CINCO || - OTÁVIO
O som do carro soa baixinho, preenchendo o silêncio simpático entre nós. Mariana tem a cabeça contra a janela, o olhar perdido na avenida que passa como um borrão lá fora. O tempo nublado que nos pegou de surpresa hoje, contrasta com o nosso humor. No caso com o da mulher que está ao meu lado, sempre vibrante. Os cabelos que costumam estar soltos estão presos em uma trança lateral, caindo sobre o ombro delgado. Meus dedos coçam tamanha a vontade que tenho de toca - la.
Na verdade, essa ânsia vem me dominando desde o momento que ficou somente de calcinha e sutiã minúsculos na minha frente, no meio da minha sala. A personalidade forte e presente dela me tocam de uma forma que mesmo, nesses anos depois de nos conhecermos, ainda me deixa confuso. Um mar revolto e contraditório de sentimentos, sou eu em noventa e nove por cento do tempo. Sou desperto de meus pensamentos, quando dedos se entrelaçam a minha mão livre. Olho - a rapidamente. Um sorriso radiante desenha seus lábios finos.
- O que?
- Você.
- O que tem eu? - volto minha atenção para o trânsito, mesmo que seja apenas nove da manhã tenho que manter minha atenção fiel a avenida diante de mim.
- Está tão longe mesmo estando aqui, perto de mim.
- Só pensando.
- Em nós? - murmura depois de um tempo. Engulo em seco, pigarreio me preparando. Olho para dentro de mim, vendo o quão fraco estou para lutar contra o que sinto por ela. Esse sentimento tão grande que me descobri sendo inundado. Estar sempre lutando é cansativo.
- Sempre é em você Mariana.
Decido confessar como me sinto. Ainda que isso me coloque totalmente nú e vulnerável mediante seus bonitos, quentes e profundos olhos castanhos. Olhos esses que me enxergam verdadeiramente, em muitos momentos sem a minha permissão. Não arrisco um olhar em sua direção mas ouço com uma nitidez extrema, quando suga o ar com força. Ela parece um tanto surpresa, não a julgo. Também estou.
- Digo o mesmo Otávio. Meus pensamentos são seus.
- Chegamos. - estaciono na vaga que encontro no estacionamento que faz parte do hospital.
Com o carro parado, nenhum de nós ousa descer. Seus dedos estão firmemente enrolados aos meus. Agora tenho ambas as mãos livres, me viro lentamente, observando seu perfil. Nariz pequeno e reto, as maçãs do rosto altas, sobrancelhas desenhadas em perfeição, lábios finos mas que se encaixam perfeitamente nos meus, quando nos beijamos.
- Nosso primeiro encontro será em um hospital? - humor flutua em suas palavras. Me permito rir silenciosamente. Sua atenção se fixa em mim após examinar a entrada do hospital.
- Não estamos em um encontro. - aponto suavemente.
- Para mim era um encontro, assim que fez o convite ontem.
- Bem, pensou errado.
- Estraga prazeres. - soca meu ombro levemente. Passo a mão por meus cabelos, estão grandes mas não ligo.
- Quero que conheça uma pessoa.
- Você teria um irmão? - seus olhos brilham. Bem, essa pergunta me pegou de jeito. Era um desejo antigo que tinha mas morreu assim que Carolina gritou em um dia de tempestade que eu era um erro e que não cometeria esse erro novamente. Desde esse dia em diante, parei de tentar rastejar por um afeto que nunca existiu. - Sempre quis um irmão quando era pequena sabia? - continua falando levemente. Suspiro somente me permitindo ouvir sua voz. - Tinha as crianças no orfanato onde morei a vida toda mas não era aquilo sabe? Nós sempre estávamos lutando pela atenção dos casais que iam nos visitar. Então a união não era nosso forte. - coloca alguns fios do cabelo atrás de sua orelha. - Mas então eu conheci a Bel e nunca mais me senti sozinha sabe? Nela eu tinha a irmã que tanto desejei. Ela estava lá para me apoiar a cada queda que eu sofria ou nos momentos que meu coração era partido por algum idiota. - fecho meus olhos pensando no quanto ela se decepcionou com os projetos de homens com quem se envolveu em sua curta vida.
