Chร o cรกc bแบกn! Vรฌ nhiแปu lรฝ do tแปซ nay Truyen2U chรญnh thแปฉc ฤ‘แป•i tรชn lร  Truyen247.Pro. Mong cรกc bแบกn tiแบฟp tแปฅc แปงng hแป™ truy cแบญp tรชn miแปn mแป›i nร y nhรฉ! Mรฃi yรชu... โ™ฅ

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Algumas semanas haviam se passado desde que cheguei ร s Ilhas do Cรฉu, e enfrentei a realidade ao perceber que as afirmaรงรตes feitas pelo Mugiwara nรฃo eram nada alรฉm da mais pura verdade. De fato, existiam ilhas no cรฉu, e eu havia sido encarcerado na masmorra de um templo em uma delas. As pessoas eram diferentes, embora semelhantes ร s do mundo abaixo, pois possuรญam pequenas asas brancas nas costas e antenas semelhantes ร s de borboletas em suas cabeรงas.

Minha tripulaรงรฃo inteira morreu durante o nosso trajeto; a maioria nรฃo aguentou o impacto e faleceu no mesmo instante, enquanto os outros morreram aos poucos conforme as horas foram passando, atรฉ que eu fui o รบnico que restou dos Piratas do Bellamy - eu, o capitรฃo. O New Witch's Tongueยน havia sido destroรงado pela tromba d'รกgua que nos levou aos cรฉus, restando nada alรฉm do mastro, ao qual me mantive agarrado para nรฃo afundar no Mar Branco-Branco. Tudo ao meu redor estava destruรญdo e todos estavam mortos; a visรฃo dos meus companheiros sem vida e o corpo de meu imediato, com a cabeรงa decepada, era algo que eu nunca iria esquecer, nem em um milhรฃo de anos.

Eu nรฃo via a cabeรงa de Sarquiss em lugar nenhum; o tronco de Lily estava boiando ao lado de Eddy, que tinha metade do rosto arrancado. Mani estava abraรงada a Rivers, o que apenas confirmou minhas suspeitas sobre os dois. Por fim, Ross estava caรญdo sobre o que restara do corpo estraรงalhado de Hewitt. Olhei em volta, assustado; ainda faltava uma pessoa: Muret. Por dias, torci para encontrรก-la e nunca tive um รบnico sinal de seu corpo ou do que poderia restar dele, o que me levou a acreditar que ela havia sido levada embora pela marรฉ ou esmagada pelo navio.

Eu, como capitรฃo e lรญder deles, senti-me um fracasso como pessoa, um lixo total. Se a falha tivesse sido apenas comigo, tudo bem; se o prejudicado tivesse sido somente eu, tudo bem. No entanto, arrastei todos eles para a morte certa e fui o รบnico a sobreviver ao meu prรณprio erro e ร  sede de provar algo que eu jamais seria: alguรฉm.

Os dias na masmorra eram monรณtonos; eu nem sabia hรก quanto tempo estava ali, apenas tinha consciรชncia de que o tempo passava, pois sempre recebia cafรฉ da manhรฃ, almoรงo e jantar em horรกrios determinados, o que me dava uma noรงรฃo de que as horas ainda estavam correndo.

Era apenas eu naquela masmorra escura e fria, apenas eu atรฉ o dia em que escutei uma algazarra alta o suficiente para ser ouvida naquele muquifo em que me encontrava. Os soldados gritavam e outras pessoas pareciam estar realizando algum tipo de protesto do lado de fora. Eu apenas revirei os olhos, tentando me manter sossegado apesar das circunstรขncias. De repente, desceram cerca de dez homens com algo enrolado em um pano e abriram minha cela, retirando uma garota de dentro do pano e jogando-a para dentro, apenas para fechar a porta novamente e irem embora.

Eu era um homem, um ser humano, e รฉ natural do ser humano sentir curiosidade diante do desconhecido. Isso me levou a me aproximar com cuidado da garota caรญda ali, e arregalei os olhos ao reconhecรช-la dos cartazes que haviam se espalhado como chamas por todas as ilhas da Grand Line: Elisabette, O Anjo da Morte, sentinela dos Piratas do Chapรฉu de Palha.

Ela estava sรณ o bagaรงo. Com alguns curativos pelo corpo, o nariz quebrado, os cabelos desgrenhados e um semblante tรฃo exausto que me fez chegar ร  conclusรฃo de que ela ficaria inconsciente por pelo menos um dia inteiro ou mais, dependendo do quรฃo fraca a fedelha estava. Havia algemas comuns em seus pulsos, o que me fez acreditar que ela nรฃo era usuรกria de Akuma no Mi. Suas roupas estavam manchadas de areia e sangue e, minha nossa, parecia ter enfrentado uma barra. A รบnica coisa que perdurava em minha mente era a confusรฃo sobre o motivo de ela estar ali e nรฃo com seu bando.

Pelas minhas contas, demoraram cerca de quatro dias atรฉ que Elisabette recobrasse a consciรชncia e acordasse. Ela despertou com uma aparรชncia um tanto zonza, com uma das mรฃos na cabeรงa; seu corpo balanรงava para frente e para trรกs atรฉ que ela pareceu conseguir encontrar equilรญbrio com o prรณprio quadril e se manteve sentada, com a postura curvada para frente. Levou um tempo atรฉ que ela percebesse minha presenรงa e me encarasse pelo canto dos olhos. Tudo o que fiz foi sorrir de lado ao ver a curiosidade e a desconfianรงa cintilarem em seu olhar.

- Finalmente acordou, princesa. - falei com um sorriso e uma risada abafada pelos dentes, enquanto a observava com atenรงรฃo e certa diversรฃo. - Faz dias que vocรช estรก jogada aรญ no chรฃo.

- Dias? - ela perguntou, assustada, ao mesmo tempo em que seu estรดmago soltava um ronco alto. - Aaw...

- Em breve trarรฃo comida, princesa. Fique tranquila.

- Elisabette! Meu nome รฉ Elisabette.

