.
Liam odiaria eternamente aquela sensação de pânico que o paralisou. Algo quebrando-se dentro de si de forma tão intensa e fora de seu controle, mas nada se comparou com a dor de ser rejeitado pelo próprio pai assim que optou por dizer tudo. Isso após dois meses criando coragem. De maneira lamentável perdeu o direito de voltar a frequentar a casa que um dia chamou de lar, e mesmo que ainda possuísse um lugar na universidade não muito grande da Califórnia. Não demoraria muito para a instituição descobrir, e então, ficaria sem moradia de vez.
Só os deuses sabiam o quanto Liam desejou que sua mãe estivesse viva para só se aconchegar no calor dos braços dela. Sentir que pertencia a algum lugar novamente. Ela sim, sem sombra de dúvida, foi sua primeira melhor amiga. Quem nunca o julgou ou o deixou sozinho. Quem o defendeu dos inúmeros episódios de bullying das outras escolas que passou, quem sempre esteve ali para encorajá-lo a seguir os sonhos e a deixar de se importar com o pensamento alheio que por acaso surgisse. “Ninguém tinha o direito de o rebaixar” Ela sempre dizia isso.
Perdê-la quando criança foi como perder uma boa parte de sua essência. E por mais irônico que fosse, Brett no início foi uma contribuição para erguê-lo aos poucos todos esses anos, o que o devolveu a vontade de continuar. Contudo, neste agora, Talbot foi o responsável por lhe entregar a escuridão ao partir. Quem o arruinou.
Passar o resto dos dias deprimido e comendo mal foi só uma desvantagem atrás da outra, ainda que visse como uma boa solução em sua mente e emocional esgotados. No entanto, no fim serviu para uma única coisa, que se não fosse graças a insistência e personalidade forte de Mason, ele não teria percebido melhor suas atitudes e seria tarde demais.
Brett não valia a pena, mas seu bebê sim. Se ele estivesse disposto a essa trajetória, e foi o que se viu escolhendo. Apesar de que tenha vindo num período péssimo. Ele tirou forças que até então não se sabe a origem, e continuou. Se deu uma chance para encarar a tamanha responsabilidade que viria. Mason já o apoiou em várias decisões, e dessa vez não foi muito diferente. Mesmo com todo o medo envolvido.
No decorrer das semanas esconder já estava fora de cogitação quando sua barriga começou a dar os primeiros sinais de proeminência assim que voltou com sua alimentação regular. As roupas largas no calor chegando a serem insuportáveis por conta da quantidade extra de sangue correndo em suas veias, e sem contar nos hormônios. Logo Mason a essa altura conseguiu organizar as palavras certas que usaria, e o reforço que juntou em seu encalço com ajuda da maioria dos professores da universidade. Hewitt sempre ao lado de Liam em cada passo.
Liam ter adquirido bolsa integral foi uma ótima jogada para cima do diretor, mas a melhor foi expor suas notas e ressaltar seu histórico até então impecável que só crescia desde que começou a se exigir mais nos estudos noturnos na intenção de afogar os pensamentos conflituosos. Ainda que tenha reduzido gradativamente a carga horária para não pesar tanto a medida que ficava mais cansado. Pode não ter percebido todo o resultado de seu esforço, mas os professores sim, até mesmo os que carregavam a fama de rígidos e sem favoritismo com os universitários.
Liam ao vivenciar tudo aquilo, sentiu que finalmente poderia respirar de fato sem aquele peso angustiante nos ombros que já até havia se acostumado. Sentia o ritmo das coisas começando a seguir um rumo melhor, isso após muita conversa e uma votação que o deixou em claro uma noite inteira. A universidade tendo tolerância zero em situações como essa, atingiu em cheio os seus resquícios de esperança. Ele confessa, porém o melhor acordo que a faculdade ofereceu não poderia ter vindo em boa hora.
Em conclusão, pôde sem problemas permanecer no campos e com seu dormitório até que encontrasse uma moradia mais adequada. Isso só até o resto da gravidez. Depois que o bebê nascesse; precisaria se retirar com um prazo de até vinte dias. Mas isso nem de longe soou como um obstáculo. Ao menos uma única coisa sempre deu certo em sua vida desde novo, e isso era seu emprego.
Tinha economias guardadas, então achar um novo lar até o final da gestação não foi algo desesperador. Ainda mais com seu melhor amigo por perto. O apoio dos professores foi realmente algo gratificante também, e ele nunca iria se esquecer. Mas principalmente, não se esqueceria da persistência e quase briga que um certo professor de olhos incrivelmente verdes quase comprou para não deixar sua expulsão ocorrer.
Justo o homem mais novo e de postura séria da grade dos profissionais dali, que muitas vezes Liam sentia seu olhar sobre si nas aulas desde o primeiro semestre. Mas que após descobrir a gestação, ficou tão absorto em suas próprias dificuldades que preferiu mesmo só deixar passar.
Entretanto, talvez poderia ser só impressão também. Já que andava com a cabeça cheia e com um jeitinho meio atrapalhado de dar raiva as vezes. Afinal, ser resumido a somente como "o garoto grávido" da universidade, o desconcertava. Mas de qualquer maneira, não se deixou intimidar fácil, por mais que estar sozinho quase sempre fosse cansativo. Mason não estava ao seu lado a todo momento, mas ainda assim se sentia mais a vontade só com sua amizade de anos com o Hewitt do que com a ideia de tentar adquirir afinidade com alguém.
Desenvolveu um certo receio novo sobre formações de vínculos. E embora muitas pessoas tentassem se aproximar dele com gentileza e papo envolvente. Liam se afastava. Quando sozinho focava mais em criar intimidade com seu bebê do que puxar conversa com as outras pessoas no horário de almoço ou folgas. Seu filho o distraia e muito nos piores momentos, e Liam agradecia imensamente por isso. Principalmente por já ter se apegado. Assim que soube ser uma menina, o apego só aumentou cada vez mais.
A sensação de estar solitário quando sem Mason, foi se dissipando. E assim que arranjou um simples mas aconchegante apartamento num prédio médio perto da faculdade para morar. Seu coração só ficou mais leve vagarosamente, claro que lidando como podia com as cicatrizes. Ainda mais a medida que aguardava o momento que teria sua pequena nos braços. A partir daí seu psicológico para os desafios pela frente, estava mais que pronto.
