
━━ 𖥔 ִ ་ ،𝟱𝟭. 𝗢 𝗳𝗶𝗺 𝗱𝗲 𝘂𝗺 𝗰𝗶𝗰𝗹𝗼.
━━ Segunda parte da Grand Line, Novo Mundo ; Reino de Dressrosa.
ᘡElisabette, Anjo da Morte. ❪O ponto de vista Dela❫
Acordei com a cabeça apoiada na coxa de Usopp e o restante do corpo sobre Zoro, que estava agarrado à perna de Franky, que tinha o rosto enfiado no canto da parede. Ao olhar um pouco para o lado, pude ver Robin adormecida em uma rede, enquanto Kyros estava acordado ao lado da porta, como se estivesse de vigia. Um pouco mais encostado na cama onde Luffy se encontrava, Tral-san também dormia agarrado a um travesseiro, com Bellamy a apenas alguns metros de distância, do outro lado da cama.
Ergui um pouco meu corpo para poder sentar-me e então olhei ao redor, não encontrando nenhum sinal de Kin'emon ou de seu amigo, o qual eu ainda não havia conhecido.
Um bocejo fraco escapou por meus lábios e, em seguida, espreguicei-me, usando o nariz de Usopp como apoio para me colocar de pé com a ajuda da muleta; não demorou para que estivesse erguida. Olhei para Kyros com curiosidade e me aproximei dele com certa dificuldade, utilizando uma mão para me apoiar na parede. Sorri fraco para cumprimentá-lo, o que foi prontamente retribuído.
- Bom dia, como você está? - ele perguntou calorosamente, estendendo a mão e me ajudando a caminhar até a cadeira, onde me auxiliou a sentar e, em seguida, empurrou-me cuidadosamente em direção à mesa. - Aqui, sinta-se à vontade.
- Muito obrigada... - falei sorridente. - Sinto-me melhor... apenas o joelho ainda dói um pouco.
- Muito bem. Fico feliz em saber. Seus companheiros disseram que você não estava nas melhores condições quando a levaram para o hospital.
- Talvez eu tenha exagerado um pouco, mas... eu precisava lutar, não precisava? Fiz o que pude. Lutei com tudo o que tinha. Até os ossos. - tentei me explicar enquanto sorria, ciente de que mais parecia uma bagunça remendada do que alguém que, de fato, serviu.
- Entendo. Isso é bom. Você parece saber o que está fazendo. - Kyros sorriu de volta, cruzando os braços.
- Treinei a vida toda. Com certeza sei o que estou fazendo no campo de batalha. - um sorriso orgulhoso brotou em meus lábios enquanto eu mostrava o músculo do meu braço para ele, que soltou uma risada leve com minha demonstração.
Ficamos um tempo conversando, falando sobre algumas coisas aleatórias, e eu sabia que ele estava apenas tentando me distrair da fome que sentia - afinal, meu estômago roncou alto algumas vezes durante nosso bate-papo -, ciente de que não havia nada para comer, uma vez que o que havíamos consumido na noite passada era tudo o que tinha em sua casa. Provavelmente, só teríamos o que comer se saíssemos para comprar, algo que ninguém se arriscaria a fazer, já que todos ali eram procurados pela Marinha. Era de nosso total conhecimento que eles ainda estavam presentes em Dressrosa, apenas esperando a oportunidade para nos encontrar e nos prender.
Aos poucos, cada um deles foi acordando. A primeira foi Robin, que veio até onde estávamos eu e Kyros para nos cumprimentar; depois foram Tral-san, Zoro, Usopp, Bellamy e, por fim, Franky. Restava apenas Luffy, ainda inconsciente em sua cama; no entanto, seu semblante era tão sereno e pacífico que me obriguei a acreditar que ele estava apenas descansando para acordar com toda aquela energia contagiante.
Cruzei os braços sobre a mesa e deitei a cabeça sobre eles, mantendo minha atenção fixa no capitão, que parecia dormir de forma tranquila.
Em silêncio, deixando o silêncio da minha presença se esvair enquanto os outros conversavam entre si ao meu redor, ainda volto a te questionar: "Eu fiz o que pude, não fiz?" Lutei com tudo que havia em mim, mesmo que meu corpo estivesse em frangalhos devido à fome, à sede e à febre das Árvores que me consumia. Graças ao Tral-san, fui curada mais rapidamente do que imaginei e, ao contrário do que eu pensava, não foi algo que me causou tanto impacto quanto acreditava que iria causar. Afinal, estava com os dias contados; chegamos a Dressrosa nos meus últimos dias e, surpreendendo-me mais uma vez, ele foi por conta própria e sozinho até Green Bit para pegar as plantas que eu necessitava para minha cura.