- Estou ciente disso, seu rostinho nรฃo me รฉ estranho... vi sua imagem nos periรณdicos, especialmente apรณs as confusรตes envolvendo vocรช e seu bando em Enies Lobby. - dei uma risada que pareceu irritรก-la, ainda mantendo meu olhar sobre sua figura ferida e tentando analisรก-la melhor agora que estava acordada.

Elisabette apenas ficou me encarando, como se fosse avanรงar em mim como um animal feroz. Tenho quase certeza de que ela nรฃo o fez apenas pelo fato de estar algemada e acorrentada, como se realmente fosse um. Isso apenas me divertiu mais, pois seu olhar era implacรกvel e agressivo, uma verdadeira ceifadora, como diziam os jornais que tanto falaram sobre sua brutalidade e a violรชncia de seus ataques em Enies Lobby.

Contudo, nossa interaรงรฃo nรฃo durou mais do que meia hora, quando alguns guardas com boinas brancas chegaram ร  cela em que estรกvamos e a assustaram com sua autoridade, fazendo-a se encolher em um canto e ficar ali, olhando para eles com os olhos banhados de desespero e pรขnico, como se a situaรงรฃo estivesse saindo de seu controle. Eles a pegaram, agarrando-a como uma prisioneira verdadeiramente perigosa e manรญaca, sendo necessรกrio o esforรงo de dois homens para segurรก-la pelos braรงos e levรก-la para longe da masmorra. Restou-me apenas o som de seus gritos de raiva e indignaรงรฃo, alรฉm do estalo de chicotadas; foi quando percebi que estavam batendo nela.

Nรฃo pude conter minha curiosidade, embora quisesse me manter longe de qualquer outra imprudรชncia na qual eu pudesse me meter. Havia algo intrigante no รณdio que queimava nos olhos daqueles guardas ao vรช-la - era tรฃo nรญtido e explรญcito que quase se tornava fรญsico. Elisabette era das Ilhas do Cรฉu; isso ficou evidente pela forma como o tal McKinley falava com ela, com uma voz cheia de autoridade, tambรฉm carregada de uma fรบria mal contida em seu tom.

ร‰, naquela รฉpoca, eu realmente havia sentido um odor desagradรกvel emanando dela, e nรฃo eram as feridas abafadas pelos curativos que nรฃo eram trocados hรก dias, nem o corpo que exalava o cheiro de suor ou qualquer merda do tipo. O fedor que vinha dela era รบnico: de problema, um problemรฃo daqueles que podem te deixar com dor de cabeรงa por dias.

Primeiro Mรชs

Apรณs um mรชs inteiro, recebi algo semelhante a liberdade provisรณria pelo meu "bom comportamento". O que era รณbvio, pois nรฃo havia razรฃo para eu agir de forma desonrosa quando nรฃo me restava mais nada, nem motivos para lutar ou continuar vivo. Afinal, jรก havia perdido tudo o que me era valioso e conveniente: minha tripulaรงรฃo, que era mais do que subordinados e amigos; eram minha famรญlia. Perdi tambรฉm o respeito do homem que mais admirava e idolatrava no mundo e, alรฉm disso, meu territรณrio em Mock Town deixou de ser meu quando todos testemunharam a humilhaรงรฃo pela qual passei ao ser derrotado pelo Mugiwara. Por fim, fui expulso dos Piratas da Famรญlia Donquixote e espancado quase atรฉ a morte pelo Rei de Dressrosa e Shichibukai, Donquixote Doflamingo.


Fui levado sem algemas atรฉ um local mais afastado e achei que finalmente seria executado, atรฉ o momento em que meus olhos se depararam com uma casinha branca, com um telhado comum de madeira e algumas folhas em cima, uma varanda pequena e uma plantaรงรฃo de abรณboras logo ao lado.

Fiquei desconfiado, nรฃo posso negar; nem mesmo meu semblante conseguia esconder a desconfianรงa que sentia. Tudo piorou quando reconheci uma das silhuetas enfiadas no meio da horta, utilizando uma enxada na terra enquanto o suor escorria de sua testa e sua pele estava vermelha, completamente queimada pelo sol - Elisabette dos Chapรฉus de Palha. Franzi o cenho e continuei andando, observando as outras pessoas por ali: uma jovem loira com asas nas costas um pouco menores e com antenas na cabeรงa; um velhote de barba grande e grisalha, usando uma espรฉcie de manto bege e um pano cor de vinho na cabeรงa; alรฉm de uma espรฉcie de raposinha branquinha caminhando pelo ambiente, parecendo se divertir com a melodia da harpa.

- Aqui estรก ele, Senhor. - um dos soldados anunciou minha presenรงa, dando-me um leve empurrรฃo no ombro, indicando que eu andasse; e assim o fiz.

- Oh, estรกvamos falando de vocรช neste exato momento, rapaz.

- E nรฃo eram coisas boas, hein? Eh! Eh! Eh! - Elisabette riu e, no mesmo instante, foi repreendida com um cascudo desferido pelo velhote, que a fez cair no meio da horta. - Ai!

- Tch. O que vocรช quer, hein, coroa? - meu olhar deixava clara minha falta de vontade de estar ali e pude perceber os olhos do homem barbudo suavizarem ao notar minha expressรฃo e meus comportamentos ariscos.

- Soube que sua tripulaรงรฃo pereceu devido ao impacto causado pela chegada de vocรชs atรฉ aqui, alรฉm de que o navio ficou em estilhaรงos. - ele comeรงou a se curvar em sinal de respeito pela minha perda. - Sinto muito, meu jovem. Que seus companheiros encontrem paz no descanso eterno.

Naquele momento, eu nรฃo soube o que responder e apenas acenei com a cabeรงa, um pouco confuso e desconfortรกvel. Afinal, eu nem sabia quem era aquele homem nem o que estava fazendo naquele lugar tรฃo afastado, praticamente no meio do nada. O que me levou a essa conclusรฃo foi o fato de que nรฃo havia nada ao nosso redor, absolutamente nenhuma porta; apenas algumas รกrvores semelhantes a palmeiras, mas com frutas gigantes que se assemelhavam a nozes verdes musgo. Nuvens formavam pequenas montanhas ao redor da casinha, e havia vegetaรงรตes diferenciadas que eu nunca havia visto antes.

