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࿐ Capítulo 1 → ᴍᴇɴꜱᴀɢᴇᴍ

Os seus pés arrastavam-se pelo trilho de terra batida morosamente. As solas dos seus sapatos, já muito desgastadas, não conseguiam cumprir mais a sua função. Ter aquilo calçado ou não ter nada era praticamente igual, uma vez que a pele amorenada da pobre líder era constantemente picada por pedrinhas insolentes que queriam atenção, as plantas dos seus pilares várias vezes perfuradas violentamente por pedaços de vidro que outrora constituíram uma refrescante garrafa de cerveja.

A brisa álgida balançava os compridos cabelos negros da moça de vinte e poucos anos, causava-lhe arrepios na espinha pela maneira grotesca como invadiam as suas vértebras, ignorando completamente a fina blusa vermelha escarlate que lhe cortava os ombros de forma delicada.

Os sacos que carregava pareciam pesar mais a cada passo, Mari estava esgotada. O organismo pedia-lhe suplicante uma injeção de nutrientes, que já não era dada há muito. As suas pernas imploravam, tremendo, um novo par de calças, aquelas não passavam mais de um conjunto de tecidos remendados e sujos.

Mas a rapariga não ia conceder esse desejo a ela própria. Não enquanto os seus companheiros não estivessem saciados e quentes.

Colocar a vida e o bem-estar deles sempre acima do seu... Pobre, Mari... Um dia, desmaiará no meio da cidade, com uma manifestação surpresa de uma grave anemia... E o que eles poderão fazer? Nada.

Após uma curta mas íngrime subida, armadilhada com silvas que cobriam cada centímetro da mesma, deparou-se com um vasto descampado. Vasto e solitário, somente umas meras árvores de já muita idade o ocupavam, algumas tão velhas, tão velhas que tinham mesmo caído. Caíram ali um dia e permaneceram ali caídas até hoje, com azar, permaneceriam ali abandonadas pela eternidade.

Foi ali que Mari finalmente se permitiu parar. Chegara ao seu destino. Os amigos por quem se arriscava tanto, se magoava tanto, por quem sacrificava o seu corpo e alma descansavam junto a uma das árvores mais robustas, o seu forte tronco amparava as costas doridas que não ousavam fazer o mínimo movimento para não terem de suportar as tamanhas dores que daí adviriam.

— Cheguei.

Os quatro olhares dirigiram-se instintivamente para ela. Os lumes brilhantes, expectantes das próximas palavras, coitados, esperavam ouvir que ela tinha conseguido, que aqueles três dias longe não tinham sido em vão.

— Trouxe comida e roupas. — completou, os sorrisos formaram-se, aliviados.

A leal líder sentiu o coração aquecer com as suas reações, o sentimento de culpa pela situação atual dissipou-se infimamente. Sim, porque a responsável pelos barulhentos avisos dos quatro estômagos era ela, a responsável pelo batimento involuntário dos dentinhos dos outros era ela!

Liderar um grupo de resistência não é um mar de rosas. Há que assumir culpas quando as circunstâncias fogem ao nosso controlo. Mas quem poderia adivinhar que uma simples sabotagem iria ser a origem de uma fuga de uma semana?

Um descuido... Apenas um descuido foi o suficiente para o tão conhecido grupo, comummente denominado de Rebeldes por Sua Majestade e seus associados, ter direito à mobilização de todo o exército real para que buscassem as suas cabeças. Não tiveram alternativa, restou-lhes encontrar um terreno tão abandonado, mas tão abandonado, ao ponto de nem a vegetação rasteira ali querer habitar, e esperar.

E esperaram... E esperaram... E esperaram.

Todavia, Sua Majestade sempre foi um homem persistente. Não deu folga aos soldados nessa semana, ansiava a todo o custo ver o sangue dos cinco malditos sair-lhes da boca e escorrer devagar, bem devagar, pelos seus corpos, até alcançar o chão brilhante do palácio e manchar o mesmo. Assim como nada foge ao poder da gravidade, também os rebeldes não fugiriam ao seu fim.