Desviando meu olhar de Luffy, encaro Tral-san de canto, sentindo meu ventre esquentar e ficar úmido ao mesmo tempo em que um arrepio congelante percorre minha espinha, como se uma mão gélida passasse seus dedos devagar por minha pele para me causar tal arrepio.
A dívida que fiz com ele só irá me causar mais problemas entre nós se eu não pagar. Também acredito que, depois de tudo que passamos no Sunny até a noite retrasada, ele provavelmente aumentará o valor que lhe devo por todo o tratamento recebido durante nossa viagem até aqui. Não faço a mínima ideia de onde conseguirei reunir uma quantia tão alta para pagá-lo; nem sei se é possível conseguir esse valor até o fim da nossa aliança! E se ele tentar me matar ou fazer algum mal aos meus companheiros para me pressionar? Inferno... Elisabette, sua idiota!
De repente, sinto algo arder em minha testa e, então, arregalo o olho, finalmente notando os olhares de Tral-san e Bellamy sobre mim, os dois me fitando como se fossem pular em mim a qualquer momento. Franzi o cenho no mesmo instante e engoli em seco, agarrando meu braço ao de Zoro, que não pareceu se importar e apenas continuou a reclamar que queria beber algo antes de partirmos.
Mas que coisa! O que eles querem, hein? Que tensão! Nem sei por que Bellamy está me olhando assim; não dei motivos para ele me encarar dessa forma. Eu é quem deveria encará-lo assim e querer rodar com ele no chão para enchê-lo de sopapos! Quanto a Tral-san... o olhar dele me causa mais medo do que irritação. Eu, hein, maluco... Desde que nos conhecemos, tenho receio dos olhos dele, do formato e de como são tão... afiados? Acho que essa é a palavra correta. Parecem uma tempestade - o céu durante uma tempestade: cinzentos, frios e assustadores.
- Ei, Lis! Como está o olho? - Usopp diz, me tirando de meus pensamentos e passando um braço em volta dos ombros, puxando-me para perto.
- Que olho? - Zoro zomba.
- Não sei, que tal o seu? - retruquei enquanto fazia beicinho.
- Hein?
- Hein o quê!?
- Ó, cê baixa o tom de voz comigo e me respeita! - ele disse, agarrando meu rosto e apertando minhas bochechas.
- Me respeita você!
- Ah, que maravilha! Quando não é com o Sanji, é com a Lis... - Usopp revirou os olhos e me soltou, resultando na minha queda da cadeira e trazendo nosso companheiro para o chão junto comigo.
Zoro e eu estávamos machucados, mas não da mesma forma, se considerarmos o quão debilitada eu estava a ponto de precisar de muletas para me locomover. Mesmo assim, começamos a rolar no chão e a nos estapear como duas crianças, como sempre fazíamos quando um dos dois acabava com a paciência do outro. Eu podia ouvir a risada suave de Robin e sua voz nos alertando para tomarmos cuidado e não nos machucarmos ainda mais, enquanto Franky conversava com Kyros e Usopp resmungava de fome. Havia também um silêncio ensurdecedor e a tensão esmagadora que emanava de Tral-san e Bellamy.
Foi então que, de repente, senti algo ruim. Algo muito ruim prestes a acontecer. Larguei Zoro no chão e não tardei a me erguer, sem me importar com o grito de dor que consegui conter na garganta ao deixar a perna ereta ao me colocar na defensiva - algo que claramente chamou a atenção de todos, que imediatamente me encararam confusos.
- Nos descobriram. - sussurrei, e todos, sem exceção, também se posicionaram em estado de alerta.
Kin'emon estava se aproximando, mas alguém o seguia. Eu não sabia quem era ou há quanto tempo o seguia; entretanto, meu Mantra estava praticamente em alerta na minha mente, quase se tornando algo físico para me avisar que um perigo em potencial se aproximava de onde estávamos, o que me fez arrepiar. Todos estavam sem comer há horas, ainda machucados e em repouso; uma luta agora apenas nos desgastaria mais, dependendo da força do inimigo.