Como não perceberam que tinham um tesouro em suas mãos? Não menciono a ela sobre seu irmão, o qual descobriu sobre sua existência tem pouco tempo. Ela pode precisar de tempo para assimilar a ideia.
Olhando de um jeito intenso para ela, quero me bater mentalmente, pois eu também estou deixando - a escapar. Um tesouro precioso.
- Otávio? Que cara é essa?
- Eu não tenho um irmão. - digo ao invés disso.
- Oh, que merda ein?
- Sim, uma merda. - esfrego distraidamente minha orelha. - Ela é muito importante para mim e...- de repente ela tapa minha boca, seus olhos arregalados em horror.
- Meu Deus Otávio! Não me diga que é sua esposa e ela está em coma depois que sofreram um acidente de carro! Por isso não me deixa me aproveitar do seu bonito corpo? - não resisti e acabo rindo com gosto através de suas pequenas mãos. Lágrimas deixam meus olhos, quando a risada rasga através de minha garganta. Sua expressão se suaviza por completo e ela me observa com um olhar sonhador no rosto. - Você fica lindo rindo desse jeito.
- Que jeito?
- Sem amarras.
- Acho melhor nós entrarmos, tenho que pegar as crianças as onze.
- Crianças? - dia um pouco perdida.
- Rapha e Vivi vão passar o dia comigo, Ty e Belinda vão sair para um momento só deles.
- Aquele russo safado. - gargalha pegando seu celular, para logo começar a digitar furiosamente. - Não perde uma. - depois de responder mais alguma mensagem, olha em expectativa para mim. - Então, vamos ou não?
- Claro. - salto do carro, dou a volta abrindo sua porta.
Coloca sua bolsa enorme e segue ao meu lado pelo estacionamento ainda vazio. Antes que possamos chegar a entrada onde há uma placa com a palavra "emergência" escrita em letras prateadas e em alto relevo, Mariana novamente toma a iniciativa de envolver sua mão na minha. Interrompo meus passos, vagarosamente meus olhos se prendem ao simples gesto e o aceito. Me lançando uma piscadela, me puxa assim, votamos a caminhar.
Chegando ao balcão extenso de mármore claro da recepção, a mesma funcionária que me atendeu ontem, nos oferece um sorriso cordial assim que nos aproximamos. Depois que nos identificamos, levo - a através dos corredores brancos e tão similares. Quando chegamos ao quarto, tomo uma respiração profunda. Mariana aperta meu braço suavemente, a expressão calma em seu rosto ajuda meus pulmões a voltarem a trabalhar corretamente.
O humor que tinha em seu rosto antes de entrarmos aqui, se foi. No lugar uma mulher que sabe como se portar nessas situações está em seu lugar. Ficando na ponta dos pés, ainda que seus saltos altos sejam quase um atentado as suas pernas, se inclina vagarosamente. Na certa me dando tempo para recuar mas não o faço. É tempo demais resistindo a ela.
Ela me beija. Com toda a suavidade que seus lábios podem me oferecer. Seu suspiro antes de se afastar, é minha oportunidade para avançar. Minha língua mergulha em sua boca, o gosto do café que tomou em meu apartamento, se misturando ao meu. De repente a tenho presa a parede do quarto, não me importo que estejamos em um hospital. Que qualquer um pode nos pegar em uma posição constrangedora. Que eu queira consumir essa mulher com tudo o que sou e tenho. Sem pudor algum, me esfrego nela. Me vejo ficando excitado pelo simples fato de ter minhas mãos em sua pele.
- Hum...senhor Lambertini? - pisco voltando para a realidade. A contra gosto, deixo Mari ir. Ela se segura em mim, dando uma risadinha. Uma enfermeira olha de mim para ela e assim por alguns segundos.
- Sou eu.
- Ela está acordada agora. - meu coração se enche de esperança. Uma que não posso sentir pois seu caso não tem mais jeito.
