04. QŪVIR
QŪVIR
I. LAMENTAÇÃO.
II. Espada de aço valiriano da família Royce.
DAEMON TARGARYEN
Daemon encarou o pergaminho outra vez, a ponta da pena pairando sobre a superfície, sem saber o que escrever.
Na manhã seguinte, ele seguiria o plano de Laenor e esperançosamente venceria a Triarquia de uma vez por todas.
Matando aquele Crabfeeder, Craghas Drahar, ele mesmo.
Ou talvez, eles perderiam e Daemon morreria nessa guerra estúpida.
Ele tinha certeza que muitos gostariam disso. Talvez até mesmo o irmão mais velho dele, o rei. Que se dignou a escrever apenas agora.
Depois de seis anos de Daemon e Corlys travando essa guerra enquanto o rei se divertia com sua nova esposa, seu filho e os banquetes luxuosos.
Daemon olhou para o pergaminho novamente, e seu olhar recaindo para os outros vários pergaminhos amassados e jogados no chão de sua tenda.
Daemon não sabia como escrever para ela.
Pra criança que ele não viu crescer nos últimos seis anos.
Seis anos.
Seis malditos anos em uma guerra que Daemon imaginava que duraria apenas um ou dois anos.
Ela tinha pouco mais de um ano quando ele partiu para guerra, sem retornar até então, e apesar de balbuciar as sílabas em valiriano que ele a ensinou, ela não havia dito sua primeira palavra ainda.
Daemon se perguntou qual foi a primeira palavra dela.
Baelys.
A filha dele.
O bebê que o prendeu em Runestone por mais de um ano, até que o chamado da guerra e violência o atraiu como uma sereia atraía os marinheiros para as águas.
Ele nunca esperou ficar tanto tempo.
Talvez ele morresse no dia seguinte, no campo de batalha.
E o que restaria de sua vida então? Um amontoado de sangue e violência, sem nada para mostrar a Baelys além de uma sombra distante, de um pai que ela nunca conheceu realmente.
Um pai que tudo que sabia e conhecia era a violência, a guerra e o derramamento de sangue.
Daemon se lembrou das batalhas passadas, do cheiro de sangue e suor, da excitação que sentia ao brandir sua espada contra os inimigos. A violência havia moldado cada parte de sua existência.
Isso era fácil.
Tirar vidas, queimar com Caraxes e cavalgar para a guerra sem medo. Isso era fácil, isso era o que Daemon sabia fazer de melhor.
Era tudo o que ele era.
E aquele ano que ele passou em Runestone, com o choro de Baelys, as reclamações insuportáveis de Rhea e o lugar que ele odiava, foram estranhos, diferentes.
Não foram nada do que ele conhecia.
Então, quando a guerra chamou, quando Corlys o procurou, Daemon foi.
E ele não olhou para trás.
Agora ele desejava que o tivesse feito.
Em Runestone, uma garotinha crescia com o sangue dele nas veias. Uma garotinha de quem ele não sabia nada.
As cartas mensais que ele mandava para Rhea continuavam sem resposta.
E Daemon era covarde demais para visitar Runestone sem antes acabar com a guerra dos Degraus. Ele não era abandonaria os homens que precisavam dele e de Caraxes.
Baelys.
A garotinha que ele não conhecia, cujo o ovo nunca chocou no berço, pelo menos, isso era o que os espiões dele disseram.
Outros contaram para ele como a menina era louca, gritando todas as noites com pesadelos sem fim.
Louca.
Desses, Daemon arrancou as línguas após seus relatos.
Baelys, a filha dele, com um maldito dornês como escudo juramentado.
Rhea o odiava o suficiente para o afrontar dessa forma. Afrontar a Casa Targaryen.
Baelys se lembrava dele?
Ela sabia quem ele era?
Ou Daemon era apenas o progenitor desconhecido que ela nunca veria?
Daemon foi ausente durante praticamente toda a curta vida da criança, e de certa forma, ele sentia muito por isso.
Ele nunca quis que fosse assim.
Mas talvez fosse bom que ele estivesse longe, ele tinha uma boa desculpa, a guerra. Que desculpa ele daria se simplesmente fosse embora por que se cansou de Rhea, de Runestone, do Vale, de ser pai?
Há coisas que um guerreiro como Daemon, com um coração amargo e endurecido, não sabe como fazer, e ser um pai é uma delas.
Isso nunca foi natural para ele, não como era pra outros homens.
Mas, apesar de tudo, de todos os seus defeitos, ele pensou na filha na maioria de seus dias.
Pensava em como ela deveria estar crescendo forte e inteligente.
Como ela poderia estar deprimida por não ter um dragão, como ele ficou na infância.
