44- Resilient - Katy Perry
O pai de Burke era um homem simpático, mas Marie recusava toda a comida que ele tentava dar-lhe, com medo do veneno que eu tinha mencionado que a mãe de Burke dizia poder colocar na refeição.
As netas e a avó põem a mesa - uma traz os pratos, outra os copos e a comida fica a cargo da matriarca.
— Cristina, minha querida, temos uma tradição na nossa família: no final da refeição, as mulheres lavam a louça. Isso significa que tu e eu vamos lavar a louça, mesmo que ainda não estejas casada. Na última vez que estiveste a namorar o meu filho, não tive oportunidade de te dizer isto - disse a mãe de Burke com um sorriso falso. - Agora vamos orar para agradecer a refeição!
— Mama, a Cristina e a Marie são judias - disse Burke. - Podemos saltar esta parte da oração?
Eu fiquei admirada por Burke ter esta tradição. Sabia que ele era espiritualista, mas nunca pensei que fosse tão religioso.
— Não sabia que oravas nas refeições. Isso surpreende-me muito - disse, enquanto servia um copo de vinho. - Não damos importância às religiões e não acreditamos em Deus. A religião e a hipocrisia andam de mãos dadas. Enfim! - dei um gole profundo no vinho. — Podem começar a rezar. Não se preocupem connosco!
— Isso é estranho, mãe! — disse Marie, vendo a família Burke a rezar.
Dava para perceber que nenhum homem naquela mesa estava habituado a rezar antes das refeições, e que a mãe de Burke queria testar a minha resiliência. Viviane, filha de Burke, também parecia incomodada com o que estava a acontecer.
Após a oração, a mãe de Burke perguntou-me se eu não ia servir o seu filho.
— A Cristina não vai servir o seu namorado? — perguntou, para admiração de todos na sala.
— Desculpe, mas o seu filho tem as duas mãos em perfeito estado de conservação. Nem a minha filha eu preciso servir, quanto mais um homem feito! — respondi com uma ponta de ironia.
Ela dá uma gargalhada, que me irrita solenemente.
— Você não muda nunca! — diz ela encarando-me e logo põe uma garfada a boca, limpa a boca ao guardanapo enquanto engole o pedaço pequeno de peixe. — Fiquei muito surpresa quando se casou, falei com a sua mãe acerca disso!
— Jane querida, pare de ser intrometida! — diz o pai de Burke, colocando a mão sobre a esposa para que ela pare de falar. — Cristina, e seu trabalho como está indo?
Felizmente, a mãe do Burke acalmou as provocações, e eu consigo me centrar no pai do Burke.
— Felizmente está tudo a correr bem, estou na construção de um novo hospital, o instituto está a correr bem também. — respondo de forma confiante.
— Fico muito feliz, minha querida! Desde que a conheci, disse que você ia longe nesse mundo que é a medicina! Você tem a garra necessária! — ele sorri para mim, e eu sinto-me mais à vontade para continuar a conversa.
Mas a esposa dele, Jane, logo interrompe com uma pergunta desagradável:
— Como você vai conseguir chegar a tantos lugares ao mesmo tempo? Uma filha, uma relação! Alguma coisa vai ficar para trás.
Não soube como responder à pergunta, afinal, eu mesma ainda estava a aprender a conciliar todas as responsabilidades. Mas ao invés de expor minha insegurança, eu respondi com convicção:
— Eu aprendi a equilibrar as coisas, senhora Burke. A vida não é fácil, mas estou confiante de que posso lidar com tudo que a medicina e a vida me trouxerem e felizmente a minha filha tem um grande padrinho, e nunca foi deixada ao abandono.
— o pai não apoia? — perguntava a mãe do Burke, eu fico aflita não tinha certeza se ela sabia que Marie não tinha pai. Olho aflita para o Burke, mas a Marie salva a situação.
— Eu sou fruto de inseminação artificial, não tenho pai biológico. Mas tenho a minha mãe, que é tudo o que eu preciso. — respondeu Marie com serenidade, encarando a mãe de Burke nos olhos.
— Estou admirada com essa criança, que idade tem mesmo Marie? — perguntava a mãe de Burke à pequenina.
— Tenho seis, quase sete! Mas minha mãe ensina-me tudo, eu não sou igual aos outros meninos que acreditam no Pai Natal e no coelho da Páscoa. — ela volta a calar e volta a comer a sua refeição.
O almoço decorreu sem incidentes, apesar dos olhares inquisitivos da outra filha de Burke, Simone, que ao contrário de Viviane usava um vestido amarelo justo ao corpo, com um casaco fino por cima e sapatos, o cabelo muito bem penteado e uma maquilhagem simples.
— Engraçado, suas filhas são fisicamente iguais, mas com personalidades tão diferentes que, mesmo vestidas de forma idêntica, eu conseguiria distinguir quem é quem. — comentei, observando as duas garotas.
— Não entendi o que queria dizer, Dra. Yang. — disse Simone, curiosa.
— É fácil, a sua irmã tem um brilho diferente nos olhos e uma forma de falar diferente! — expliquei, sorrindo.
Simone dirigiu-se a mim, levantando uma sobrancelha esculpida e dizendo:
— Doutora Yang, a minha irmã é mesmo assim, rebelde. Eu prefiro seguir as regras, como meu pai deseja. — ela inclina um pouco a cabeça para o lado e faz um gesto suave com a mão, como se estivesse explicando algo óbvio e abre um sorriso para seu pai e avó, enquanto Viviane baixa a cabeça, o que me causa um pouco de pena.