O tempo passava, o grupo desordeiro não tinha comida, bebida nem roupas que lhes pudessem valer nas noites frias. Os receios de contrair uma pneumonia cresceram, os sistemas digestivos a trabalhar em falso começaram gradualmente a mostrar o seu descontentamento, proporcionando o pior sofrimento que podiam.

Mari, como líder, era seu dever protegê-los e tirá-los daquela situação, tinha sido ela a autorizar que a estratégia do seu companheiro, Howart, fosse levada avante, ela colocou-os naquela situação desesperadora. A sua obrigação era salvá-los daquela tortura que aumentava a cada vinte e quatro horas.

Como esperado dela, ela cumpriu os seus encargos e foi para a cidade dois dias após o início de todo aquele reboliço. Os seus colegas de equipa não se preocuparam, se havia alguém que conseguia sobreviver na cidade apesar de severamente procurada, era Mari, que tinha os melhores contactos e a melhor das persuasões.

Ficou três dias por lá, angariando mantimentos e bens necessários, conseguiu obter também algum dinheiro. Dormiu em casas de pessoas que lhe deviam favores, como o dono do café que ela sempre frequenta, cuja filha ela conseguiu curar uma vez. Dedicava-se inteiramente ao engano de turistas sem experiência e de homens ingénuos que, susssurando-lhe palavras carinhosas ao ouvido, lhe davam tudo o que ela cobiçava.

O sol nascia, a líder acordava... O sol punha-se, mas a líder não adormecia com ele, continuava determinada, escondida nas sombras para não ser identificada, colhendo mais e mais, tudo em prol dos seus amigos, de quem depende, porque sem eles estaria sozinha no mundo.

Agora, olhava-os, com um sorriso talvez maternal no rosto, via-os procurar nos sacos pelos pães, pelo leite, pelos cereais. Observava calmamente as suas expressões de satisfação quando trincavam os alimentos, as suas posturas relaxarem no instante em que os casacos quentes envolveram os seus troncos.

Três dias desafiando os próprios limites... Não comendo, bebendo o mínimo possível, dormindo pouco... Para os ver assim, valera tudo a pena. Porém, apesar dos seus orgãos terem compactuado com isto, eles não iriam receber nenhuma recompensa pelo seu enorme esforço... A comida na cidade é escassa, da água existente, a maioria não está apta para consumo... Este ano, para piorar, as colheitas tinham sido estragadas pelas condições meteorológicas aparentemente malucas.

E Mari não conseguiu trazer comida suficiente. Assim sendo, ela ficaria de novo em jejum forçado, ignorando a agonia crescente em cada músculo, em cada osso, em cada orgão que parecia se contorcer para que recebesse a mínima preocupação por parte da dona.

Uma atitude louvável... A verdade é que Mari foi obrigada pela vida a tornar-se adulta muito antes do tempo. Não havia espaço no seu ser para atitudes egoístas, ela prometeu a si mesma que cuidaria dos seus, e se para isso é necessário que ela seja desvalorizada, então que assim fosse. 

Sentou-se e dedicou a sua atenção a retirar os numerosos espinhos e vidros que a ela se tinham colado ao longo do percurso.

— Mari... — Zenko, a jovem de cabelos loiros que fora a primeira a aceitar entrar no grupo, esticou à líder um pouco da refeição de que se servia.

— Eu não tenho fome. Come tu, Zenko, que bem mereces. — ah, como mentia descaradamente à amiga que tanto se preocupava com ela. O seu estômago roncou, quase como se tivesse percebido a pergunta, denunciando a falácia sem piedade.

— Claro que tens fome... Não comemos há uma semana... Estou a falar a sério, não me importo de partilhar a minha comida contigo... Mereces bem mais do que eu. — a atiradora sorriu-lhe.

Contudo, a teimosia era muita... Mari levou os seus longos e finos dedos à mão que a companheira usava para segurar o guardanapo com o alimento e, num movimento fraco, levou-o de encontro ao peito da mesma, repudiando o manjar numa decisão definitiva.

— Estou ótima, não te preocupes. — finalizou e rapidamente mudou o assunto para que não houvesse mais contestação. — Aconteceu alguma coisa enquanto estive fora?