Se adaptar ao ritmo de cuidar de um recém nascido foi quase perto de um desastre. Independentemente de toda ajuda que recebia de Mason e a família do mesmo que acabou o "adotando" por assim dizer, dado que viviam em sua casa. Mas principalmente batia o desespero quando ficava sem ter com quem deixar sua pequena Keena, e isso ocorria na maioria das vezes desde os primeiros meses de vida dela.
Afinal, não iria se aproveitar da boa vontade dos outros a toda hora ou deixá-la com qualquer um quando na verdade ansiava por passar a maior parte do tempo com ela. Ficar com sua filha se tornou meio terapêutico apesar de todo o estresse das noites mal dormidas. E agora, por exemplo, das idas às aulas da faculdade com sua companheirinha fiel.
A universidade o liberou para trazê-la após notarem o quanto Keena poderia ser tranquila e não atrapalhava a dinâmica de nenhum professor durante os conteúdos. Passando quase todos os horários somente dormindo, mamando ou assistindo a movimentação ao seu redor. Óbvio que nem sempre tudo era flores, e Liam precisava em algum instante se ausentar da aula rapidamente para trocá-la. Porém, de resto tudo se encaixava bem.
Ao menos até uns dias atrás. Antes de Keena começar a apresentar um pouco de cólica e aborrecimento leve. Liam dava conta em todos os episódios, conseguindo acalmá-la e mantê-la assim por longos minutos, usando a amamentação a seu favor. No entanto, sentia o receio de ficar nas aulas com Keena só aumentando.
Não por conta de algum comentário ou olhares tortos. Pelo contrário, geral era muito respeitoso e a maioria estava mais focada em suas próprias vidas do que fiscalizar a dele. Só que ainda assim, a paranóia vencia de vez em quando. E sua baixa autoestima não ajudava também. Era um peso irritante a arcar toda aula. Como se os outros tivessem mais merecimento de estar ali do que ele.
E neste instante nada foi diferente. E para piorar, era o horário de um dos professores mais sérios da grade. Este que no momento escrevia um breve texto no quadro para resumir do que se tratava o assunto da primeira parte do capítulo a se estudar. O pincel preto deslizava agilmente no quadro branco, tal que já encarava a três horas. A postura do rapaz era de dar inveja. O estilo da barba e corte de cabelo intimidavam um pouco.
A turma relativamente grande, encontrava-se em silêncio quase absoluto. Alguns murmúrios aqui e ali. Liam respirou fundo voltando seus olhos de forma vaga para o caderno afim de terminar de anotar as últimas linhas. Conferindo de relance Keena acomodada em seu braço esquerdo, esta que cochilava. O Dunbar sorriu terno sem evitar, mas a suavidade em sua feição sumiu depois de um segundo após erguer sua atenção. Percebendo ao longe do outro da sala, um jovem rapaz loiro que infelizmente tinha o desprazer de conhecer. Este que lhe dirigia um semblante estranho.
Liam tratou de ignorar ao revirar as orbes em irritação, levando o foco ao professor. Nessas horas que ele sentia falta do resquício de leveza e imaturidade que carregamos no ensino médio. Ao menos se divertiu de certa forma nessa época de sua vida. Porque só assim para liberar pelo menos vinte por cento da rigidez incômoda de seus ombros.
— Muito bem, se já terminaram de fofocar através dos murmúrios. Abram seus livros na página 245. — Theo, ou senhor Raeken, como deveria se referir a ele no cotidiano. Ditou em seu tom sarcástico de costume. Terminando o final do breve parágrafo antes de se virar para encarar a turma. Fechou o pincel e o enfiou no bolso da frente do jeans que trajava, cruzando os braços malhados em seguida. — Acredito que fizeram a leitura dessa parte do capítulo. — Disse casualmente enquanto movia os pés, saindo de trás da mesa. Passando os olhos verdes por todos. Alguns engoliram em seco, enquanto outros pareciam indiferentes. — Sabem o que devem fazer no começo da minha aula. Então, estou pronto pra ouvir. — Se apoiou meramente contra a mesa. Analisando um por um a sua frente. Todos se entreolhavam. Theo arqueou uma das sobrancelhas. — Sério que me darão a honra de escolher a mente brilhante pra explicar um pouco do assunto? — Riu fraco cinicamente. Suas íris claras brilhando, meio diabólico.
Liam segurou uma risada no fundo de sua garganta. Ajeitando o livro meio pesado em sua mesa antes de dar uma olhada rápida nas partes grifadas feitas na noite passada. Claro que aproveitou a boa noite de sono de Keena para ler pelo menos umas duas vezes afim de assimilar antes de ir dormir. Embora não tenha tido um descanso longo já que sua pequena acordou três horas depois. Valeu a pena se estivesse previnido para situações assim. Ainda mais se tratando do senhor Raeken.
Ele pode ter sido o que mais lutou por Liam na hora daquela votação traumática na época de sua gestação. Ato que até hoje o surpreende. Contudo, não confiava mais nas pessoas tão facilmente desde Brett. E agora com sua filha, não investiria em relacionamentos tão cedo. Seria sempre grato a Raeken sem dúvida, mas de qualquer jeito nunca esperaria algum tipo de tratamento especial. Não era de seu feitio.
— Você.. Dunbar! Pode, por favor, dizer algo coerente. Ao contrário do seu colega ali. — Theo podia parecer desdenhoso na maior parte do tempo de suas aulas. Mas quando ele precisava encorajar o aluno, seu olhar poderia ser incrivelmente suave. Como neste caso. — Apenas resuma o que você entendeu pra que eu possa dar continuidade. — Raeken deu um leve encolher de ombros. Sua expressão leve e concentrada.
Liam apertou os lábios assentindo. Ajeitando brevemente Keena que havia escondido o rostinho em seu peitoral, provavelmente devido ao falatório. Ele adotou sua melhor postura confiante. Depositando seu foco nos olhos do professor. Era uma de suas táticas para ignorar os olhares duvidosos dos outros. Afinal, quase ninguém colocava fé numa pessoa cuja teve filhos jovem demais.