Se for alguém da Marinha, alguém poderoso, como um vice-almirante ou um capitão... isso nos trará problemas. Luffy ainda está inconsciente e não poderá lutar; mesmo que estivesse acordado, ainda estaria sem condições para tal ato.
Foi então que, me pegando de surpresa e me deixando totalmente desnorteada e confusa, Kin'emon entrou acompanhado de um homem completamente estranho - até mesmo mais esquisito que o próprio Cirurgião da Morte. Seus cabelos eram longos e arrepiados, penteados para baixo com uma franja grossa que cobria boa parte de sua testa, em um tom de rosa-vinho. Sua pele era branca devido à quantidade exagerada de pó de arroz, e seus lábios estavam tingidos em um tom de vermelho cereja. Ele era claramente um samurai do País de Wano, assim como Kin'emon e Momonosuke, o que me fez concluir que se tratava de um companheiro que eles estavam procurando.
Franzi o cenho quando os dois chegaram animados, pedindo desculpas pela demora e enchendo a mesa de comida, fazendo todos simplesmente esquecerem meu alerta, como se tudo não passasse de um alarme falso da minha parte.
No entanto, algo gritava em meu âmago, como um alarme inconsciente que me dizia para não deixar aquele homem se aproximar mais de meus amigos e aliados, especialmente de Luffy. Era como em Water 7, quando meu Mantra clamava em minha mente para não confiar em Rob Lucci, Khalifa, Kaku ou Paulie; algo estava errado com eles, principalmente com o silêncio de Rob Lucci.
Permanecei em silêncio, encarando aquele homem enquanto todos começaram a comer e Luffy despertava ao sentir o cheiro da comida trazida por eles, algo que apenas fez minha expressão se aprofundar.
Eu poderia não conhecer aquele homem e ele poderia ser um companheiro de longa data de Kin'emon, mas havia algo nele que não estava correto - ele parecia completamente fora do lugar. Seu coração estava corroído e, ao mesmo tempo, confuso; entretanto, mais poluído por maldade e falsidade. Isso me fez arrepiar e buscar forças em todo o meu ser para ativar meu Mantra e estudá-lo melhor, até o momento em que senti uma mão enorme agarrar minha cabeça por cima e me suspender no ar.
- Ei, ei, maninha, que carinha é essa, hein? Acordou de mau humor hoje, não foi? - escutei a voz de Franky e, de repente, ele balançou meu corpo para que ficássemos frente a frente.
- Não é mau humor, eu só... - antes que eu pudesse concluir minha frase, uma coxa de frango foi enfiada inteira na minha boca. - Hpfmm!!
- Quietinha, quietinha, o seu problema é fome. - ele riu, colocando-me sentada entre Usopp e Zoro novamente.
Entregando-me à inevitabilidade e relegando minhas suspeitas ao esquecimento, decidi ceder à insistente oferta de Franky e comecei a me alimentar. Com um gesto de resignação, peguei um pedaço de cada iguaria disposta sobre a mesa, que até pouco tempo atrás se encontrava completamente vazia, adornada apenas por poeira e um pano surrado. Minhas bochechas rapidamente se encheram, enquanto a voracidade me impelia a engolir cada vez mais, até que, em um momento de descuido, me engasguei.
Kin'emon mencionou que uma história havia começado a circular desde o amanhecer pelas ruas do Reino de Dressrosa. Essa narrativa afirmava que Rebecca era filha de um príncipe de outro reino, uma alegação que todos ali sabiam ser uma farsa. Não me surpreendeu quando Kyros revelou ter sido ele o responsável por disseminar tal boato, tudo em nome da proteção dela.
Suas palavras eram persuasivas, e suas preocupações eram evidentes; afinal, os filhos também são culpados pelos erros dos pais. Não importa se ele se arrependeu das transgressões de seu passado ou se transformou-se em alguém melhor; as vidas que ele ceifou, feriu ou aterrorizou jamais serão esquecidas. O legado das vítimas, manchado por suas ações, nunca desaparecerá. É por isso que... eu compreendo sua luta interna. Um pai que ama sua criança fará qualquer coisa por ela, mesmo que suas ações não sejam as mais nobres... pois, afinal, os fins justificam os meios¹.