— Sim. Fomos atacados. — respondeu o Howart com simplicidade.

— Os guardas descobriram-vos? — perguntou a líder, arregalando os olhos com a surpresa. Normalmente, os guardas comuns eram incompetentes.

— Não. O rei contratou mais um grupinho de bandidos de rua. — Alice explicou com desânimo, desvalorizando a situação. — Matamos-os com dois golpes.

Mari estalou a língua contra o céu da boca, aborrecida. O monarca era definitivamente obstinado... Além de usar habitualmente o seu exército, começou a recorrer há uns meses a assassinos contratados. Já não era a primeira vez que indivíduos que nunca tinham visto antes os atacavam repentinamente... Sempre a usar os outros... Não tem vergonha...

— Ele tem que parar com isto. — acabou por concluir. — Hoje é dia de cobrança de impostos, vamos à cidade e vamos assegurar-nos de que ele vai receber a mensagem.

— Mas não é perigoso? — perguntou a Alice, espadachim e espia muito talentosa, com alguma inquietação.

— Quando terminarmos de comer, estaremos recuperados fisicamente. — respondeu o Howart, antes de Mari. — Além disso, a única coisa que temos de fazer é isolar o cobrador e assim passar-lhe o recado. Logan, ainda temos o dinheiro que roubámos à princesa?

O outro espião, que se tinha mantido em silêncio até ao momento, reagiu:

— Sim, enterrei-o perto de casa depois de termos feito o golpe. Se ninguém o tiver encontrado por acaso, estará lá.

— Então passaremos por casa primeiro e depois seguiremos caminho para a capital. — concluiu Mari.

Assim o fizeram. Após cada um terminar o respetivo almoço e trocar de roupa, os ditos vândalos seguiram o que foi dito e encaminharam-se para o lar, onde pegaram o ouro referido por Logan e mais armas por prevenção. Feito isso, voltaram a sua atenção para o principal objetivo e fizeram-se à estrada, rumo à cidade.

Quando deram por si no meio daquele ambiente caótico, os cinco jovens sentiram-se desorientados. Havia muitas pessoas fora de suas casas, tantas que era impossível andar por ali sem atropelar ninguém acidentalmente. Como iriam isolar o cobrador de impostos se nem se conseguiam mover no meio de tanta algazarra? Pessoas carregando sacos de farinha, empurrando carroças de madeira, arrastando animais contrariados pela via pública fora, cada um levava o que podia dar...

Cobrança de impostos... Tão regulares que o miserável povo não consegue se reerguer entre os seus intervalos, levando-os assim a dar aos peões de El-rei os seus mais preciosos pertences... Era uma facada económica e sentimental.

Isto porque, se os habitantes não conseguissem pagar, habilitavam-se a serem sovados na frente de todos ou até mesmo a ir parar à prisão, e se isso acontecesse, o mais provável era que nunca mais voltassem a ser vistos. 

Além do considerável número de pessoas, havia também o amontoado de barulhos que davam a ideia de estarem no meio de uma competição. Os gritos desesperados, uns tentavam vender à última da hora algo que tinham a mais, para colocarem na palma da mão do demónio ganancioso a pequena moeda de ouro que faltava para o pagamento estar feito, outros nas beiras das ruas pediam esmolas para não sofrerem o castigo temido, era cada um por si.

Os revolucionários olhavam todo aquele cenário com pena e frustração. Iriam mudar aquilo. Tirariam Sua Majestade do poder, nem que fosse a última coisa que fizessem. Juraram a si mesmos.

Depois de se libertarem do aperto e sufoco que o calor humano lhes provocava, alcançaram a praça onde normalmente se formava a longuíssima fila para que ocorresse a entrega da grande maioria dos rendimentos dos cidadãos.

Estacaram, estupefactos. Não muito longe deles mostrava-se o previsto cobrador, que agarrava com felicidade extrema e notável os recursos que agora pertenciam à Coroa. Todavia, ao lado do mesmo, via-se com clareza a esguia e bela figura do conselheiro de Sua Alteza, Han, uma visão bastante rara, uma vez que este só se apresentava a público quando tinha que representar o seu Senhor em alguma cerimónia.