No comeรงo, foi estranho. Eles simplesmente resolveram me acolher como se eu fosse um deles e, quando me dei conta, estava vivendo na casa daquele homem como se fosse minha, assumindo a responsabilidade pela plantaรงรฃo de abรณboras e pela horta que havia ali. Assim, ganhei o Anjo da Morte como minha "colega de quarto".

Entretanto, conviver com aquela garota era o mesmo que lidar com uma crianรงa mimada, e a situaรงรฃo se agravava pelo fato de ela se achar no direito de mandar em mim... o que tornava tudo ainda pior era que eu obedecia em silรชncio.

Nossos primeiros dias de convivรชncia a sรณs na casa do velho Gan Fall foram um verdadeiro inferno, pois eu era explosivo e ela era tรฃo violenta que me deixava cheio de hematomas, marcas de mordidas, arranhรตes e tufos de cabelo meu espalhados pelos cรดmodos da "nossa" pequena residรชncia. Ela nรฃo aceitava que eu quisesse ter momentos de sossego e dormir um pouco, estava sempre gritando para que eu fizesse alguma coisa, me xingando sem motivo. Eu nรฃo deixava barato, resultando em nรณs dois discutindo atรฉ que partรญssemos para a agressรฃo.

Elisabette estava sempre apreensiva e nervosa, parecendo que ia explodir a qualquer momento, a qualquer deslize que ela mesma cometessem. Seus olhos estavam sempre arregalados e tudo o que ela fazia era de forma ligeira e frenรฉtica, quase como se estivesse em abstinรชncia de drogas. Esses pensamentos sempre me faziam rir ao comparรก-la com os cracudos do submundo.

Era frustrante que ela tambรฉm nรฃo soubesse fazer nada, e praticamente todo o trabalho domรฉstico ficava a meu encargo. Elisabette nรฃo sabia varrer, nรฃo sabia cozinhar, nรฃo sabia passar pano e muito menos lavar roupas e colocรก-las para secar. Restava a mim a responsabilidade de realizar essas tarefas, enquanto a รบnica coisa que ela demonstrava interesse e sabia fazer era praticar jardinagem, cuidando da horta, da plantaรงรฃo de abรณboras e da vegetaรงรฃo ao nosso redor - tรญpico, tรญpico de caipira.

- BELLAMY! - ela sempre gritava meu nome de repente e voava ao meu redor como um quero-quero irritado. - Eu jรก avisei que vocรช precisa varrer o chรฃo da cozinha! Estรก imundo!

- Se vocรช estรก incomodada, varra vocรช mesma, princesa. - assim como ela vivia gritando comigo e me dando ordens, eu estava disposto a retrucar com deboche todos os dias, apenas para receber uma joelhada no meio da testa.

- Eu jรก cuido do trabalho pesado que รฉ ficar no sol quente tratando da horta!

- E daรญ? Vocรช faz isso porque รฉ uma estรบpida que nรฃo sabe nem segurar uma vassoura corretamente. O que vocรช acha que eu sou? Sua esposa dona de casa? Ora, pois se manque, vรก!

- Se eu sou uma estรบpida que nรฃo sabe segurar uma vassoura, vocรช รฉ um incapaz que nรฃo tem capacidade fรญsica suficiente para fazer jardinagem! - ela ria, mas era possรญvel ver seu olhar fixo em mim de forma absurda e desdenhosa. - Nem parece que รฉ homem!

E, รฉ claro, como sempre, minha raiva e o estresse acumulados explodiam como um vulcรฃo em erupรงรฃo, e acabรกvamos os dois atracados um no outro, brigando como dois cachorros raivosos competindo por um pedaรงo de osso. Ela me arranhava, mordia, socava e estapeava, deixando meu rosto e peito cheios de marcas. Ela nรฃo tinha pena nem media esforรงos; quando vinha para cima de mim, vinha com tudo.

Eu, por outro lado, nรฃo conseguia ser verdadeiramente agressivo com ela. Sim, ela me batia e eu rebatia, mas nรฃo o fazia para machucรก-la de fato; era mais... para tentar me defender, talvez? Nem eu sabia. Apenas tinha consciรชncia de que nรฃo tinha coragem para deixรก-la com qualquer dano fรญsico sรฉrio, como os que ela deixava em mim.

Acredito que era pela forma como ela me olhava ou agia, sempre sendo agressiva e adotando uma postura defensiva em relaรงรฃo a mim, como se fosse um gato maltratado resgatado das ruas e levado para um abrigo.

Elisabette se escondia de mim, ficava trancada no quarto, me observava ร  distรขncia e, quando interagรญamos, era apenas para brigarmos, resultando sempre na mesma situaรงรฃo.

Contudo, um dia, nossas brigas ultrapassaram todos os limites. Ela me socou com tanta forรงa que estourou uma veia do meu nariz e eu, cansado de suas asneiras, retruquei com um chute em seu estรดmago, fazendo-a cair sobre as abรณboras e quebrรก-las. A polpa dos frutos voou para todos os lados, respingando em uma pessoa que nรฃo estรกvamos esperando que aparecesse ali justamente naquele dia e naquele fatรญdico momento: Conis, a loirinha com asinhas e antenas.

- Por Deus! Estรฃo brigando outra vez? - ela foi atรฉ Elisabette e a ajudou a se levantar, e eu pude vรช-la ruborizar com a aproximaรงรฃo da outra. - Isso jรก estรก passando dos limites! Vejam o estado em que vocรชs estรฃo!

- Ela que comeรงou! Eu apenas reagi!

- ร‰ por sua culpa, seu preguiรงoso!

- Chega! - Conis gritou, fazendo-nos encolher os ombros e ficarmos apenas com os rostos voltados um para o outro, enquanto ela cruzava os braรงos, nos encarando com um semblante decepcionado e indignado. - Vocรชs nรฃo podem continuar agindo assim; vocรชs dois tรชm idade suficiente para saber como cooperar com as necessidades um do outro e tambรฉm para a convivรชncia de vocรชs.