— Foi basicamente o processo de descolonização da África, que começou a ganhar força após a Segunda Guerra Mundial.. — Se surpreendeu por não gaguejar. Já que as vezes o nervosismo vencia. Começou a balançar a perna direita de qualquer forma, um pouco ansioso mas nada que não pudesse lidar. — Aconteceu na Europa entre 1939 e 1945. Envolveu muitos outros países, dentre eles nações européias que ocupavam territórios de exploração no continente africano. — A medida que estendia o esclarecimento, começou a brincar com a mãozinha de Keena, que a essa altura havia acordado um pouco. Theo direcionou a sombra de um sorriso amoroso a ela, mas Liam sequer notou. Meio absorto no raciocínio que seguia. — O conflito deixou a Europa bem debilitada no âmbito político e econômico. O enfraquecimento das nações trouxe de novo movimentos de luta pela independência por todas as colônias africanas. Na década de 60 os protestos se multiplicaram, e muitos países europeus concederam "pacificamente" independência às colônias. — Não conseguiu deixar de zombar do jeito pacifista como o livro dava ênfase sobre o ato.
O que fez Theo rir baixinho antes de redirecionar as orbes para os outros da turma, que encaravam Liam num misto de olhares impressionados mas outros possuíam certa inveja também.
— Então. É isso, gente. — Raeken tinha o dedo indicador voltado a Liam. Enquanto suas íris se mantinham no pessoal. — De pacífico passou longe. Coloquem isso na cabeça de vocês. Até porque pra colonização ter sido algo bom um dia. Só chovendo cabra. — A maioria não se aguentou e soltou risadas enquanto concordavam. E Liam não ficou para trás, gargalhando baixo em seu lugar. Theo olhou vagamente para ele antes de prosseguir. — Isso, continuem rindo. Porque só assim vou saber que não irão errar minhas pegadinhas na prova. — Theo lançou uma piscadela para a turma. Que murchou quase no mesmo instante. — O brilho sumindo.. — Comentou num tom risonho enquanto dava a volta em sua mesa. Liam negou com a cabeça ainda sem desmanchar o sorriso descontraído.
Talvez ele estivesse de bom humor hoje de novo. Liam pensou consigo, analisando com a testa franzida o mais velho. Que estava alheio checando algo em seus materiais espalhados pela superfície de madeira.
Geralmente Theo era conhecido por sua feição fechada e mal humor. Brincar durante a aula quase não acontecia praticamente. Compensava explicando muito bem e tirando as dúvidas de todos sem rodeios. Ao menos era o que Dunbar vivia escutando pelos corredores no semestre anterior quando tinha poucas aulas com ele, comparado a agora. Sinceramente o loiro não tinha ideia do que aconteceu com o Raeken, apenas agradecia.
— Certo, só ressaltando rapidamente; a independência de alguns territórios só se efetivou depois de confrontos entre nativos e colonizadores. Então, se não grifaram isso, façam agora. — Gesticulou um pouco com as mãos. Seu tom um tanto alto e rouco deixando claro o aborrecimento pela maioria não ter lido um mísero pedaço do capítulo no final de semana. Logo o ruído coletivo de geral abrindo seus estojos começou a soar. Theo respirou fundo. — As antigas colônias se transformaram em países autônomos, gente. Mas então a partilha do território foi realizada pelas nações européias, que olha aí, não consideraram as divergências étnicas que já existiam antes da colonização. Eu sei, um saco. — O mais velho não poupava suas expressões raivosas quando se irritava com algum fato histórico. O que sinceramente, divertia Liam.
Dunbar não tardou em começar a anotar alguns dos detalhes extras que Theo ia expondo no decorrer da explicação. Já que um dos atributos do tal era que não se prendia tanto ao livro como a maioria da universidade. Claro que isso não diminuía a qualidade do ensino ali, mas as vezes ir um pouco fora da casinha não fazia mal. Okay, talvez, Raeken fosse um dos professores favoritos de Liam. Só talvez.
— Resultou em diversos conflitos entre grupos étnicos rivais. Logo, as minorias continuaram sendo reprimidas por grupos majoritários.. — Liam alternava sua atenção entre o caderno e o rosto do professor, a voz do mesmo ecoando firmemente pela sala. Quase como música. Sorte que conseguia transferir boa parte para o papel numa rapidez impressionante, já que não gostava de deixar passar a maioria das informações. — O continente está atualmente fragmentado em 53 países independentes. A incidência de conflitos tribais..
Um ruído baixinho chamou sua atenção no mesmo instante. Arrancando abruptamente o foco de seus ouvidos do que estava ocorrendo quanto ao conteúdo. De repente a voz do senhor Raeken tornou-se distante. Liam abaixou a cabeça para verificar sua pequena num ato instintivo. Não foi imaginação como as vezes acontecia.
— Shh, amor. Eu tô aqui. — Liam se apressou em sussurrar para Keena enquanto a erguia com cuidado nos braços. Acomodando-a sobre seu ombro esquerdo afim de evitar que as lamúrias baixas continuassem. Largou as anotações por hora. Aproveitando para checar de maneira discreta a fralda da mesma, tudo externamente parecia em ordem com ela. Liam franziu as sobrancelhas preocupado ao ouvi-la lamentar de novo. Havia a amamentado poucos minutos atrás. Então, fome não poderia ser. — O que foi, filha.. — Suspirou odiando se frustrar sobre isso a medida que dava tapinhas suaves nas costas dela, olhando pela sala vagamente. Estalou a língua no céu da boca em chateação ao notar alguns olhares nada comedidos na direção dele.
Disfarçou no último segundo sua apreensão. Deu seu melhor nisso, na verdade. Afinal, não queria ceder tão fácil a esse sentimento. Focando somente na sua pequena, no momento meio enjoadinha. Liam resolveu pousar com cuidado a palma da mão contra a parte de trás da cabeça dela, tentando incentivá-la aos poucos a se aconchegar em si para dormir por pelo menos mais um tempo. Só podia ser sono. A correria do dia não permitiu que a soneca da menor durasse muito. E ele não se orgulhava disso.
Mas ela ao que tudo indicava, estava numa pequena guerra para sua surpresa. Assim que se arrumava no ombro de Liam, voltava a erguer a cabeça segundos depois. Como se algo estivesse mantendo-a agitada.
Sempre se mostrou curiosa com tudo ao seu redor desde os primeiros dias. Ficar a procura da origem de tantos sons não era novidade. Porém, significava o óbvio; ela estava incomodada com o local pela primeira vez e seu coração apertava por conta disso.
Keena choramingou audivelmente dessa vez antes de se entregar um pouco e esconder o rostinho na curvatura do pai, buscando seu cheiro de maneira nítida. Liam suspirou de modo profundo olhando para os lados, pensativo. Seus olhos azuis mirando por um instante para a porta que levava a saída.