Sua voz era suave, mas carregada de uma certa arrogância, como se a escolha dela fosse superior à da irmã.
Pude sentir que Viviane e eu tínhamos uma conexão especial, como se já nos conhecêssemos há anos. Ela parecia ser uma rebelde fingida, ou talvez fosse simplesmente a energia que cada uma de nós emanava.
A avó das gémeas percebeu a minha ligação com Viviane, ou melhor, a ligação entre Viviane e nós. Apesar de Marie não ser nada simpática com ela, Viviane achava piada ao jeito dela. Então, chamou a neta para ajudar a trazer a sobremesa. Marie pediu fruta, pois não gosta de doces depois da refeição.
— Então, garota, venha escolher a sua própria fruta! — disse a avó em pé, recolhendo os pratos. Marie ajeitou a roupa e acompanhou a mãe de Burke. — É muito feio recusar algo que lhe oferecem.
— Senhora, a minha mãe diz que temos de ser honestas em relação às coisas que gostamos e não gostamos. — disse Marie com um ar sério.
— Mas a sua mãe é um péssimo exemplo, devia levantar-se e vir escolher a fruta para a filha e ajudar a sua futura sogra a recolher a loiça suja. — Marie franziu o sobrolho, mas a senhora Burke, não deixou que ela respondesse. — Não precisa fazer essa cara menina, você não tem idade para isso. Já que vai pertencer à família, vou ter que educá-la para que não seja igual à sua mãe... Se não, ninguém vai querer casar contigo. — disse ela com uma voz cansada e desgostosa. — Já não tenho idade para isso! O meu filho devia cuidar de mim e não o contrário.
Marie ficou a olhar para ela, encarando a senhora.
— Você não gosta da minha mãe, porquê? A minha avó gosta muito do tio Burke! A minha mãe é muito mais interessante e bonita do que a mãe morta das suas netas. Ela é inteligente, uma excelente médica, uma grande cirurgiã. A minha mãe tem dinheiro e está a construir outro hospital para ajudar crianças africanas. Você também é negra, devia ficar contente com isso! — Marie deu de ombros e suspirou. — Você tem um péssimo gosto! — pegou numa maçã. — Já escolhi a fruta, agora vou para perto da minha mãe porque sou convidada, não empregada!
Terminada a refeição, a mãe dele chamou-me para lavar a loiça, coisa que nunca fiz na vida e pior, é que ela tinha máquina na cozinha.
— Você lava e eu seco! — disse ela, e eu sorri.
— Você é que manda! — comecei a pegar nos pratos para iniciar a lavagem, mas ela começou a embirrar que tinha que ser os copos primeiro. Quando a minha raiva estava no limite e eu ia começar a partir a loiça, Viviane apareceu.
— Eu lavo! Eu gosto de lavar a loiça, é relaxante, e posso ficar aqui sozinha. Não tenho paciência para reuniões familiares, principalmente com a minha própria irmã.
— Não, minha querida, desde que a sua mãezinha morreu, você tem passado muito pouco tempo com o seu pai! — encarou-me. — Parece que o seu pai tem um novo entretenimento. Valha-me Deus!
Eu fiquei calada a olhar para o rosto dela, mas não aguentei mais.
— Entretenimento? — perguntei indignada.
— Claro, você é uma teimosia do meu filho!
— Escute aqui, senhora, não tenho nada a ver com as suas neuroses. Se não gosta de mim, problema seu. Mas não me venha com insinuações infundadas sobre mim e o seu filho. Se ele me escolheu como namorada, é porque gosta de mim e não por causa de algum 'entretenimento'. E quanto ao tempo que ele passa comigo, é uma escolha dele e não da sua responsabilidade. Portanto, se tem algum problema com isso, sugiro que converse com ele e não comigo. Agora, se me dá licença, tenho coisas mais importantes para fazer do que perder tempo com conversas inúteis.
Mando o pano de cozinha contra a bancada e viro costas para elas, caminhando furiosa até a sala:
— Marie, vamos embora! — disse, não dando tempo para Burke perguntar nada.
Antes de chegar à porta, Burke segura o meu braço e eu debato-me para que ele me solte.
— Larga-me! — exclamo, furiosa.
— O que se passou? — pergunta ele, claramente confuso.
— A tua mãe é uma louca! — suspiro. — Eu sei que é a tua mãe, mas eu não tenho que aturar isso. Eu não aturo nem a minha própria mãe, quanto mais a mãe dos outros! Jamais!
De repente, a mãe de Burke aparece a falar atrás de nós.
— Filho, eu não te disse que esta mulher é uma grossa? Ofendeu-me a mim e a Viviane! — abro os olhos surpreendida com tanta mentira dela.
— Vou-me embora, eu e a minha filha somos boas demais para aturar uma louca como a senhora. — Abro a porta de casa e dirijo-me a Burke. — Isto deve ser demência, Burke. Se fosse a ti, levavas a tua mãe a um psiquiatra!
Oiço ainda o Burke pedir a mãe para respeitar, mas prefiro deixar os dois a resolverem as suas coisas e saio da casa, fechando a porta atrás de mim. Respiro fundo e tento acalmar-me. Mas, no meio da minha frustração, a voz da minha filha interrompe meus pensamentos.
— Mãe, por que ela não gosta de ti? — pergunta Marie, mas sem obter resposta para a sua pergunta. Porque até hoje não sei o que fiz para que a mãe de Burke me tratasse tão mal.
Contínua...
"Não são as circunstâncias que determinam quem somos ou quem podemos nos tornar, é a maneira como respondemos a elas que molda nosso caráter e determina o nosso destino."
Tony Robbins
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