Por segundos, o bando procurado pensou não estar a ver bem. Mas era a mais pura das realidades. Han assistia a toda a recolha de impostos, a sua postura muito correta, perfeitamente vertical, até podíamos afirmar que se tratava de um príncipe se não tívessemos em conta o detestável sangue banal que lhe corre nas veias.

Trajado com as melhores peças desse mundo fora, o casaco azul escuro, costurado a partir de um tecido caríssimo com uma textura semelhante ao veludo e possuinte de uma aparente leveza indescritível, tornava-o exuberante, deveria ter sido feito sob encomenda, visto que lhe assentava melhor do que uma luva. Era comprido e de gola alta, gola essa que rodeava o seu pescoço de tom leitoso graciosamente, sem deixar folga, mas também sem o apertar demasiado. A sua extensão terminava pouco abaixo da cintura do conselheiro e realçava a sua magreza, uma vez que os botões dourados estavam sempre refinadamente apertados de cima a baixo, fazendo assim o sobretudo se ajustar ao corpo do seu dono. Naquele dia, vestia também umas calças branquíssimas, ainda mais brancas que a sua pele, que constrastavam com o justo casaco, na medida em que eram mais largas.

Poderiam pensar até que lhe ficariam mal, mas muito errados estariam se indagassem tal coisa. O homem tinha um senso de estilo bastante acertado, possivelmente nutrido através da convivência com os outros elementos da nobreza, e para ajustar as calças na parte final das suas pernas, recorreu a umas botas que iam até ao meio das panturrilhas do mesmo tom da jaqueta. Todo aquele vestuário lhe conferia um ar chique, desde o plano principal do traje até aos mínimos detalhes, como era o caso do branco do exato tom das calças surgir discretamente nos cordões do calçado.

Os olhos de uma cor única naquele reino, assemelhavam-se ao gelo mas com um tom algo esverdeado, pairavam vagamente sobre o cenário tumultuoso. Os cabelos brancos acima da sua testa, cuidadosamente penteados todos os dias, teimavam em cair-lhe para a frente da visão, provocando desta maneira o movimento brusco do jovem, que os empurrava de volta ao seu lugar enfiando neles os dedos de uma visível fragilidade.

— Que cheiro nauseabundo... — resmungava, levando a mão ao nariz. Referia-se ao odor dos dejetos da população, que eram atirados para a rua devido à falta de condições de saneamento. — Vou mas é despachar isto e voltar logo para o palácio que já não aguento mais...

Pois é! O obediente conselheiro não se tinha arriscado a tanto germes e possíveis doenças para assistir a um mero pagamento de rendas! Ele estava ali por algo muito maior, estava ali para levar a cabo a tarefa que Sua Majestade que lhe tinha deixado em mãos. Acenou aos guardas que se situavam lá perto, sempre vigilantes, fazendo-lhes sinal para que o acompanhassem.

Contudo, travou-se a ele próprio assim que sentiu uma pequena mãozinha agarrar-lhe com vergonha a parte de trás do esplêndido sobretudo. Han virou-se bruscamente, pronto para encarar a pessoa ousada que tinha se atrevido a tocar-lhe, mas congelou assim que se viu frente a frente com uma pobre criança.

A mãozinha, suja e magoada, que o tinha agarrado com receio, estava naquele instante estendida na sua direção. Han não se conseguiu controlar, a sua boca abriu-se ligeiramente com o espanto. Os seus olhos que iludiam, que falsamente mostravam transparência, analisaram arregalados todo aquele miúdo ser.

— O senhor tem uma moeda que me possa dar, por favor? — perguntou o pobrezinho, os olhinhos negros como o carvão tremiam-lhe desalmadamente. Han notou imediatamente o rosto encardido e os bracinhos severamente magoados, grandes hematomas e longas e estreitas marcas rosadas os preenchiam. O conselheiro percebeu instantaneamente a que aquilo se devia.