Cogitava sim em sair, mas também sabia que não podia abandonar seu compromisso acadêmico assim após tanta luta. Enquanto batalhava com seu dilema, permanecia com uma de suas táticas habituais que consistia apenas em esfregar as costas dela para acalmá-la. A aula prosseguia normalmente, mas era como se Dunbar se sentisse exposto pela primeira vez como quando decidiu seguir com a gestação.
Ele reuniu coragem para ao menos checar de relance Theo. Que para sua provável má sorte, o encarava de volta há um certo tempo. Ainda que mantesse o falatório recheado de fatos importantes que ele mais tarde se desdobraria para conseguir com alguém.
O universitário mordeu o lábio inferior um tanto constrangido, abaixando o olhar e encostando sua bochecha contra os cabelos claros de Keena que ainda mexia a mãozinha contra a pele de seu pescoço. Beijou a testa dela. Tentando permanecer recluso ainda que fosse impossível a essa altura.
Nunca culparia sua filha se eles por ventura fossem expulsos da sala a qualquer instante naquele dia. Qualquer coisa ou outra pessoa poderiam o irritar com facilidade. Mas não sua pequena melhor amiga. Keena era sua responsabilidade, sua vida. Ela não pediu para estar ali. Então, o que tivesse para acontecer, lidariam juntos.
Até porque ninguém nunca afirmou que ser pai solteiro e fazer faculdade, tudo ao mesmo, era fácil.
— Um dos líderes mais proeminentes do pan-africanismo foi o americano W.E.B Du Bois que se destacou escrevendo sobre as questões raciais do seu tempo e apoiando os movimentos de independência do continente. Então, aconselho todos a dar uma boa pesquisada sobre o tal.. — Theo umedeceu os lábios quase perdendo o rumo do que dizia, mas seu olhar firme mantinha o profissionalismo. Ele gostava de pegar no pé dos alunos para não perder o costume. Porém, seu semblante era suave desde que passou a desviar o foco a Liam, que parecia distraído e cada vez mais angustiado. Fora de seu comum leve e sorridente. Isso sem contar na inquietação da bebê. Theo sentiu certa vontade de interromper tudo por um mísero segundo, mas se segurou e optou por priorizar a conclusão de seu raciocínio. Um gesto impulsivo seu poderia duplicar o estresse no mais novo, e sua intenção de longe era essa. — Um breve resumo; ele foi um ativo participante e organizador do congresso que..
Um chorinho agudo se destacou subitamente sobre sua voz. Deixando-o quase que sem reação por uns segundos. Logo a turma se dispersou como o esperado. Mesmo que até certo instante estivessem absortos em suas palavras. Os olhos da maioria se voltaram de modo automático para Liam no canto direito da sala. Os julgamentos sendo perceptíveis através da mudez. Os leves soluços de Keena ecoando pelo ambiente.
Dunbar se encolheu a princípio antes de arrumar meio atrapalhado o corpo de Keena que choramingava, dando à ela a chupeta na esperança de que amenizasse o desconforto dela e lamúrias. Mas a pequena apenas virava a cabeça não aceitando. Liam jurou que se sentia o mais inútil do mundo.
Theo sentiu aquele aperto em seu peito novamente diante a cena. Especialmente ao assistir o universitário fazer menção para se levantar de seu assento. Era nítido na feição do mais novo o desespero.
— Pelo visto, universidades já viraram creche faz tempo.
Theo sentiu o sangue ferver de imediato. Seus ouvidos captando a voz irritante cuja era obrigado a escutar quase todos os dias em seus horários. Raeken levou o lábio inferior aos dentes, cerrando o punho da mão direita. Controlou-se ao máximo, embora a dificuldade tenha dobrado após perceber os olhos marejados de Liam, que a essa altura recolhia um tanto afobado pequena parte de seus pertences. Okay, tudo tinha limite.
— Primeiro: aprenda a guardar seus comentários inúteis, Sr. Holloway. Só aguento suas gracinhas porque estou sendo pago! Agora, cale a boca. — Theo dirigiu ao sardento sua voz firme e rouca sem se dar o trabalho de encará-lo. Evidenciando o aborrecimento por trás da postura neutra. O que para os demais, com certeza foi inédito. Raeken moveu-se em seguida calmamente na direção de Liam, que parecia ter paralisado perante sua reação se não fosse pela massagem em círculos que executava nas costas de Keena, esta que resmungava chorosa. Theo lançou seu melhor olhar empático afim de transpassar segurança ao estender de maneira tímida as duas mãos na direção do outro. Liam o analisou de cima a baixo em choque. — Posso? Juro que só quero ajudar.. — Esperava não estar soando rude apesar do timbre cuidadoso. Keena intensificou mais o choro com o passar dos segundos, o que fez Liam sair do transe e balançá-la um pouco.
— E-Eu.. não precisa fazer isso. Sério, posso só sair e não vamos mais atrapalhar.. — A insegurança na voz do loiro era palpável. Sua mão agora livre meio trêmula ao segurar a alça da mochila em nervosismo. Theo comprimiu os lábios numa expressão compreensiva, tomando coragem para pousar sua mão sobre a de Liam que segurava parte da bolsa com certa força.
— Você tem tanto direito de estar aqui quanto os outros. E sabe disso. — Afirmou baixinho, seus olhos claros observando com leve expectativa o rosto do mais novo. Liam engoliu em seco, entreabrindo os lábios ainda sem as palavras certas para dizer. Theo aceitou de qualquer maneira, não querendo forçar nada. Logo começando a afastar sua mão da dele aos poucos.
Mas para sua surpresa. Keena agarrou de repente seu dedo indicador com uma força surpreendente para alguém tão pequeno. Theo ergueu as sobrancelhas atônito, não contendo a sombra de um sorriso em seu semblante. Moveu de leve o polegar sobre os dedos minúsculos dela, esta que havia acalmado o choro minimamente e agora o observava.
O rostinho molhado e corado, os olhos claros meio avermelhados. Theo pensou que iria morrer bem ali.
Raeken redirecionou sua atenção a Liam, todavia, pedindo permissão mais uma vez só que silenciosamente. O universitário respirou fundo apertando os lábios. Seus olhos checando mais uma vez Keena enquanto ponderava antes de assentir mínimo, cedendo.
Liam encarou por curtos segundos o professor nos olhos, logo após entregando com certa cautela Keena para os braços fortes do outro rapaz. Que para sua satisfação, a segurou como se fizesse isso todos os dias. Ele mal acreditava no que estava rolando em seu dia.
