13-Traiçoeiro
𝑬𝒔𝒑𝒂𝒏𝒉𝒂. 1950
Nós confiamos neles, e fomos até a espécie de casa ou seja lá o que fosse, assim que entramos uma onda forte de dúvida, e receio me atingiu — mas apenas fiquei calado e silencioso ao lado da minha família.
Verena com as mãos dadas ao Magnus, Ursel com o braço entrelaçado ao de Safira.
E eu sozinho, a postura rígida e o peito estufado. Não demonstrando medo ou receio.
Aquele lugar era grande, um verdadeiro Palácio.
As paredes feitas cor pérola e as colunas igualmente, só que tinham detalhes dourados em diferença (desenhos de trepadeiras), o chão era um piso escuro cor ébano e quase refletia nossa imagem —, meio transparente.
Assim que cruzamos o grande portão de madeira medieval, e logo a frente tinha uma poltrona de pedra acima de um degrau solitário feito de mármore.
Tudo frio e esquisito.
Dos lados esquerdo e direito tinham corredores que não revelavam muito.
— Que bom que chegaram! — Ouvi uma voz aguda irritante atingir nossos ouvidos.
Um homem baixo com boldrié e capuz vinho —, olhos vermelhos carmim e cabelos pretos até o ombro surgiu das sombras que vinham dos corredores perto do grande vitral atrás da poltrona feito de pedra.
— Só queremos saber o que tem a nos dizer e ir embora. — Exclamou meu pai bem sério.
Ursel moveu os lábios desconfiado, estava desconfortável.
Os olhos carmim da criatura eram estalados, mal piscavam.
Nos encararam por quase um minuto, parecendo analisar cada fio dos nossos corpos.
— O que ofereceram? — Indaguei dando um meio passo a frente.
O homem extremamente pálido que olhava meu pai o analisando feito um bicho analisa a presa, se voltou para mim surpreso.
Moveu o indicador no ar.
— Como meu caro? — Sua voz questionou, parecendo gentil.
Ele se aproximou e eu enrijeci a coluna.
— O que ofereceram para o Júlio? — Estava começando a ferver de ódio, minha voz até engrossou.
Ele pareceu não se intimidar muito, e eu queria respostas.
— Austin Follen, sou Vladimir, prazer. — Se apresentou ignorando minha pergunta é estendendo a mão, eu a e peguei rápido e soltei quase dois segundos depois.
Os olhos dele tremerem e sua boca se suspendeu, estava surpreso.
Como se um choque tivesse percorrido seu interior quando tocou minha palma.
— Ele está morto por causa de vocês. — Disparei impaciente já.
Vladimir sorriu de forma bizarra e cruzou as mãos se afastando um pouco.
O fato dele saber meu nome já era estranho, eu não o tinha falado e tive certeza que meus pais também não, talvez fosse um dos seus dons aquilo.
Não movi um músculo, aguardando sua contestação.
— Não revelarei... Ainda, o porquê transformamos o jovem desamparado...
Deu ênfase devagar na palavra.
— Ele não estaria desamparado! Eu poderia ajudá-lo! — Vociferei avançando, mas me contive antes de perder a paciência.
— Iria? Austin querido, por quanto tempo? Ele morreria há muito tempo como um humano medíocre. — Vladimir estava tão calmo que parecia querer dispersar minha ira, e um escárnio camuflado ao fundo da voz.
— Abutre! Quem pensa que é? — Disparei não me contendo desta vez e cheguei a abalar a posição.
Ursel ficou apreensivo e meu pai queria que eu me acalmasse.
Verena e Safira permaneceram atentas.
Vladimir me ignorou e se sentou na poltrona de pedra a frente do vitral enorme e cortinas escuras.
Se sentia um rei, podia ver o desprezo que certamente teve ao conhecer Júlio, pobre como era.
— Por favor Vladimir, temos que ir embora. — Meu pai pediu calmamente e puxou levemente Verena para trás de si, como se quisesse protegê-la caso algo acontecesse.
Meus irmãos mal perceberam.
— Magnus, queremos que sua esposa se junte a nós, nosso clã. — Respondeu olhando fixamente para eles dois, segurando o queixo sob o braço da poltrona.
— Como? — Balbuciou meu pai e eu sibilei abaixando a cabeça pro lado.
Vladimir cruzou uma perna sob a outra e com seus dedos finos que mais pareciam garras de um demônio se diminuindo e aponto para Verena.
Ele ficou mais relaxado e parecia pensativo.
Tão misterioso quanto uma floresta a noite.
— Lhe fizemos perguntas. — Relembrei ainda irritado, o ódio só subia no meu peito.
A criatura ardilosa assentiu com a cabeça e piscou.
— Respondendo a pergunta do gentil Magnus: Sua esposa tem o dom mais fascinante que já vi. — Seus olhos ficaram fascinados, perplexos na análise mental que fizera.
