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✶ . dançando com o inevitável.

Jeong Hye-Jin sempre foi uma pessoa que exalava solidão ─ como se essa fosse uma aura invisível que a envolvia por completo. Sua solidão não era algo gritante, muito menos uma tristeza estampada no rosto, ela se parecia mais com uma escolha silenciosa, uma aceitação íntima que ela carregava com a dignidade de quem aprendeu a viver com o peso do próprio fardo. A solidão para ela não era apenas um estado, mas quase uma filosofia, algo que ela cultivou ao longo dos anos como forma de sobrevivência. Hye-Jin tinha um jeito peculiar de desaparecer no ambiente quando desejava ─ mesmo possuindo uma presença magnética, sua habilidade de se tornar invisível não era por falta de carisma, mas fruto de um talento cuidadosamente refinado, moldado nas sombras do regime norte-coreano.

Ela aprendeu ─ ainda jovem, que na terra onde olhos vigilantes estão em toda parte, ser ignorada era uma benção e o silêncio parecia-se como uma arma poderosa. Esse dom de desaparecer em meio ao caos era tão instintivo quanto respirar, mas havia algo nela que desafiava sua própria intenção: um olhar profundo e intransigente, repleto de histórias não contadas e cicatrizes invisíveis que pareciam gritar para quem ousasse prestar atenção. Desde muito nova, a morena entendeu que o mundo era a personificação de um campo minado, um lugar onde a bondade era uma moeda escassa e ─ na maioria das vezes, inútil. Ela viu como as pessoas trocavam empatia por conveniência, como promessas eram quebradas sem remorso e como a fragilidade era explorada sem piedade alguma. Essas lições a endureceram, mas também a moldaram em algo resiliente, e em alguns momentos, era possível perceber um vestígio de algo diferente, como uma rachadura no gelo, uma pequena centelha de quem ela poderia ter sido, em um mundo mais gentil.

Seu pai ─ um homem simples, perdeu a vida de modo brutal ao se opor a uma ordem irracional de um superior do regime. Ele era o tipo de homem que valorizava a justiça acima do medo, mas naquele sistema, a integridade era vista como um ato de insubordinação fatal. Sua mãe ─ conhecida por sua língua afiada e o espírito indomável, foi arrastada para longe por soldados do governo após ser acusada de difamação, as autoridades nunca deram explicações e o vazio deixado por sua ausência foi preenchido apenas por rumores e suposições sombrias.

Aos dez anos, Hye-Jin compreendeu que confiar em alguém era um luxo perigoso, algo que o mundo ao seu redor não permitia.

Os orfanatos do regime eram mais parecidos com prisões do que com lares, os dormitórios eram gelados, os colchões finos como papelão e a comida ─ quando vinha, era insuficiente. A fome era uma companhia constante, assim como o medo das punições, castigos físicos não eram exceção, mas uma das principais regras. Bastava um olhar considerado desrespeitoso ou um suspiro fora de hora para que chicotes, varas ou mesmo punhos fechados fizessem sua justiça impiedosa. Hye-Jin aprendeu cedo a sobreviver sempre com menos: menos comida, menos conforto, menos liberdade, menos amor, menos esperança. Seus sonhos infantis ─ antes vivos, foram sendo sufocados até se tornarem nada mais do que um eco distante, contudo, foi nesse vazio que ela encontrou uma forma de resistência. Cada golpe recebido, cada noite que passou com o estômago vazio, fortalecia algo dentro dela, fazendo-a esconder suas emoções, proteger suas fragilidades e desconfiar de qualquer sorriso ou gesto gentil, pois sabia que naquele mundo, até mesmo a bondade podia ser uma armadilha.

O tempo a moldou como uma sobrevivente, Hye-Jin se tornou uma fortaleza incapaz de baixar a guarda, de relaxar ou até mesmo de confiar. A dor e a perda haviam enterrado qualquer noção de segurança, deixando em seu lugar uma determinação feroz e uma solidão avassaladora, ela era forte, mas também sozinha, como uma chama que queimava com intensidade, mas que não emanava calor algum.