- Nรฃo quando eu faรงo todas as tarefas domรฉsticas porque a princesinha aqui quer tudo de mรฃo beijada! - gritei de volta, apontando o dedo para o rosto da sentinela dos Piratas do Chapรฉu de Palha, que apenas mordeu a ponta e me fez berrar. - ELISABETTE!

- Nรฃo vou te ajudar enquanto vocรช nรฃo me ajudar com as plantaรงรตes! Temos que lidar com a praga! Nรฃo podemos deixar que nossa รบnica fonte de alimento seja contaminada!

- Eu te ajudaria se vocรช nรฃo fosse tรฃo arrogante e antipรกtica! Vocรช sรณ grita e me dรก ordens; acha que รฉ o quรช, minha capitรฃ ou algo assim? Vocรช nรฃo รฉ porra nenhuma para mim!

- Pois eu digo o mesmo: vocรช nรฃo รฉ e nunca serรก nada para mim! Nรฃo exija que eu te ajude se vocรช nรฃo me ajuda!

- Nรฃo dรก para cooperar com uma pessoa como vocรช!

- Idem!

- Por tudo que รฉ mais sagrado, jรก chega, vocรชs dois! Isso estรก ficando vergonhoso! Nรฃo percebem que estรฃo agindo como duas crianรงas? - Conis interveio entre nรณs, afastando-nos um do outro enquanto sua expressรฃo demonstrava nervosismo e certo pรขnico. - Sรฉrio, estou ficando preocupada com o que pode acontecer! Se as coisas continuarem assim, vocรชs vรฃo acabar se machucando dentro da casa do Senhor!

- Inรบtil! - gritamos, eu e Elisabette, ao mesmo tempo, encarando-nos com as testas coladas uma na outra, bufando como dois touros furiosos.

- Vocรชs vรฃo ficar aqui por dois anos inteiros; precisam aprender a se dar bem. Vocรชs precisam e devem! Nรฃo รฉ necessรกrio que se tornem amigos ou algo parecido, mas pelo menos devem saber lidar um com o outro sem chegar a isso! - ela disse, apontando para nossos rostos ensanguentados.

- Eu sรณ vou me dar bem com ele se ele me ajudar com a horta.

- Bem, que tal vocรช nรฃo aprender a varrer e me ajudar tambรฉm, hein?

- Porque eu nรฃo sei!

- Como nรฃo?

- PORQUE NINGUร‰M NUNCA QUIS ME ENSINAR A FAZER COISAS DE GENTE NORMAL! - a exclamaรงรฃo dela pareceu surpreender nรฃo apenas a mim, mas tambรฉm Conis, que apenas arregalou os olhos com um misto de choque e algo semelhante ร  culpa.

Ela estava sempre gritando reclamaรงรตes sem sentido, dizendo coisas do tipo, como se eu ou qualquer pessoa pudesse entender o que ela queria dizer quando afirmava que desejava viver como alguรฉm normal. Conis parecia entender, sempre pareceu, mas demonstrava certa relutรขncia em ajudar de fato Elisabette, que apenas se afundava mais e mais naquela situaรงรฃo.

No entanto, depois daquele dia, daquela nossa รบltima discussรฃo, eu tentei ser mais compreensivo e entender Elisabette. Afinal, se fรดssemos ficar juntos por dois anos, terรญamos realmente que tentar algo: nos dar bem e evitar o desejo de machucar um ao outro sempre que estivรฉssemos irritados com os problemas do nosso dia a dia. Confesso que era difรญcil, pois minha mudanรงa de uma postura agressiva para uma atitude mais pacรญfica e passiva a deixou atordoada e desconfiada. Atรฉ o momento em que ela decidiu dar o braรงo a torcer e, bem, acho que acabamos virando apenas colegas que se ajudavam e tentavam cooperar para que tudo entre nรณs desse certo.

Eu a ensinei a varrer, a lavar roupas e a passar pano, assim como consegui ensinรก-la a nรฃo explodir a cozinha quando tentasse cozinhar, utilizando os รบnicos ingredientes que tรญnhamos - abรณboras, cebolinhas, batatas e tomates - para preparar ensopados que se tornaram nosso almoรงo e jantar prediletos. Tambรฉm tentei ensinรก-la a fazer torta de abรณbora; porรฉm, doces nรฃo eram o seu forte.

Segundo e Terceiro Mรชs

Mesmo que tivรฉssemos nos tornado amigos, isso ainda nรฃo mudava o fato de que ela continuava sendo teimosa e frequentemente tinha seus chilique. No entanto, jรก era tรฃo rotineiro que eu havia aprendido a lidar com isso e descoberto como fazรช-la parar: bastava chamรก-la para passear pelos arredores, e rapidamente ela se animava e esquecia o estresse diรกrio.

Na verdade, Elisabette se revelou uma pessoa muito amigรกvel e dรณcil, mais do que eu esperava que ela fosse. Ela estava sempre voando ao meu redor como um passarinho curioso, me enchendo de perguntas. Alรฉm disso, falava sobre vรกrios assuntos ao mesmo tempo, o que, embora me deixasse confuso em boa parte dos nossos momentos de lazer, eu apenas aceitava e a respondia tranquilamente. Conversando com ela e a ouvindo, percebi desde que comeรงamos a nos aproximar que ela gostava muito de conversar e de se expressar; era curiosa e cheia de questรตes para perguntar, sempre esperando por respostas. Os olhos dela brilhavam com um forte cintilar de curiosidade.

E, aos poucos, eu aprendi a gostar da companhia dela, do seu jeito que, apesar de ser apocalรญptico, caรณtico, barulhento e talvez um pouco infantil demais, era exatamente isso que tornava Elisabette quem ela era.