— Obrigado. De verdade.. — Liam praticamente balbuciou ainda estupefato com tudo. Torcendo para o mais velho ter escutado. Theo não fez nada além de concordar num aceno de cabeça, o sorriso quase aberto porém radiante direcionado a ele. O que com certeza foi mais que agradável para o Dunbar. Ele mal ria nas aulas, que dirá sorrir.
— Não tem problema. Agora, sente-se e pegue seu material de novo. Ainda temos muito o que fazer. — Theo apenas pediu num timbre suave. O sorriso ainda não abandonando-o enquanto arrumava Keena em seus braços numa posição deitada. Ele a segurava com todo cuidado, como se fosse a jóia mais rara. E sem dúvidas, esse adjetivo combinava muito com ela. — Bem, o show acabou. — Ele disse meio alto bruscamente, assustando boa parte do pessoal. Desviou o olhar do mais novo, a feição profissional e séria retornando. Embora agora com Keena nos braços, fosse um tanto difícil intimidar todos como no cotidiano. Theo ignorou os olhares divertidos. — Agora, voltando para o Congresso Pan-Africanos, que se realizou periodicamente..
Liam deixou seu corpo ceder ao cair sentado em sua cadeira. A mochila deslizando por seu braço até o chão. Mal conseguia se mexer enquanto assistia a cena a sua frente. Theo Raeken falando sem parar e caminhando para lá e para cá pela sala de aula com sua filha nos braços. E o mais engraçado dos detalhes, Keena estava muito a vontade com ele. O que era para lá de novidade a Liam. Já que sua pequena não se sentia confortável até então no colo de estranhos.
Ela parecia tão despreocupada. Neste instante já sem chorar e totalmente concentrada em observar o rosto de Theo, enquanto o mesmo continuava com sua mine palestra sobre um congresso a favor do povo negro da África. Liam já nem sabia até onde havia assimilado a aula. Só sabia contemplar os dois. E o resto da turma não estava muito diferente. Okay, talvez a sorte tenha voltado para ele do nada.
— Okay, já tô ficando sem voz. — Theo comentou meio humorado após suspirar. O que fez os outros rirem. Arrumou mais perto Keena contra seu peitoral, esfregando as costas dela com a mão que apoiava a coluna da mesma. Suspiros de adoração se fizeram presentes no local. Liam ao longe riu anasalado com essa. — Quero que peguem o livro e façam um resumo do que entenderam, mas também não deixem escapar nada do que acharem importante. Estão liberados para fazer pesquisas também. — Disse de forma breve, dando a deixa de que essa tática seria a garantia da aprovação de todos se fizessem certo. Liam logo tratou de despertar de vez, pegando seu caderno, livro e notebook logo depois. — Qualquer coisa, estarei ali. — Indicou com a cabeça a mesa atrás de si a alguns metros. Não demorando a caminhar até o móvel. O resto quase fez Liam pegar seu celular na bolsa e registrar tudo em vídeo.
Primeiro Theo se ajeitando com toda cautela em seu lugar, meio desajeitado. O que fez Liam rir baixinho. Depois ajustando Keena com calma em seus braços. Colocou a perna esquerda sobre a direita numa pose relaxada, trazendo sua bebê mais para cima e deixando-a confortável ao mesmo tempo que podia ter o rosto de Raeken em seu campo de visão.
O mais velho sorriu bobo abertamente para ela sem qualquer resistência, ainda mais quando a menor levou a mãozinha esquerda até o rosto barbado do rapaz.
Liam se demorou naquele cenário até sentir ser o suficiente antes de abaixar a vista para seu livro e caderno. Voltando uma última vez o olhar a tempo de ver Theo brincando de morder a mão gordinha da pequena enquanto conversava com ela.
O coração do Dunbar se tranquilizou com isso o bastante para ignorar o restante dos problemas, ele não mentiria. E só assim conseguiu concentração para iniciar seus afazeres sem a necessidade de se apressar.
Foi estranho nos primeiros segundos. Não ter sua filha no colo para tudo pela primeira vez em meses. Óbvio que bancar o pai coruja não saiu da equação. Checando Raeken e Keena uma hora ou outra enquanto seu resumo tomava forma num ritmo saudável.
O que lhe rendeu mais e mais situações adoráveis para recordar após o horário. De certo modo o entristecia um pouco só de pensar que não poderia ver essa dinâmica dos dois a todo momento. Seu lado irracional sempre falando mais alto, porém neste instante, não se culpou tanto.
Ainda por cima quando percebeu que depois de quarenta minutos, Keena dormia pesado no colo de Theo. Sua mãozinha bem agarrada num punhado da camisa do mais velho, que parecia ler alguma coisa importante em seu notebook nesse meio tempo. Os óculos de descanso redondos bem alinhados em seu rosto, a mão direita livre fazendo um cafuné contínuo nos poucos fios loiros de sua menina.
Liam não sabia se era uma benção ou tortura ver esses dois tão a vontade um com o outro. Suspirou fundo logo voltando-se aos últimos parágrafos em seu resumo onde finalizava a parte da pesquisa. Nunca havia terminado um trabalho tão rápido como aquele; pensou consigo.
— Assim que terminarem. Estão dispensados. — Theo avisou após um longo período de silêncio. Mas seu tom soou cuidadoso devido ao pacote bem seguro em seus braços. Geral concordou sem mais e nem menos. Raeken mal erguendo o olhar para verificar os demais saindo. Muito concentrado em observar o rosto sereno de Keena.
Liam esboçou um sorriso ladino ao verificá-los, logo após fechando seu notebook. O caderno já cheio e organizado para que pudesse dar conta de revisar mais tarde. O ruído que fez abrindo a mochila chamou a atenção de Raeken, que pelo visto foi arrancado do transe em que se encontrava.
Liam o lançou um sorriso tímido, terminando de arrumar seus matérias na mochila para então colocá-la nas costas. Sua mão já indo rumo a bolsa média de fraldas ao lado da cadeira. Sua segunda “mala” diária desde que a pequena Keena nasceu.
— Um dia e tanto, não é. — Theo comentou ao se retirar de trás da mesa. Sua caminhada num ritmo tranquilo até Liam. — Sinto muito se sentiu que devia sair. Não deve ser fácil lidar com tanta pressão.. — Tentou seu melhor para dar algum apoio mas também não ser intrometido. O que pareceu funcionar assim que viu Liam assentir com a cabeça e um sorriso fechado e simples surgir em seus lábios.