A primeira cicatriz que marcou o corpo esguio da mesma foi também a que moldou sua mentalidade para sempre, aos doze anos, ela foi flagrada roubando um pedaço de pão embolado e uma maçã podre, os únicos restos que conseguiu encontrar em meio ao lixo do orfanato. Ela não teve tempo para se esconder ou sequer dar a primeira mordida nos alimentos, os guardas a capturaram sem piedade, arrastando-a pelo corredor frio e escuro até o pátio central, lá ─ sob o olhar de todas as outras crianças, ela foi jogada ao chão como um saco de trapos. Os golpes começaram antes que ela pudesse se levantar, chutes, socos e pancadas com o cabo de um bastão de madeira ressoavam no silêncio do pátio, interrompido apenas pelo som seco de sua respiração entrecortada e as ordens ásperas dos guardas. A dor era insuportável, queimando cada centímetro de sua pele fina e desprotegida, seu rosto colado ao chão de concreto podia sentir o cheiro da poeira misturado ao gosto metálico do sangue que escorria dos seus lábios rachados.

Mas o que mais marcou Hye-Jin não foi a dor física ─ embora ela tenha ficado gravada em sua memória como uma tatuagem involuntária, foi o que viu ao erguer os olhos, mesmo que apenas por um instante. O olhar das outras crianças era o que mais doía, havia medo sim, mas também algo ainda maior: uma aceitação apática, uma resignação fria que dizia mais do que qualquer palavra para elas, aquilo não era um incidente extraordinário, mas apenas mais uma cena comum no teatro opressor que chamavam de vida. Quando os guardas terminaram ─ deixando-a encolhida no chão, Hye-Jin não chorou. Não porque não queria, mas porque não podia, o corpo estava tão exausto que sequer conseguia tremer. Naquele dia, algo dentro dela se quebrou ─ ou talvez, algo tenha se construído. Ela prometeu a si mesma que ─ de alguma forma, encontraria uma maneira de escapar daquele lugar, daquele país e daquela vida.

A cicatriz em sua pele nunca deixou que ela esquecesse a promessa.

Com o passar dos anos, novas cicatrizes foram se acumulando sobre aquela primeira, algumas eram autoinfligidas ─ os cortes nas palmas das mãos e nos dedos causados pelas horas intermináveis escavando a terra congelada em busca de raízes durante os meses mais cruéis do inverno, quando a fome corroía até os ossos. Outras tinham origens externas, fruto da violência crua e indiscriminada dos soldados, esses homens ─ ácidos por afirmar sua autoridade, recorriam a castigos brutais, não por necessidade ou ordem, mas por puro sadismo. Cada golpe, cada marca deixada em sua pele, trazia uma dor física que desaparecia com o tempo, mas também alimentava uma ferida emocional mais duradoura.

As cicatrizes mais profundas eram invisíveis, estavam gravadas na alma de Hye-Jin ─ em camadas que nem mesmo ela conseguia alcançar. Era o medo, medo de pronunciar uma palavra fora de lugar, de cruzar o olhar com alguém de maneira equivocada, de ser traída por um vizinho desesperado, alguém que entregaria qualquer um ao governo em troca de um mísero pedaço de pão ou pela promessa vaga de sobrevivência.

Quando Hye-Jin finalmente decidiu fugir, sabia que estava apostando tudo.

Cada passo para longe era um grito de desafio contra a certeza de que ser capturada significaria um destino ainda mais cruel, porém, dentro dela, uma faísca de esperança queimava. Fugir não era apenas uma tentativa de escapar, era um ato de rebelião, uma declaração de que ela ainda era dona de si mesma, apesar de que o mundo ao seu redor insistisse em negá-la esse direito.

O Rio Tumen ─ uma linha sinuosa que separa a Coreia do Norte da China, era tanto um símbolo de esperança quanto de terror. Suas águas geladas ─ escuras e traiçoeiras, formavam uma barreira quase imbatível. Para muitos, o Tumen era o último obstáculo, para outros, era uma sepultura líquida. Naquela noite de inverno ─ enquanto o vento chicoteava seu rosto e os sons abafados dos passos dos guardas patrulhando ao longe ecoavam pela escuridão, Hye-Jin sabia que não tinha nenhuma escolha, com o coração disparado, ela ajustou o cachecol gasto ao redor do pescoço, deu uma última olhada pelo lugar e então, mergulhou.