Pegou no rapaz ao colo, Han parecia absorto da realidade, momentaneamente perdera o medo de sujar as suas belas roupas, perdera o repúdio de se misturar ou de sequer contactar com integrantes do povo. Levou o menino até à fonte de pedra que se encontrava no centro da praça, sentou-o na borda da mesma e de seguida, levou ambas as mãos à água tranquila e cristalina. Passou-lhas depois pela face, retirando toda aquela sujeira e voltou a mirá-lo. Um bonito sorriso surgiu no rosto da criança.

— Sabes quem eu sou, garoto? — perguntou-lhe o mais velho, não retribuiu o sorriso.

— Sim, o senhor é o conselheiro de Sua Majestade! — respondeu-lhe o petiz prontamente. Afinal, quem não conhecia Han por aqueles lados? Era ele o menino da história tantas vezes murmurada baixinho. O menino do povo que conseguiu alcançar o cargo de confidente do rei! O único elemento de toda aquela corte que ali tinha chegado com trabalho duro! Han fez algo impossível!

— Então se sabes isso, também deves saber que não te posso dar dinheiro. — falava com um tom tranquilo enquanto limpava também os bracinhos moles da desgraçada criança. — Porque me pediste isso logo a mim?

O questionado baixou o olhar para o solo e começou a abanar as perninhas lentamente, para a frente e para trás...

— Pedi a toda a gente que vi... Não temos dinheiro para pagar os impostos. O meu pai mandou-me trazer dinheiro para casa... E se eu não trouxer... Ele bate-me. O senhor foi o único a quem eu não tentei... Desculpe. 

As pupilas de Han contraíram com a resposta recebida. O seu corpo paralizou-se, pelos seus lumes límpidos passaram todas as recordações como numa avalanche, os gritos, as súplicas, as chicotadas, os hematomas, o sangue a escorrer pelos lábios arrebentados, a silhueta do pai, furiosa, a sombra da mãe, que nada podia fazer. Os punhos de Han cerraram-se, as unhas cravaram-se abruptamente na pele vulnerável. Os globos oculares encheram-se de água, quem diria que atrás daquela postura tão rígida, se escondia ainda parte do pequeno rapaz que agarrara em tempos longuínquos os casacos dos transeuntes pedindo dinheiro?

Não, não iria chorar. Não iria derramar nem mais uma lágrima que fosse por aquele passado obscuro e vergonhoso. Para ele estava enterrado. Ou melhor, nunca existiu. Levou as mangas ao rosto e limpou a visão marejada.

— Infelizmente, como já te disse, nada te posso dar. — repetiu.

— Não faz mal. Obrigado, senhor... — o rapaz mordeu o lábio inferior, também tentava não chorar, não queria ir para casa de mãos a abanar e ter de explicar ao chefe da família porque não tinha sido bem sucedido. Saltou da fonte e estava prestes a misturar-se no resto da população, quando o conselheiro o voltou a chamar com um tom irritado.

— Ei, vais embora sem ao menos te despedires? Nem um aperto de mão? Onde está a educação, garoto?

O rapaz girou sobre os calcanhares e veio a correr até ao maior. Esticou-lhe de novo a mãozinha, desta vez mais limpinha. Han baixou-se para ficar à mesma altura que ele e apertou-a, permitindo que um sorriso surgisse no canto da sua boca. O frio da moeda de ouro entrando em contacto com a pele da criança fez com que os olhos da mesma brilhassem. No meio do aperto de mão, Han deu-lhe o que ele tanto desejava!

— Obrigado, senhor! — exclamou com uma alegria imensa, despedindo-se com um aceno antes de sair a correr energicamente e sair do seu campo de visão.

Um longo suspiro foi dado pelo homem de cabelos brancos. Não se sentia arrependido pela boa ação que fizera, mas sentia-se desconfortável. Tinha reparado alguns olhares sobre si enquanto estivera com o pequeno. Se aquelas pessoas achavam que ele iria ser misericordioso com elas, estavam tremendamente enganadas!

Na sequência destes pensamentos, uma outra mão, desta vez mais velha, agarrou-lhe o tornozelo, captando-lhe a atenção. Han dirigiu o olhar para baixo e, vendo um homem ajoelhado perante si, a sua face enrijeceu.