— Pra ser sincero... estou até acostumado, infelizmente. Mas sua atitude foi.. não sei nem palavras pra descrever o quanto me sinto grato. — Deu de ombros um tanto sem graça. Suas bochechas corando em vergonha levemente. Theo negou com a cabeça de forma mínima, como se dissesse não ser nada. Liam se adiantou, demorando-se nos olhos do outro dessa vez. — Eu sei que.. nunca agradeci direito tudo o que fez por mim na época da votação, mas saiba que apreciei muito. Foi marcante, admito.
Theo retribuiu com um sorriso suave, sem jeito. Ambos perdidos nos olhares trocados por determinados segundos. Até o mais velho por fim se aproximar um pouco mais de Liam ao notar o olhar ansioso do mesmo na direção de Keena. Raeken não hesitou em devolvê-la ao pai, embora tenha odiado a sensação de vazio que ficou. Entretanto, optou por ignorar isso.
— Só não achei justo um aluno com tanto potencial correr o risco de ser expulso só por estar esperando um filho. — Explicou-se tentando não expor o quanto estava ocultando seus reais motivos para todo aquele esforço com apenas um aluno. Liam por outro lado, possuía um semblante presunçoso junto a um olhar penetrante na direção do mais velho, dando a entender que não comprava muito a ideia. Theo jura ter sentido a garganta secar, mas prosseguiu mesmo assim. — E.. sinto muito pelo Holloway. Aquele cara é um idiota e sinceramente quando ele resolve faltar, agradeço até o fim do dia. — Confessou em meio a uma curta risada. Liam o acompanhou, ajustando melhor Keena em seu colo.
— Obrigado por isso também. Já que.. ele é melhor amigo do meu ex.. — Foi notório o desconforto assumindo o rosto de Liam ao mencioná-lo. Theo desmanchou a feição relaxada, prestando mais atenção. As sobrancelhas franzidas. — Ele vive implicando desde que Keena nasceu.. provavelmente Brett inventou só merda sobre mim. Então, aguentar é o que me resta já que meter uma surra nele com certeza faria com que me expulsassem. — Liam mal percebeu o vago desabafo saindo por sua boca, mas ao o fazer, sentiu-se ainda mais envergonhado. Como se a realidade o lembrasse de que aquele na sua frente não era Mason. — Desculpe.. e-eu, é..
— Tudo bem, relaxa. Acho que você tava precisando por pra fora. — Theo foi mais rápido. Pousando em reflexo sua mão esquerda sobre o ombro do mais novo, ambos mal notando o gesto. Liam concentrado demais em observar o rosto do outro. — Mas o Nolan.. não tentou nada, não é? Digo, vocês passam o dia bem pela universidade? — Sabia que só essa pergunta seria o bastante para jogar todas as suas cartas na mesa. No entanto, não se importava por hora. Liam assentiu assegurando, sua postura um tanto insegura.
— Sim, ele não seria tão covarde. Ainda mais por já ter aprontado o suficiente aqui nas festas com Brett.. — Liam suspirou encolhendo os ombros de leve. Sua mão esquerda brincando distraidamente com o pingente pendurado no broche que residia preso a roupinha de Keena. Theo olhou para o objeto por uns instantes, lembrando-se da pergunta que veio a sua mente quando notou isso na bebê.
Era basicamente uma mine garrafa tampada com uma rolha, dentro dela habitando o que pareciam ser pedacinhos de pedras pretas, ou talvez cristais. Também tinha encaixado junto ao ferro da rolha, uma imitação de plástico de uma pimenta. Ele achou fofo de certo modo.
— Foi mal bancar o curioso de novo, mas.. e esse broche? Achei interessante apesar de ser a primeira vez que vejo algo assim. — As vezes odiava ter a língua solta, mas assim que um riso fraco escapou pelos lábios do mais novo. Decidiu que por hoje, não era tão ruim.
— Ah, isso.. você pode achar bobagem. — A coloração rosa tingiu com tudo as bochechas do Dunbar. Theo sentiu vontade de apertá-las. Obviamente não o fez. — Essas pedrinhas são turmalina negra. Comprei numa feira aqui perto e.. não sei. Pesquisei e diz que protege contra mal olhado e inveja. — Dizia ainda encarando o pingente. Theo tinha uma expressão deslumbrada, apreciando tal intenção por trás. — Eu só.. quando Keena nasceu, lembrei das inúmeras histórias que minha mãe contava sobre quando alguém me olhava torto e logo dias depois eu adoecia. Enfim, é só algo pra protegê-la, já que infelizmente ela tem que sair todo dia comigo. — Liam apertou os lábios ao finalizar, lamentando silenciosamente. Ergueu os olhos após isso, surpreendendo-se por não encontrar desdém no rosto do outro.
— Inteligente da sua parte. Keena sem dúvida tem muita sorte em ter você. — Não era um elogio vazio ou interesseiro. Era real para sua surpresa. E Liam se sentiu confortado pela sinceridade, amenizando os dias longos onde se martelava com pensamentos críticos sobre só fazer tudo errado. Theo riu fraco após notar o brilho cativante que apareceu de repente nos olhos do mais novo. Cruzou os braços contra o peito. — Tem meu apoio em minhas aulas. Se precisar de ajuda, não hesite em pedir. Afinal, eu e Keena agora somos melhores amigos. — Theo disse num tom brincalhão, embora tenha lançado logo após um olhar carinhoso à bebê adormecida. Isso aqueceu o coração do universitário. Parecia que quando menos esperava, caiu numa realidade alternativa.
— Eu deveria recusar, mas.. não posso mais me enganar e agir como se soubesse lidar com tudo sozinho.. — Confessou com certo humor na voz, porém tentando ignorar ao máximo a sensação incômoda de exposição enquanto acariciava o dorso da mãozinha de Keena com o polegar. O que até não foi muito difícil graças a feição acolhedora do mais velho.
— Na verdade, pelo pouco que vi, você sabe lidar bem com desafios. Mas de todo jeito, ajuda nunca é demais. — Seu olhar ao afirmar era cordial. A expressão compreensiva. Foi nítido para o mais novo que Raeken o entendia, ainda que muito provavelmente, através de dimensões diferentes. — Além do mais, todos têm dias ruins. Até mesmo esta pequena. — Sorriu ladino redirecionando o foco a menor, levando rapidamente a mão direita para executar um carinho nos cabelos dela. Liam concordou.