A água era um choque imediato ─ um abraço gélido que fazia sua pele arder e seus pulmões implorarem por ar. Cada braçada era uma luta contra as correntes implacáveis que tentavam arrastá-la de volta para o lado que ela jurou nunca mais ver, seus músculos protestavam, a força começava a abandoná-la, mas a visão das margens do outro lado ─ um pequeno vislumbre da liberdade, a mantinha em movimento. Quando seus pés tocaram o solo congelado do solo chinês, ela caiu de joelhos ─ muito ofegante, seus dedos entorpecidos e o corpo tremendo incontrolavelmente. Ela estava exausta, faminta e completamente sozinha, mas pela primeira vez em anos, sentia-se viva.

No entanto, a travessia do Tumen foi apenas o começo, os meses seguintes na China foram como atravessar outro tipo de inferno. Refugiada e sem documentação, Hye-Jin era invisível, mas não invulnerável, ela se viu caçada por predadores disfarçados de salvadores ─ traficantes de pessoas e intermediários que viam em sua vulnerabilidade uma oportunidade de lucro. Trabalhando longas horas em fábricas clandestinas, lavouras e casas de família, ela dormia pouco, comia menos ainda e vivia em constante medo de ser descoberta e deportada.

Porém, haviam também momentos de inesperada humanidade: uma idosa que lhe ofereceu um prato de sopa quente em silêncio, um colega de trabalho que compartilhou seu pão duro no final do turno, um motorista que ─ ao vê-la exausta na estrada, a levou sem fazer perguntas. Esses pequenos gestos de bondade eram como fagulhas, mantinham acesa uma chama de esperança em um mundo onde tudo parecia estar contra ela.

No inicio, ela aprendeu habilidades básicas para sobreviver no mundo exterior, como falar o idioma local com fluência e realizar trabalhos simples, aos poucos, começou a expandir seus horizontes, conectando-se com outros norte-coreanos refugiados que compartilhavam de dor e resiliência. Juntos, formaram uma rede de apoio informal que a ajudou a planejar um futuro onde pudesse viver sem medo. O medo, entretanto, ainda era uma sombra constante e o trauma ─ de anos de opressão, fazia com que cada passo à frente fosse carregado de incertezas. Sua determinação a levou ─ após anos de esforço e superação, até a Coreia do Sul, lá, Hye-Jin encontrou sua tão almejada liberdade, mas descobriu que a liberdade ─ por si só, não era suficiente para apagar as marcas profundas do seu passado. O preconceito contra refugiados norte-coreanos a fazia se sentir como uma estrangeira em sua própria terra, mesmo estando tecnicamente "em casa", era como se carregasse um rótulo invisível que a separava de seus compatriotas.

Para lidar com o peso de seu passado, Hye-Jin tomou uma decisão audaciosa: ingressar na polícia. Ela acreditava que sua história de vida ─ marcada pela fuga, luta e sobrevivência, poderia ser transformada em uma fonte de força para proteger e inspirar outros que enfrentavam desafios similares. Para a mesma, o uniforme azul e o distintivo brilhante não eram apenas símbolos de autoritarismo, mas também representavam uma espécie de redenção pessoal, uma oportunidade de confrontar seus demônios internos e usar sua empatia única para ajudar as pessoas mais vulneráveis. Embora o peso emocional que ela carregava fosse pesado, Hye-Jin encontrou no serviço policial uma nova razão para seguir em frente, lidando com casos de violência, abuso e injustiça, ela enxergava ─ em cada vítima que ajudava, um reflexo de si mesma: uma pessoa que só precisava de uma chance para recomeçar.

O trabalho ─ embora desafiador, tornou-se uma maneira de dar significado à sua dor, transformando suas cicatrizes em ferramentas para a mudança.

Embora fosse extremamente competente, a norte-coreana mantinha-se reservada, ela era uma presença marcante, mas silenciosa, sua postura era disciplinada ─ quase impenetrável, e os poucos que ousavam tentar quebrar suas barreiras logo percebiam o porquê de seu silêncio ser tão afiado. Seus colegas de trabalho a admiravam por sua determinação e força de vontade, mas nenhum deles tentavam se aproximar da morena. Alguns suspeitavam que sua solidão não era apenas uma questão de personalidade, mas também de autopreservação ─ um resquicio da vida cheia de riscos que havia deixado para trás.

