Capitulo 2 - Saco cheio
1421 palavras
Nosso segundo encontro aconteceu enquanto eu estava parada em frente a uma vitrine de bolinhos doces, os quais eu era completamente apaixonada. Eu queria muito comprar um naquele momento, mesmo que fosse apenas para me consolar, mas estava sem um tostão no bolso. Saí com tanta pressa de casa que acabei esquecendo de pegar parte das minhas economias.
E a culpa era da minha querida mãe. Tinha tirado a minha primeira nota baixa do ano, e, como consequência, eu ficaria de recuperação nas férias. Revoltada com isso, ela me colocou de castigo, tirou meu celular e ainda me proibiu de trabalhar na pizzaria do vovô no final de semana. Imagina se eu ia pensar em pegar dinheiro do cofrinho estando tão puta da vida!
Eu sempre fui uma boa aluna, excelente, na verdade. O problema foi que, dessa vez, eu havia perdido uma prova de geografia porque acordei tarde para a primeira aula, depois de ter ficado até mais tarde ajudando o vovô. Sabe como é, hora extra é mais dinheiro no bolso.
Minha mãe até tinha razão quanto ao fato de eu não ter muito tempo para estudar ou dormir devido ao trabalho na pizzaria, mas mesmo assim, me proibir de trabalhar foi demais! Ela podia ter limitado meus dias ou, sei lá, conversado com o vovô sobre o horário, qualquer coisa menos tirar meu emprego! E meu celular! O que meu celular tinha a ver com a situação? Nada! E ainda assim, ela o levou.
Naquela situação, tudo o que fui capaz de fazer foi dar as costas para ela e sair andando sem rumo pela rua, sem saber ao certo onde ir. No fim, não importava. Eu só queria ficar longe dela antes que eu surtasse e a gente brigasse por aquilo. Evitava discutir com minha mãe. A vida dela já era difícil demais para ter que se preocupar com uma adolescente rebelde e sem juízo. Preferia aceitar calada e seguir com a vida.
E eu sempre poderia apelar para o meu pai de qualquer forma... Só precisava me concentrar em recuperar o acesso ao celular. Foi com esse pensamento que me vi parada, de frente para a vitrine de doces.
O cheiro doce que emanava da loja me envolvia como um abraço caloroso, um perfume inconfundível de açúcar puro. A cada respiração, parecia que o ar estava impregnado de algo mágico, prometendo uma explosão de sabor em cada pedacinho. O cenário ao meu redor parecia ter saído de um conto de fadas. A loja era como uma casa de boneca, cheia de frufrus e delicadezas que davam vontade de tocar em cada canto. As mesas cor-de-rosa refletiam um charme irresistível, enquanto enfeites de brigadeiro, cuidadosamente dispostos, adornavam as prateleiras. Os aventais da equipe, com seus formatos de cupcakes, completavam o clima encantado, que me fazia lembrar das cenas coloridas da Fantástica Fábrica de Chocolate.
Eu sempre passava por ali, atraída pela sensação de que algo doce e reconfortante estava à espera. O lugar era um convite constante, e em outros momentos, não resistia a entrar e escolher um bolinho para saborear. Porém, naquele instante, me vi parada na frente da vitrine, incapaz de fazer mais do que admirar. As vitrines estavam repletas de tentadores bolinhos, com coberturas brilhosas e formas perfeitas. Olhei para dentro com os olhos fixos naquelas pequenas delícias, a boca cheia de água, mas com a dura realidade me impedindo de agir.
Eu desejava mais do que tudo aquele bolinho. Queria sentir o sabor derretendo na boca, sentir o doce escapando das bordas e se espalhando por todo o meu ser. Mas, naquele momento, só me restava a angústia de estar tão perto e ainda assim, tão longe. Meu corpo estava imóvel, como se os bolinhos estivessem ali para zombar da minha fome e frustração. Não podia fazer nada além de babar e olhar para eles com um desejo quase insano, como uma doida diante de uma vitrine, sonhando com aquilo que eu não podia alcançar.
Foi então que ele passou por trás de mim, sem que eu notasse. Adentrou a loja de bolos, e não o reconheci de imediato. Vi quando ele saiu de lá com um saco que, certamente, continha aqueles bolinhos deliciosos. Ele o abriu na minha frente e tirou de lá um bolinho de chocolate bem redondinho, coberto de glacê. Ele deu a primeira mordida de forma gulosa, sujando os cantos da boca com a cobertura. Aquela cena me fez salivar, e eu queria tanto um pedaço. Mas não era tão atrevida a ponto de pedir a um desconhecido uma mordida do seu bolinho.