— Não a culpo. Só tem 4 meses e sai mais do que eu quando criança. — Tal comentário arrancou uma breve gargalhada baixa do mais velho. E Liam decidiu que adorou o som. Ele suspirou fundo após um curto silêncio entre eles. Seus olhos ponderando-se no professor só por mais uns segundos antes de sentir ser sua deixa. — Bem.. preciso correr se eu quiser almoçar e encontrar um local tranquilo pra amamentar a Keena depois, então.. — Sua cabeça indicou num aceno tímido a porta logo atrás dele. Suas mãos firmando mais Keena no colo.
Theo entreabriu os lábios pasmo pelo choque de realidade ao checar o relógio fixo a parede do local. Estava faltando pouco para passar do horário mesmo. Ele assentiu para o mais novo ainda meio perdido, dando alguns passos para trás.
— Claro, claro. Foi mal, odeio falar tanto.. — Riu fraco totalmente sem graça ao se desculpar. Liam esboçou um doce sorriso amplo a ele ao negar com a cabeça a medida que movia seus pés para longe, dizendo através da feição que estava tudo bem. Todavia, Theo coçou a nuca num ato ansioso, a vontade de questionar o consumindo. Liam encontrava-se quase na porta, quando enfim ele murmurou audivelmente. — Eu posso acompanhar vocês? — A pergunta sendo jogada no ar feito poeira.
Dunbar parou no lugar automaticamente, processando. Virando-se com calma, mas a surpresa era perceptível em sua expressão. Theo engoliu em seco pelo silêncio, resolvendo acrescentar.
— Tudo bem se não quiser, é que.. almoçar sozinho é chato. — De certo modo era verdade, mas ainda assim ambos sabiam que havia muito mais do que apenas a solidão e rotina corrida que compartilhavam no dia a dia. Liam virou o corpo totalmente, encarando Theo nos olhos.
— Concordo. — Um sorriso mínimo mas simpático preencheu devagar os lábios do Dunbar. Relaxando o mais velho ao longe rapidamente, que retibuiu um tanto acanhado. — Vou fingir que não está fazendo isso porque virou fã da minha filha. — O sarcasmo repentino do universitário cativou ainda mais o Raeken se possível. Este que se atrapalhou na hora de recolher suas coisas na mesa.
— Droga, me pegou. — Devolveu a brincadeira com uma falsa seriedade no timbre, logo desfazendo-a ao exibir os dentes bem alinhados num sorriso, enquanto rumava na direção do mais novo. Liam sentiu aquele clássico friozinho na barriga em resposta, que o levou a se xingar mentalmente. Merda.
Os dois homens já encontravam-se em frente a porta. Liam prestes a segurar a maçaneta quando Theo o fez primeiro, abrindo a estrutura de madeira e deixando o caminho livre para ele passar. O mais novo ergueu de leve uma das sobrancelhas antes de aceitar, apertando o passo para fora, o outro em seu encalço logo após.
E se durante o caminho Theo ainda pediu para segurar a bolsa de fraldas de Keena. Foi naquele instante em meio aos corredores vazios da faculdade, que Liam percebeu ter baixado um pouco os muros que construiu ao seu redor.
4 anos depois..
Se ver pisando pela milésima vez na universidade onde se formou, devia ser o menos cotidiano em sua vida desde a formatura. Entretanto, não quando conseguiu sua tão sonhada licenciatura em história e agora dava aula ao lado de seu ex-professor, atualmente promovido a namorado. Isso há três anos.
De certeza que Raeken tem sido a melhor coisa em sua vida depois de sua filha. E obviamente, muito digno do amor de Keena.
Esta que corria apressada pelos corredores da universidade. Liam havia acabado de retornar da creche onde geralmente Keena ficava enquanto ambos davam aula, porém, tinha recebido um telefonema no local. A funcionária que cuidava dos pequenos alegando que Keena não se sentia muito bem. Dunbar quase morreu de preocupação ao ter que encerrar sua aula mais cedo.
No entanto, Keena parecia ter melhorado numa rapidez impressionante demais para seu gosto. Pensou consigo a medida que apertava o passo afim de alcançar a garotinha de apenas três anos. Liam jura que não conseguia entender como alguém tão pequeno, conseguia correr mais rápido que ele que possuía pernas longas até. Era inacreditável.
— Keena Karl Dunbar! É bom diminuir o ritmo mocinha! — Ralhou com a menor enquanto corria. Seus ouvidos sendo preenchidos pelas risadinhas sapecas dela. Logo vendo-a dobrar o corredor. Os alunos que passavam por eles, riam juntamente a menor. Já mais que acostumados com a presença inconsistente da pequena de cabelos tão claros quanto a neve. Liam bufou buscando fôlego.
— Ela está enorme, professor Dunbar! — A coordenadora da diretoria académica, disse num tom alto ao sair de uma sala. Esta que viu muito Keena quando bebê. Liam sorriu de relance para ela assentindo meio envergonhado. A mulher uns anos mais velha, abanou a mão no ar num gesto que dizia para o mesmo não se preocupar. — Vá atrás dela antes que seja difícil encontrá-la. Nessa fase amam se esconder. — Ela alertou rapidamente, logo seguindo seu rumo para o outro corredor.
Liam não tardou em seguir o conselho da outra. Comprimentando-a de maneira breve para logo após se voltar para sua fugitiva.
Graças aos céus, que assim que chegou na metade do corredor, a avistou a poucos metros da penúltima sala daquele andar. As vezes se irritava com o quanto ela podia conhecer da faculdade, isso tendo tão pouca idade.
Keena parecia empenhada em bater na porta da tal sala, distraída e na ponta do pé. Liam negava com a cabeça rindo anasalado para a cena, ainda recuperando parte do fôlego para então poder chamá-la.
Contudo, assim que a porta se abriu, uma estatura mais que familiar saiu dali. Liam uniu as sobrancelhas abismado, ajustando a postura gradativamente. As vezes ele se assustava em como Keena era específica para encontrar quem ela ansiava.
— Papai! — A vozinha dela ecoou pelo corredor, junto da risada empolgada de Theo que a ergueu do chão. O mais velho fechou a porta da sala atrás de si antes rodopiar vagamente com a menininha em seus braços no meio do corredor. A gargalhada gostosa dela dando uma energia boa ao ambiente.
Liam foi se aproximando dos dois em pernadas rápidas. Um sorriso aberto e contagiante não abandonando seu rosto diante a imagem. Ele nunca se cansaria de vê-los assim, tão ligados.