- Que babaquice! A Rebecca sabe disso? - Luffy esbravejou indignado, seu olhar severo fuzilando Kyros, que apenas desviou os olhos do meu capitão.
- Ela deve ter recebido a carta. Eu escrevi toda a verdade sobre a minha vida. Eu a fiz sofrer por anos. Quero que ela estabeleça laços com alguém como eu e leve uma vida feliz - disse ele, tentando justificar suas ações, mas seu coração estava mais ferido do que todo o seu corpo. - Como pai dela, era a única coisa que eu podia fazer por ela. Estou pensando em deixar este país quando vocês forem embora. Ela ainda é uma criança. Não quero me deixar levar pelo momento e arruinar sua chance de ser feliz. Até consegui convencer o rei Riku!
- A Rebecca...! - levantei a mão, pedindo de forma silenciosa para que Luffy se calasse.
- Capitão.
- E você, hein? O que foi agora!?
- Kyros está correto. Quanto mais longe ele se mantiver da Rebecca e quanto mais ele puder esconder dos outros os laços que os unem, melhor será para ela. - falei, percebendo que o olhar de todos se voltou para mim, mas não me importei.
- É o quê!?
- Os filhos também são culpados pelos erros dos pais.
Foi como se eu tivesse proferido a maior atrocidade de todas. Assim que fechei os lábios e me calei, percebi o espanto que havia causado neles ao pronunciar aquelas palavras. Não me desculparia; não sentia arrependimento - pois tinha plena convicção da minha verdade. Poderia ter enunciado coisas cruéis, mas até eles sabiam que eu estava certa, pois eu mesma era a prova viva do meu próprio argumento.
Não importa o quanto eu mude ou se, algum dia, Enel retornar e buscar a redenção; o que ele fez jamais será esquecido ou apagado da existência. Todo ar que respiro, cada passo que dou e onde quer que meu sangue ou minhas lágrimas jorrem, será uma eterna lembrança de tudo o que ele cometeu e do que eu ajudei a perpetrar. As mortes, as mutilações, as dores - tudo. Meus olhos, minha voz, minha estrutura facial, o tom da minha pele e a maneira como ando ou falo: tudo é um reflexo dele. Porque sou como ele; não importa o sentido: Enel sempre foi e sempre será uma parte de mim que jamais desaparecerá.
Vi Luffy me observar com uma expressão estranha, a mesma que ele sempre exibe quando pronuncio palavras assim ou demonstro minha lealdade... a mesma que teve quando me encontrou prestes a tirar minha própria vida, há dois anos, quando meu pai foi derrotado e eu acreditei que estivesse morto.
Todos estavam em silêncio, encarando-me com um olhar penetrante. Até mesmo Tral-san me observava, sua curiosidade disfarçada por um olhar frio e perspicaz. Em contraste, Bellamy fitava-me com uma compreensão profunda, pois apenas ele conseguia decifrar o turbilhão que se passava em minha mente e o que eu sentia em relação a tudo isso. No inferno que era minha vida, era irônico reconhecer que Bellamy, a pessoa que me abandonou em um momento de dor, era o único presente ali que verdadeiramente compreendia meus demônios e a revolta ainda pulsante em meu peito.
Contudo, antes que qualquer um deles pudesse pronunciar uma palavra ou que Luffy tentasse me contrariar ou dissesse alguma bobagem para afastar a tensão que agora pairava no ar, a porta foi aberta de forma brusca por Bartolomeo. Ele chegou nos alertando, em desespero, que a Marinha havia começado a girar em nossa busca para nos capturar, o que rapidamente nos despertou do transe e nos colocou em estado de alerta para nos prepararmos para a fuga. Fomos informados de que conseguiríamos escapar com segurança graças à ajuda dos guerreiros do Coliseu Corrida.
Usopp agarrou-me pelo braço e me lançou em suas costas. Em seguida, todos saímos correndo da casa de Kyros em direção ao porto do leste de Dressrosa, onde um navio nos aguardava para partirmos.
Foi tudo uma verdadeira loucura, que resultou em Luffy conquistando uma vasta frota de 5.645 piratas aliados, que agora navegariam sob sua bandeira. Assim que conseguimos zarpar para longe de Dressrosa, estando a quilômetros de distância o suficiente para não precisarmos mais nos preocupar com perseguições por parte da Marinha, todos se entregaram à bebedeira para comemorar a vitória e a união formada pelas sete tripulações que, de certa forma, haviam se tornado nossos companheiros ao se transformarem em subordinados e seguidores do Garoto com Chapéu de Palha. Isso ocorreu mesmo que ele próprio não tenha concordado com tal situação e apenas tenha se deixado levar - típico.