- Obrigado. - murmuro sentindo o peso do abandono em meus ombros. Agarro a mão da mulher tão diferente de mim ao meu lado, entrando para encontrar um olhar brincalhão no rosto da mulher que é como uma mãe para mim.
- Oh, como ela é lindo menino! - com a mão livre do acesso, chama - nos suavemente. Mari chega a ela primeiro, lhe dando o abraço mais suave que já vi.
- Viu Otávio, eu sou linda. Se considere com sorte.
- Se você diz. - dou de ombros, me sento na poltrona perto da porta.
Sem me dar um segundo olhar, elas se envolvem em uma conversa animada. Falam sobre tudo, a vida de Mariana, seus amigos, seu emprego na universidade e até sua vida amorosa. A qual minha hóspede temporária faz questão de me lançar uma piscadela, informando que vai muito bem. Rindo silenciosamente, redondo alguns e - mails da empresa. Celeste me informa que não terei nenhuma reunião pelo resto da semana, o que me daria uma pausa da qual preciso muito. Não ando dormindo muito bem e vou ter esses dias para que eu possa descansar.
- Ele sempre foi assim. Sério demais. - volto a realidade ao som da voz suave de minha babá. Hoje ela usa um lenço preto com caveiras coloridas estampadas nele.
- Ele chorava muito? - Mari parece muito animada ao falar de mim, como se eu não estivesse a poucos passos delas. Bufo não evitando revirar os olhos.
- Conheci meu menino Otávio quando ele tinha seis anos de idade. Ele teve outras babás mas não ficaram por muito tempo ao redor dele. Dona Carolina quase não passava tempo com ele e...-
Uma crise de tosse a acomete. Decidindo por fim nesse relato, me coloco de pé e chego ao copo com água fresca antes que Mariana, chegue. Ela acaricia os dedos finos e frágeis da mulher que tanto amo. Elas parecem conversar com um olhar, me aproximo da cabeceira da cama hospitalar e guio o canudo transparente direção aos lábios ressecados dela. Com um suspiro de alívio, minha babá bebe o líquido precioso avidamente. Saciada e feliz, sou deixado de lado novamente e assim são minhas próximas duas horas. Mariana com seu jeito único e expansivo de ser arracanado risadas vividas dela. O que fez algo mais para meu coração. Dois anos correndo para longe desse sentimento que me consome vivo para senti - lo explodir através de mim ao observa - la, dando um momento de felicidade a mais para babá Cássia.
[....]
O restante de minha manhã, se passou comigo acompanhando Mariana no shopping. O que devo salientar que odiei. Ela não parou em nenhuma loja com o intuito de fazer alguma compra. Acho que ela me fez andar por todas aquelas lojas somente para me punir , é a única explicação. Voltamos para meu apartamento, com ela elétrica dizendo que o almoço era dela. O que não me decepcionou em nada, ela realmente sabe cozinhar. Tomei um banho depois de ajuda - la a deixar a cozinha em ordem.
Chego a sala, encontrando - a selecionando um filme qualquer na TV. Me sento no sofá de frente para ela. Minhas costas estalam com o movimento, ela ri baixinho solto um grunhido baixo. Cruzo minhas mãos atrás de minha cabeça, a observando.
- Quando vai voltar a trabalhar?
- Está me expulsando? - abre uma bala. Ergo uma sobrancelha surpreso e curioso para saber de onde ela tirou a guloseima. Já que não costumo comprar.
- Não, só curioso.
- Estou de férias.
- Não quis viajar?
- Não, estou economizando para comprar minha casa.
- O que há de errado com a que você mora? - pergunto, sua sobrancelha castanha se ergue. Ergo minhas mãos em sinal de rendição. - Me desculpe, se não quiser responder está no seu direito.
- Eu quero. - dá de ombros abrindo outra bala. Jogando em sua boca. - Quem costuma esconder as coisas aqui é você Otávio.
Diz em um tom suave. Não há acusação em suas palavras. Apenas a verdade pura e crua. A realidade de que realmente procuro deixar pouco de mim, ser de conhecimento de outras pessoas.
- Tem razão.
- Não gosto do lugar onde moro.