Theo o lançou um olhar radiante, enlançando a cintura do mais novo afim de puxá-lo para mais perto. Liam retribuiu o abraço de prontidão.
— Desculpa, amor. Essa pestinha fugiu de mim. — Liam não poupou explicações. Lançando um falso olhar feio na direção de Keena que se jogou em brincadeira contra o ombro esquerdo de Theo, tentando falhamente se esconder. Raeken sorriu para a menor como se não acreditasse no fato dito. Deixando um cheiro no pescoço da loirinha, ouvindo-a rir mais.
— Me diz que isso não é verdade, filha.. — Theo exigiu uma explicação, enquanto distribuía beijos pelo rostinho corado da pequena. Keena só sabia rir, o que sempre abalava a postura firme de ambos.
— Saudade. — Foi tudo o que ela conseguiu balbuciar. Ainda risonha e agitada, mas agora segurando o rosto barbado de Theo entre suas mãozinhas. Raeken sorriu largo fazendo algumas ruguinhas surgirem nos cantos de seus olhos. Detalhe esse que Liam amava nele, o deixava ainda mais apertável.
— Eu também, raio de sol. Mas não deve fazer isso toda vez que vir aqui, tá bom? Lembre-se do que conversei com você. — Pediu calmamente, mas com uma seriedade notória que sempre fazia Keena prestar a devida atenção. Liam revirou os olhos para isso, sabendo que a menor era fascinada na voz de Theo desde bebê. O mais velho beijou a bochecha gordinha da filha após o sermão, voltando-se a Liam em seguida. — O que houve com ela? Pensei que a creche funcionaria normal hoje. — Theo soou confuso ao questionar, não hesitando em aproximar seu rosto do de Liam.
Seus lábios chocaram-se num beijo demorado, a mão do mais velho apertando em reflexo a cintura do namorado. Liam sorriu em satisfação contra a boca do outro, banhando-se na sensação que o mesmo causava em si. Sempre parecia como se fosse a primeira vez. Era até cômico.
Após cessarem, Theo ainda depositou um selar estalado na bochecha do mais novo. Liam corou fraco se escorando mais no amado. Keena havia deitado a cabeça sobre o ombro de Raeken, muito bem aconchegada no outro pai.
— Me ligaram dizendo que essa pestinha estava passando mal. Mas pelo visto já melhorou, não é? — Soou retórico ao cutucar levemente a barriga pálida da mesma, que riu baixinho levando a mão a boca. Theo sorriu na direção da mais nova, dando beijo de esquimó com ela. Ambos pais já sabiam, era uma daquelas vezes. — Se ela já odeia ficar longe de mim, imagina de você. É incrível como eu que carreguei 9 meses mas ela é unha e carne com você. — Liam não hesitou em alfinetar. Estreitando os olhos quando Theo o lançou um sorriso sapeca.
— O que eu posso fazer? Ninguém resiste ao meu charme. — Raeken deu de ombros sendo modesto. Liam o remendou como a boa criança que ele era as vezes. Theo revirou os olhos carinhosamente, beijando o rapaz de surpresa dessa vez. Liam sorriu bobo entre o beijo, olhando para os lados em seguida checando.
— Sabe que namorar no horário de trabalho não dá certo. — Alertou o mais velho que apenas esboçou uma feição indiferente. Fingindo não ouvi-lo enquanto arrumava a mine calça jeans que Keena trajava. Liam riu fraco negando com a cabeça. — Sua filha te influênciou tão mal. Tá até se fazendo de surdo quando dou bronca. — Liam cruzou os braços. Ainda observando os dois. As vezes se perguntava como poderiam ser tão parecidos.
— Só não gostamos quando você tem razão. — Theo rebateu esboçando um beicinho emburrado. Keena o analisou no instante seguinte, logo imitando o pai. Liam se segurou para não gargalhar. Aqueles dois eram sempre o ponto alto de seu dia. Dunbar suspirou fundo, aproximando-se do namorado.
— Que bom que reconhece que tenho razão. Porque o senhor precisa concluir sua aula. — Liam sussurrou devagar rente aos lábios do mais velho, que adotou um olhar bobo antes de beijá-lo de forma demorada bem ali novamente. Keena no ombro do Raeken, apenas sorria para os dois com seus dentinhos bem alinhados. A aura sapeca não sumindo de seu rosto.
Efetivamente, quando Liam jamais imaginou, recebeu em sua vida seu primeiro amuleto da sorte aos 20 anos. Que para somar trouxe para ele o melhor homem que já conheceu.
Okay, Liam tinha que confessar. Se pudesse fazer tudo diferente. Não alteraria nenhum detalhe. Afinal de contas, toda dor que enfrentou, uma hora teria que ser recompensada. E ele se sentia grato todos os dias. Não só por ter conseguido alguém bom, mas sim por fazer sua filha feliz na medida do possível.
— Agora, mocinha. Dê tchau pro papai que ele precisa trabalhar. — Liam disse após deixar um último selinho nos lábios do Raeken, logo batendo de leve as palmas afim de chamar Keena para seu colo. Esta que franziu a testa, negando com a cabeça. Liam ergueu uma das sobrancelhas. — Por favor, filha. — Pediu num tom repreendedor, vendo Keena fazer beicinho antes de ceder. Ela deixou um beijo na bochecha de Theo para só então ir aos braços de Liam. Fazendo Dunbar se indignar. — Eu não recebo esse amor todo não. Chega a ser injustiça. — Murmurou enquanto ajustava a pequena em seu quadril. Fingindo estar magoado.
Keena logo se adiantou em abraçar o pescoço de Liam, que riu em adoração retribuindo. Theo sorriu de maneira tola, não perdendo tempo em mover seus pés na direção deles. Beijou a testa da filha e namorado, logo virando-se rápido e adentrando a sala de aula.
Liam acariciou os cabelos claros da menor ainda encarando a porta, rindo internamente. Ele sabia que quando Theo agia assim, era só por saber que não conseguiria desgrudar tão fácil. Ele suspirou fundo arrumando Keena mais para cima em seus braços. A garotinha se aconchegando na curvatura de seu pescoço.
Sem dúvida, ele não mudaria nada.
~~~~x~~~~
Eh isso :)
Espero muito que tenham gostado e que tenha melhorado o dia de alguns. Comentem aqui a cena favorita de vocês ❤️
Até breve, espero voltar logo a ativa oficialmente 🐺💛💜
Aqui o pingente do broche da Keena (sim, esse pingente é o meu e desde que comprei tem me protegido 💕)
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