Cogitei até roubar o saco e sair correndo.
Me virei de volta para a vitrine, não podendo mais encarar aquela cena que fazia meu estômago revirar de agonia. Ele fez o mesmo e ficou ao meu lado, olhando a vitrine, que exibia uma variedade de bolinhos.
Eu queria chutar a cara daquele miserável! Ele não podia ter comido lá dentro? Tinha que parar justo do meu lado? Aquilo parecia de propósito, como se ele quisesse se vangloriar.
Logo, ele tirou outro bolinho, esse de morango, e começou a devorá-lo também. Aquilo era crueldade pura. Ele estava fazendo questão de comer na minha frente, fazendo barulho a cada mordida. Olhei bem para aquele sujeito, tentando reconhecê-lo, para entender o motivo daquela tortura.
Em um primeiro momento, meus olhos estavam fixos na boca dele, mastigando o bolinho. Mas logo meus olhos caíram sobre seus cabelos. Naquele dia, eles não estavam tão revoltados, os cachos estavam mais controlados. Mas foi isso que me fez lembrá-lo, me fez lembrar da vontade de agarrar aqueles cachos e puxá-los tão forte que todos os fios se soltariam, e eu poderia fazer uma peruca.
Meu sangue ferveu. Xinguei mentalmente e bati o pé no chão, irritada. Tomei uma decisão e me determinei a ir embora. Voltaria amanhã e comeria tanto daquele bolinho até sair pelos meus ouvidos.
Tanto quanto o meu dinheirinho suado pudesse comprar, é claro.
Virei as costas para ir embora, mas fui impedida pela mão dele, que puxou bruscamente a minha. Isso me fez encará-lo. Sua íris tinha um tom de verde escuro que, se não estivéssemos tão próximos, eu não teria notado. Era quase preto, mas o tom esverdeado estava ali, sutil e imperceptível.
Eu estava pronta para gritar, para fazer um escândalo por ele ter a audácia de me tocar. Mas ele agiu antes de mim, me entregando o saco de bolinhos sem dizer uma palavra, e saiu andando até virar a esquina e desaparecer da minha vista.
Mais uma vez, fiquei sem palavras, completamente atônita com a situação, e com um leve medo do que aquilo significava. Por Deus, como eu desejava espancá-lo! Por um momento, acreditei que dentro do saco só havia farelos, que ele tinha feito aquilo para me irritar ou me humilhar... Meu sangue ferveu tanto que, se fosse uma chaleira, estaria apitando enquanto soltava fumaça.
Se fosse isso, eu o caçaria pela cidade inteira e, quando o encontrasse, faria ele engolir aquele maldito saco de papel.
No entanto, a realidade bateu forte na minha cabeça. O saco estava pesado demais para estar vazio.
Dei uma olhada dentro e me surpreendi. Havia dois bolinhos: um de baunilha, o meu preferido, e o outro de chocolate. Meus olhos se encheram de lágrimas, e um sorriso enorme surgiu no meu rosto. Considerava aquilo um pedido de desculpas pela forma como ele foi na livraria. Afinal, se não fosse isso, só restaria a pena por ter me visto babando na frente da loja. E bem, sou orgulhosa demais para pensar isso de mim mesma.
Enfiei a mão no saco e peguei um bolinho, comi ali mesmo, tão rápido que quase não senti o gosto. Lambi as pontas dos meus dedos, puxando todo o açúcar, e depois peguei o outro bolinho, comi devagar, saboreando cada pedaço. Comi tão devagar que as pessoas que entravam na loja me olhavam estranho.
Aquele momento pareceu revigorar minhas energias, e um plano surgiu na minha mente.
Joguei o saco no lixo e resolvi ir até a pizzaria do vovô, implorar para que ele falasse com minha mãe. Ela nunca recusava nada para o vovô. Se ele dissesse que precisava muito da minha ajuda, ela me deixaria trabalhar lá e, quem sabe, até devolvesse meu celular.
Quanto ao garoto da livraria, anotei mentalmente que deveria agradecer caso voltasse a trombar com ele. Mas depois apaguei a anotação. Não iria encher minha mente com um agradecimento que ele nem merecia. E depois mudei de ideia. Pode dar risada, mas pensei melhor e decidi que, se o encontrasse, iria sim agradecer, mas de uma forma que mostrasse toda a minha superioridade.
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