Eu estava sentada, com as costas apoiadas em um barril de saquê e um prato de sopa à minha frente. Ao meu lado, encontrava-se minha muleta e Inazuma, que, surpreendentemente, havia adquirido uma pequena rachadura em sua lâmina devido ao uso quase perfeito da réplica do El Thor.
Todos estavam animados, comemorando a nossa vitória, algo que fez com que meu coração, mesmo distante, pudesse sentir um pouco da paz que finalmente poderia desfrutar após tanto esforço para derrotar Doflamingo e conseguirmos sair em segurança de Dressrosa, despistando a Marinha e nos livrando de qualquer coisa que pudesse se tornar uma grande ameaça. Agora, com tranquilidade, navegávamos rumo a Zou, onde encontraríamos a tripulação do nosso aliado. Veríamos nossos companheiros novamente e eu... poderia procurar por Nekomamushi para, enfim, ter a Tenshi Tenshi no Mi em mãos.
Ao longe, eu podia observar o sol se pondo, pincelando o céu em belos tons pastéis de rosa e lilás, mesclados com o laranja do sol que se adormecia atrás do mar. O dia finalmente chegava ao fim; teríamos um descanso tranquilo, sem precisarmos nos preocupar com perseguições e questões do tipo. Eu, principalmente, poderia dormir em paz, sem medo de não acordar na manhã seguinte, pois estava curada após tanto sufoco e... eu sequer agradeci a Tral-san por isso.
Sendo sincera, não sei se devo procurá-lo para agradecê-lo. Não sei como está nossa situação; não conversamos desde ontem, quando ele me cobrou o que eu lhe devia e eu simplesmente congelei diante de sua ameaça. Eu poderia ter rebatido; sou fisicamente mais forte que ele e poderia tê-lo imobilizado. Poderia ter retrucado, afirmando que fiz tudo para salvá-lo, mas... não consegui. Foi como se algo maior agarrasse minha língua e a deixasse presa no céu da boca, impedindo-me de dizer qualquer coisa, aceitando suas ameaças em silêncio, como uma tola - como uma presa amedrontada diante de seu predador.
E ainda há... o Bellamy. Eu ainda não consegui conversar com ele da maneira que desejava; não consegui expressar tudo o que está entalado em meu peito e tudo o que guardei para mim desde que ele foi embora. Não sei para onde ele irá após sair do navio, nem qual será seu destino ou... o meu próprio.
"Walking Scott Street, feeling like a stranger
With an open heart, open container
I've got a stack of mail and a tall can
It's a shower beer it's a payment plan..."
Eu matei o Pássaro do Sul e não sei como enviarei as plantas para Skypiea, nem o que farei com a Tenshi Tenshi no Mi quando a obtiver. Não sei a quem poderei passar esse poder para que seja consumido. Minhas opções são limitadas e as pessoas em quem confio também, tampouco sei quem estaria disposto a carregar esse fardo de salvar uma nação inteira e prover os recursos das terras do Jardim Superior.
Wyper foi a primeira pessoa que me veio à mente; no entanto, conhecendo-o, sei bem que ele não aceitará minha oferta e irá recusá-la antes mesmo de eu apresentar os melhores argumentos. Ele é um maldito, um maldito orgulhoso que faz minha cabeça arder de estresse e saudades. O senhor Ohm também sei que irá recusar, por não se sentir digno de tamanho poder; o mesmo se aplica ao senhor Shura e ao senhor Satori. Assim, me questiono: o senhor Gedatsu também me daria um "não"? Provavelmente.
E não tenho mais ninguém; eles eram os únicos em quem confiava o suficiente para entregar o destino de Skypiea. Portanto, com a recusa deles, a única pessoa que resta...
Não. Não quero pensar nisso. Preciso me concentrar em outra coisa; não posso me deixar ficar ansiosa com tantas questões ao mesmo tempo. Preciso aproveitar a viagem e relaxar, certo? Todos estão comemorando, bebendo e dançando. Estão todos felizes, então por que eu preciso ficar tão nervosa? Eu... só preciso me animar. Erguerei o queixo, estufarei o peito, manterei a cabeça erguida, a postura ereta e... sorrirei.