No fim, eu estava gostando daquela vida que estรกvamos levando mais do que esperava. Estava apreciando a rotina, as noites de sono com a brisa noturna invadindo a casinha e arrepiando meu corpo, aquecido pelos cobertores feitos de nuvens, que funcionavam como uma manta confortรกvel e quentinha. Tudo era pacรญfico, monรณtono e... eu acho que estava de fato feliz com isso, mesmo depois de tudo: das humilhaรงรตes e da perda da minha tripulaรงรฃo. A convivรชncia com Elisabette impediu que tudo aquilo pesasse tanto, porque, quando eu parecia afundar, ela me agarrava pelos braรงos e puxava para a superfรญcie com sorrisos gentis e gargalhadas histรฉricas, acompanhadas de tapas involuntรกrios em minhas costas.

E, naquele tempo, eu demorei para perceber de fato a presenรงa dela ao meu lado. Demorei para apreciar sua doรงura, apesar das circunstรขncias em que nos encontrรกvamos - do terror que ela vivia em Skypiea, enfrentando o preconceito das pessoas das Ilhas do Cรฉu, que a viam como alguรฉm ruim e que nรฃo deveria estar ali. Lembro-me vividamente da primeira vez em que notei o olhar de desgosto dos cidadรฃos.

Nossos recursos haviam se esgotado, incluindo temperos, produtos de limpeza e outras coisas essenciais para mantermos a residรชncia de Gan Fall em boas condiรงรตes. Sem outra opรงรฃo, lembro de ter sugerido que fรดssemos ร  cidade para comprar o que precisรกvamos. Quando eu disse isso, percebi os olhos dela mudarem para algo mais sรฉrio, tenso, com um lampejo de medo; entretanto, ela aceitou e fomos.

Era nรญtido; estava estampado no rosto de todos os skypieans e shandians que a presenรงa dela nรฃo era agradรกvel ou bem-vinda ali. A forma como eles a encaravam, como as crianรงas se escondiam e outras choravam assustadas a cada passo que ela dava, e os murmรบrios que o vento fazia ecoar em nossos ouvidos - ninguรฉm a queria ali, e eles estavam fazendo questรฃo de deixar isso explรญcito. Elisabette, com quem eu jรก havia me acostumado ร  sua barulheira incessante, estava em completo silรชncio, com um semblante neutro, nรฃo esboรงando nenhuma reaรงรฃo; apenas seus olhos opacos eram visรญveis pela franja que os cobria minimamente, pois ela mantinha a cabeรงa baixa e se recusava a encarรก-los de volta.

- Eles parecem putos. - eu murmurei baixo o suficiente para que somente ela me escutasse, notando o olhar de soslaio que ela me lanรงou. - Por que todos eles olham para vocรช dessa maneira?

Elisabette nรฃo me respondeu de imediato; apenas balanรงou os ombros, e continuamos nossa caminhada atรฉ o mercado para comprar o que precisรกvamos. Ao chegarmos em casa, ela desabou.

Elisabette simplesmente caiu de joelhos no chรฃo e comeรงou a chorar desesperadamente, agarrando os cabelos com forรงa e gritando que nรฃo aguentava mais tudo aquilo, afirmando que faltava pouco para que ela estourasse a prรณpria cabeรงa na parede de tanto bater. Foi uma cena estranha e confusa, pois eu nรฃo entendia o motivo daquele choro, daquele desespero, do medo e da angรบstia em seu olhar, que sempre me pareceu tรฃo vivo e alegre. Ela estava rindo o tempo todo, agindo como um passarinho, saltitando e cuidando da nossa horta... atรฉ que, de repente, parecia uma crianรงa assustada com o mundo, chorando tanto que seu corpo tremia como se estivesse morrendo congelada em uma nevasca.

E eu lembro bem de ter tentado ajudar, de ter tentado acolhรช-la, mas ela se recusava, gritava dizendo que nรฃo precisava de ajuda, que nรฃo precisava de mim nem de ninguรฉm, e que queria que eu fosse embora e a deixasse sozinha, pois era o que uma praga como ela merecia: ficar sozinha, sem ninguรฉm para ferir.

Porรฉm, em uma noite, eu jรก estava dormindo, embolado nos cobertores em cima do sofรก, quando senti uma mรฃo fria tocar meu ombro e balanรงar com cuidado. Abri os olhos, irritado e confuso, deparando-me com o rosto sonolento de Elisabette, que apresentava grandes olheiras e uma camisola mal colocada, revelando seus ombros largos e sua clavรญcula delicada. Naquele momento, apenas a xinguei mentalmente, pois estava cansado depois de passar o dia capinando e sรณ queria dormir em paz; no entanto, precisava lidar com ela primeiro.

- Eu nรฃo consigo dormir...

- Argh... nรฃo posso ajudar com isso... - foi o que eu disse, com a voz arrastada pela sonolรชncia, mal conseguindo manter os olhos abertos. - Beba leite quente... talvez resolva...

- Nรฃo... eu nรฃo consigo dormir sozinha... - o sussurro dela foi tรฃo suave e baixo que quase se tornou inaudรญvel, mas consegui entendรช-la pela proximidade.

- Eh? E o que eu tenho a ver com isso?

- Vocรช pode segurar minha mรฃo atรฉ eu dormir?

Eu nรฃo entendia muito bem o porquรช daquilo; contudo, assim que ouvi sua voz quebrada e notei seu olhar perdido - praticamente me implorando de forma silenciosa para que eu cedesse ao seu pedido -, nรฃo vi outra alternativa a nรฃo ser ir atรฉ o quarto em que ela dormia e puxar o sofรก para colocรก-lo ao lado da cama dela, segurando sua mรฃo atรฉ que ela conseguisse adormecer. Isso se tornou algo natural em nossa rotina, atรฉ o momento em que parei de sair do quarto durante a madrugada para permanecer ali, dormindo tรฃo prรณximo a ela e, mesmo assim, tรฃo distante de seu calor, que, quando percebi, desejava sentir todas as noites.