Quando recebeu a missão de patrulhar as fronteiras da Coreia do Norte, ela aceitou sem pestanejar. Para muitos companheiros, aquela tarefa seria carregada de tensão e medo, mas para Hye-Jin era diferente, a ideia de voltar ao lugar que tanto temia não lhe despertava mais pavor, muito pelo contrário, parecia um reencontro destinado, quase como se ela estivesse dançando uma melodia astuta com o inevitável. Cada passo que dava em direção à fronteira era como seguir o ritmo de uma música que só ela podia ouvir e assimilar o seu significado tênue.

Ela sabia que as sombras de seu passado poderiam ressurgir ali, mas não chegava a se intimidar. Hye-Jin via naquela missão uma oportunidade de enfrentar seus fantasmas de frente ─ talvez até de se reconciliar com partes de si mesma que havia enterrado ao longo dos anos. Seu olhar determinado refletia uma força interna inabalável, mesmo enquanto seu coração carregava o peso de memórias que nunca a abandonariam completamente. Seja em silêncio ─ ou em ação, Hye-Jin era movida por uma única convicção: a de que ─ ao encarar o lugar que quase destruiu sua existência, ela poderia ─ finalmente, reivindicar sua liberdade completa.

Durante os dezoito meses ─ um ano e seis meses, em que esteve infiltrada no país asiático, Hye-Jin experimentou uma vida que poucos poderiam imaginar, marcada por tensão, decisões de vida ou morte e uma solidão que parecia consumir ainda mais sua humanidade. Cada dia era um desafio excruciante para se manter viva enquanto trabalhava para desmantelar redes de tráfico humano que operavam em segredo sob a vigilância implacável do regime norte-coreano. Com uma identidade falsa ─ cuidadosamente construída, ela infiltrou-se em comunidades onde a desconfiança era a regra principal e cada olhar era uma ameaça silenciosa.

Os horrores que presenciou não eram apenas histórias que ouviria para relatar mais tarde, eram cenas que se desenrolavam diante de seus próprios olhos. Famílias inteiras eram separadas de modo desumano, pais levados para campos de trabalho enquanto seus filhos eram deixados para trás sem proteção alguma. Ela se lembrava perfeitamente de uma menina de seis anos ─ coberta de poeira e lágrimas, segurando o braço sem vida da mãe que havia sucumbido pela fome. Em outro momento, viu um homem que confiava cegamente em um amigo de infância ser denunciado, capturado e levado sob os gritos de sua esposa, cada uma dessas histórias ficava gravada em sua memória como feridas abertas.

E foi em um dia ─ considerado normal, que Hye-Jin enfrentou o momento mais crítico da missão. Sob o pretexto de negociar informações, ela foi atraída para uma zona de encontro que ─ na verdade, não se passava de uma armadilha planejada com astúcia. Os agentes norte-coreanos ─ armados e determinados a eliminá-la, abriram fogo assim que perceberam que haviam sido descobertos, em meio ao caos, uma bala perfurou sua coxa esquerda, a dor era insuportável, um calor nada lúcido que irradiava do ferimento visceral. Ela mal conseguiu rastejar para fora do alcance deles, deixando um rastro de sangue enquanto se embrenhava na mata fechada.

A floresta que a acolheu tornou-se tanto um refúgio quanto uma prisão, por dias, ela vagou sem destino, pressionando pedaços de tecido contra a ferida para conter a hemorragia, quando o sangue parou de jorrar, o cheiro de carne infeccionada a alertou sobre a gravidade da situação. A infecção lhe trouxe febres altas e delírios, em um momento, ela sonhou que estava em casa, ouvindo a risada alta de sua mãe e as piadas de seu pai, podia até mesmo jurar que sentia o aroma agradável de comida vindo da cozinha, porém, sempre acordava para a realidade com folhas úmidas e o frio insalubre da noite. Hye-Jin se alimentava de raízes amargas e pequenas frutas que encontrava pelo caminho, sempre testando cada uma para garantir que não fossem venenosas para seu sistema imunológico, em situações extremas de fome, ela conseguiu capturar pequenos animais, improvisando ferramentas primitivas para sobreviver.