— Por favor, não tenho nada para dar como imposto, clemência, peço-lhe... Os seus guardas querem levar-me para a prisão... Por favor, peço-lhe que os impeça. Suplico-lhe. — murmurava o desgraçado, mas os seus olhos não se mantinham em contacto com os do conselheiro e a sua voz saía tremida e baixa. Estava bêbedo.

Han naquela altura compreendeu o que fizera anteriormente e tomou uma decisão. Dera parte fraca com o garoto e mostrou que ainda tinha demónios interiores que o atormentavam. Mas isso findava ali, naquele exato segundo. Os olhos esverdeados revestiram-se por uma camada de gelo e insensibilidade estrondosa, Han nunca mais voltaria a ser pisado como naqueles tempos... Nunca mais.

Homens como aquele, bêbedos que gastam todo o dinheiro nos seus vícios, não mereciam qualquer tipo de compaixão. Uma risada estridente foi solta e um enorme sorriso sádico formou-se no rosto pálido do nobre. Com a mão esquerda pegou no queixo do embriagado e subiu-o levemente, o pânico tão visível... Depois, baixou-se, os cabelos teimosos voltaram a cair, omitindo assim o olhar gélido, e devagarinho, bem devagarinho, pronunciou o seguinte ao ouvido do suplicante:

— Temos pena.

Só recebeu um soluço em resposta. Endireitou-se, voltando à posição completamente ereta e balançou a mão com repulsa, podiam levar aquele vagabundo para a prisão, ele merecia apodrecer lá. O homem ainda gritou, ainda esperneou, mas o ruído foi abafado pelos guardas, que, abrindo caminho por entre os habitantes, tiraram-no dali.

"Menos um traste no mundo.", pensou Han e suspirou mais uma vez. Agora não teria mais interrupções, os presentes viram o que sucedera àquele verme, não teriam coragem de sequer olhá-lo, finalmente iria conseguir cumprir o propósito que o tinha trazido à miserável cidade.

Ou assim pensava ele.

Ouviu o som de moedas atingirem o chão. Não teve sequer tempo de desviar o olhar para a origem de tal melodia, rapidamente foi atropelado pelo magote de gente que corria ansiosamente, tentando apanhar o ouro que era lançado por Logan de cima de um telhado.

— De novo não... Guardas, prendam-no! — berrou o belo conselheiro, apontando na direção do espião.

A ordem fora obedecida de imediato. A confusão e os empurrões dominaram a praça, os subordinados queriam passar, as pessoas queriam dinheiro, uns dificultavam o caminho aos outros.

— Ora, ora, senhor conselheiro, que bela surpresa vê-lo aqui. — duas mãos agarraram-no pelas costas e agilmente o referido foi atirado ao chão. Han desviou os cabelos da frente do rosto e encarou Howart, que lhe falava com sarcasmo.

— O que queres, desgraçado? — perguntou. — GUARDAS!

— Não vale a pena chamar os seus guarda-costas... Estão mortos. — respondeu Alice, que se aproximou em passos lentos. Desviou-se posteriormente da frente do conselheiro para que este pudesse ver os peões que eram responsáveis pela sua proteção cortados a meio.

Han sentiu o medo apoderar-se de si. Estava totalmente indefeso. O que quereriam dele? Matá-lo? Iam sequestrá-lo? Ou algo pior?

— Não pensem que vão safar-se... Vocês vão dar o vosso último suspiro na prisão. — ameaçou.

Os dois rebeldes responderam com risadas frias e Howart socou o rosto magro do confidente de El-rei, troçando de suas palavras.

— Se você não se calar, quem vai dar o último suspiro aqui é o senhor! — o estrategista elevou a voz e espetou-lhe outro murro, desta vez no outro lado da face, fazendo o magoado grunhir de dor.

— Que maneiras são essas, Howart? — questionou Mari retoricamente, chegando com um papel na mão. Na sua face mostrava-se um sorriso forçado, cínico, falso. — Sabe o que é isto? — voltou a questionar, ajoelhando-se próxima de Han, e mostrou-lhe o que trazia consigo.