As mรฃos de Elisabette, apesar da aparรชncia delicada e frรกgil, eram bastante calejadas, firmes e pesadas, como as de alguรฉm acostumado ao trabalho pesado. Ao julgar pelo seu desempenho e forรงa de vontade na agricultura, eu nรฃo me surpreenderia se todos aqueles mรบsculos marcados em seu corpo esguio fossem resultado de anos de treinamento รกrduo.

Em uma dessas noites, percebi a inquietaรงรฃo dela na cama, virando-se de um lado para o outro, balanรงando as pernas e as asas, mas nunca, em hipรณtese alguma, desafrouxando o aperto da sua mรฃo na minha.

Desde que a conheci, notei que Elisabette era ansiosa e estava sempre atenta, frustrada e nervosa com tudo ao seu redor, como se sentisse observada ou ameaรงada por algo. Muitas vezes, a julguei como idiota ou maluca; no entanto, no fim das contas, ela apenas estava assustada por estar sozinha e longe de sua tripulaรงรฃo. Tambรฉm compreendia seu nervosismo pelo fato de que todos naquela ilha pareciam odiรก-la, como se ela fosse o prรณprio diabo encarnado.

- ร€s vezes, eu acho que hรก algo de muito errado comigo... na minha cabeรงa, bem lรก no fundo. - foi o que ela me sussurrou de repente, quando finalmente havia sossegado sobre a cama, deitando-se de costas e encarando o teto com um olhar exausto e sem aquele brilho ao qual eu havia me acostumado.

- Por que vocรช acha isso?

- Eu tenho muito medo de morrer, mas... ร s vezes, eu gostaria de pegar uma pistola e estourar meu crรขnio.

- ร‰, deve haver algo de errado com vocรช mesmo. - falei em um tom de zombaria, um sorriso de escรกrnio puxando o canto dos meus lรกbios enquanto meus olhos encontravam os dela. - Mas, assim, por que vocรช quer fazer isso?

- Por nada, sรณ... esqueรงa o que eu disse. - diferente de todas as nossas noites juntos, ela apenas se virou e estava prestes a soltar minha mรฃo pela primeira vez em dias; entรฃo, eu a agarrei com forรงa e a puxei de volta.

- ร‰ meio estranho o que vou dizer, mas sei lรก, se nรณs somos amigos e tal... vocรช pode me contar o que passa na sua cabecinha oca.

Elisabette apenas se calou e ficou me encarando com aqueles olhos azuis opacos, sem mais nenhum brilho, seja de esperanรงa, de alegria ou do cintilar natural que costumavam ter. Era apenas um azul vazio, sem nada, assim como ela parecia estar naquela noite e nos dias que se seguiram: vazia.

Entretanto, em um final de tarde, estรกvamos sentados na varanda observando o pรดr do sol e, ao longe, jรก era possรญvel avistar a lua. Assim que olhei para o lado, vi Elisabette fitando a lua com um olhar tรฃo perdido que eu podia jurar que ela estava hipnotizada pela forma como a observava - com admiraรงรฃo, adoraรงรฃo e algo que lembrava saudades; era isso que ela transmitia. Toquei de leve sua mรฃo e a fiz me encarar, levando minha mรฃo atรฉ seu rosto e afastando a franja que cobria seu olho. O cabelo dela havia crescido tanto em trรชs meses que chegava a ser estranho imaginar que o tempo estava, de fato, passando.

- Vocรช tรก pintando o cabelo?

- Nรฃo. Por quรช?

- Tem uma mecha loira bem aqui. - falei, puxando as madeixas e deslizando-as entre meus dedos. - ร“.

- Ah... acho que meu cabelo estรก querendo mudar de cor. - ela riu fraco, mas eu jรก a conhecia o suficiente para saber que nรฃo estava nem um pouco contente com essa mudanรงa em si mesma.

- Seus pais eram loiros?

- Somente o meu pai... minha mรฃe tinha cabelos prateados, iguais aos meus, mas... ela faleceu hรก muito tempo. - sua voz enfraqueceu repentinamente e logo Elisabette abraรงou as prรณprias pernas, encolhendo-se como um passarinho.

- Sinto muito... - lembro de ter ficado um pouco mexido com suas palavras e curioso, resolvi cavar mais fundo. - E quanto ao seu pai? Ainda estรก vivo ou...?

- Vivo.

- E onde ele estรก? Ele foi comprar cigarro?

- O quรช? Nรฃo... ele nรฃo fuma.

- Isso... foi ironia.

- Oh! - a sentinela dos Piratas do Chapรฉu de Palha arregalou os olhos e me olhou surpresa, o que apenas me fez rir.

Conversa vai, conversa vem... e eu descobri quem ela era de verdade. Elisabette me contou seu verdadeiro nome, revelando que apenas eu e sua famรญlia sabรญamos sobre sua identidade: Magni D. Elisabette. Era esse o nome dela e, ao olhรก-la, percebi que ela realmente tinha o rosto de alguรฉm que pertencia ร  elite, alguรฉm que detinha o poder em suas mรฃos, embora nรฃo soubesse como usรก-lo. Ela me contou sobre seu antigo lar, sua cidade natal, Birka, que fora obliterada por seu pai e, durante esse processo, ela perdeu a mรฃe pelas mรฃos de Urouge, o Monge Louco, um dos piratas da considerada Pior Geraรงรฃo.

Elisabette me revelou muitas coisas, as quais apenas aumentaram minha admiraรงรฃo por ela como pessoa. Elisabette era forte, lutava com mestria e tinha garra para proteger e defender o que lhe era querido.

Ela tinha um pai, um homem chamado Enel que, apesar de tudo, ela dizia que a amava. Eu nรฃo sei se ele realmente a amava, mas ver o brilho nos olhos dela ao falar daquele homem, referindo-se a ele como seu Deus e senhor, foi algo que mexeu em meu รขmago, pois ela era exatamente igual a mim.

Elisabette e eu somos tรฃo iguais que chega a ser estรบpido.

Elisabette demonstrou ser devota ao pai como uma freira adora um santo e, assim como ela, eu estava sempre de joelhos diante da imagem de Donquixote Doflamingo, que era quem eu via como um espelho para o que desejava me tornar um dia. Tudo na vida, desde que entrei para a pirataria, foi para chamar a atenรงรฃo dele e trazer seu foco para mim... assim como ela fazia com o pai.