As noites sempre eram as piores, no escuro, os sons da floresta pareciam amplificados: o estalar de galhos, o farfalhar das folhas e ─ ocasionalmente, o rosnado distante de predadores. Cada barulho fazia seu coração disparar, temendo que sua localização fosse descoberta. Uma vez, acordou com o som de vozes humanas ao longe e teve de ficar imóvel por horas, até ter certeza de que estava sozinha. Após semanas nesse estado ─ debilitada e à beira da morte, ela conseguiu atravessar a fronteira, seu corpo estava irreconhecível: a pele marcada por feridas e cicatrizes, os cabelos desgrenhados e os olhos fundos, carregados de um cansaço indescritível. Ao chegar à Coreia do Sul, soube que havia sido dada como morta, alguns colegas expressaram alívio ao vê-la viva, mas outros a olhavam com uma mistura de curiosidade e desconforto, como se estivessem diante de uma sobrevivente de algo que não podiam compreender.

Hye-Jin não corrigiu as histórias sobre sua suposta morte, inicialmente, o anonimato era um alívio bem-vindo, aceitar um status de heroína significaria revisitar constantemente o inferno que havia experimentado, explicando e justificando seus atos para aqueles que jamais poderiam compreender de fato o que era estar na Coreia do Norte. Em vez disto, ela desapareceu por alguns meses, recusando convites para entrevistas, homenagens ou reconhecimentos. Ela vivia agora em silêncio, tentando reconstruir uma vida que jamais poderia ser a mesma. À noite, Os pesadelos ainda vinham: gritos, tiros e rostos que desapareceriam para sempre, aquilo sempre seria um lembrete de que a guerra nunca cessaria completamente, a Coreia do Norte sempre viveria com bases sadicas e cruéis, não havia salvação para aquele país.

A delegacia de polícia em Dobong-gu fervilhava de atividade naquela manhã. O incessante som de telefones tocando, passos apressados ecoando no piso desgastado e conversas fragmentadas em tons urgentes criavam uma sinfonia caótica que preenchia o corredor estreito. Porém, todo esse barulho cessou abruptamente quando os passos firmes de Hye-Jin ─ marcado pelo ritmo frenético de suas botas, atravessaram a porta principal. O frio do lado de fora ainda grudava nela como uma segunda pele, seu casaco preto ─ pesado e elegante, estava salpicado de gotículas de água que escorriam lentamente pelo tecido grosso, denunciando a garoa persistente que dominava a manhã. Uma rajada de ar gelado acompanhou sua entrada, fazendo o ambiente parecer ainda mais pesado, como se sua mera presença trouxesse um prenúncio de algo grave.

Os policiais presentes ergueram o olhar quase ao mesmo tempo, interrompendo suas tarefas, não era apenas a curiosidade que os movia, era algo mais profundo, uma mesclagem de respeito e desconforto que parecia dançar em uma linha tênue. A postura de Hye-Jin ─ ereta e resoluta, reforçava a aura de autoridade que emanava dela, seus olhos afiados ─ e avaliadores, varreram o local com calma, parecendo enxergar muito além das paredes desgastadas e das expressões tensas. O silêncio que a seguiu era tão denso que parecia palpável, como se todos na delegacia estivessem prendendo a respiração, aguardando o desfecho de uma história que ainda não havia sido contada.

O aroma agridoce de café requentado misturava-se ao odor pulsante de papéis amarelados pelo tempo, criando assim uma atmosfera densa e melancólica. Aquele lugar não era tão diferente dos outros lugares que ela já havia trabalhado, mas havia algo singular em Dobong-gu que ecoava pelas paredes, como cicatrizes invisíveis na arquitetura do distrito. Aquela atmosfera carregada fazia sua pele formigar como se estivesse ─ mais uma vez, entrando em um campo de batalha.

Ela avançou pelo corredor estreito, ignorando os murmúrios abafados que surgiam à medida que passava. As botas de couro polido produziam um som rítmico ao tocar o piso de azulejos manchados, cada passo firme era uma declaração sigilosa: ela não estava ali para ser subestimada. Ao alcançar a porta marcada pelo tempo, empurrou-a com determinação, o ranger discreto das dobradiças anunciou sua entrada, do outro lado da sala, o delegado levantou os olhos de um maço de documentos espalhados sobre uma mesa velha. Era um homem robusto, ombros largos e um bigode meticulosamente aparado que lhe dava um ar sensual, os olhos ─ porém, carregavam o peso de décadas de experiências ─ histórias que ele nunca compartilharia, mas que haviam deixado marcas profundas em seu semblante.