Han apoiou-se sobre os joelhos e aproximou o rosto do papel, analisando-o cuidadosamente e com ar pensativo fingido antes de falar. 

— É o teu preçário de serviços de prostituição? — o nobre respondeu-lhe com um tom de dúvida e um visível sorriso provocativo.

Mari não se conteve com tal ofensa, empurrou-o brutalmente e, colocando-se sobre ele, deu início a uma sova violenta. Os lábios rosados de Han esvairam-se em sangue logo com os primeiros ataques, o coitado oferecia resistência, mas o olhar risonho permanecia, ridicularizando a líder.

— Desculpe, creio que não ouvi bem. — a mulher irritada sussurrou ao ouvido do ensanguentado de forma ilusoriamente mais calma e educada. Han esboçou mais um sorriso aberto, alguns dos seus dentes estavam vermelhos devido ao sangue que lhe escorria pelo nariz. — Quer fazer o favor de repetir?

O questionado direcionou o olhar para trás da líder rebelde. As moedas para lançar tinham acabado e os guardas entenderam de imediato a distração de que foram alvo. Vinham agora a correr, apressados, para salvar o homem que nunca deveriam ter abandonado. Os ditos "selvagens" não moveram nem um músculo, não sentiram nem um pingo de receio. Tinham tudo planeado. Cada um tinha uma posição determinada, uma função atribuída. Estavam cientes de que o dinheiro acabaria, por isso, deram a Zenko a responsabilidade de eliminar os lacaios que os tentassem atrapalhar.

E a loira, como boa atiradora que é, fez exatamente o que lhe competia fazer. Abriu fogo contra eles, um a um, foram todos caindo inertes no chão, atingidos por tiros certeiros e fatais. O povo, percebendo o ataque, correu desesperadamente de volta a suas casas, receavam serem magoados acidentalmente. O sorriso de Han desvaneceu-se com desilusão, estava dependente agora da vontade dos deuses. Não havia mais nada que pudesse fazer. Eram cinco contra um.

— Onde está o cobrador? — comentou Zenko quando chegou perto dos colegas.

— Ali. — Logan abandonara também a sua posição. Apontou para onde estava antes a fila feita e todos viram o homem materialista amordaçado e inconsciente junto à carroça com os vários bens apreendidos. — Temos de devolver as coisas aos habitantes.

— É verdade. Logan e Alice, façam isso enquanto eu converso aqui com o nosso amigo. — Mari ordenou-lhes e eles acataram a exigência. — Zenko, traz-me cordas e uma maçã, por favor.

— Certo.

— Vocês não passam de um bando de animais reles. Sentem-se os maiores agora, mas acreditem, isso não vai durar muito tempo. Os portões da morte vão abrir-se para vocês. — Han gargalhou.

Não obteve resposta. Quando Zenko trouxe o pedido de Mari, esta última deu ordem ao estrategista para que também amarrasse o homem caído à sua frente. Han não se debateu, tinha noção que seria muito pior se o fizesse.

— É o seguinte: você vai passar uma mensagem a Sua Majestade. — começou a líder.

— Devem estar a brin-

— Cale-se e abra a boca. — interrompeu-o. Han estremeceu com as palavras ouvidas, abrir a boca...? A esbelta mulher de olhos vermelhos rodou a maçã pedida na mão, quase como se estivesse a decidir algo. Olhou-o, sorridente, e numa ação de elevada destreza, puxou os cabelos cuidados do recém-eleito nobre para trás. Este voltou a gritar e assim ela aproveitou a oportunidade dada, enfiou a maçã na boca dele rudemente. Ouviu-se os maxilares do jovem estalarem. Os seus lumes inundaram-se.