Quarto e Quinto Mรชs

Elisabette e eu havรญamos nos tornado mais prรณximos desde nossa conversa em que ela me revelou seu passado e seus ideais envolvendo o prรณprio pai, a quem se refere como Deus. Ainda brigรกvamos, mas nรฃo eram desavenรงas agressivas ou qualquer situaรงรฃo que resultasse em nรณs dois machucados; eram apenas discussรตes bobas causadas por qualquer deslize fรบtil que nossa convivรชncia de 24 horas por dia pudesse nos proporcionar, deixando-nos turbulentos ao longo das manhรฃs e perdurando atรฉ o horรกrio do almoรงo. Era nesse momento que lembrรกvamos que รฉramos amigos e compartilhรกvamos nossas refeiรงรตes em paz, trocando ideias.

Quando me dei conta, jรก nรฃo a via mais apenas como uma amiga; ela estava se tornando mais que isso, e vรช-la dessa forma me deixava assustado e atordoado, porque era algo que eu nรฃo deveria estar sentindo e nem em um milhรฃo de anos deveria sentir.

Elisabette era boa demais para mim. Mesmo com todas as merdas que atormentavam sua mente e a deixavam cada dia menos sรฃ, ela ainda era melhor do que eu em todos os aspectos possรญveis. Ela era tudo o que eu jamais conseguiria ser, porque, ao contrรกrio dela, eu era um estorvo que sequer conseguiu salvar a tripulaรงรฃo do prรณprio desejo egoรญsta, enquanto ela... ela seguia firme em sua fรฉ, em suas crenรงas e na sua esperanรงa no capitรฃo.

Ouvir a voz dela era como escutar o mantra de um anjo, e eu sempre me via perdido em suas histรณrias sem pรฉ nem cabeรงa sobre sua infรขncia ou as aventuras que havia vivido com os Chapรฉus de Palha. A voz dela havia se tornado um vรญcio do qual eu nรฃo queria me curar nunca, nem se me fosse oferecido todo o dinheiro do mundo pelo tratamento.

Eu apreciava seu entusiasmo, como ela parecia ร  vontade com a minha presenรงa e a maneira como estava sempre voando por aรญ como um pรกssaro, cuidando de tudo e deixando nossa casa confortรกvel para nรณs dois. Ela colhia flores e construรญa coroas para mim, trazia sementes e as deixava na janela como forma de dizer que sairia, mas voltaria logo. Ela parecia sempre atenta a tudo: ร s minhas necessidades, aos meus gostos, ao que eu desejava; tudo. E eu, assim como ela, estava agindo da mesma forma.

Sempre que dormรญamos, eu gostava de observรก-la para ter certeza de que ela nรฃo acordaria no meio da madrugada assustada por algum pesadelo ou simplesmente ficaria acordada a noite inteira, atordoada e ansiosa por nรฃo estar com seu coraรงรฃo. Muitas vezes, precisei lidar com alguma crise dela, temendo que Trafalgar se cansasse de esperar e fizesse algo com seu coraรงรฃo.

Ainda tentava entender o que se passava na cabeรงa dela ao entregar seu coraรงรฃo como garantia de que iria pagรก-lo, assim como o que a havia levado a oferecer 1 bilhรฃo de berries para ele quando, aparentemente, ele salvou os Mugiwara porque quis, e nรฃo porque desejava algo em troca.

- ร€s vezes, sinto-me fraca ou sinto uma pontada no peito... ele deve estar fazendo algo com meu coraรงรฃo, tenho certeza. Aquele homem รฉ louco... - ela falava assustada, com os olhos arregalados e o rosto em um estado de pรขnico nรญtido, as mรฃos trรชmulas enquanto se agarrava a si mesma em busca de consolo. - Ele รฉ maluco, totalmente maluco... vocรช nรฃo viu o que ele fez comigo... foi bizarro, surreal...

- Hah, o fato de ele ter arrancado sua cabeรงa mexeu mesmo com vocรช, nรฃo foi, princesa?

- Claro! Foi terrรญvel! Ver meu corpo de pรฉ enquanto minha cabeรงa estava caรญda foi muito assustador. Pior ainda foi a forma como ele me olhava! Achei que ele realmente fosse quebrar meu crรขnio com vรกrios chutes, o que nรฃo seria difรญcil dada a minha situaรงรฃo de vulnerabilidade naquele momento!

- Fica tranquila, jรก passou! - passei a mรฃo em seus cabelos, bagunรงando os fios e os deixando rebeldes. - Ele nรฃo vai te achar aqui, estรก bem? E se achar, eu te protejo e tudo mais.

Era engraรงado ver alguรฉm como ela, cheia de forรงa e poder, assustada com um varapau como o Trafalgar. Contudo, compreendia o medo dela; talvez nรฃo fosse fรกcil viver dia apรณs dia sabendo que um manรญaco sรกdico tinha seu coraรงรฃo como refรฉm. No lugar de Elisabette, eu tambรฉm ficaria tenso o tempo inteiro atรฉ recuperรก-lo.

Sexto Mรชs

Seis meses se haviam passado, aproximadamente meio ano desde que eu comeรงara a viver nas Ilhas do Cรฉu ao lado de Elisabette. A experiรชncia de compartilhar minha vida com ela era simplesmente sublime; a cada dia que passava, eu me sentia mais acolhido e em paz comigo mesmo. Gradualmente, estava aprendendo a lidar com a dor da perda de meus companheiros, pois ter sua presenรงa ao meu lado era como respirar ar fresco apรณs milรชnios trancafiado em uma cela empoeirada, onde o odor de mofo e o vazio da minha prรณpria alma eram as รบnicas companhias. Com ela, tudo mudava; era como se um novo mundo se descortinasse diante de mim.