- Alguém te fez algo lá? Te ofendeu de alguma forma? - digo rapidamente, me lembrando do lugar mal frequentado onde mora.
- Não, eu só quero novos ares. Um lugar novo.
- Se precisar de ajuda...
- Bel e Nuno estão me ajudando.
A porta se abre, revelando meu amigo e meu quase irmão vestido impecavelmente. Claro em suas roupas de couro pretas, botas, cabelos longos atingindo os ombros amplos e o sorriso que é sua marca registrada. Em seu ombro esquerdo há diversas bolsas, com o que imagino estarem as coisas das crianças e no outro está um Rapha morto para o mundo. A mini cópia do meu amigo, tem o rosto enterrado no pescoço do pai. Me ergo para receber minha sobrinha, que chega até mim com um baque duro. Seus cabelos encaracolados hoje estão domados em uma trança lateral caindo sobre os pequenos ombros.
- Tio Otávio! Estava com saudades. - abre seu mais perfeito sorriso.
- Eu também. - aperto seu nariz.
- Você não foi me ver na escola.
- Não pude e...- esfrego atrás do meu pescoço. Olho para Tyler buscando por socorro. Ele finge não ver, entregando seu filho para Mariana que tem um olhar apaixonado no rosto. - Me ajuda aqui Ty!
- Dê seu jeito, eu te disse sobre a apresentação de dança dela. - gargalhando ele e Mariana trocam um toque que é só deles, que se resume a um toque de mão aberta e dois socos no ar.
- Eu...eu...
Meu celular toca sobre a bancada. Vivi resmunga erguendo ambos os braços para mim. A pego, no mesmo instante ela se enrola em mim como um pequeno carrapato. Vejo o nome de Celeste brilhar na tela do meu aparelho. Praguejando mentalmente, atendo torcendo para que não tenha surgido uma reunião de última hora.
- O que foi Celeste?
- Sou eu tio! - choraminga. Entro em alerta imediatamente. Tyler vem até onde estou e tira sua filha de meus braços mas se mantém ao meu lado e o olhar treinado sobre mim.
- Mateus? O que faz com o celular de sua mãe? Está chorando? - meu amigo tem a preocupação marcando suas feições.
- Elas não param de brigar tio. Vem me buscar?
- Porra! - fecho meus olhos me dando conta do que disse. - Desculpa, onde você está?
- Na empresa, elas estão gritando uma com a outra e...- ele chora um pouco mais. Meu coração se aperta como se estivesse passando em uma máquina de moer carne.
- Em vinte minutos estarei aí tudo bem? Consegue aguentar esse tempo?
- Vem rápido tio, por favor!
- Eu vou! - desligo e sem esperar corro para meu quarto, coloco uma calça jeans qualquer seguido de uma blusa simples cinza e tênis esportivos.
- O que está acontecendo Otávio? - surge na porta, braços como duas toras de madeira cruzados rente ao corpo. Suas tatuagens se destacando em sua pele clara.
- Celeste e Mérida discutindo mais uma vez. - bufamos juntos em seguida ele murmura um palavrão em russo.
- Essas duas tem que se acertar, isso prejudica meu sobrinho.
Concordo silenciosamente, ainda me lembrando do modo como descobrimos a existência de Mateus. Meu amigo ficou tão abalado naquele dia que fez o que nunca tinha feito na vida. Gritar loucamente com uma mulher. Minha secretária se encolheu como se para se proteger mas meu amigo estava muito cego pela dor e raiva para se dar conta disso. Ela nos disse sobre seu filho, fruto de um relacionamento relâmpago que teve com meu primo, Raphael. Morto há anos. Então nós fizemos de tudo para traze - los para nossas vidas e uma vez no mês ele vem para minha casa, assim como para casa de Tyler. No entanto, a rivalidade entre Celeste e a ex sogra não teve fim e elas as vezes discutem, como está acontecendo nesse momento.
- Vou com você busca - lo.
- Tyler, você tem um compromisso. Não...- revirando os olhos e me olhando como se eu fosse um estúpido, me corta.
- Eu vou, minha Bel vai entender.
28/04/20
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