- Elisabette?
- Bellamy... - murmurei, perdida e desconcertada tanto pelos meus pensamentos quanto pelo surgimento dele.
- Eu... já vou.
- Já vai!?
- Já vou.
- De verdade?
- De verdade.
- Por quanto tempo?
- Muito.
- E quando eu vou te ver de novo? - perguntei, apoiando as mãos na beirada do barril de saquê para me levantar. Recebi sua ajuda para ficar de pé e, então, me apoiei na muleta.
- Não sei. Se depender de mim, talvez nunca.
- Nunca!?
- Ou... apenas por um tempo. - ele desviou o olhar, arrumando a bolsa em sua mão e saindo rapidamente para os fundos do navio, tentando me despistar.
- Quanto tempo!? - perguntei em desespero, mancando em sua direção até nos afastarmos do alvoroço do convés. - Bellamy!
Ele continuou andando e me ignorando, dirigindo-se aos pequenos barcos de madeira atracados no navio. Isso me fez tentar acelerar os passos, de modo que eu já estava pulando com um pé para tentar alcançá-lo e conversar com ele de verdade uma última vez. Eu não queria que ele partisse sem mim. Eu não queria ficar longe dele novamente.
- BELLAMY! - gritei, agarrando-o pelos cabelos de modo que seu corpo se inclinou na minha direção e, em seguida, caiu de costas sobre mim.
- Puta que pariu, Elisabette! Todo dia isso!
- Eu ainda quero falar com você!
"There's helicopters over my head
Every night when I go to bed
Spending money and I earned it
When I'm lonely, that's when I'll burn it..."
- E não pode pedir de uma forma mais civilizada, criatura!? - ele resmungou, levantando-se de maneira brusca e me puxando pelo braço com cuidado para que eu conseguisse me levantar do chão.
- Não, porque se eu falar de maneira mansa com você, você não me ouve. Até parece que gosta de me ouvir gritar!
- Hah, e se eu disser que gosto, hein, princesa? - ele riu de forma debochada, e eu apenas corei, tanto de raiva quanto de constrangimento. - Você continua gritando?
- Q-quê!? Uh... seu..! Deixe esse seu fetiche bem longe de mim!
Bellamy apenas riu das minhas palavras enquanto eu o encarava em silêncio, ainda frustrada e atônita por toda a situação - a nossa situação e todas as outras nas quais eu havia me metido e continuava me metendo. Eu o conhecia e sabia que ele não me levaria a sério até que eu gritasse com ele e começasse a falar com autoridade, assim como meu pai fazia com seus servos, com os sacerdotes e, principalmente, comigo. No fim, Bellamy e eu éramos iguais, e talvez fosse por isso que eu desejasse tê-lo ao meu lado e queria estar com ele.
Meu coração estava longe do meu peito, e eu podia sentir o vazio oco habitando na área em que ele deveria estar. Contudo, como sempre, eu sabia que ele estava batendo acelerado a ponto de parecer que poderia saltar para fora de mim, se ainda estivesse em meu corpo.
Um suspiro escapou de meus lábios enquanto eu olhava nos olhos de Bellamy com tristeza, observando seu semblante divertido e desdenhoso se transformar na mesma expressão que eu exibia. Ambos estávamos acabados e sabíamos que nunca mais nos veríamos; no entanto, eu ainda desejava mudar esse destino, de alguma forma... eu queria que fosse para ser, mesmo sabendo que não era para ser.
"Do you feel ashamed
When you hear my name..?"
- Bellamy, fuja comigo. - falei em um sussurro quase quebrado, nunca ousando desviar meu olhar de seus olhos.
- Quê!? O que você disse?
- Eu disse para você fugir comigo. - repeti, aproximando-me e agarrando a camisa dele com meus dedos trêmulos e sensíveis devido às queimaduras. - Vamos. Podemos ser felizes novamente! Você e eu, como éramos.
- Elisabette, não acho que isso-
- Não, você não precisa se preocupar com nada. Apenas teremos que ir até Zou, pegar o que eu preciso e depois vamos para Skypiea! Eu dou um jeito, eu-
- Elisabette, eu não vou fugir com você.
"I asked you: How is your sister?
I heard she got her degree
And I said: That makes me feel old
You said: What does that make me..?"