Nossos dias eram preenchidos por momentos compartilhados, repletos de atividades e risadas. A companhia dela transcendia a perfeiรงรฃo - ela prรณpria era mais do que perfeita. Nenhuma palavra poderia capturar a profundidade do que ela representava para mim, nem a doรงura indescritรญvel que envolvia cada instante ao seu lado. Estar com Elisabette era um deleite para a alma, uma experiรชncia que iluminava atรฉ os recantos mais sombrios do meu ser.

Nada, absolutamente nada, poderia me fazer desejar desprender-me dela. Tudo o que a cercava era o que me impulsionava a acordar a cada amanhecer e a aspirar ser uma pessoa melhor. Eu almejava ser digno de seu amor, desejava que ela me visse como alguรฉm em quem pudesse confiar nรฃo apenas seus medos, mas tambรฉm sua prรณpria vida. Eu... eu faria qualquer coisa por ela, para garantir que nada fosse capaz de arrastรก-la para o abismo da solidรฃo e do desespero. Tudo o que eu mais desejava era ser seu alicerce, assim como ela havia se tornado o meu refรบgio e minha luz.

Mas... jรก nรฃo podia ser assim. Eu precisava retornar ao Mar Azul, tentar recuperar tudo o que havia perdido e demonstrar a Doflamingo que eu ainda era capaz de ser seu subordinado, de navegar sob sua bandeira e provar a todos que eu ainda era Bellamy, A Hiena.

No entanto, eu sabia que, uma vez que partisse, teria que deixรก-la para trรกs. Agora que nรณs dois estรกvamos tรฃo entrelaรงados em nossos sentimentos, tinha plena consciรชncia de que minha partida a causaria uma dor imensurรกvel, assim como a ausรชncia dela me feriria profundamente. Seria como arrancar uma parte essencial de mim e deixรก-la ร  deriva. Abandonรก-la depois de tudo o que havia descoberto sobre nรณs, depois de todas as experiรชncias que nos levaram a um nรญvel de proximidade tรฃo intenso, seria como disparar contra meu prรณprio coraรงรฃo. Eu deveria ter repensado meus ideais mil vezes, milhares de vezes, antes de sequer considerar ir embora e deixรก-la sozinha - e ela odiava estar sozinha.

Na manhรฃ do dia em que decidi que partiria, estรกvamos na horta, como de costume. Havรญamos discutido por uma questรฃo trivial, e eu estava resmungando enquanto removia os restos de abรณbora do rosto dela. Ela estava completamente suja, com a polpa da abรณbora e algumas sementes enroscadas em seus fios de cabelo.

- Ei, Bellamy... - recordo-me da voz dela, que soava como um sussurro dengoso, quase tรญmido.

- O que foi agora? - eu a encarei, emburrado, tentando remover as sementes grudadas nela, que pareciam ter sido coladas com cola em vez de grude de polpa.

- Eu gosto muito de vocรช. - as palavras saรญram da boca dela de forma tรฃo natural que me fizeram engasgar e parar o que estava fazendo, apenas para encarรก-la com os olhos arregalados e o cenho franzido, em completo choque.

- O quรช!? Como assim?

- Como assim "como assim"? Estou dizendo que gosto muito de vocรช. A Nami sempre diz que devemos expressar nossos sentimentos, entรฃo estou sendo sincera. Gosto muito de vocรช. - ela explicou como se estivesse afirmando algo simples e rotineiro, mas eu sabia que aquilo era mais do que ela dizia. - O que foi?

- Nada, vocรช sรณ fala besteira demais ร s vezes.

Todavia, aquela "besteira" foi a mais doce confissรฃo que eu jรก tive o privilรฉgio de ouvir em toda a minha vida. Tudo o que eu desejava era que aquele momento se tornasse eterno, que aquela manhรฃ jamais chegasse ao fim. No instante em que a vi se virando para ir embora, uma onda de desespero percorreu meu corpo como um relรขmpago, como se meu subconsciente implorasse para que eu a correspondesse antes que fosse tarde demais. Porque, ao menos, eu queria que, antes do desfecho de nossa histรณria, ela soubesse que o que sentia por mim era absolutamente mรบtuo.

- Elisabette!

- Sim?

- Olha, escute aqui! Que isso fique entre nรณs! - eu gritei, aproximando-me dela com passos firmes e rรกpidos, agarrando-a pelos ombros. โ€ Eu tambรฉm gosto muito de vocรช, tรก bem!?

- Tรก bem, sim! - ela sorriu amplamente, corando as bochechas.

- Pare de sorrir assim!

- Tudo te incomoda!

- Vou arrancar sua lรญngua com os dentes! - eu ri, abrindo a boca como se fosse mordรช-la.

- Nรฃo vai nรฃo! - ela arregalou os olhos e franziu o cenho, dando-me uma rasteira e saindo correndo.

Enquanto Elisabette corria, permaneci parado, observando-a, tentando gravar aquele momento em minha memรณria. Era nosso รบltimo dia juntos, um dia que nรฃo teria despedida, pois eu nรฃo teria coragem de encarรก-la para dizer adeus. Sabia que ela odiava essa ideia, a dor de se despedir de quem se ama.

Quando a noite chegou e ela adormeceu, permaneci deitado ao seu lado por mais algumas horas, segurando sua mรฃo como costumava fazer todas as noites. Olhava-a com tanto carinho e afeiรงรฃo que, se ela fosse um pouco mais perspicaz, poderia ler em meus olhos o quanto eu era perdidamente apaixonado por ela, o quanto eu faria tudo e qualquer coisa por sua felicidade. Contudo, essa poderia ser considerada a maior mentira de todas, uma vez que eu havia escolhido Doflamingo em vez dela.

E entรฃo, antes de partir, olhei para ela uma รบltima vez, encontrando-a encolhida entre os cobertores, com o rosto ainda marcado pelo sono, os cabelos desgrenhados e espetados para o alto. Suas asas estavam abertas, reminiscentes das de uma coruja caรญda. Essa visรฃo peculiar e adorรกvel fez com que eu soltasse a รบltima risada genuรญna, provocada por ela.

Naquela noite, deixei tudo para trรกs.

E Elisabette... ela era meu tudo.

โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”






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