Como ela não teria ninguém para falar a língua materna deles.
Como ele queria cortar a língua de todos que a chamavam de louca.
Ela, uma garotinha de sete anos.
Filha dele.
Daemon, mesmo de longe, mesmo sem entender o que era ser pai, se importava.
E se culpava.
Porque Daemon nunca seria para Baelys, um terço do pai que Baelon foi para ele.
Um pai amoroso sem medidas, sem medo de mostrar seu coração. Com uma personalidade gentil e brincalhona com os filhos. Um pai gentil, que não hesitava em dizer que amava ele e Viserys.
Daemon não era nada disso.
Ele não sabia como ser isso. Como ser como Baelon.
Ele não sabia como ser pai. Em como não estragar tudo.
No entanto, antes que ele pudesse afundar totalmente em seus pensamentos e inquietações, a entrada de sua tenda foi abruptamente aberta.
Corlys Velaryon, o Senhor das Marés, entrou com a habitual confiança que parecia irradiar dele.
Seus olhos valirianos, tão escuros e profundos quanto os mares que navegou, fixaram-se em Daemon.
ㅡ Pronto para amanhã,
Daemon? ㅡ Corlys perguntou, sua voz grave e firme, mas carregando uma pontada de preocupação oculta.
Corlys e Daemon criaram uma espécie de entendimento nos últimos seis anos lutando lado a lado.
Não se poderia dizer que eles eram amigos, homens como Daemon não tinham amigos, mas ele e o Serpente Marinha respeitavam um ao outro, apoiavam um ao outro.
De certa forma, eram família, já que a prima de Daemon, Rhaenys era casada com o Velaryon.
Daemon levantou-se lentamente, colocando a carta rabiscada de lado.
ㅡ Eu estou sempre pronto para a batalha, Corlys. ㅡ Daemon tentou esconder a vulnerabilidade momentânea que sentira ao tentar escrever uma carta de despedida para Baelys.
Corlys quase riu, mas seus olhos foram pro chão, para os pergaminhos amassados que Daemon havia jogado sem paciência alguma no chão da tenda.
ㅡ Dificuldades com a escrita?
O olhar de Daemon se transformou em aço polido.
ㅡ Não é da sua conta.
Corlys realmente riu dessa vez, e notando que Daemon não estava com humor para conversas, se virou para sair.
ㅡ Por mais que seja difícil, você deveria escrever para sua filha, deixar um adeus, caso o plano do meu filho não funcione. ㅡ Corlys murmurou afastando o tecido da tenda para se retirar. ㅡ Eu deixaria garantido que ela recebesse, mesmo que nós morramos amanhã.
Com isso o Serpente Marinha, tão ardiloso e inteligente como apenas Corlys era, se foi. Deixando Daemon com inimigos que ele não sabia como combater.
Seus pensamentos e sentimentos.
Daemon olhou para o pergaminho rabiscado.
Ele pensou na filha, com as bochechas gordinhas, os olhos tão parecidos como o da mãe que ele ainda amava.
Os sorrisos fofos e sílabas sendo balbuciadas em valiriano.
Baelys era um lembrete constante de que, além da guerra, havia algo mais esperando por ele.
Algo que ele ainda não sabia como enfrentar, como lidar, mas que, de alguma forma, começava a parecer mais difícil e importante do que qualquer batalha que já lutara.
BAELYS TARGARYEN
Baelys estava dormindo, ela sabia disso, ela sentia isso.
Mas, como era muito comum, seu sono era perturbado.
No silêncio, uma tempestade se formava nas profundezas de sua mente, um vendaval de imagens e sensações que a envolviam como um manto pesado.
Ela se encontrava encima de uma formação rochosa, de frente para o mar aberto.
O céu acima dela tomado por nuvens escuras e ameaçadoras, iluminado apenas pelos relâmpagos que cortavam os céus com seus ziguezagues cegantes.
E então, do coração da tempestade, surgiu um rugido.
Um som tão profundo e visceral que parecia vir das próprias entranhas do mundo.
Baelys ergueu os olhos para o céu e viu, em meio à fúria da tempestade, um dragão despencando.
Suas escamas refletiam o clarão dos relâmpagos, um brilho pálido e efêmero que traçava sua queda com uma beleza trágica.
O dragão caiu, seu corpo rasgando o ar com um som que ecoou como o estalar de um trovão.
Quando atingiu o mar, o impacto reverberou pelo oceano revolto, e Baelys sentiu uma dor lancinante em seu próprio peito, como se o coração dela estivesse se partindo junto com as asas despedaçadas do dragão.
Ela tentou correr até a água, mas seus pés pareciam presos, cada passo um esforço desesperado contra uma força invisível.