Ele a avaliou com um olhar demorado que oscilava entre ceticismo e curiosidade, antes de gesticular com a mão calejada para que se sentasse.

─── Polícia Jeong Hye-Jin, seja bem vinda a Dobong-gu. ─ Disse ele, a voz rouca como madeira velha sendo arrastada pelo chão. Sua voz era firme ─ quase rispida, mas ainda não era hostil. ─── Ouvi coisas sobre você, boas e ruins, mas não é do meu interesse revirar o seu passado. Aqui, o que importa é o presente, e no presente, precisamos de alguém com sua experiência.

Ela inclinou a cabeça levemente, os olhos fixos no interlocutor enquanto seu rosto permanecia impassível diante das palavras que ele acabou de proferir.

─── Você vai ter muito trabalho, principalmente porque vou colocá-la com um dos nossos melhores policiais: Hwang Jun-Ho. Ele é extremamente competente no que faz, mas.. bem, digamos que ele tem uma maneira particular de trabalhar. ─ O nome a fez arquear uma sobrancelha, o que não passou desapercebido pelo delegado. Hye-Jin havia lido alguns relatórios sobre Hwang Jun-Ho ─ o detetive obstinado que ganhou notoriedade por sua investigação solitária sobre o desaparecimento de seu irmão mais velho. A determinação dele era admirável, mas o mesmo não podia ser dito sobre seu temperamento, ele era conhecido por sua relutância em aceitar ajuda e seu modo de lidar com os colegas, algo que o tornava uma figura tanto respeitada quanto evitada.

Apesar disso, a mulher não se sentia intimidada, anos de trabalho haviam a ensinado sobre o valor da colaboração, mesmo nas circunstâncias mais difíceis. A solitude era algo que aprendeu a lidar, mas tinha plena convicção de que missões bem-sucedidas dependiam ─ em grande parte, de um esforço conjunto, a ideia de trabalhar com alguém tão resistente à parceria a intrigava mais do que a preocupava.

─── Boa sorte com ele. ─ O delegado, percebendo o breve lampejo de curiosidade no olhar feminino, esboçou um sorriso com um toque de ironia. Sua voz carregava um tom ambíguo. Hye-Jin manteve a expressão calma, mas por dentro sentiu uma leve centelha de antecipação, se Hwang Jun-Ho era tão complicado quanto diziam, ela estava disposta a descobrir por si mesma, afinal, desafios eram o que a moldavam.

Ao sair da sala, o vento frio que atravessava as janelas abertas parecia uma carícia quase bem-vinda, uma pausa gélida diante da atmosfera sufocante que Hye-Jin acabara de deixar para trás. Ao atravessar a porta da sala ao lado, porém, foi recebida por algo mais cortante que o frio lá fora: o silêncio. Era um silêncio pesado que parecia ecoar pelas paredes, intensificado pela luz pálida que se filtrava pelas janelas sujas, a claridade opaca banhava o ambiente com um tom acinzentado, tingindo as paredes descascadas e os móveis desgastados de um ar ainda mais desolador. A sala tinha um peso invisível ─ algo que prendia o fôlego, abafando até mesmo o som dos passos de Hye-Jin no chão de tábuas envelhecidas. No centro de tudo, Jun-Ho estava inclinado sobre uma mesa abarrotada, seu corpo tenso como se carregasse um fardo maior do que seus ombros podiam suportar. Pilhas de documentos amassados, fotografias desbotadas e anotações rabiscadas se espalhavam em um caos esquisito ─ quase calculado, cada peça aparentemente disposta em um padrão que apenas ele conhecia.

Seu rosto era uma máscara de exaustão, as olheiras um pouco fundas sob seus olhos pareciam gravadas em sua pele alva, um testemunho de noites mal dormidas ─ ou talvez da ausência completa de descanso. Seus lábios estavam espremidos em uma linha fina, como se segurasse palavras que preferiam não ser ditas, enquanto sua atenção examinava um pedaço de papel com uma cautela quase que obsessiva, era como se o mundo inteiro tivesse parado para ele, cada pensamento direcionado àquilo que estava à sua frente, ignorando o frio, o silêncio e por fim, a própria presença de Hye-Jin.

Quando ele finalmente ergueu o olhar, o movimento foi lento, como se quisesse saborear o desconforto que causava. Seus olhos encontraram os de Hye-Jin ─ frios e avaliativos, como uma lâmina aguda. O ar na sala parecia ter congelado, tornando-se denso e até difícil para respirar.