- Por que não? Nós podemos, se quisermos.
- E quem disse que eu quero? - suas palavras soaram como milhares de facas perfurando meu corpo, fazendo-me arregalar os olhos e abrir a boca em um formato de "o".
- Ah.
- O problema não é você, 'tá legal? O problema sou eu, sempre fui eu. Desde o começo, o problema sempre fui eu! - ele disse com a voz chorosa, seus olhos começando a ficar vermelhos e marejados. - Eu não mereço ficar perto de você, não depois de tudo que eu te fiz. Eu te deixei sozinha sabendo que você odeia estar sozinha, entreguei ao Doflamingo informações sobre você e sobre as Ilhas do Céu. Ficar com você depois de tudo isso seria a maior pilantragem de todas. Você entende?
- Não, Bellamy. Eu não entendo, nem quero entender! - agarrei seu pulso com força, ativando o Haki de Armamento para prendê-lo e não dar a ele mais chances de fugir.
- Elisabette! Não podemos! Você não pode deixar o Mugiwara, nem eu quero que você o abandone por minha causa!
- Então entre para o bando, Bellamy! Tenho certeza de que ele te aceitaria de braços abertos como um de nós!
- Não é assim que as coisas funcionam! Pare de ser teimosa! Eu fui um idiota, um babaca! Eu não mereço nada do que você ou ele podem me oferecer! - ele gritou, conseguindo se desprender do meu aperto e me empurrar de forma que bati as costas na parede. - Eu estraguei tudo. Estávamos bem. Tínhamos paz. Mas eu estraguei tudo; eu não mereço mais nada daquilo!
- Quem se importa se você estragou, Bellamy? Eu não me importo! Eu já te desculpei, inferno! - retruquei, mancando até ele novamente. - Depois de tanto tempo, finalmente te encontrei só para te perder de novo?
"I asked you: How is playing drums?
You said it's too much shit to carry
And what about the band?
You said they're all getting married..."
Senti as mãos de Bellamy envolverem meus braços, levantando-me do chão e empurrando-me contra a parede com uma violência inesperada. Antes que pudesse protestar, sua boca silenciou meus pensamentos em um beijo desajeitado e hesitante. Meus olhos se arregalaram ao vê-lo fechar os dele, evitando encontrar o meu olhar, como se a timidez o consumisse, apesar de ter sido ele a tomar a iniciativa. Seus lábios ainda carregavam o gosto intenso do saquê; quase pude jurar que me embriagava apenas ao sentir sua língua, impregnada pelo sabor do álcool, invadir minha boca e entrelaçar-se à minha, tirando-me o fôlego, mas sem que eu quisesse afastá-lo.
Jamais esperaria tal atitude dele, tampouco imaginava que toda a saudade que eu nutria por nossa convivência pudesse manifestar-se de forma tão intensa. Não era como os beijos que troquei com Tral-san, tampouco como os que desejei ter dado em Camie. Este beijo era singular, e eu tinha a certeza de que jamais beijaria alguém como estávamos nos beijando. Havia tudo ali: saudade, raiva, mágoa e incerteza. Sabíamos que não passaria de um beijo desesperado, nascido de uma discussão egoísta e infantil de ambas as parte.
"Do you feel ashamed
When you hear my name..?"
Eu sabia que ele tinha deveres a cumprir e ideais a seguir, mas ainda assim, desejava que tivesse me escolhido ao invés de seu Jovem Mestre. Ele, por sua vez, conhecia meus medos e inseguranças, mas escolheu partir, deixando-me sozinha e sem explicação, esperando que eu o reencontrasse sem sentir a tristeza de ter perdido o único amigo que fiz por mim mesma, sem a interferência de meus companheiros.
Suas mãos, seu corpo, seus olhos, tudo nele era maior que eu - que já era considerada alta para uma mulher. Entretanto, ao seu lado, eu me sentia diminuta, especialmente ao sentir a firmeza com que suas mãos enormes seguravam meus braços e me erguiam com facilidade, como se eu não pesasse nada.
Se pudesse escolher uma frase para definir nossa história desde o momento em que percebi que o que tínhamos - ou poderíamos ter tido - jamais se realizaria, seria: "pessoa certa, no universo errado".
"Anyway, don't be a stranger
Anyway, don't be a stranger
Don't be a stranger..."
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