Ursel e Safira tossiram um após o outro, propositalmente.
E então, inclinando o corpo um pouco pra frente, Vladimir fez sinal para ela ir até ele.
Verena olhou Magnus como se quisesse dizer: Tudo bem querido...e soltou sua mão, dando um selinho rápido nele e caminhando até ele. Elegante e confiando.
Vladimir saiu do lugar antes que ela subisse o degrau e parou em pé a sua frente.
Estendeu sua mão pálida para minha mãe lhe dar a sua própria.
Ela hesitou por segundos, mas o fez.
A pouca luz entrando pelo amplo salão, pela brecha da cortina — beijou a pele dela e reluziu sua pele morena sedosa.
— Se junte a nós querida Verena, sua família poderá ficar aqui também, pode absorver todas as lembranças com um único toque! Isto é magnífico! — Elevou um pouco a voz, tentando persuadi-la a todo custo.
Olhei para meu pai, pedindo pelo amor que tinha em nós para irmos embora naquele exato momento, dar as costas aquele abutre esquisito que não teve ao menos peito para me responder.
Ele apenas passou a mensagem: se acalme, só deixo-o terminar e vamos imediatamente.
Ia avançar e tirar ela dali, das mãos daquele cínico persuasivo que escondia muita coisa sombria, mas hesitei.
O peito tomado por ódio e revolta, em dança com a mente que recebia as lembranças dolorosas da morte de Júlio.
— Querida, considere bem, pode nos ajudar e ser beneficiada nisto. — Ofertou Vladimir, usando da voz gentil e o sorriso forçado.
Minha mãe ficou em silêncio e mesmo que ele não soubesse, eu sabia o que aquela inexpressividade significava... Estava absorvendo lembranças do encapuzado imortal.
Ele sequer imaginou, era um poder silencioso e ardiloso, só se percebia se minha mãe quisesse revelar o que fez.
Feito um choque atingindo sua pele, Verena Soltou as mãos dele e seu corpo foi para trás hesitando, nervosismo.
Havia absorvido algo muito terrível, chocante. O pavor nos seus olhos e o tremer dos lábios que tentavam proferir algo, mas eram sufocados pela lembrança absorvida.
— Mandamos Júlio para o campo de batalha de forma proposital Austin, o buscamos e oferecemos a ele a oportunidade de vê-los de novo... Ver Ursel, e assim fizemos... Queríamos ver você sofrer a dor da perda, para que assim seu coração cruel e insensível ficasse frágil e vulnerável, Sabíamos o que aconteceria com ele desde o início, eu previ. — Disse feito um relâmpago e só então eu cai na realidade, meu pai e meus irmãos também.
Processar a informação enquanto tentava entender a real intenção dele.
O medo tomou nossos olhos, o instinto protetor avançou, mas antes que voassemos na direção do Vladimir, minha mãe percebera seu próximo passo, ele desconfiou do nervosismo dela, Verena mal pode recuar.
Crac!
Antes que pudéssemos imaginar seu golpe, ele torceu o pescoço dela, o quebrando e deixando-o suspenso para o lado.
— VERENA!!! — Meu pai caiu de joelhos, como se alguém invisível o tivesse atingido bem nas pernas, seu grito estrondou o salão e percorreu minha espinha como um sino.
Ele perdeu o chão, perdeu os sentidos, o raciocínio.
Minha mãe estava morta, seu corpo caído sob o piso escuro ébano, Vladimir nos olhos brilhando inclinando a cabeça por cima do ombro, com ar vitorioso.
Ursel soltou um grito extremamente doloroso, sua alma fora destruída.
Safira ficou tão chocada que não conseguiu se mover, com a boca aberta e os olhos paralisados que liberavam lágrimas feito uma cachoeira.
A dor do meu pai foi tanta, que ele mal pode reagir. Seu mundo fora tirado dele.
Sem pensar duas vezes, avancei em Vladimir, tomado pela revolta e ira. Ele havia matado Júlio de propósito e agora matou minha mãe diante dos meus olhos, tão traiçoeiro feito um rato e sabia que eu não poderia fazer nada.
Rugi feito uma besta e antes que ele piscasse, o agarrei pelo pescoço e lhe joguei numa das colunas ali, com tanta força que ela se estraçalhou ficando em frangalhos.
Safira voou até ele feito um jaguar e enfiou a mão no seu olho.
Forcei seu corpo no chão o impedindo de se levantar e Safira arrancou seu olho com as próprias mãos, a sangue frio.
Vladimir gritou tanto que quase fiquei surdo.
Sangue encharcou o piso e meu rosto, o gosto de ferrugem invadiu a boca e meus olhos ficaram nublados pelo choro.