─── Então é você. ─ Disse o homem depois de uma pausa deliberada, tendo cada palavra um ponto de sarcasmo difícil de ignorar. ─── A parceira que ele acha que eu preciso. ─ Um pequeno sorriso sem humor surgiu em seus lábios, recheado por desdém. Hye-Jin se manteve firme, limpou a garganta e o analisou por alguns segundos, fazendo-o sentir uma breve queimação em todos as moléculas de seu corpo após tê-la o observando de modo lento e descarado.

Ela não se deu o trabalho de responder aquela provocação de imediato. Teve tempo de tirar o casaco aveludado do corpo, pendurando-o na cadeira á frente do homem de madeixas negras, ele também a analisou ligeiramente, notando a postura confiante presente na imagem feminina.

─── Não estou aqui porque você precisa de mim, estou aqui porque fui designada. ─ Ditou ela com uma calmaria incomum, gesticulando seus lábios de maneira codificada. ─── Também não gosto de parceiros, se quer saber.

─── Então estamos de acordo, talvez você possa dizer isso ao delegado, não é? ─ Jun-Ho cruzou seus braços, inclinando-se para trás da cadeira.

A norte-coreana avançou um único passo, o som discreto de seus sapatos contra o chão de madeira cintilando pelo silêncio opressivo da sala. Sua postura era contida ─ quase felina.

─── Não quero trabalhar com alguém que acredita ser a única pessoa que perdeu alguém importante, não serei sua concorrente nesse seu sofrimento, mas ordens são ordens. ─ Quando finalmente falou, sua voz foi baixa, pouco mais que um sussurro, mas havia nela uma força que cortava o ar com a precisão de uma arma. O tom que ela usou era frio, controlado, mas carregava uma ameaça implícita, como um trovão distante que antecede uma tempestade. Hye-Jin tinha o tipo de voz que não precisava se elevar para ser ouvida, era impossível ignorá-la, não apenas pela melodia, mas pelo peso que as palavras carregavam. ───Não quero ter que explicar ao nosso superior que meu parceiro não concorda com sua escolha, então trate de se comportar, policial.

Hwang continuou a encarando, sua mandíbula travou por um momento, desconcertado pela escolha de palavras certeiras da mulher. Não revidou, apenas desviou o olhar para os papéis em sua mesa, soltando um outro suspiro.

─── Tudo bem. ─ Aceitou ele por fim, passando a língua entre os lábios antes de puxar um dos arquivos e fazê-lo deslizar sob a mesa, tendo destino direto para perto da policial. ─── Mas vou dizer apenas uma coisa: não me atrapalhe, trabalharemos no meu ritmo, do meu próprio jeito.

Hye-Jin deu de ombros com uma indiferença lasciva, como se o peso do ambiente não a afetasse. Com movimentos ágeis, puxou uma cadeira próxima, o arrastar da madeira no chão ecoando suavemente pelo silêncio denso da sala. Sentou-se à mesa com a mesma tranquilidade desconcertante, cruzando as pernas enquanto seus olhos deslizavam pelo caos organizado à sua frente. Seu olhar passeou pelos papéis espalhados ─ anotações frenéticas, fotos marcadas por círculos e setas, recortes de jornais antigos com títulos quase apagados pelo tempo. Ela ergueu o olhar para o homem que ainda estava absorto.

─── Não planejo atrapalhar. ─ Seus dedos tocaram levemente uma pilha de papéis, movendo-a de lado para abrir espaço. Havia um tom quase desafiador em suas palavras, como se ela estivesse afirmando que já fazia parte daquele momento, quer ele quisesse ou não. ─── Só me diga por onde começamos.

olá, sejam todos bem vindos á memento mori, uma história que nasceu após minha obsessão por round 6 ( squid game ) voltar com tudo depois da segunda temporada ter sido lançada. Vai ser uma loucura desenvolver essa história, ela será baseada na primeira temporada, então pode conter spoilers para aqueles que não assistiram. É apenas um surto depois de perceber que ainda sou apaixonada por aquele policial gostoso que tem um irmão ainda mais saboroso 🫦🫦 espero que gostem dessa loucura, votem e deixem um comentário para ajudar no engajamento da história, até uma próxima vez < 3

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