A chuva caía nela agora, uma torrente fria e implacável que lavava tudo, que congelava seus ossos.
Em meio às sombras e à tempestade, Baelys viu outros dragões.
Eles caíam do céu um a um, suas silhuetas recortadas contra os relâmpagos, cada queda um golpe contra algo profundo dentro dela, onde seu coração ficava.
O sentimento de fracasso a envolvia, um manto de desesperança que pesava em seus ombros como centenas de pedras.
E então, ela a viu.
A dragão azul.
Seus olhos brilhavam com uma intensidade que parecia atravessar a escuridão e a tempestade.
Olhos que não apenas a fitavam, mas a perfuravam, enxergando cada pedaço de sua alma jovem e segundo todos, louca.
Louca e perturbada.
Por esses sonhos que não entendia.
Aquele olhar transmitia uma mensagem silenciosa, uma cobrança que ela não podia entender totalmente, mas sentia profundamente.
A sensação de que tinha falhado, que não fora suficiente para proteger quem deveria.
Baelys tentou gritar, mas sua voz estava aprisionada na garganta.
Tudo o que podia fazer era olhar para o dragão azul, cujos olhos carregavam uma verdade inatingível.
O mundo ao redor parecia distorcido, como se ela estivesse olhando através de um vidro quebrado.
No horizonte, mais dragões caíam, seus rugidos silenciados pela vastidão do vazio.
Havia um eco de dor, de perdas incontáveis, de histórias esquecidas.
Baelys estendeu a mão, querendo tocar aquele dragão azul, buscar uma resposta, uma clareza.
Mas a distância entre elas era insuperável, um abismo que nenhuma vontade poderia transpor.
A dragão azul manteve seu olhar fixo nela, e Baelys sentiu o eco de muitas promessas quebradas.
Promessas que ela não se lembrava de ter feito, mas que pesavam sobre ela como uma maldição.
O vento uivava ao seu redor, trazendo sussurros indistintos que falavam de destinos e segredos perdidos.
O desespero da criança aumentou, e a chuva parecia se transformar em lágrimas, lágrimas que caiam não apenas do céu, mas dos próprios olhos de Baelys.
A tempestade rugia mais alto, e os dragões continuavam a cair, cada queda uma facada no coração de Baelys.
De repente, o cenário mudou.
E Baelys estava agora em uma torre muito alta, olhando para o horizonte.
O vento soprava forte, e abaixo, um mar de chamas devorava tudo em seu caminho.
Fogo caindo do céu.
As chamas dançavam com um fervor selvagem, e no meio delas, sombras de centenas de dragões moviam-se, como espectros de uma era perdida. Um império perdido.
E então, como se o próprio sonho tivesse consciência de seu fim, tudo começou a se desvanecer.
As chamas, os dragões, a torre, tudo lentamente se desfazendo em névoa, deixando Baelys sozinha na escuridão.
Sua última visão, foi a figura feminina e prateada vestindo sedas, olhando para o mar de fogo como se também o enxergasse, enquanto um filhote de dragão negro ficava ao seu lado.
Baelys abriu os olhos.
Ela não acordou gritando dessa vez.
Ela também não estava em seu quarto.
Não.
Ela estava sentada no cômodo que mais apreciava em Runestone.
Onde uma das maiores relíquias da família Royce descansava.
Uma espada de aço valiriano.
Uma espada que Baelys segurava nas mãos pequenas.
Acariciando a lâmina agora manchada com as gostas do sangue dela.
Ela havia se cortado levemente sem nem perceber.
Sempre deveria haver sangue.
A lâmina parecendo soltar um zumbido nas mãos dela.
Lamentação.
Esse era o nome da lâmina.
A lâmina com o aço de um Império a muito perdido.
I. Oie pessoas. O que acharam do capítulo? Gostaram?
II. Confesso que eu gosto bastante de escrever sobre o Daemon, mesmo que eu ache TÃO difícil escrever o ponto de vista dele. Gosto de como ele pensa no pai e como sabe que nunca vai ser tão bom como o Baelon.
III. Corlys e Daemon tem uma relação bem interessante nesse livro, acho que depois de seis anos lutando juntos, a relação deles se tornou bem próxima, mesmo que Daemon nunca admita.
IV. Sim, eu estou estendendo a luta nos Degraus. Mas não muito, já que no próximo capítulo a guerra vai ter acabado.
V. Gosto demais de escrever os sonhos da Baelys, mesmo que seja difícil demais ser enigmática kkkk. Alguma suspeita de quem foi a figura prateada que ela viu? Não que isso seja um grande mistério.
VI. Próximo capítulo teremos encontro entre pai e filha. Por hoje é só, mas nós nos vemos em breve.
Byee ♡.
14.07.2024
Duda.
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