Ursel ficou ao lado do meu pai, o choro era tão intenso que o sim se dissipou, não tinha medida sua dor.
Mal conseguiu se levantar. Agarrou o braço do meu irmão que estava ao seu lado agachado com tanta força, buscando amparo, uma base... Mas não tinha.
Os olhos agora amarelos de Safira ficaram dilatados diante do ódio tão avassalador que lhe cobriu.
Fomos atingidos por algo fortíssimo antes que ela arrancasse o outro olho dele e em seguida sua cabeça.
Meu corpo atingiu uma parede e ela se rachou, fazendo alguns pedaços do cimento voarem com o golpe.
Fiquei zonzo por segundos até ver quem era responsável.
Um homem pouco mais alto que Vladimir, sua pele mais amarelada e seus olhos vermelhos sangue — o cabelo acinzentado e frisado, no mesmo comprimento que os de Vladimir.
Safira estava do outro lado do salão, ainda caída, tentando levantar.
Seu nariz escorria sangue e sua cabeça ferida também.
Feito um gato, ele veio se aproximando a passos lentos, minha visão se concentrou apenas nele e o resto ficou embaçado.
Meu alvo.
Se ele esperava alguém para lutar, teria a besta que estava a solta dentro de mim.
Avancei na sua direção e batemos de frente, eu cai no outro lado do salão e parei flexionado, ele também.
Ursel surgiu de repente e pulou nas costas dele num ponto desvantajoso que o deixou vulnerável.
Aproveitei e avancei, dando lhe um chute certeiro no rosto e logo ele estava no chão novamente caído.
Partimos para o ataque, desferindo chutes e socos, ele desviava e nos atingia com dificuldade.
Precisaria mais para não o matarmos bem ali.
— Não podem contra mim! — Gritou cuspindo sangue no chão enquanto desviava dos nossos golpes.
— Verme maldito! — Berrei lhe dando mais golpe, tão forte que o fez atingir a vidraça e quebrá-la, ficando pendurado até que Ursel lhe deu outro chute no abdômen que o fez cair para trás em meio aos estilhaços, até atingir o chão lá embaixo.
Safira lidava com Vladimir sozinha, quando estava prestes a enfiar a mão dentro da sua caixa torácica e arrancar seu coração do peito, frente a frente —, o olhar afiado e a disputa acirrada. Ela o havia encurralado na parede.
— Já chega. — Ouvi meu pai pronunciar tão baixo que tive que usar a audição vampira para escutar.
Seu corpo ainda estava no chão, mas logo ele se levantaria.
— Pai. — Balbucio trêmulo ao lado de Ursel, encharcado de sangue.
Corri até ele quando seu corpo não se sustentou em pé, o impedindo de colidir com o chão.
— Deixe-os. — Pediu inexpressivo, o rosto molhado por lágrimas frias.
Não havia sede por vingança ou derramar de sangue nos seus olhos castanhos.
Ursel não entendeu e seus olhos tremeram, percorrendo o salão.
Safira derrubou Vladimir no chão, o prendendo debaixo dos pés.
— Traga ela, deixe-os. — Sussurou ainda se apoiando a meus braços musculosos, desolado.
Naquele momento, ele só queria enterrar minha mãe com dignidade, levá-la daquele ninho desgraçado de abutres assassinos.
Meu coração quase fora deixado no chão, meus olhos estavam embaçados e um peso invisível sob meus ombros —, precisava ser a base dele, seu porto seguro.
Meu pai precisava de nós como nunca.
— Vamos embora! — Gritei para Safira e Ursel que iriam matar Vladimir.
O céu pareceu desabar sob nossas cabeças.
Mal consegui manter firmeza quando tentei pegar o corpo de minha mãe do chão.
Tremia tanto, faltava forças no corpo todo.
Encharcados de sangue ainda quente, deixamos que Ursel pegasse o corpo dela. Foi o único com estrutura suficiente naquele momento.
A dor consumia feito fogo, queimava engolindo tudo.
Minha mãe, estava morta. E eu não queria acreditar.
Não pude fazer nada de novo. Me senti culpado.
Ursel chorava tanto que mal conseguia falar qualquer sílaba, segurando o corpo dela nos braços enquanto marchavámos para fora.
Meu pai precisou de Safira e eu para segurá-lo em pé e andar, Safira arrasada assim como eu.
Mataram seu grande amor, sua esposa, mãe dos seus filhos... Ela garantiu que ficaria tudo bem.
Deveríamos ter avançado assim que Soltou a mão do Vladimir, mas fomos covardes, hesitamos.
A matou por pura ¹volúpia.
Magnus não queria revidar, derramar sangue, não tinha forças para isto —, e certamente Verena não iria querer que se vingasse... Só queria se despedir e dizer as últimas palavras a sua amada.
🗺️
1- Grande prazer nas sensações e sentidos.
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