— Agora não vai interromper mais. — Mari retomou o seu discurso. — Você vai dizer ao seu adorado rei que ninguém nesta terra vai pagar nem mais uma mísera moeda para os luxos dele, está a perceber? Se ele não gostar, diga-lhe para vir falar cara a cara comigo, se ele tiver coragem. — continuou, puxando o rosto de Han para cima, queria ver a reação dele. Não passava nada pelos seus olhos artificialmente transparentes. A líder fez uma pausa. Sorriu-lhe. — Mas ambos sabemos que isso não vai acontecer, afinal, Sua Majestade não passa de um cobarde. Prefere contratar bandidos aleatórios para fazer o trabalho menos cômodo, não é verdade? Diga-lhe também para parar, porque só está a humilhar-se a ele próprio.

— Realmente, se nem o exército real nos consegue parar, como alguém pago haveria de conseguir? — Zenko esboçou um sorriso convencido.

Han sorriu também com o olhar. Seria mesmo assim? Rebeldes ingénuos... Mal sabiam o que lhes esperava.

— Quanto a isto, não passa de um desperdício de papel... — a morena balbuciou em finalização, colando a tão falada folha de papel que tinha também solicitado à testa do jovem amarrado. — Passe a mensagem, ouviu?

Vários avisos como aqueles que o papel continha estavam espalhados por toda a nação. Desde as maiores cidades até às aldeias menos habitadas, os considerados conspiradores eram tremendamente conhecidos. Nessas folhas lia-se facilmente:

"Assombrações da Noite. Bando inimigo da nação. A quem os encontrar e levar a Sua Majestade, vivos ou mortos, será dada uma enorme recompensa em dinheiro."

— Quando conseguir tirar a maçã da boca. — o estrategista completou.

Os fora da lei sentiram-se por fim satisfeitos. Após terem devolvido cada um dos pertences recolhidos aos seus respetivos possuintes e terem deixado o conselheiro à porta do palácio como presente a El-rei, decidiram comemorar mais um pequeno passo dado em direção à liberdade. Estavam felizes e com a moral em cima, mas todo esse clima festivo era temporário. 

Os seus tempos bonançosos estavam para acabar... A partir daquele dia, seriam levados ao limite, o seu físico e psicológico seriam colocados à prova como nunca antes acontecera.

Naquele dia, iniciou-se a disputa entre dois lados. O lado que podíamos considerar ser o do Bem e o lado que fará tudo o que estiver ao seu alcance para saciar os seus interesses pessoais, o lado que fora obrigado pelo destino a ser independente de qualquer autoridade.

Han estava certo. Os portões da morte iam abrir-se. Para uns ou para outros. 

— Aff, qual o motivo de tanta demora? Mandam-nos chamar com urgência e depois não dão sinais de vida? — a mulher de cabelos ruivos, por seu nome Vúxy, andava para a frente e para trás no corredor de entrada do castelo real, notavelmente impaciente.

— Vúxy, se eu fosse a ti não andava tão furiosamente. Continuando assim, ainda vais cavar um buraco no meio do palácio e depois quem vai ter de pagar és tu! — Ged sorriu cinicamente e falou com um tom divertido, apertava o último botão do seu colete verde escuro.

— VOU DEGOLAR-TE, MALDITO!

— SILÊNCIO! VAMOS ESPERAR! — a jovem baixa e de cabelos cor de rosa, Íris, gritou irritada. O grito fora percebido e rapidamente os dois se calaram. Não ousem subestimar Íris por sua aparência, ela lidera este bando de assassinos impacientes e barulhentos. Um bando muito conhecido por todo o mundo, já habituado a receber propostas de trabalho dos mais variados e imprevísiveis lugares.

— Concordo, aqueles olhos merecem todo o meu tempo disponível... — Hendrick, o mais velho dos cinco elementos, estava sentado calmamente num banco disponível, a sua perna esquerda repousava sobre a direita e a sua expressão estava contida, já que no interior ele estava a meio de mais um dos seus devaneios.

— Parece que o Hendrick encontrou mais um alvo! O nobrezinho! Viram o ar dele todo requintado, como se fosse alguém? Esta visita promete! — ria-se o provocador Ged, sempre com o seu sarcástico sorriso no rosto.

— Presumo que sejam o bando que Sua Majestade convocou... Podem entrar. — a voz de um guarda dirigiu-se a eles e o mesmo pediu de seguida para que o acompanhassem.

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